Design em Movimento 1 Adriana de Azevedo Oliveira A palavra design pode ser definida como a área de conhecimento e a prática profissional específicas relativas ao ordenamento estético formal de elementos textuais e não textuais que compõem peças gráficas destinadas à reprodução com objetivo expressamente comunicacional (Villas-Boas, 1998). Desta forma, o designer é o responsável por transformar a mensagem a ser transmitida em uma apresentação que seja compreendida pelas pessoas às quais a mensagem se destina. O designer, portanto, pode ser definido como um intérprete, transformando idéias em formas que representem aquelas idéias. A comunicação visual é tão antiga quanto a humanidade. No Japão, por exemplo, os símbolos já eram utilizados para designar as famílias nobres em 900 a. C. Pode-se afirmar que o ser humano pensa visualmente. "As imagens agem diretamente sobre a percepção do cérebro, impressionando primeiro para serem depois analisadas, ao contrário do que acontece com as palavras" (Strunk, 1989). O ensino sistemático do design começou em 1919, na Alemanha, com a fundação da Bauhaus. Se tratou de uma escola formada com o a orientação da produção estética de todos os gêneros artísticos, sob a supremacia da arquitetura, para a produção industrial em larga escala, visando alcançar toda a população. No Brasil, o ensino de design foi instituído em 1963, com a fundação da ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro. Apesar de recente, o estudo da comunicação visual precisa ser constantemente reavaliado, porque o avanço da tecnologia tem resultado a cada dia em novas ferramentas para a otimização dos projetos. Estas novas ferramentas atualmente permitem ao designer lidar com um novo aspecto da imagem - o movimento. O movimento associado à imagem cria uma ilusão, podendo ser chamado de animação, porque a animação é a ilusão de movimento (Weinman, 1998). A ilusão de movimento foi difundida em nossa sociedade pelos últimos cem anos através do cinema e do desenho animado, tendo seu estudo começado muito antes, em quatro campos: a projeção, o movimento, a fotografia e a fisiologia. A projeção surgiu na China, com as chamadas ‘sombras chinesas’ ou ‘lanternas mágicas’. Estas consistiam em formas recortadas colocadas entre a tela e uma fonte de luz (lareira, por exemplo), resultando em sombras projetadas em uma superfície branca, como um tecido. No ocidente, a projeção foi estudada por Déscartes, no início do século XVII. Dentre os seus trabalhos encontram-se uma câmara ou caixa onde se colocava um ponto luminoso e eram recortadas as formas que se desejava projetar. Ao contrário do que se desenvolveu na China, ao invés de sombras eram usadas formas iluminada e o restante do espaço da projeção sem luz. Utilizava-se também vidros coloridos para modificar a cor da luz que se projetava. No que se refere ao movimento, o disco de Ptolomeu foi o primeiro estudo de ilusão de ótica conhecido. Tratava-se de um disco com setores recobertos de cores diferentes, que apareciam misturadas, quando lhe era conferida uma rápida rotação ao redor do eixo. 2 A fotografia teve seu marco em 1816, com a primeira impressão de uma imagem projetada em uma câmara escura. Em 1860 foi atingido o tempo de apenas 1 segundo de exposição para a foto tirada, o que constituiu a base da fotografia moderna. No campo da fisiologia, no século XVIII d’Arcy avaliou em 13/100 de segundo o tempo necessário para que uma imagem impressione a retina humana. Sem este fenômeno de pregnância da imagem, os homens veriam as imagens de um filme expostas separadas, quadro por quadro, sem ter a ilusão do movimento. A projeção adotada posteriormente pelo cinema expõe 24 quadros por segundo, o que permite uma boa margem de segurança relativa à percepção humana. Porém todos estes estudos permaneceram em segundo plano ou mesmo excluídos dos conhecimentos considerados necessários para a formação do designer quando foi instituído seu estudo sistemático. Este fato se deu porque o campo de atuação profissional era basicamente gráfico, referente à impressão. O designer atuara criando identidades visuais de empresas, que eram impressas em papéis, fardamentos, frota de veículos, além de sinalizações, embalagens, materiais promocionais de ponto de venda, estandes, brindes etc. Este campo de trabalho veio a se alargar ainda mais nas últimas décadas, devido ao avanço tecnológico que culminou com o surgimento da informática. Os computadores foram aprimorados como ferramentas para tratamento de imagens, otimizando a criação de lay-outs, mas também se tornaram o aparelho de acesso a uma nova mídia - a Internet. A Internet é uma rede mundial de computadores cheia de informações espalhadas por vários pontos no mundo. Ela surgiu a partir da ARPANET, uma rede de informações descentralizada criada pelo Departamento de Defesa norte-americano em 1969 com o objetivo de facilitar as comunicações no caso de um ataque nuclear. Sua evolução a partir da união a outras redes gerou a rede mundial, fundada em 1989 com o objetivo de facilitar a troca de informações entre cientistas. Desde 1991 seu acesso deixou de ser exclusivo para cientistas, e hoje qualquer pessoa pode conectá-la, tendo acesso a uma infinidade de informações independentemente de distância. Para isto, a forma mais comum é através de um computador equipado com um modem e um contrato com uma empresa provedora de acesso. Assim, a Internet é um meio de comunicação com um número gigantesco de informações que podem ser vistas em qualquer parte do mundo a qualquer hora. Seu ambiente, o ciberespaço, tem como principal característica ser multimídico, ou seja, apresentar combinação de sons, elementos gráficos, animação e vídeo. Diante de tantas possibilidades, surgiu o desafio para o designer gráfico de continuar realizando seus projetos de comunicação visual considerando as novas possibilidades da Internet. Um de seus maiores problemas é a falta de estudos específicos para esta nova mídia, como proporção, ergonomia e legibilidade associados à tela do computador. Outra questão é a utilização de som e movimento associados à imagem. Na Internet a isto ainda se acrescenta a possibilidade de interação com o usuário. Neste ponto, quando se alia à imagem tantas possibilidades, destaca-se como uma prioridade para a execução de um projeto para a Internet o estudo da semiótica da imagem em movimento. 3 A semiótica pode ser definida como a ciência dos signos (Epstein, 1990), sendo o signo tudo o que, por convenção social, ‘possa ser entendido como algo que está no lugar de outra coisa’ (Eco, 1980). Para todo designer é necessário compreender a transmissão de significados através dos signos, já que toda a comunicação humana se dá através de signos, incluindo as próprias palavras da linguagem. Diante deste cenário, foi proposto um modelo de análise semiótica para imagens em movimento, em monografia desenvolvida no ano de 1999 por Adriana Oliveira como requerimento parcial para obtenção do grau de bacharel em Desenho Industrial / Programação Visual na Universidade Federal de Pernambuco. Este modelo se propõe a investigar as imagens e seus respectivos movimentos em projetos de animações para a Internet. Para a análise dos elementos é proposta a investigação de dois aspectos: um deles, considerando a imagem estática, e outro, considerando o movimento da imagem. O enfoque desta análise se volta para cada elemento, isoladamente, ao invés de estudar o projeto como um todo. Esta escolha considera que o primeiro é necessário para a construção do segundo, de modo que o segundo enfoque não poderia ser considerado sem o estudo prévio proposto por esta análise. A definição dos dois aspectos da imagem, estática e em movimento, se baseia no estabelecimento de um gráfico de visibilidade aplicado a cada imagem. O gráfico adota medidas relativas de tempo e visibilidade, considerando o intervalo de tempo com as medidas de instante inicial, médio e final, e a medida de visibilidade de 0 a 100%. Depois de esboçado o gráfico, a análise do elemento estático deve ser realizada para o instante no qual sua visibilidade foi de 100% e se baseia modelo de análise proposto por Martine Joly, no livro Introdução à Análise da Imagem. Este modelo é testado pela autora em peças publicitárias, considerando o conteúdo apresentado pelo projeto como um todo. Portanto, pelo fato da análise das imagens em movimento ser realizada em elementos isolados, foram feitas algumas adaptações. São considerados os três signos integrantes das mensagens: a Mensagem Plástica, a Mensagem Icônica e a Mensagem Lingüística. A Mensagem Plástica analisada é composta apenas pelos signos plásticos referentes à cor, forma e textura, tendo sido abreviada em relação ao modelo original. A Mensagem Icônica, formada pelos signos icônicos ou figurativos, analisa os signos em quatro aspectos: ‘o que se vê’, ‘o que é o todo’, ‘gênero associado’ e ‘significado’, tendo recebido nomenclatura diferente da utilizada no modelo original para tornar mais clara a visualização dos resultados a partir das fichas. A Mensagem Lingüística se refere às palavras escritas presentes na composição. São considerados a tipografia, suas atribuições de significados e seu conteúdo lingüístico. Além da análise do elemento estático, deve ser realizada a análise do movimento, na qual são definidos aspectos baseados no estudo do movimento realizado pela física, a cinemática. Desta forma, são observados no movimento das imagens a velocidade, a aceleração, a trajetória, o espaço percorrido, o tempo e o ritmo, sendo este a associação entre seu período e freqüência. Além destes aspectos, foram analisados os efeitos atribuídos às imagens, tais como fade-in, fade-out, scale, rotação, morfing, mudança de cor. 4 Na presente análise, a velocidade de um elemento da animação não deve ser calculada numericamente, mas relativa e subjetivamente. A observação dos elementos deve considerar, para definição do que seria velocidade alta ou baixa, o quanto este aspecto facilita ou prejudica a visualização do próprio elemento, além das características icônicas do mesmo. A velocidade alta estaria relacionada com ação, movimento, energia, vibração. A velocidade baixa remeteria à inatividade e tranqüilidade. A aceleração, da mesma forma que a velocidade, não deve ser calculada numericamente, mas sim considerada a sua observação e seu contexto, podendo haver variações de velocidade tão sutis que não sejam percebidas, e conseqüentemente, que não sejam registradas. A ausência de aceleração confere uma certa estabilidade ao movimento, denotando equilíbrio e constância, e a presença da aceleração nos elementos resulta na inquietação no observador, criando a expectativa do que se sucederá em seguida. A desaceleração de um elemento remete ao abrandamento e à acomodação da situação, ou mesmo à estagnação. A trajetória é tomada como o caminho percorrido pelo elemento, devendo ser analisada pela sua forma invisível. Quanto aos significados, é considerado que uma trajetória linear representa objetividade e firmeza, enquanto a trajetória sinuosa denota hesitação e até mesmo excesso. O espaço é observado de acordo com sua localização no campo visual, e sua interpretação está associada ao destaque que a localização lhe confere, segundo a ordem de leitura estabelecida pela cultura ocidental. A medida de tempo também deve ser calculada em valores aproximados. Quanto aos significados, estes serão atribuídos de acordo com cada situação, sendo considerado o tempo da animação do objeto como longo ou curto a partir da comparação com o tempo total da animação. Este aspecto levará em conta o fato de que por quanto mais tempo um elemento estiver inserido na animação mais ele será assimilado e lembrado pelo observador. O período e a freqüência também são analisados relativamente, relacionados aos conceitos de espaço, tempo e trajetória. Quanto aos efeitos visuais, o fade-in e o fade-out, nos quais os objetos surgem e desaparecem a partir de transparência, são uma forma suave de apresentar ou retirar informações. O seu oposto é o surgimento ou desaparecimento súbito, movimento este que causa impacto ao ocorrer exatamente entre dois quadros, sem que o observador possa perceber a evolução do movimento. O scale se constitui na mudança de escala do objeto, o que resulta em um aumento ou diminuição de suas dimensões. Esta alteração, por sua vez, produz uma mudança na hierarquia do elemento em questão, que passa a receber mais ou menos ênfase, de acordo com a situação. A rotação consiste na movimentação do elemento em trajetória circular, cujo eixo pode ser externo ou interno ao objeto. Sua observação se associa à ação, liberdade e força, além de poder ser associada ao comportamento de algum objeto conhecido. O morfing é um efeito de metamorfose, no qual um objeto se modifica visualmente até se transformar em outro. Sua ocorrência gera uma mudança de conceitos e significados no elemento. 5 A mudança de cor também modifica um conceito pré-definido sobre um elemento, no entanto esta modificação geralmente muda as características do mesmo elemento, ao invés de mudar seu conceito. Todos os fatores citados acima devem ser relacionados para cada imagem e seus significados atribuídos de acordo com conceitos gerais já expostos. Por fim, se propõe que o resultado obtido na análise do elemento estático seja comparado com os resultados obtidos na análise do movimento, e assim foi possível observar qual o papel do movimento na atribuição de significados das imagens. O presente modelo apresenta sua importância por desvendar o quanto o movimento pode interferir nas atribuições de significados das imagens, porque, da mesma forma que o designer precisa conhecer a comunicabilidade e os significados que uma imagem evoca para criar projetos gráficos, agora ele necessita, diante das novas tecnologias, conhecer o mesmo sobre o movimento das imagens. É importante ressaltar, no entanto, que a mensagem transmitida pelo o emissor nunca é exatamente e totalmente a mensagem recebida pelo receptor, porque a compreensão e o pensamento humano se constroem através de uma organização estrutural complexa, denominada cognição, e está associada às experiências que cada pessoa somou no decorrer da vida. Em face disto, estabelecer a comunicação visual se torna um desafio para o designer e precisa estar muito bem fundamentada para que seus trabalhos atinjam o objetivo desejado. Por fim, é importante ressaltar que cabe ao designer avaliar mais que o cumprimento de seus objetivos, mas os próprios objetivos, e agir sempre com ética e sabedoria perante a sociedade. Referência bibliográfica: EPSTEIN, Isaac. 1990. O Signo. Série Princípios. Ática: São Paulo. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 1974. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Acabamento: São Paulo. VILLAS-BOAS, André. 1998. O que é [e o que nunca foi] design gráfico. 2a ed. Série Design. 2AB: Rio de Janeiro. WEIMAN, Lynda. 1998. Design Gráfico na Web: Como preparar imagens e mídia para a web. São Paulo: Quark. Bibliografia: CHARENSOL, Georges. 1966. Le Cinéma. Librairie Larousse: Paris. DEELY, John. 1990. Semiótica Básica. Série Fundamentos. Ática: São Paulo. JOLY, Martine. 1996. Introdução à análise da imagem. Tradução Marina Apenzeler. Coleção Ofício de Arte e Forma. Campinas: Papiro. OLIVEIRA, Adriana de Azevedo. 1999. Idéias que se movem em 72 dpi - Um estudo da relação entre forma e conteúdo na web. Monografia de Graduação do Curso de Desenho Industria e Programação Visual da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1999. ___________________ Adriana de Azevedo Oliveira é designer gráfica. Atualmente leciona na Universidade Federal de Pernambuco. Texto copiado do site www.milanesa.com.br em 16.12.2001. 6