SERMÃO DA MONTANHA PARTE II Objetivo central do Sermão da Montanha no Evangelho de São Mateus: apresentar as característica da verdadeira prática da religião, através da exposição sintética do conteúdo da pregação de Jesus Cristo. Ao fazê-lo, São Mateus apresenta a originalidade e autonomia do cristianismo em relação ao judaísmo. Em seu conteúdo, o Sermão da Montanha é multitemático, como demonstramos a seguir. Vv 13-16 – Sal da Terra e Luz do Mundo : chamado para a missão. Ideia central: “Cada cristão há de lutar pela sua santificação pessoal, mas também pela santificação dos outros1. Implica em dizer que o discípulo de Jesus, seguindo o exemplo do Mestre, assume um compromisso com o mundo que o rodeia. Este compromisso é representado pelas imagens do “sal “e da “luz”, e deriva do mandamento supremo da caridade. O sal possui dois efeitos fundamentais: o de preservar os alimentos da corrupção e o de melhorar o seu sabor. Assim, o cristão possui a missão de preservar o mundo da corrupção e, ao mesmo tempo, levar todas as coisas ao cumprimento de seu fim, segundo a justiça (ordem estabelecida por Deus). Quando perde estas propriedades, o sal para nada mais serve. Semelhante é a condição do discípulo de Cristo que não se esforça por viver uma vida cristã autêntica. Existe aqui um claro chamado à autenticidade de vida. Sobre a figura da luz, santa Terezinha do Menino Jesus comenta esta passagem da seguinte forma: “Agora adivinho que a verdadeira caridade consiste em suportar todos os defeitos do próximo, em não estranhar as suas debilidades, em edificar-se com as suas menores virtudes; mas aprendi especialmente que a caridade não deve permanecer encerrada no fundo do coração pois ‘não se acende uma luz para a colocar debaixo de um alqueire, mas sobre o velador a fim de alumiar todos os que estão em casa’. Parece-me que esta tocha representa a caridade que deve iluminar e alegrar não só aqueles que mais amo, mas todos os que estão em casa2”. vv. 17-20 – Jesus e a Lei. Estes versículos introduzem a longa lista de antítese apresentadas no corpo do discurso (vv. 21-48) e são um exemplo de como Jesus leva à plenitude a Lei de Moisés, explicando o seu significado e as exigências que contêm. Comentário Ev Mateus, Universidade de Navarra. Sta Teresina do Menino Jesus, História de uma alma, cap.9, cit, in Comentário E. de Mateus, Universidade de Navarra. 1 2 Ideia central: em Jesus Cristo encontramos o significado pleno da Lei. Ensinamentos contidos: exortação à superação da justiça dos fariseus; validade dos ensinamentos morais da Lei do A.T, com a diferença que Jesus Cristo revela o seu significado pleno; imutabilidade da Lei de Deus. vv. 21-26 Primeira antítese: “Ouviste que foi dito aos antigos: ‘Não cometerás homicídio! (Ex 20,13: Dt 5,17)...Em verdade, eu vos digo... Jesus estende o significado desta lei: não se trata apenas de não cometer homicídio físico, mas de não cometer homicídio moral. Observe que o texto exemplifica homicídio moral com ações de ira, e com atos de fala: “quem disser ao seu irmão imbecil (raca, designa um grande desprezo) deverá responder perante o sinédrio; quem chamar seu irmão de louco poderá ser condenado ao fogo do inferno”. Daqui, a gravidade dos pecados contra a caridade: murmuração, difamação e calúnia. Mais ainda, em sua reformulação, Jesus acrescenta o dever (mudança de formulação do negativo para uma ação positiva ou proativa) de reconciliar-se (vv.23-24). O exemplo referido por Jesus diz respeito as práticas rituais judaicas de seu tempo. Os cristão, estão em uma situação diferente. No Novo Testamento, a oferenda por excelência é a Eucaristia. Ainda que à Santa Missa se deva assistir sempre nos dias de preceito, é sabido que para a recepção da Sagrada Comunhão se requer, como condição estar reconciliado com Deus, com a Igreja e ao menos em nível interior e no que depende de nós, reconciliado com os irmãos. A reconciliação dos pecados se faz mediante o Sacramento da Confissão cuja eficácia depende do arrependimento verdadeiro seguido do propósito de conversão. vv. 27-30 “Ouviste o que foi dito: ‘ Não cometerás adultério’. (Ex 20,14; Dt 5,18) No A.T, apenas se considerava pecado o adultério e o desejo da mulher do próximo. Jesus estende as exigências desta lei a todo o desejo impuro, voltado à pessoa casada ou não. “A proibição dos vícios implica sempre um aspecto positivo, que é a virtude contrária. A santa pureza é, como toda a virtude, positiva: nasce do primeiro mandamento e para ele se ordena. ‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma e com toda a tua mente’(Mt 22,37)3. Os versículos 29-30 tratam da necessidade de afastar-se das ocasiões de pecado, de modo geral. 3 Comen. Ev Mateus, Universidade de Navarra. vv. 31-32 “Foi dito também: ‘Quem despedir sua mulher dê-lhe um atestado de divórcio’. (Dt 24,1). Ver tb Mt 19,4-6; Ef 1,31; I Cor 7,10. Nestes textos, Jesus revoga o divórcio tolerado pela Lei de Moisés. O que em realidade Dt faz é a instituição da Carta de Libelo à mulher que fora repudiada, uma vez que só era permitido que o homem repudiasse a mulher. A condição de inferioridade social da mulher no V.T é notória e factual. De qualquer forma, a Carta de Libelo é instituída em função da dureza de coração dos hebreus. As uniões ilícitas ou ilegítimas não significam uma exceção ao princípio da indissolubilidade do matrimônio que Jesus institui. A clausula citada, quase com toda a certeza, se refere a certas uniões admitidas na antiguidade pelos povos pagãos, mas proibidas pelas leis de Moisés por serem incestuosas (Lev 18). vv. 33-37 ‘Não jurarás falso’ mas cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor’ (Lev. 19,12; Num 30,3; Is 66,1) Jesus procura restabelecer a confiança mútua da hombridade de bem e da sinceridade. O demônio é o “pai da mentira”(Jo 8,44). A Igreja de Cristo não pode tolerar relações humanas baseadas no engano, na hipocrisia. Deus é a verdade, e os filhos do Reino têm, pois, que fundamentar as suas relações na verdade. Jesus conclui com uma exaltação da sinceridade. vv. 38-42 ‘Olho por olho e dente por dente’(Ex 21,24; Dt 19,21) Entre os antigos emitas, dos quais procede o povo hebraico, imperava a lei da vingança. Isto dava lugar à intermináveis lutas e crimes. A lei de talião constitui naqueles primeiros séculos do povo eleito um avanço ético, social e jurídico, que consistia no castigo não poder ser maior que o delito, e que cortava pela raiz toda a reiteração punitiva. No N.T Jesus dá o avanço definitivo para um ensinamento fundamental: o sentido do perdão e a superação do orgulho, baseados no mandamento da caridade. Os três últimos versículos referem-se à caridade mútua entre os filhos do Reino. vv. 43-48 “Amarás o teu próximo e odiarás os teus inimigos .(Lv. 19,18) Ora eu vos digo: Amai os vossos inimigos...” Jesus Cristo viveu, em primeira pessoa, este preceito com aqueles que o crucificaram. Seguindo o seu exemplo, os cristãos não possuem inimigos, não sentem ninguém como inimigos, não cultivam inimizades pessoais. Trata-se aqui de uma aplicação concreta da Bem-aventurança para os misericordiosos, anunciada no exórdio do Sermão da Montanha. Os Publicanos citados no v.46, eram cobradores de impostos, em geral Judeus nomeados pelo Império Romano, e que cobravam, além do valor repassado ao Império, uma sobretaxa com a qual viviam e que, não poucas vezes, era arbitrária. Por isso, eram considerados pelos judeus como traidores que espoliavam o povo eleito em favor dos romanos. O versículo 48 resume todos os ensinamentos do capítulo, incluídas as Bem-Aventuranças. Estas, em realidade, constituem um retrato do próprio Cristo, modelo de humanidade para todos os seres humanos. A exortação “Sede, portanto, perfeitos como o vosso pai celeste é perfeito”, quer dizer que a perfeição divina deve ser o modelo para o qual há de tender o fiel cristão. Recordando que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, pode-se presumir que esta perfeição a qual somos chamados é em realidade, inerente ao próprio homem e não conflita com a sua natureza. Conflita sim, com as consequências da natureza humana decaída (concupiscência) e por isso, o ser humano deve livremente esforçar-se e encaminhar-se para esta perfeição, contando com a ajuda da graça de Deus. No fundo, o ser humano, mesmo sem saber, tende e deseja essa perfeição. Neste sentido, tanto as Bem-aventuranças, quanto todos os ensinamentos contidos no Sermão na Montanha, encaminham o ser humano à plenitude do seu ser e de sua existência. Evidente que entre Deus e o homem existe uma distância infinita. A perfeição a que somos chamados a imitar não se refere ao poder e à sabedoria de Deus, que superam as nossas possibilidades. Pelo contexto, a perfeição que devemos imitar é o amor, a misericórdia e as virtudes. Esta perfeição encaminha o ser humano à participação da vida divina. Aqui, é necessário lembrar que esta participação só é possível pela ação da Graça de Deus. Só Ele pode encurtar efetivamente a distância existente entre o Criador (Deus) e a criatura (Homem). E Deus, em seu amor infinito, o fez de uma vez por todas na Encarnação. E o faz sobremaneira mediante o efeito da Graça que dispensa através dos sacramentos. Bibliografia Bíblia Sagrada – Santos Evangelhos – Anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, Ed. Theologica, Braga, 1994. Bíblia Sagrada, Tradução CNBB Bruno Maggioni, Il racconto di Matteo, Ed. Cittadella, Assisi, 2009. Daniel Rops, A vida quotidiana na Palestina no tempo de Jesus, Ed Livros do Brasil, Lisboa. Jacques Dupont, Le Beatitudini, Ed. Paoline, Torino, 1992. Jorge Loring, S.I, Los Evangelios – 2000 dudas resueltas, Ed Planeta, Barcelona, 2002. Rudolf Schnackenburg, La persona de Jesucristo reflejada en los cuatro Evangelios, Ed Helder, Barcelona, 1998 Vicente Balaguer (ed), Compreender los Evangelios, EUNSA, Pamplona, 2005