Origem, contexto geopolítico de surgimento e o significado da expressão “choque de civilizações” Geografia – 3º Bimestre – Prof. Ronaldo Origem 1964 – Bernard Lewis, um professor universitário britânico pouco conhecido, lançou a expressão “choque de civilizações” que ficaria famosa. A visão de um “choque de civilizações”, contrapondo duas entidades claramente definidas, o “Islã” e o “Ocidente” (ou a “civilização judeu-cristã”), está no centro do pensamento de Lewis. 1993- Samuel P. Huntington, economista estadunidense retomou a fórmula do “choque de civilizações” em um célebre artigo que escreveu para uma importante revista científica americana (Foreign Affairs). O texto fez tanto sucesso e despertou tanta polêmica que levou o seu autor a ampliá-lo e, em 1996, Huntington publicou o livro O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial O contexto geopolítico em que surgiu e seu significado O postulado (princípio ou fato reconhecido, mas não demonstrado) de Huntington constitui um esforço de compreensão do mundo e do novo quadro das relações internacionais emergentes da implosão soviética, depois que as tensões políticas da Velha Ordem Bipolar deixaram de subordinar um ou outro bloco ideológico. Para Huntington são as várias identidades culturais do mundo que modelam as coesões, as desintegrações e os conflitos em uma Nova Ordem Mundial pós-Guerra Fria, em que, inclusive, Estados se aliam, ou não, em função dos sentimentos de pertencimento civilizacional. Ele defende que o futuro da humanidade poderá ser determinado pelo confronto entre diferentes civilizações (mapa p.44 do caderno do aluno), com a adesão a religiões e características culturais comuns. Afirma Huntington: "Minha tese é de que a fonte fundamental de conflito nesse novo mundo não será essencialmente ideológica nem econômica. As grandes divisões na humanidade e a fonte predominante de conflito serão de ordem cultural. As nações-Estado continuarão a ser os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas os principais conflitos ocorrerão entre nações e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global. As linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha do futuro." Samuel P. Huntington. A expressão “choque de civilizações” adquiriu grande repercussão no contexto de incertezas da Nova Ordem Mundial, logo após a Guerra Fria, quando o mundo se deparou com a eclosão de conflitos isolados, motivados por rivalidades étnico-religiosas e culturais contidos em sua maioria por regimes totalitários, como na ex-URSS e na antiga Iugoslávia. Problematização e reflexão crítica Desde o fim da Guerra Fria, a maioria das guerras ocorre entre povos de civilizações diferentes (por exemplo, o conflito Israel-Palestina, as Guerras do Golfo, a desintegração da antiga Iugoslávia, a instabilidade na Caxemira, a luta pela independência da Chechênia, a atual presença anglo-americana no Iraque). Para o crítico literário e ativista da causa palestina, Edward Said (na sua obra: Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente), Huntington falha por tratar a cultura como algo monolítico (rígido/petrificado), imutável e homogêneo, isto é, por não considerar as inquietações existentes sempre dentro de cada cultural. Para Said, a tese do “choque de civilizações” fundamenta-se na perspectiva de uma separação rigorosa entre diferentes culturas, desconsiderando os diversos fluxos que caracterizam o mundo de hoje, o que torna impossível a qualquer cultura se manter completamente isolada das outras (por exemplo, as migrações, as misturas e o intercâmbio de culturas). Said demonstra que o Oriente é uma construção imaginada por autores ocidentais e reúne povos tão distintos que não faz sentido usar o Oriente como uma unidade de análise ou denominador comum. O autor ainda completa: “ a ideia de choque de civilizações tem um aspecto caricatural muito nocivo, como se enormes entidades chamadas "Ocidente" e "Islã" estivessem num ringue, lutando para ver qual é a melhor. Essa imagem das civilizações exibindo seus músculos uma para a outra como Brutus e Popeye no desenho animado é de uma infantilidade atroz”. Em vez de compreender os conflitos conhecendo as fronteiras intercivilizacionais do mundo, como propõe Huntington, muitos outros estudiosos analisam as tensões político-militares entre Estados, atores, grupos e nações tomando por base o conhecimento da geografia dos recursos vitais (como nos trabalhos de Noam Chomsky). Para exemplificar: Colinas de Golã (região assegurada pelos israelitas para garantir o fornecimento de água); o território do Iraque, onde os estadunidenses procuram maximizar o controle sobre o petróleo. Explicar a conflitualidade por intermédio do critério civilizacional ou religioso representa, muitas vezes, colocar em segundo plano os interesses mais ou menos legítimos dos atores internacionais, correndo-se o risco de certo reducionismo no entendimento da geografia do mundo atual em virtude de se desconsiderar fatores geopolíticos, históricos, disputas econômicas, etc. Na opinião de muitos estudiosos (Chomsky, Said, etc.) os conflitos atuais estão vinculados à imposição de um modelo geopolítico e econômico controlado pelos países ricos e suas corporações (disputa por recursos vitais, como o petróleo). A visão de mundo baseada na teoria do “choque de civilizações” de Huntington favorece ainda a disseminação de uma imagem deturpada do islamismo, associando-o, de maneira equivocada e simplista, ao fundamentalismo religioso, além de desconsiderar as mudanças a que estão expostas as diferentes culturas diante dos fluxos de informação e de pessoas o contexto da globalização.