Realizar concurso para PM - Ministério Público do Estado do

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA
FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PALMAS, ESTADO DO TOCANTINS.
Notícia de Fato nº 001/2012/GECEP
Somos um exército, o exército de um homem só
No difícil exercício de viver em paz
Somos um exército, o exército de um homem só
Sem bandeira
Sem fronteiras
Pra defender
Pra defender
(Engenheiros do Hawaii)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS, por
seus Promotores de Justiça ao final assinados, titular da ___ Promotoria de Justiça da
Capital e em exercício no Grupo Especial de Controle Externo da Atividade Policial
(GECEP), no uso de suas atribuições constitucionais e legais, mormente as conferidas
pelo artigo 129, inciso III da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alínea “b” da Lei
n° 8.625/93 e artigo 5o. I da Lei n. 7.347/85, vem à presença de Vossa Excelência
ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
VISANDO A DEFESA DO DIREITO DIFUSO À SEGURANÇA PÚBLICA
em desfavor do ESTADO DO TOCANTINS, pessoa jurídica de
direito público interno, com sede no Palácio Araguaia, situado
na Praça dos Girassóis, em Palmas/TO, devendo ser citado na
pessoa do Sr. Procurador-Geral do Estado, podendo ser
localizado na Procuradoria-Geral do Estado do Tocantins,
também sediada na Praça dos Girassóis, em razão dos fatos e
fundamentos a seguir expostos:
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
DOS FATOS E DO DIREITO
Através de notícias veiculadas na imprensa tocantinense,
chegou ao conhecimento do Ministério Público que o Estado do Tocantins prepara a
realização de concurso público para provimento de vagas nos quadros da Polícia
Militar.
De maneira preventiva, o Grupo Especial de Controle Externo
da Atividade Policial (GECEP), do Ministério Público do Estado do Tocantins, autuou a
Notícia de Fato n. _____/2012, passando a solicitar informações sobre o aludido
concurso.
Inicialmente, foram expedidos os Ofícios n. 013/2012 (reiterado
pelo n. 021/2012) e 022/2012 – GECEP/OBJ, endereçados, respectivamente, ao então
Comandante-Geral da Polícia Militar e a Secretária Estadual de Planejamento.
Através dos mencionados expedientes foram solicitadas
informações sobre o ventilado concurso público da Polícia Militar do Tocantins.
A Exma. Sra. Secretária Estadual de Planejamento e
Modernização da Gestão informou que tal Secretaria “está encarregada apenas pelo
processo licitatório para a contratação da empresa conforme termo de referência
elaborado pela Polícia Militar do Estado do Tocantins, ficando a cargo da mesma a
responsabilidade pela realização do certame” (fl. ____).
Por seu turno, o então Comandante-Geral informou ao
Ministério Público que “Após autorização do Executivo Estadual, foi designado uma
Comissão de Policiais Militares para realizar os procedimentos necessários ao
concurso público, porém, sua tramitação esbarra no cumprimento de prazos,
obedecendo a Lei 8.666/93, de modo que ainda não existe edital do concurso. A
empresa responsável pela elaboração, correção e aplicação das provas, fase
intelectual do concurso, será definida após procedimento licitatório a cargo da
Comissão Permanente de Licitação da Secretaria Estadual do Planejamento e da
Modernização da Gestão Pública – SEPLAN”, sendo certo, contudo, que “O certame
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visa o preenchimento de 300 (trezentas) vagas para a graduação de soldado da
Polícia Militar, em conformidade com o que foi autorizado pelo Exmo Governador do
Estado” (fl. _____).
Ocorre que, conforme se vê dos documentos de fls. ____/____,
encaminhados pela própria Polícia Militar, as 300 (trezentas) vagas a serem providas
não serão capazes nem mesmo de amenizar a grave crise de segurança pública que o
Estado do Tocantins enfrenta.
Com efeito, o Anexo Único à Lei Estadual n. 2.576, de 20 de
abril de 2012, que estabelece o “quadro de fixação do efetivo da Polícia Militar do
Estado do Tocantins” estatui que o “Quadro de Praças Policiais Militares – QPPM”
é formado por 3.650 (três mil seiscentos e cinquenta) soldados, além de outros
50 (cinquenta) soldados do Quadro de Praças de Saúde (QPS) e 40 (quarenta) do
Quadro de Praças Especialistas (QPE), totalizando 3.740 (três mil setecentos e
quarenta) cargos de soldado.
Enquanto isso, o mapa de efetivos do mês de julho de 2012
informa que o Estado do Tocantins conta (partindo da premissa de que essa
realidade não piorou!) com 14 (catorze) soldados, donde se conclui que 3.726
(três mil setecentos e vinte e seis) cargos de Soldado estão vagos atualmente.
14!!! 14 briosos soldados nos quadros da Polícia Militar do
Tocantins, enquanto a Lei prevê 3.740 (três mil setecentos e quarenta) cargos.
Para piorar, prevê-se que no prazo de 4 (quatro) anos, lapso
máximo de validade do concurso público que se avizinha (artigo 37, III, CF), ao menos
485 (quatrocentos e oitenta e cinco) policiais militares passem para a inatividade,
isso sem contar os tempos averbados ou a averbar, os que serão exonerados (a
pedido ou não) ou eventualmente expulsos, conforme informação oficial à fl. _____.
É certo dizer, pois, que ao término de validade do certame
que ainda nem se iniciou, o concurso público da Polícia Militar não terá sido
capaz nem mesmo de trazer para os seus quadros contingente igual àquele
previsto para ingressar na inatividade.
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Bem ao contrário disso, o déficit ainda aumentaria em 185
(cento e oitenta e cinco) vagas.
Isso levou o Ministério Público, na esperança de solver o
problema administrativamente, a expedir o Ofício n. 037/2012 – GECEP/OBJ (fls.
____/____), questionando o Comandante-Geral da Polícia Militar (1) acerca do critério
para o estabelecimento das parcas 300 (trezentas) vagas, (2) se há possibilidade de
aumento das vagas em disputa, (3) quantas vagas serão disponibilizadas para
cadastro de reserva, (4) quantas vagas para nomeação e posse estão contempladas
na previsão orçamentária e (5) se o Plano Plurianual prevê a necessidade de
ocupação de cargos vagos na Polícia Militar.
Sobreveio, então, a resposta de fls. ____/_____, onde o
Comandante-Geral reiterou que o concurso visa preencher 300 (trezentas) vagas para
a graduação de soldado da Polícia Militar do Estado do Tocantins, quantitativo atingido
“em observância a capacidade financeira orçamentária do Estado, haja vista que,
conforme preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal vigente, a Folha de Pagamento
da Pasta não pode ultrapassar o limite prudencial estabelecido”, não havendo previsão
para o aumento do quantitativo para esse concurso, embora haja possibilidade de
prorrogação e, assim, convocação de candidatos do cadastro de reserva.
Não obstante a resposta tenha sido lacônica (não informando a
quantidade de vagas para cadastro de reserva, nem tenha mostrado, concretamente,
a previsão orçamentária ou aludido ao PPA, fato é que a Polícia Militar, por seu
Comandante, não se sensibilizou com a gritante distorção e nem se mostrou sensível
à solução do problema, permanecendo inflexível no quantitativo em disputa: parcas
300 vagas.
Daí a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário, como
único meio de buscar a proteção da sociedade, que, desamparada, assiste atônita ao
crescimento avassalador da criminalidade no Estado do Tocantins, cujo “exército” não
é de um homem só, mas 14 soldados espalhados por seu largo território.
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O Tocantins até há pouco era um Estado pacato, de
criminalidade eventual, esporádica, onde se via agir homicidas de ocasião, furtadores,
roubadores e pequenos traficantes.
A realidade mudou radicalmente, mas o Estado parece não ver
e não perceber que a (in)segurança pública está em jogo.
Basta abrir qualquer jornal para se constatar, sem esforço, que
a criminalidade violenta e organizada tem dominado o Estado, esparramada e agindo
de norte a sul.
Exemplificativamente, vale observar
as notícias de fls.
___/____, extraídas de diversos veículos de comunicação.
Percebe-se, da simples leitura, que o Tocantins vem sendo
alvo de criminosos, que aqui tem buscado agir por se tratar de um Estado ausente,
onde a Polícia Militar já não se faz presente nas pequenas e mesmo nas maiores
cidades.
Para se ter uma ideia, noticiou-se recentemente que um dos
assaltantes a banco mais procurados do Brasil (Rubens Ramalho de Araújo) foi
localizado em Palmas/TO, onde estava escondido.
Rubens é tido como líder do “novo cangaço”, modalidade de
assalto a banco onde os criminosos cercam cidades do interior com armamento
pesado, fazem reféns e levam tudo o que podem das agências bancárias, ação
deveras facilitadas pela falta da Polícia Militar, como responsável pelo policiamento
ostensivo, nas cidades interioranas.
Evidente que criminoso desse “gabarito” não veio para o
Tocantins por acaso. Mas o curioso mesmo é que, a par da crescimento criminalidade
e das várias ações de assalto a banco no Tocantins, a prisão de Rubens Ramalho de
Araújo, conforme notícia de fl. ____, foi realizada por policiais da 1a Delegacia
Especialidade de Repressão a Organizações Criminosas (DEROC) de Belo
Horizonte, e não por policiais tocantinenses.
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Extorsões mediante sequestro, crime quase inexistente no
Estado há poucos anos, já não é mais matéria nova por aqui, tendo se alastrado por
várias cidades.
O tráfico de drogas se enraizou e se espalhou, com quilos e
mais quilos de cocaína, crack e maconha sendo apreendidos (imagine-se, então, o
que não vem sendo traficado), no mais das vezes pela Polícia Rodoviária Federal e
não pelas forças de segurança pública do Estado, como se vê às fls. ___/____.
A insegurança chegou a tal ponto que, por mais absurdo que
possa parecer, após ser vítima de tentativa de homicídio, Jhonatan Silva dos Santos
foi socorrido e levado ao Hospital Regional de Araguaína (HRA), onde, em tese,
deveria recuperar sua saúde. Entretanto, Jhonatan foi assassinado no interior do HRA,
conforme se vê à fl. _____, tendo os três homicidas invadido encapuzados o
nosocômio, rendido vigilantes e executado a vítima com disparos de arma de fogo na
cabeça.
A partir de então, constrangidos com tão grave e repugnante
fato, agora (só agora?) reconhecendo a crise na segurança pública, o atual
Comandante-Geral da Polícia Militar e representantes das Secretarias de Segurança
Pública e de Justiça e Direitos Humanos foram à imprensa para noticiar que vão
adotar providências (fl. ____).
A mesma notícia, todavia, deixa evidente o problema:
Onda de criminalidade
Tomada pela insegurança e ausência de efetivo nas Polícias Civil e
Militar, Araguaína vem sendo atormentada pela crescente onda de
criminalidade, além do consumo e venda desenfreada de drogas.
Pela segunda vez, bandidos invadiram o Hospital Regional de Araguaína
para executar pacientes. Nesta última, Jhonatan Silva Santos, 18 anos, já
estava ferido por quatro tiros quando dois homens encapuzados renderam
o vigilante do Hospital e entraram na unidade pelo acesso da Diretoria e
dispararam contra o jovem que veio a óbito.
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Outro crime bárbaro que chocou a população nas últimas semanas foi o
assassinato do presidente interino do Sindicato dos Professores (Sintet),
Fabriciano Borges Correia, 39 anos. O professor foi encontrado morto na
manhã do último dia 08 em sua residência localizada na Rua Santa Inês,
Setor Raizal. O corpo do sindicalista estava com os pés, mãos e pescoço
amarrados com fios de energia.
Se o Estado por vontade própria não age para resguardar
direitos fundamentais do cidadão, cabe ao Poder Judiciário, dando guarida a ação do
Ministério Público, compeli-lo a agir.
Com efeito, o Estado Brasileiro se comprometeu a assegurar
os direitos fundamentais do cidadão, entre eles a segurança, conforme anuncia a
Constituição Federal já em seu preâmbulo:
PREÂMBULO
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Mas a Constituição Federal foi além, definindo:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
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V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.
E para que a prometida segurança pudesse existir, a
Constituição da República disse:
DA SEGURANÇA PÚBLICA
Art.
144.
A
segurança
pública,
dever
do
Estado,
direito
e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
...
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação
da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das
atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa
civil.
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças
auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as
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polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios.
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos
responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a
eficiência de suas atividades.
Note-se que, para garantir a segurança pública, deve o Estado
contar com a Polícia Militar, com a função de polícia ostensiva e de preservação da
ordem pública.
No entanto, por evidente, não basta contar com Polícia
Militar “no papel”, porque é a própria Carta da República que determina que sua
organização e funcionamento deve ser de maneira a garantir a eficiência de suas
atividades.
E
nem
poderia
ser
diferente,
porque,
integrando
a
Administração Pública, a Polícia Militar se submete aos ditames do artigo 37, caput da
Constituição Federal, segundo o qual “A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência”.
Forçoso concluir que, dando vazão ao § 7º do artigo 144, CF,
o Estado do Tocantins editou a já citada Lei n. 2.576/2012, cujo Anexo Único,
buscando garantir organização e funcionamento eficiente das atividades da
Polícia Militar, previu que a população contará com 3.740 (três mil setecentos e
quarenta) soldados para preservação da segurança coletiva.
Conclusão lógica e inafastável é que, por óbvio, 14
(catorze) soldados, ou mesmo 314 (trezentos e catorze), se considerado o futuro
preenchimento de míseras 300 (trezentas) vagas no anunciado concurso, são
insuficientes para a organização e funcionamento adequados de uma
corporação que deve contar com 3.740 soldados.
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O direito à segurança, expressamente previsto na Constituição
Federal, pode ser classificado como direito fundamental de 2a geração (ou
dimensão).
Os direitos fundamentais de segunda geração, ou sociais, na
acertada lembrança de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, têm por objeto “uma
contraprestação sob a forma da prestação de um serviço. O serviço escolar, quanto ao
direito à educação, o serviço médico-sanitário-hospitalar, quanto ao direito à saúde, os
serviços desportivos, para o lazer etc.”1
Acerca desses direitos, ressalta o mesmo autor que:
O sujeito passivo desses direitos é o Estado. É este posto como
responsável pelo atendimento aos direitos sociais.
Na Constituição brasileira de 1988 isso é cristalino. O texto afirma
“dever do Estado” propiciar proteção à saúde (art. 196), à educação (art.
205), à cultura (art. 215), ao lazer, pelo desporto (art. 217), pelo turismo
(art. 180) etc. Igualmente o direito ao trabalho que se garante pelo socorro
da previdência social ao desempregado (art. 201, IV).2
É o mesmo Manoel Gonçalves que ainda diz:
A garantia que o Estado, como expressão da coletividade organizada,
dá a esses direitos é a instituição dos serviços públicos a eles
correspondentes. Trata-se de uma garantia institucional, portanto.
Foi aliás a obrigação de atender a esses direitos que ditou a expansão dos
serviços públicos, dos anos vinte para a frente. Isso gera pesados
encargos diretamente para o Estado e indiretamente para os contribuintes,
o que contemporaneamente suscita um repensar a propósito desses
direitos. Impõe-se a pergunta: até que ponto o Estado deve dar o
atendimento a esses direitos, até que ponto deve apenas amparar a busca
dos indivíduos pelo atendimento desses direitos?3
1
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 50.
2
Op. cit., p. 50.
3
Op. cit., p. 51.
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Sobre a pergunta deixada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
Flávia Piovesan assevera que:
em face da indivisibilidade dos direitos humanos,
há de ser
definitivamente afastada a equivocada noção de que uma classe de
direitos
(a
dos
direitos
civis
e
políticos)
merece
inteiro
reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (a dos
direitos sociais, econômicos e culturais), ao revés, não merece
qualquer observância. Sob a ótica normativa internacional, está
definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais,
econômicos e culturais não são direitos legais. A ideia da nãoacionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não
científica. São eles autênticos e verdadeiros direitos fundamentais,
acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância.
Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como
caridade, generosidade ou compaixão.4
José Marinho Paulo Júnior sustenta:
E se assevere de plano: as políticas públicas são sindicáveis pelo
Poder Judiciário. Havendo transgressão frontal a direito prestacional,
cabe sim ao Poder Judiciário a função de retificar a conduta administrativa,
se revestida de ilegalidade ou inconstitucionalidade, mesmo quando
escorada em “discricionariedade”.5
É o caso, portanto, de intervenção do Poder Judiciário para
garantir o direito difuso à segurança, como direito fundamental de segunda geração,
demandando do Estado uma atividade positiva.
Canotilho anota:
4
PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos, culturais e direitos civis e políticos. Revista
do advogado, São Paulo, Ano 23, n. 73, p. 63, nov. 2003.
5
PAULO JÚNIOR. José Marinho. O Ministério Público e a concretização de direitos
prestacionais – sindicabilidade de políticas públicas e prestação judicial de serviço público. In
VELLELA, Patrícia (coord.). Ministério Público e políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009, p. 140.
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Relativamente aos direitos, liberdades e garantias, a Constituição
portuguesa garante e protege um núcleo essencial destes direitos contra
leis restritivas (núcleo essencial como reduto último de defesa). Coloca-se
também o problema de saber se os direitos económicos, sociais e culturais
exigem a garantia de um núcleo essencial como condição do mínimo de
existência (núcleo essencial como standard mínimo). Das várias normas
sociais, económicas e culturais é possível deduzir-se um princípio jurídico
estruturante de toda a ordem económico-social portuguesa: todos
(princípio da universalidade) têm um direito fundamental a um núcleo
básico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights),
na ausência do qual o estado português se deve considerar infractor.
Nesta perspectiva, o “rendimento mínimo garantido”, as “prestações de
assistência social básica”, o ”subsídio de desemprego” são verdadeiros
direitos sociais originariamente derivados da constituição sempre que eles
constituam o standard mínimo de existência indispensável à fruição de
qualquer direito.6
No Brasil a teoria do mínimo existencial vem ganhando
relevo e, conquanto imponha restrições, deixa claro que é necessário que o Judiciário
intervenha em políticas públicas para assegurar direitos fundamentais.
Cabe aqui a valiosa contribuição de Cláudio Pereira de Souza
Neto:
(...) Uma das questões que ocupam o centro do debate contemporâneo é
exatamente a de determinar em que grau de intensidade e de abrangência
o Judiciário pode concretizar direitos como os à saúde, à educação, ao
trabalho, ao lazer, à moradia etc. Uma plêiade de autores e correntes de
pensamento se pronunciou sobre o tema, variando as posições desde uma
afirmação da total possibilidade de concretização jurisdicional desses
direitos, sob o argumento de que, se se tratam de norma jusfundamental
positiva, devem ser concretizados, nos termos do § 1º, do art. 5º, da
6
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra:
Almedina, p. 511.
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Constituição Federal, até a negação de que cabe ao Judiciário interferir
nessa seara, visto que as questões sociais têm nas políticas públicas o seu
meio de excelência de efetivação. Esta última posição enfatiza, sobretudo,
que a concretização de direitos sociais depende de opções de caráter
orçamentário, em vista do fato da escassez de recursos – da qual
decorrem os limites da chamada reserva do possível – e que a legitimidade
para a prática de tais decisões deve ser do Executivo e do Legislativo,
legitimados democraticamente. O presente escrito não tem a pretensão de
inventariar todas as teorias que buscam dar uma resposta a esse
problema, e, muito menos, oferecer uma proposta conclusiva abrangente.
Por ora, nos limitaremos a apresentar uma das teorias que buscaram
enfrentá-lo a partir do ponto de vista do conteúdo material (e que se
destaca por sua influência no pensamento jurídico brasileiro) – a
teoria do mínimo existencial. Após isso, já no item IV, apresentaremos
uma outra teoria, não alternativa, mas complementar: observaremos como
o
tema
da
abrangência
do
sistema
de
direitos
fundamentais,
especialmente no tocante aos direitos sociais, pode ser entendido à luz da
noção de democracia deliberativa – a qual fornece alguns outros critérios
materiais, não abarcados pela teoria do mínimo existencial, para o
estabelecimento de plena efetividade para certos direitos sociais.
A teoria do mínimo existencial se encontra entre as duas outras posições
extremadas antes mencionadas. Em linhas gerais, o conceito de mínimo
existencial serve à finalidade central de estabelecer quais são os direitos
sociais que representam condições para o exercício efetivo da liberdade,
entendida como autonomia privada, i.e., os direitos sociais não são
considerados prima facie direitos fundamentais: sua fundamentalidade é
derivada da liberdade, esta sim, por si só, fundamental. Como enfatiza o
Prof. Ricardo Lobo Torres, que tem sido o maior defensor desse ponto de
vista na literatura jurídica brasileira, o conceito de mínimo existencial exibe
o status positivus libertatis. É nesse sentido que a doutrina tem utilizado o
termo liberdade para, ou liberdade real, em contraposição à liberdade de,
no âmbito da qual não há preocupações maiores com as condições sociais
da liberdade. A teoria do mínimo existencial parte, assim, do pressuposto
de que fundamentais são só os direitos de primeira geração: os demais só
podem sê-lo em decorrência da fundamentalidade destes. Parte-se da
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compreensão segundo a qual, sem condições sociais mínimas, o ser
humano não pode efetivamente gozar sua liberdade – elevada a critério
central para a aferição da legitimidade da organização social. Daí resulta
que é uma prerrogativa do Poder Judiciário realizar a concretização dessa
esfera mínima dos direitos sociais, independentemente das políticas
públicas implementadas pelo Executivo e pelo Legislativo. Observe-se que,
a despeito de sua inspiração eminentemente liberal, não há nesta teoria a
pretensão de que as políticas públicas estatais se restrinjam ao mínimo
existencial, deixando ao mercado a realização do que estiver além disso.
Também o estado, para esse ponto de vista, pode realizar a justiça social.
O que se busca é o estabelecimento de um critério material para legitimar
a atividade especificamente judicial. Essa teoria leva à conclusão de que,
mesmo que a norma não possua todos os elementos formais para a
atribuição de plena eficácia – como ocorre, p. ex., segundo José Afonso da
Silva, com o direito à saúde –, e independentemente de aferição de
disponibilidade orçamentária, cabe ao Judiciário, dentro dos limites do
mínimo existencial, concretizá-la, já que estão presentes os elementos
materiais necessários para tanto. Assim, se, por um lado, a teoria limita a
normatividade dos direitos sociais situados na periferia da esfera do
mínimo
existencial,
por
outro
lado,
incrementa
ao
máximo
da
normatividade dos que estão nela contidos, podendo estes ser
considerados direitos materialmente fundamentais.7
É evidente que o direito à segurança está contido pelo
menos no conceito de mínimo existencial, porque sem ele não se exerce nem
mesmo o direito à liberdade, clássico e mais nítido direito fundamental de primeira
geração, não se vive dignamente e coloca-se em iminente risco o próprio direito à
vida, situações que vêm bem demonstradas no Estado do Tocantins pelo avassalador
avanço da violência, com extorsões mediante sequestro, homicídios em sequência e
até dentro de hospitais, roubos a banco, explosões de caixas eletrônicos etc.
7
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais:
uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático. In BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relação privadas. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, p. 308-312.
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No dias atuais não se pode conceber que a Constituição
Federal e as leis conferidas por representantes do povo sejam meras cartas de
intenções, sem efetividade prática, ao livre arbítrio do administrador implantar ou não
um serviço público, atender ou não a um direito essencial de segunda geração que
toca a um sem-número de pessoas.
Cláudio Tenório Figueiredo Aguiar escreve:
Merece ainda referência a costumeiramente motivação apresentada pelos
Poderes Executivo e Legislativo no sentido de justificar determinadas
omissões relevantes no tocante à implementação de políticas públicas,
apontando a limitação orçamentária de recursos finitos como causa para a
inércia. Não se nega que a escassez de recursos, sempre incapazes
de dar conta de todas as necessidades da população, seja uma
realidade presente, conduzindo o Estado às escolhas trágicas sob o
manto da reserva do possível, porém, no que toca à essência dos
direitos fundamentais, essa justificativa não seduz, sendo certo que
uma parte significativa desses recursos públicos se esvai pelo
caminho da corrupção, da lavagem de dinheiro e da sonegação fiscal,
o que exige mecanismos eficazes de controle do sangramento dessas
verbas por aqueles que resolveram assumir posição de destaque na
política nacional.
Há, portanto, que se constatar a obrigação que recai sobre os
Poderes Executivo e Legislativo quanto à implementação de políticas
públicas voltadas à concretização do núcleo essencial dos direitos
fundamentais e, consequentemente, a possibilidade de atuação do
Ministério Público perante o Poder Judiciário com o objetivo de
combater as omissões ou insuficiências que estejam sendo
constatadas sem que se possa opor a democracia contra a defesa do
mínimo
existencial,
sendo
orientada
nesse
exato
sentido
a
jurisprudência de nossos tribunais superiores.
…
A teoria do núcleo essencial dos direitos fundamentais parece ser
adequada para delimitar a área de atuação obrigatória do Estado e da
Sociedade sobre a qual não há justificativa para a inadimplência ou
15
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
inércia, sob pena de restar inviabilizada a existência do próprio
Estado de Direito. Relativamente a este espectro, não será possível
qualquer margem de discricionariedade política, havendo total
vinculação do legislador, do administrador, do juiz e das pessoas.8
Cumpre aqui gizar algumas palavras sobre a discricionariedade
administrativa, sempre invocada para o descumprimento de preceitos constitucionais.
Celso Antônio Bandeira de Mello enfatiza que:
Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva
tipificação legal do único possível comportamento da Administração em
face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a
Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva
alguma.
Atos “discricionários”, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica
com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios
de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que
adstrita à lei reguladora da expedição deles.
A diferença nuclear entre ambos residiria em que nos primeiros a
Administração não dispõe de liberdade alguma, posto que a lei já regulou
antecipadamente em todos os aspectos o comportamento a ser adotado,
enquanto nos segundos a disciplina legal deixa ao administrador certa
liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso,
impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios
próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor
meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa a realizar.9
A premissa básica é a seguinte: havendo somente uma
conduta legalmente permitida, está o administrador vinculado a ela; havendo duas ou
mais condutas legais aceitáveis, poderá a Administração, fazendo um juízo de
8
AGUIAR, Cláudio Tenório Figueiredo. O Ministério Público e a implementação de políticas
públicas – dever institucional de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. In VILLELA,
Patrícia (coord.). Ministério Público e políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 10-13.
9
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 394.
16
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conveniência e oportunidade, consistente no mérito do ato administrativo, optar por
uma delas.
Destaca Alexandre de Moraes que:
Em regra será defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato
administrativo, cabendo-lhe unicamente examiná-lo pelo aspecto de sua
legalidade
e
moralidade,
isto
é,
se
foi
praticado
conforme
ou
contrariamente ao ordenamento jurídico.
Essa solução tem como fundamento básico o princípio da separação dos
poderes (CF, artigo 2º), de maneira que a verificação das razões de
conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos escapa ao
controle jurisdicional do Estado. Não existe, porém, nenhum ato
absolutamente discricionário, pois tal fato converter-se-ia em
arbitrariedade.
...
O Estado de Direito exige a vinculação das autoridades ao Direito, e,
portanto, o administrador, ao editar um ato discricionário, deve respeito a
seus elementos de competência, forma e finalidade, bem como a
veracidade dos pressupostos fáticos para sua edição (motivo).10
Esta compreensão toca diretamente com o tema tratado nesta
ação, na medida em que não se pode considerar como imune ao controle judicial
o ato administrativo que resulta, na prática, na quase negação do direito
fundamental à segurança, quando há Lei que determina, obriga, compele o
Estado a prover 3.740 cargos de soldado, como única forma de garantir a
organização e o funcionamento eficientes da Polícia Militar, instituição essencial
à garantia da segurança pública.
Portanto, a abertura de concurso para preenchimento de
somente 300 vagas na Polícia Militar é ato administrativo que enseja violação à
legislação, incluindo os princípios constitucionais, podendo perfeitamente ser
controlado pelo Judiciário.
10
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006,
p. 118.
17
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Segundo Fernanda Marinela:
a existência de norma definidora da liberdade administrativa não é o
bastante para concluir-se que exista discrição na prática de um
determinado ato, este requisito é indispensável, porém não suficiente.
Exige-se, ainda, uma análise do caso concreto, tendo em vista que
conceitos vagos ou indeterminados só proporcionam discricionariedade em
situações duvidosas e quando é possível mais de uma opinião razoável
para a situação. Portanto, o simples fato da lei estabelecer liberdade para
o administrador, não significa que este poderá fazer dela o uso que bem
entender. Exige-se o comportamento ideal, compatível com todo o
ordenamento jurídico e apto no caso concreto a atender com
perfeição à finalidade da norma.
Destarte, a discricionariedade existe, em razão da complexidade e da
variedade dos problemas e visa proporcionar ao administrador, em
cada caso, a melhor escolha para o interesse público, devendo ser
observada a disposição legal e o caso concreto para definição de sua
presença.11
Quanto ao controle dos atos da Administração pelo Judiciário,
a mesma autora destaca:
Neste cenário, reconhece-se a possibilidade de análise pelo Judiciário
dos atos administrativos que não obedeçam à lei, bem como
daqueles que ofendam princípios constitucionais, tais como: a
moralidade, a eficiência, a razoabilidade, a proporcionalidade, além de
outros.12
Valter Foleto Santin também diz:
O princípio da razoabilidade impõe o seguimento de critérios racionais e
razoáveis pelo agente público, com postura sensata e equilibrada, para
11
12
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. Salvador: JusPodivm, 2005, v. 1, p. 171.
Op. cit., p. 197.
18
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valoração e escolha de atos com aptidão a impor os valores e finalidades
legais. É considerado um fator limitador da discricionariedade do
administrador público.13
Ainda nesta ótica, Fernando Rodrigues Martins deixa claro que:
apesar dessa margem de liberdade, não está o administrador, nestas
circunstâncias, livre para fazer o que bem deseja; pelo contrário, hoje o
poder discricionário da Administração Pública afeiçoa-se muito mais
a um dever do que a uma faculdade.
...
Posto isto, pode-se concluir que o controle dos atos vinculados faz-se
através da observância do princípio de legalidade e moralidade, enquanto
os atos discricionários são verificados não somente na órbita da
legalidade,
mas
conveniência,
ou
também
seja,
na
seu
esfera
próprio
da
oportunidade
mérito,
e
levando-se
da
em
consideração a finalidade da lei e a razoabilidade da decisão do
administrador.14
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO
ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO.
1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do
Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de
conveniência e oportunidade do administrador.
2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução
de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução
do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo
orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e
determinadas.
13
SANTIN, Valter Foleto. Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na
prevenção e repressão ao crime. São Paulo: RT, 2004, p. 233.
14
MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público: comentários à lei de
improbidade administrativa. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 178-179.
19
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- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
4. Recurso especial provido.
(REsp. 493.811/SP – Rel. Min. Eliana Calmon – 2ª Turma – data do
julgamento 11/11/2003 – DJ 15/03/2004, p. 236).
Cumpre, pois, ao Judiciário analisar o ato administrativo com o
olho voltado para os princípios constitucionais, inclusive o da proporcionalidade e da
razoabilidade.
Não é aceitável, razoável, proporcional que o Estado conte
com 14 soldados, que faça concurso para o provimento de 300 vagas quando a Lei
exige o provimento de 3.740 cargos, ainda mais quando a previsão é que 485 policiais
militares passem para a inatividade no período de validade do certame, gerando déficit
ainda maior, tudo sob o argumento de falta de orçamento.
Incisiva, neste aspecto, a doutrina de José Marinho Paulo
Júnior:
Inexiste presunção de veracidade da alegação da Fazenda Pública no
sentido de não haver recursos para adimplir sua obrigação, devendo,
ao revés, provar o que alega. É insustentável afirmar-se a carência de
recursos e se manterem vultosos gastos em publicidade ou obras
voluptuárias – diante de tal contraste, o juízo pode fazer prevalecer a
despesa que se mostre juridicamente (e não politicamente) primordial,
como bem vislumbrado por nosso brilhante colega Aarão Reis.
É óbvio que a escolha de como se atingem tais metas cabe ao
administrador,
e
justamente
nesse
ponto
residiria
alguma
discricionariedade. No entanto, ao não atendê-las minimamente, seja
por não adotar qualquer política pública de efetividade dos direitos
fundamentais, seja por adotar políticas claramente deficitárias,
privilegiando
outras
metas
que
não
as
constitucionalmente
estabelecidas, estará sujeito ao crivo jurisdicional.
Não há pensar em presunção de inexistência de verba diante de falta
de dotação específica. Antes e bem ao contrário, há a certeza imanente
no sentido de que o Estado haverá de adimplir sempre suas obrigações
em face de presumir-se solvente sempre. A par da possibilidade de se
20
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
transferirem receitas dentre de uma mesma categoria orçamentária
sem necessidade de autorização legislativa, é bastante corriqueira a
prática de o orçamento conter cláusula genérica que desde logo
permita ao administrador, sem necessidade de anuência do Poder
Legislativo, deslocar determinada porcentagem das receitas para
projetos que entenda de primeira importância. Tudo isto sem
mencionar a abertura de créditos especiais e complementares para gastos
imprevistos inicialmente.15
Logicamente cabe ao Ministério Público fiscalizar, e ao
Judiciário controlar esses atos administrativos que desbordam dos princípios
constitucional, tal qual o que agora se questiona. A discricionariedade administrativa
não pode chegar a esse ponto.
Toma aqui relevo a ação civil pública como instrumento apto a
fazer valer, em juízo, os direitos assegurados na Constituição Federal.
A Carta da República definiu inúmeros direitos individuais,
sociais e mesmo coletivos e difusos, a exemplo da segurança, objeto desta ação. Ao
agir desta forma, o Estado abraçou a obrigação de tutelá-los efetivamente,
chamando para si o dever de impedir que a proteção de tais direitos seja
deficiente.
A deficiência da proteção importa no reconhecimento da
violação
à
própria
Constituição
Federal,
por
ofensa
ao
princípio
da
proporcionalidade.
Sobre o tema, Edílson Mougenot Bonfim escreve:
Por fim, a outra modalidade do princípio da proporcionalidade – esta
praticamente desconhecida na doutrina e na jurisprudência nacionais
– é a da “proibição da proteção deficiente” ou princípio da proibição
da infraproteção (Untermassverbot, dos alemães), pela qual se
compreende que, uma vez que o Estado se compromete pela via
15
Op. cit., p. 146-147.
21
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
constitucional a tutelar bens e valores fundamentais (vida, liberdade,
honra, etc.), deve fazê-lo obrigatoriamente na melhor medida
possível. Desse modo, assegura-se não somente uma garantia do
cidadão perante os excessos do Estado na restrição dos direitos
fundamentais (princípio da proibição de excesso) – a chamada “proteção
vertical”, na medida em que os cidadãos têm no princípio da
proporcionalidade (modalidade proibição do excesso) um anteparo
constitucional contra o poder do Estado (verticalizado, portanto, de “cima
para baixo”) – mas também uma garantia dos cidadãos contra
agressões de terceiros – “proteção horizontal” –, no qual o Estado
atua como garante eficaz dos cidadãos, impedindo tais agressões
(tutelando
eficazmente
o
valor
“segurança”,
garantido
constitucionalmente) ou punindo os agressores (valor “justiça”,
assegurado pela Constituição Federal). Dessa forma, pelo “princípio
da infraproteção”, toda atividade estatal que infringi-lo seria nula, ou
seja, inquina-se o ato jurídico violador do princípio com a sanção de
nulidade.
Note-se que ambas as modalidades do princípio da proporcionalidade
(proibição de excesso e proibição de proteção deficiente) se aplicam
não somente à criação da lei processual (dirigindo o princípio ao
Poder Legislativo), mas também à aplicação da lei processual
(dirigindo o princípio do Poder Judiciário). Uma das consequências, a
nosso sentir, da violação do princípio da proporcionalidade em
qualquer de suas vertentes é a possibilidade, não somente por parte
da parte prejudicada, de sustentar a nulidade do ato judicial (ou
inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Legislativo) viciado por
meio de recursos ordinários, como pré-questionar a violação da
Constituição Federal, podendo fundamentar e interpor até mesmo
recurso extraordinário, socorrendo-se assim do Supremo Tribunal
Federal, como guardião da Constituição Federal.16
Discorrendo sobre a proibição de proteção deficiente na órbita
penal, mas aqui em tudo aplicável, Maria Luiza Schafer Streck diz:
16
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 63-64.
22
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
(...)
o
Estado
também
poderá
deixar
de
proteger
direitos
fundamentais, atuando de modo deficiente/insuficiente, ou seja,
deixando de atuar e proteger direitos mínimos assegurados pela
Constituição. A partir disso, vislumbra-se o outro lado da proteção
estatal, o da proibição de proteção deficiente (ou insuficiente),
chamada no direito Alemão de Untermassverbot.
(...)
Portanto, o Estado Democrático de Direito, não exige mais somente
uma garantia de defesa dos direitos e liberdades fundamentais contra
o Estado, mas também, uma defesa contra qualquer poder social de
fato!
Estamos falando, então, nas palavras de Dieter Grimm, da proibição de “ir
longe demais” (Übermassvebot), em contraponto com a proibição de “fazer
muito pouco” (Untermassverbot), ambos mecanismos semelhantes, porém,
vistos de ângulos diferentes. Daí que “quando um direito é invocado como
direito negativo a questão é saber se o legislador foi longe demais.
Quando é invocado como direito positivo ou dever de proteção
(Schutzpflicht) a questão é saber se ele fez muito pouco para proteger
o direito ameaçado”. Assim, só haverá a possibilidade de se reconhecer
a proibição de proteção deficiente quando se estiver face a um dever de
proteção, isto é, para explicar melhor, a Untermassverbot tem como
condição de possibilidade o Schutzpflicht.17
E continua:
Pode-se concluir, então, que o desenvolvimento dos direitos fundamentais
como direitos de necessária e obrigatória proteção sugeriram como um
desdobramento na concepção da noção de proporcionalidade: a
infraproteção
passaria
a
ser
também
objeto
inconstitucionalidade.18
17
STRECK, Maria Luiza Schafer. O direito penal e o princípio da proibição de proteção
deficiente: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais. 2008. 161 f. Dissertação (Mestrado) –
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Direito, p. 79-81
18
Op. cit., p. 84.
23
de
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
Ora, é patente que o provimento de menos de 10% (dez por
cento) do número de soldados previsto em lei representa uma proteção
deficiente, insuficiente ao bem jurídico segurança, direito fundamental resguardado
pela Constituição Federal, traduzindo-se nitidamente em ofensa ao princípio da
proporcionalidade, na vertente de proibição de infraproteção ou proteção deficiente.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito (em
precedente do próprio Tocantins), reconhecendo que o Estado tem o dever de
proteger adequadamente os direitos fundamentais, sendo proibida, portanto, a
infraproteção:
Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais
não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote),
expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote).
Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas
uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma
proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm
Canaris, Grundrechtswirkungen um Verhältnismässigkeitsprinzip in der
richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p.
161).
Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a perspectiva dos
direitos à organização e ao procedimento (Recht auf Organization und auf
Verfahren), que são aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua
realização, de providências estatais com vistas à criação e conformação de
órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação.
Parece lógico, portanto, que a efetividade desse direito fundamental à
proteção da criança e do adolescente não prescinde da ação estatal
positiva no sentido da criação de certas condições fáticas, sempre
dependentes dos recursos financeiros de que dispõe o Estado, e de
sistemas de órgãos e procedimentos voltados a essa finalidade.
(...)
Não há dúvida quanto à possibilidade jurídica de determinação
judicial para o Poder Executivo concretizar políticas públicas
constitucionalmente definidas, como no presente caso, em que o
comando constitucional exige, com absoluta prioridade, a proteção dos
24
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
direitos das crianças e dos adolescentes, claramente definida no Estatuto
da Criança e do Adolescente. Assim também já decidiu o Superior Tribunal
de Justiça (STJ-Resp 630.765/SP, 1ª Turma, relator Luiz Fux, DJ
12.09.2005).
No presente caso, vislumbra-se possível proteção insuficiente dos
direitos da criança e do adolescente pelo Estado, que deve ser
coibida, conforme já destacado. O Poder Judiciário não está a criar
políticas públicas, nem usurpa a iniciativa do Poder Executivo.
(Suspensão de liminar 235-0 Tocantins – Min. Gilmar Mendes – data
08/07/2008)
Décio Alonso Gomes, tratando de política criminal e da
superada ideia de ser vedado ao Poder Judiciário se imiscuir em políticas públicas
leciona, de maneira brilhante, que:
O Estado Democrático de Direito estabelece compromissos dos entes
públicos com a sociedade, sendo certo que, nos termos do art. 144 da
Constituição da República, segurança pública é dever do Estado e direito
de todos, devendo ser exercida para preservação da ordem pública,
incolumidade das pessoas e do patrimônio. E, dentro da ideia de que ao
Estado Moderno compete não só assegurar as liberdade públicas
como, efetivamente, disponibilizar direitos sociais prestacionais à
comunidade, dúvida não resta de que as ações de segurança pública
mostram-se indispensáveis para a manutenção e preservação de um
pacífico convívio gregário. Em síntese apertada, segurança pública
configura serviço público coletivo essencial.
A qualidade do serviço prestado no âmbito da segurança pública
(estatal) arvora-se em tema prioritário no seio comunitário. A
sociedade capitalista gira em torno da venda e do consumo do bem
“segurança”, sendo certo que os menos afortunados aguardam o correto
cumprimento do dever prestacional do Estado.
O sistema autofágico estatal mostra toda sua incoerência numa leitura
perfunctória. Como a realização de um Estado Social (welfare state)
demanda recursos (financeiros, materiais e humanos) e criatividade, os
gestores públicos optam usualmente pelo caminho mais simples da sua
25
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
conversão em um Estado Penal (penal state), com a exclusão e seleção
dos despossuídos e a aplicação do sistema jurídico-penal quase
exclusivamente a estas pessoas (até porque, dentro da linha do que é aqui
delineado, a falta de recursos e pessoas impossibilita o investimento do
Estado em uma investigação criminal séria e não-seletiva): adota-se,
então, a máxima utilitarista do Estado Penal Máximo e Estado Social
Mínimo.
Neste enfoque, a falta de estrutura estatal aos órgãos encarregados
pela segurança pública inviabiliza a realização de qualquer trabalho,
ficando sua atuação restrita, como já vem se tornando usual, à
pequena criminalidade que, por questões que transcendem esta
análise, é identificada na prática e delitos. A criminalidade de grande
danosidade, quase sempre com infiltração em órgãos públicos, por outro
lado, fica à margem da atuação policial por uma miríade de fatores.
Assim, resta ao Poder Judiciário, guardião último das necessidades
públicas, o papel de salvaguarda deste falido e olvidado sistema.
Ocorre que a inércia judicial, de um lado, e os indizíveis interesses
privados, de outro, fazem com que a máquina judiciária não seja
movimentada,
impedindo
a
implementação
dos
mínimos
direitos
fundamentais (individuais ou sociais/coletivos). Cada vez mais é
necessária
decisão
política
para
instrumentalizar
os
direitos
constitucionais, conferindo eficácia à norma jurídica. E, diante da
conjuntura nacional e realidade política experimentada, cada vez mais é
necessária a intervenção do Judiciário para fazer valer estes direitos
constitucionais.
No entanto, doutrina e jurisprudência ainda apresentam incrível
resistência à ideia de ingerência do Poder Judiciário sobre os demais
Poderes instituídos, mormente no que concerne à definição de metas
prioritárias em se de políticas públicas.
Ocorre que tal realidade não reflete mais os anseios modernos por
justiça, mormente quando sopesado o completo escárnio estatal aos
direitos fundamentais da coletividade. Assim, importante destacar a
inexistência de espaço para que se alegue a ultrapassada e
corriqueira justificativa de que a imposição judicial de obrigação de
fazer viola a independência dos poderes, tese incompatível com o
26
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
Estado Democrático de Direito já experimentado há quase dois
decênios.
A Administração Pública deve pautar seus atos de acordo não apenas
com a legalidade, mas também com os princípios constitucionais que
a regem. Ainda que se questione a possibilidade de enfrentamento do
mérito administrativo, é possível o controle do denominado controle de
resultados: ao invés de controlar o mérito e a eficiência, prenuncia-se o
controle do demérito e da ineficiência, à vista dos resultados
concretamente obtidos. Diante da ideia de que é dever do EstadoAdministração oferecer segurança pública à população, havendo
comprovada ineficiência deste tipo de serviço público por causa do
déficit de patrimônio humano, presente omissão estatal em assegurar
o que é direito da coletividade, não resta outro caminho senão a
provocação do Poder
Judiciário para o restabelecimento da
legalidade via controle judicial.19
Por último, na forma do que se está a sustentar nesta ação,
apreciando o § 7º do artigo 144, CF, que exige que a Polícia Militar seja organizada e
estruturada de forma a garantir sua eficiência, Valter Foleto Santin diz:
O
desempenho da atividade de forma especial
é exigência
constitucional, seja pela determinação do constituinte ao legislador de
regulamentação da organização e funcionamento dos órgãos responsáveis
pela segurança pública para “garantir a eficiência de suas atividades” (art.
144, § 7º, CF), seja pelo princípio geral da administração pública agir com
eficiência (art. 37, caput, CF). Tudo que afrontar a finalidade de
desempenho satisfatório do serviço, a eficiência da atividade,
compromete o princípio constitucional da eficiência e a determinação
do constituinte de fornecimento de serviço adequado.
A política de segurança pública deve visar necessariamente a
eficiência
do
serviço
respectivo,
podendo
ser
inquinada
de
inconstitucional ou desconforme à Constituição Federal na hipótese
de
19
desvio
desta
finalidade,
provocada
por
organização,
GOMES, Décio Alonso. Política criminal brasileira e o papel do Ministério Público. In
VILLELA, Patrícia (coord.). Ministério Público e políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,
p. 34-36.
27
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
funcionamento e desempenho de atividades ou serviços não
direcionados à eficiência ou que não atendam ao referido requisito e
padrão de qualidade.20
Deste modo, a abertura de concurso para 300 vagas na Polícia
Militar, deixando mais de 3.000 cargos de soldado em aberto, representa patente
violação ao princípio da proibição de proteção deficiente, ofende os artigos 37, caput e
144, § 7º da Carta da República e exige intervenção do Judiciário para compelir o
Estado a prover as vagas previstas em lei, como adiante será pedido.
Os gráficos a seguir mostram a insuficiência e a necessidade
de atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário:
Situação atual: 3.740 cargos de Soldado
Situação futura: 3.740 cargos de Soldado
14 cargos providos
314 providos (já com o concurso)
DA TUTELA ANTECIPADA
Preliminarmente, merece ser destacado que o instituto da tutela
antecipada, previsto nos artigos 273 e 461, § 3° do Código de Processo Civil, é
plenamente aplicável à ação civil pública, a qual tramita pelo procedimento comum,
sobretudo o ordinário, sendo-lhe subsidiário o Código de Processo Civil (artigo 19 da
Lei n° 7.347/85).
No caso vertente, onde se pretende a obtenção de tutela
específica de obrigação de fazer, a antecipação deve ser concedida, haja vista que os
20
Op. cit., p. 114.
28
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
requisitos exigidos pelo artigo 461, § 3° do Código de Processo Civil, quais sejam, o
fumus boni juris e o periculum in mora encontram-se presentes.
O fumus boni juris encontra-se consubstanciado primeiramente na
documentação que acompanha a inicial, onde se vê que milhares de cargos de
soldado estão desprovidos e que o Estado do Tocantins, resistente ao cumprimento de
suas obrigações, está organizando um concurso para o provimento de apenas 300
vagas.
Outrossim, a fumaça do bom direito está atestada por todo o
regramento constitucional da matéria, a exigir que o Estado preste segurança ao
cidadão. Mas não basta qualquer segurança pública e nem mesmo a sua existência
formal, “no papel”. A Constituição foi muito além, exigindo que o serviço seja
adequado e eficiente. E aqui, além da cláusula geral do artigo 37, caput, o constituinte
fez questão de enfatizar que os serviços de segurança necessariamente devem ser
eficientes. É isso o que está previsto no artigo 144, § 7º, justificando a exigindo a
pronta intervenção do Judiciário.
Está provado de forma cabal que o Estado do Tocantins
desobedece a um conjunto de normas regentes da matéria, violando direito
fundamental do cidadão, deixando patente o fumus boni juris.
Quanto ao requisito do periculum in mora, vale ressaltar que o
Estado vem enfrentando séria crise de segurança. A alarmante e crescente
criminalidade, inclusive organizada, com delitos cada vez mais graves e atentatórios
às forças estatais, com brutal homicídio (verdadeira execução) ocorrendo até no
interior de hospital, evidencia o manifesto descaso com a segurança pública,
aniquilando direito assegurado na Constituição, situação que tende a se agravar
diariamente, seja pela falta de contingente policial, seja porque os atuais integrantes
da Polícia Militar estão, evidentemente, passando para a reserva, exonerando etc.
Ademais, conforme informado pelo então Comandante-Geral da
Polícia Militar, as providências administrativas para a realização do concurso já
estão em andamento, mas com previsão de somente 300 vagas, de modo que a
29
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS
- GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
antecipação de tutela deve ser deferida para que a medida possa surtir efeito
antes do término do certame.
Caso a tutela antecipada não seja concedida, o provimento final
será ineficaz, porque novo concurso deveria ser aberto, situação muito mais difícil e
burocrática, a emperrar a eventual decisão judicial.
Está em xeque, no caso, o direito fundamental a segurança. A
decisão não pode tardar.
Essas circunstâncias geram danos de difícil reparação ou até
mesmo irreparáveis, com violação diária aos direitos básicos do cidadão.
Não resta dúvida de que o requisito do periculum in mora se
encontra presente e o Poder Judiciário não pode ser conivente com a continuidade da
situação ilícita aqui retratada, que causa enormes à coletividade, razão pela qual se
faz imperativa a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo
Ministério Público.
Entretanto, tendo em vista que a providência gerará dispêndio de
vultosa quantia para pagamento dos futuros policiais, a decisão deverá prever os
prazos para sua implementação.
Destarte, o que pretende o Ministério Público é que, ao longo do
prazo de validade do concurso, 4 (quatro) anos, seja feita a nomeação e posse
gradativa dos aprovados, até que as 3.740 cargos sejam providos.
Requer-se, pois, a concessão da tutela antecipada (ou liminar, se
assim entender Vossa Excelência) para compelir o requerido a:
1) abrir o concurso público da Polícia Militar do Estado do Tocantins, no prazo de
90 (noventa dias), para o preenchimento de todos os cargos de Soldado vagos
até o dia da publicação do edital, seguindo-o até homologação, conforme
cronograma que deverá constar do próprio edital;
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2) nomear e empossar os candidatos aprovados, da seguinte forma: até o final do
ano de 2013, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de
Soldado; até o final do ano de 2014, 25% (vinte e cinco por cento) de
provimento dos cargos de Soldado; até o final do ano de 2015, 25% (vinte e
cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; até o final do ano de
2016, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado,
completando-se assim o quadro de Soldados previsto em Lei;
3) seja fixada multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial
pretendida, tal como previsto no artigo 11 da Lei da nº 7.347/85 e no artigo 461
do Código de Processo Civil.
Essa multa, a vigorar diariamente ao final dos prazos concedidos,
deverá ser fixada em desfavor das pessoas físicas do Governador do Estado do
Tocantins e do Comandante-Geral da Polícia Militar, ou de quem vier a lhes
suceder nos cargos.
Só assim, atingindo diretamente as pessoas dos gestores,
responsáveis diretos pelos atos de execução da Administração, a medida terá algum
efeito prático, não onerando ainda mais o cidadão, que se já não conta com adequada
segurança pública, ainda teria que arcar com a multa pela ineficiência dos
governantes.
Pede-se que a multa diária seja cominada no patamar mínimo
de R$ 1.000,00 (mil reais) para cada um dos responsáveis.
DOS PEDIDOS
Ante o exposto, o Ministério Público do Estado do Tocantins
requer:
1. a concessão de tutela antecipada, na forma acima pleiteada, após ouvido o
Estado do Tocantins no prazo de 72 horas, sob pena de pagar multa diária
no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a incidir contra as pessoas físicas do
Governador do Estado do Tocantins e do Comandante-Geral ad Polícia
Militar, destinada ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85;
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2. a citação do requerido para, querendo, contestar a ação no prazo legal, sob
pena de revelia e confissão ficta;
3. ao final, sejam julgados procedentes os pedidos, confirmando-se a tutela
antecipada, compelindo o Estado do Tocantins a abrir o concurso público da
Polícia Militar do Estado do Tocantins, no prazo de 90 (noventa dias), para o
preenchimento de todos os cargos de Soldado vagos até o dia da
publicação do edital, seguindo-o até homologação, conforme cronograma
que deverá constar do próprio edital, nomeando-se e empossando-se os
candidatos aprovados, da seguinte forma: 3.1. até o final do ano de 2013,
25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; 3.2. até
o final do ano de 2014, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos
cargos de Soldado; 3.3. até o final do ano de 2015, 25% (vinte e cinco por
cento) de provimento dos cargos de Soldado; 3.4.até o final do ano de 2016,
25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado,
completando-se assim o quadro de Soldados previsto em Lei;
4. para o cumprimento da decisão, seja fixada multa diária no valor de R$
1.000,00 (mil reais), a incidir contra as pessoas físicas do Governador do
Estado do Tocantins e do Comandante-Geral da Polícia Militar, destinada ao
Fundo de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85;
5. a produção de todas as provas em direitos admitidas, em especial a
testemunhal, documental, inspeção judicial, depoimento pessoal e outras
que se mostrarem necessárias à perfeita elucidação dos fatos.
Apesar de isenta de custas, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00
(mil reais).
Palmas/TO, 19 de novembro de 2012.
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