MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PALMAS, ESTADO DO TOCANTINS. Notícia de Fato nº 001/2012/GECEP Somos um exército, o exército de um homem só No difícil exercício de viver em paz Somos um exército, o exército de um homem só Sem bandeira Sem fronteiras Pra defender Pra defender (Engenheiros do Hawaii) O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS, por seus Promotores de Justiça ao final assinados, titular da ___ Promotoria de Justiça da Capital e em exercício no Grupo Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP), no uso de suas atribuições constitucionais e legais, mormente as conferidas pelo artigo 129, inciso III da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alínea “b” da Lei n° 8.625/93 e artigo 5o. I da Lei n. 7.347/85, vem à presença de Vossa Excelência ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA VISANDO A DEFESA DO DIREITO DIFUSO À SEGURANÇA PÚBLICA em desfavor do ESTADO DO TOCANTINS, pessoa jurídica de direito público interno, com sede no Palácio Araguaia, situado na Praça dos Girassóis, em Palmas/TO, devendo ser citado na pessoa do Sr. Procurador-Geral do Estado, podendo ser localizado na Procuradoria-Geral do Estado do Tocantins, também sediada na Praça dos Girassóis, em razão dos fatos e fundamentos a seguir expostos: 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL DOS FATOS E DO DIREITO Através de notícias veiculadas na imprensa tocantinense, chegou ao conhecimento do Ministério Público que o Estado do Tocantins prepara a realização de concurso público para provimento de vagas nos quadros da Polícia Militar. De maneira preventiva, o Grupo Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP), do Ministério Público do Estado do Tocantins, autuou a Notícia de Fato n. _____/2012, passando a solicitar informações sobre o aludido concurso. Inicialmente, foram expedidos os Ofícios n. 013/2012 (reiterado pelo n. 021/2012) e 022/2012 – GECEP/OBJ, endereçados, respectivamente, ao então Comandante-Geral da Polícia Militar e a Secretária Estadual de Planejamento. Através dos mencionados expedientes foram solicitadas informações sobre o ventilado concurso público da Polícia Militar do Tocantins. A Exma. Sra. Secretária Estadual de Planejamento e Modernização da Gestão informou que tal Secretaria “está encarregada apenas pelo processo licitatório para a contratação da empresa conforme termo de referência elaborado pela Polícia Militar do Estado do Tocantins, ficando a cargo da mesma a responsabilidade pela realização do certame” (fl. ____). Por seu turno, o então Comandante-Geral informou ao Ministério Público que “Após autorização do Executivo Estadual, foi designado uma Comissão de Policiais Militares para realizar os procedimentos necessários ao concurso público, porém, sua tramitação esbarra no cumprimento de prazos, obedecendo a Lei 8.666/93, de modo que ainda não existe edital do concurso. A empresa responsável pela elaboração, correção e aplicação das provas, fase intelectual do concurso, será definida após procedimento licitatório a cargo da Comissão Permanente de Licitação da Secretaria Estadual do Planejamento e da Modernização da Gestão Pública – SEPLAN”, sendo certo, contudo, que “O certame 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL visa o preenchimento de 300 (trezentas) vagas para a graduação de soldado da Polícia Militar, em conformidade com o que foi autorizado pelo Exmo Governador do Estado” (fl. _____). Ocorre que, conforme se vê dos documentos de fls. ____/____, encaminhados pela própria Polícia Militar, as 300 (trezentas) vagas a serem providas não serão capazes nem mesmo de amenizar a grave crise de segurança pública que o Estado do Tocantins enfrenta. Com efeito, o Anexo Único à Lei Estadual n. 2.576, de 20 de abril de 2012, que estabelece o “quadro de fixação do efetivo da Polícia Militar do Estado do Tocantins” estatui que o “Quadro de Praças Policiais Militares – QPPM” é formado por 3.650 (três mil seiscentos e cinquenta) soldados, além de outros 50 (cinquenta) soldados do Quadro de Praças de Saúde (QPS) e 40 (quarenta) do Quadro de Praças Especialistas (QPE), totalizando 3.740 (três mil setecentos e quarenta) cargos de soldado. Enquanto isso, o mapa de efetivos do mês de julho de 2012 informa que o Estado do Tocantins conta (partindo da premissa de que essa realidade não piorou!) com 14 (catorze) soldados, donde se conclui que 3.726 (três mil setecentos e vinte e seis) cargos de Soldado estão vagos atualmente. 14!!! 14 briosos soldados nos quadros da Polícia Militar do Tocantins, enquanto a Lei prevê 3.740 (três mil setecentos e quarenta) cargos. Para piorar, prevê-se que no prazo de 4 (quatro) anos, lapso máximo de validade do concurso público que se avizinha (artigo 37, III, CF), ao menos 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) policiais militares passem para a inatividade, isso sem contar os tempos averbados ou a averbar, os que serão exonerados (a pedido ou não) ou eventualmente expulsos, conforme informação oficial à fl. _____. É certo dizer, pois, que ao término de validade do certame que ainda nem se iniciou, o concurso público da Polícia Militar não terá sido capaz nem mesmo de trazer para os seus quadros contingente igual àquele previsto para ingressar na inatividade. 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Bem ao contrário disso, o déficit ainda aumentaria em 185 (cento e oitenta e cinco) vagas. Isso levou o Ministério Público, na esperança de solver o problema administrativamente, a expedir o Ofício n. 037/2012 – GECEP/OBJ (fls. ____/____), questionando o Comandante-Geral da Polícia Militar (1) acerca do critério para o estabelecimento das parcas 300 (trezentas) vagas, (2) se há possibilidade de aumento das vagas em disputa, (3) quantas vagas serão disponibilizadas para cadastro de reserva, (4) quantas vagas para nomeação e posse estão contempladas na previsão orçamentária e (5) se o Plano Plurianual prevê a necessidade de ocupação de cargos vagos na Polícia Militar. Sobreveio, então, a resposta de fls. ____/_____, onde o Comandante-Geral reiterou que o concurso visa preencher 300 (trezentas) vagas para a graduação de soldado da Polícia Militar do Estado do Tocantins, quantitativo atingido “em observância a capacidade financeira orçamentária do Estado, haja vista que, conforme preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal vigente, a Folha de Pagamento da Pasta não pode ultrapassar o limite prudencial estabelecido”, não havendo previsão para o aumento do quantitativo para esse concurso, embora haja possibilidade de prorrogação e, assim, convocação de candidatos do cadastro de reserva. Não obstante a resposta tenha sido lacônica (não informando a quantidade de vagas para cadastro de reserva, nem tenha mostrado, concretamente, a previsão orçamentária ou aludido ao PPA, fato é que a Polícia Militar, por seu Comandante, não se sensibilizou com a gritante distorção e nem se mostrou sensível à solução do problema, permanecendo inflexível no quantitativo em disputa: parcas 300 vagas. Daí a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário, como único meio de buscar a proteção da sociedade, que, desamparada, assiste atônita ao crescimento avassalador da criminalidade no Estado do Tocantins, cujo “exército” não é de um homem só, mas 14 soldados espalhados por seu largo território. 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL O Tocantins até há pouco era um Estado pacato, de criminalidade eventual, esporádica, onde se via agir homicidas de ocasião, furtadores, roubadores e pequenos traficantes. A realidade mudou radicalmente, mas o Estado parece não ver e não perceber que a (in)segurança pública está em jogo. Basta abrir qualquer jornal para se constatar, sem esforço, que a criminalidade violenta e organizada tem dominado o Estado, esparramada e agindo de norte a sul. Exemplificativamente, vale observar as notícias de fls. ___/____, extraídas de diversos veículos de comunicação. Percebe-se, da simples leitura, que o Tocantins vem sendo alvo de criminosos, que aqui tem buscado agir por se tratar de um Estado ausente, onde a Polícia Militar já não se faz presente nas pequenas e mesmo nas maiores cidades. Para se ter uma ideia, noticiou-se recentemente que um dos assaltantes a banco mais procurados do Brasil (Rubens Ramalho de Araújo) foi localizado em Palmas/TO, onde estava escondido. Rubens é tido como líder do “novo cangaço”, modalidade de assalto a banco onde os criminosos cercam cidades do interior com armamento pesado, fazem reféns e levam tudo o que podem das agências bancárias, ação deveras facilitadas pela falta da Polícia Militar, como responsável pelo policiamento ostensivo, nas cidades interioranas. Evidente que criminoso desse “gabarito” não veio para o Tocantins por acaso. Mas o curioso mesmo é que, a par da crescimento criminalidade e das várias ações de assalto a banco no Tocantins, a prisão de Rubens Ramalho de Araújo, conforme notícia de fl. ____, foi realizada por policiais da 1a Delegacia Especialidade de Repressão a Organizações Criminosas (DEROC) de Belo Horizonte, e não por policiais tocantinenses. 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Extorsões mediante sequestro, crime quase inexistente no Estado há poucos anos, já não é mais matéria nova por aqui, tendo se alastrado por várias cidades. O tráfico de drogas se enraizou e se espalhou, com quilos e mais quilos de cocaína, crack e maconha sendo apreendidos (imagine-se, então, o que não vem sendo traficado), no mais das vezes pela Polícia Rodoviária Federal e não pelas forças de segurança pública do Estado, como se vê às fls. ___/____. A insegurança chegou a tal ponto que, por mais absurdo que possa parecer, após ser vítima de tentativa de homicídio, Jhonatan Silva dos Santos foi socorrido e levado ao Hospital Regional de Araguaína (HRA), onde, em tese, deveria recuperar sua saúde. Entretanto, Jhonatan foi assassinado no interior do HRA, conforme se vê à fl. _____, tendo os três homicidas invadido encapuzados o nosocômio, rendido vigilantes e executado a vítima com disparos de arma de fogo na cabeça. A partir de então, constrangidos com tão grave e repugnante fato, agora (só agora?) reconhecendo a crise na segurança pública, o atual Comandante-Geral da Polícia Militar e representantes das Secretarias de Segurança Pública e de Justiça e Direitos Humanos foram à imprensa para noticiar que vão adotar providências (fl. ____). A mesma notícia, todavia, deixa evidente o problema: Onda de criminalidade Tomada pela insegurança e ausência de efetivo nas Polícias Civil e Militar, Araguaína vem sendo atormentada pela crescente onda de criminalidade, além do consumo e venda desenfreada de drogas. Pela segunda vez, bandidos invadiram o Hospital Regional de Araguaína para executar pacientes. Nesta última, Jhonatan Silva Santos, 18 anos, já estava ferido por quatro tiros quando dois homens encapuzados renderam o vigilante do Hospital e entraram na unidade pelo acesso da Diretoria e dispararam contra o jovem que veio a óbito. 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Outro crime bárbaro que chocou a população nas últimas semanas foi o assassinato do presidente interino do Sindicato dos Professores (Sintet), Fabriciano Borges Correia, 39 anos. O professor foi encontrado morto na manhã do último dia 08 em sua residência localizada na Rua Santa Inês, Setor Raizal. O corpo do sindicalista estava com os pés, mãos e pescoço amarrados com fios de energia. Se o Estado por vontade própria não age para resguardar direitos fundamentais do cidadão, cabe ao Poder Judiciário, dando guarida a ação do Ministério Público, compeli-lo a agir. Com efeito, o Estado Brasileiro se comprometeu a assegurar os direitos fundamentais do cidadão, entre eles a segurança, conforme anuncia a Constituição Federal já em seu preâmbulo: PREÂMBULO Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Mas a Constituição Federal foi além, definindo: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. E para que a prometida segurança pudesse existir, a Constituição da República disse: DA SEGURANÇA PÚBLICA Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. ... § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. Note-se que, para garantir a segurança pública, deve o Estado contar com a Polícia Militar, com a função de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública. No entanto, por evidente, não basta contar com Polícia Militar “no papel”, porque é a própria Carta da República que determina que sua organização e funcionamento deve ser de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. E nem poderia ser diferente, porque, integrando a Administração Pública, a Polícia Militar se submete aos ditames do artigo 37, caput da Constituição Federal, segundo o qual “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Forçoso concluir que, dando vazão ao § 7º do artigo 144, CF, o Estado do Tocantins editou a já citada Lei n. 2.576/2012, cujo Anexo Único, buscando garantir organização e funcionamento eficiente das atividades da Polícia Militar, previu que a população contará com 3.740 (três mil setecentos e quarenta) soldados para preservação da segurança coletiva. Conclusão lógica e inafastável é que, por óbvio, 14 (catorze) soldados, ou mesmo 314 (trezentos e catorze), se considerado o futuro preenchimento de míseras 300 (trezentas) vagas no anunciado concurso, são insuficientes para a organização e funcionamento adequados de uma corporação que deve contar com 3.740 soldados. 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL O direito à segurança, expressamente previsto na Constituição Federal, pode ser classificado como direito fundamental de 2a geração (ou dimensão). Os direitos fundamentais de segunda geração, ou sociais, na acertada lembrança de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, têm por objeto “uma contraprestação sob a forma da prestação de um serviço. O serviço escolar, quanto ao direito à educação, o serviço médico-sanitário-hospitalar, quanto ao direito à saúde, os serviços desportivos, para o lazer etc.”1 Acerca desses direitos, ressalta o mesmo autor que: O sujeito passivo desses direitos é o Estado. É este posto como responsável pelo atendimento aos direitos sociais. Na Constituição brasileira de 1988 isso é cristalino. O texto afirma “dever do Estado” propiciar proteção à saúde (art. 196), à educação (art. 205), à cultura (art. 215), ao lazer, pelo desporto (art. 217), pelo turismo (art. 180) etc. Igualmente o direito ao trabalho que se garante pelo socorro da previdência social ao desempregado (art. 201, IV).2 É o mesmo Manoel Gonçalves que ainda diz: A garantia que o Estado, como expressão da coletividade organizada, dá a esses direitos é a instituição dos serviços públicos a eles correspondentes. Trata-se de uma garantia institucional, portanto. Foi aliás a obrigação de atender a esses direitos que ditou a expansão dos serviços públicos, dos anos vinte para a frente. Isso gera pesados encargos diretamente para o Estado e indiretamente para os contribuintes, o que contemporaneamente suscita um repensar a propósito desses direitos. Impõe-se a pergunta: até que ponto o Estado deve dar o atendimento a esses direitos, até que ponto deve apenas amparar a busca dos indivíduos pelo atendimento desses direitos?3 1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 50. 2 Op. cit., p. 50. 3 Op. cit., p. 51. 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Sobre a pergunta deixada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Flávia Piovesan assevera que: em face da indivisibilidade dos direitos humanos, há de ser definitivamente afastada a equivocada noção de que uma classe de direitos (a dos direitos civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (a dos direitos sociais, econômicos e culturais), ao revés, não merece qualquer observância. Sob a ótica normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. A ideia da nãoacionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não científica. São eles autênticos e verdadeiros direitos fundamentais, acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade, generosidade ou compaixão.4 José Marinho Paulo Júnior sustenta: E se assevere de plano: as políticas públicas são sindicáveis pelo Poder Judiciário. Havendo transgressão frontal a direito prestacional, cabe sim ao Poder Judiciário a função de retificar a conduta administrativa, se revestida de ilegalidade ou inconstitucionalidade, mesmo quando escorada em “discricionariedade”.5 É o caso, portanto, de intervenção do Poder Judiciário para garantir o direito difuso à segurança, como direito fundamental de segunda geração, demandando do Estado uma atividade positiva. Canotilho anota: 4 PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos, culturais e direitos civis e políticos. Revista do advogado, São Paulo, Ano 23, n. 73, p. 63, nov. 2003. 5 PAULO JÚNIOR. José Marinho. O Ministério Público e a concretização de direitos prestacionais – sindicabilidade de políticas públicas e prestação judicial de serviço público. In VELLELA, Patrícia (coord.). Ministério Público e políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 140. 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Relativamente aos direitos, liberdades e garantias, a Constituição portuguesa garante e protege um núcleo essencial destes direitos contra leis restritivas (núcleo essencial como reduto último de defesa). Coloca-se também o problema de saber se os direitos económicos, sociais e culturais exigem a garantia de um núcleo essencial como condição do mínimo de existência (núcleo essencial como standard mínimo). Das várias normas sociais, económicas e culturais é possível deduzir-se um princípio jurídico estruturante de toda a ordem económico-social portuguesa: todos (princípio da universalidade) têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights), na ausência do qual o estado português se deve considerar infractor. Nesta perspectiva, o “rendimento mínimo garantido”, as “prestações de assistência social básica”, o ”subsídio de desemprego” são verdadeiros direitos sociais originariamente derivados da constituição sempre que eles constituam o standard mínimo de existência indispensável à fruição de qualquer direito.6 No Brasil a teoria do mínimo existencial vem ganhando relevo e, conquanto imponha restrições, deixa claro que é necessário que o Judiciário intervenha em políticas públicas para assegurar direitos fundamentais. Cabe aqui a valiosa contribuição de Cláudio Pereira de Souza Neto: (...) Uma das questões que ocupam o centro do debate contemporâneo é exatamente a de determinar em que grau de intensidade e de abrangência o Judiciário pode concretizar direitos como os à saúde, à educação, ao trabalho, ao lazer, à moradia etc. Uma plêiade de autores e correntes de pensamento se pronunciou sobre o tema, variando as posições desde uma afirmação da total possibilidade de concretização jurisdicional desses direitos, sob o argumento de que, se se tratam de norma jusfundamental positiva, devem ser concretizados, nos termos do § 1º, do art. 5º, da 6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, p. 511. 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Constituição Federal, até a negação de que cabe ao Judiciário interferir nessa seara, visto que as questões sociais têm nas políticas públicas o seu meio de excelência de efetivação. Esta última posição enfatiza, sobretudo, que a concretização de direitos sociais depende de opções de caráter orçamentário, em vista do fato da escassez de recursos – da qual decorrem os limites da chamada reserva do possível – e que a legitimidade para a prática de tais decisões deve ser do Executivo e do Legislativo, legitimados democraticamente. O presente escrito não tem a pretensão de inventariar todas as teorias que buscam dar uma resposta a esse problema, e, muito menos, oferecer uma proposta conclusiva abrangente. Por ora, nos limitaremos a apresentar uma das teorias que buscaram enfrentá-lo a partir do ponto de vista do conteúdo material (e que se destaca por sua influência no pensamento jurídico brasileiro) – a teoria do mínimo existencial. Após isso, já no item IV, apresentaremos uma outra teoria, não alternativa, mas complementar: observaremos como o tema da abrangência do sistema de direitos fundamentais, especialmente no tocante aos direitos sociais, pode ser entendido à luz da noção de democracia deliberativa – a qual fornece alguns outros critérios materiais, não abarcados pela teoria do mínimo existencial, para o estabelecimento de plena efetividade para certos direitos sociais. A teoria do mínimo existencial se encontra entre as duas outras posições extremadas antes mencionadas. Em linhas gerais, o conceito de mínimo existencial serve à finalidade central de estabelecer quais são os direitos sociais que representam condições para o exercício efetivo da liberdade, entendida como autonomia privada, i.e., os direitos sociais não são considerados prima facie direitos fundamentais: sua fundamentalidade é derivada da liberdade, esta sim, por si só, fundamental. Como enfatiza o Prof. Ricardo Lobo Torres, que tem sido o maior defensor desse ponto de vista na literatura jurídica brasileira, o conceito de mínimo existencial exibe o status positivus libertatis. É nesse sentido que a doutrina tem utilizado o termo liberdade para, ou liberdade real, em contraposição à liberdade de, no âmbito da qual não há preocupações maiores com as condições sociais da liberdade. A teoria do mínimo existencial parte, assim, do pressuposto de que fundamentais são só os direitos de primeira geração: os demais só podem sê-lo em decorrência da fundamentalidade destes. Parte-se da 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL compreensão segundo a qual, sem condições sociais mínimas, o ser humano não pode efetivamente gozar sua liberdade – elevada a critério central para a aferição da legitimidade da organização social. Daí resulta que é uma prerrogativa do Poder Judiciário realizar a concretização dessa esfera mínima dos direitos sociais, independentemente das políticas públicas implementadas pelo Executivo e pelo Legislativo. Observe-se que, a despeito de sua inspiração eminentemente liberal, não há nesta teoria a pretensão de que as políticas públicas estatais se restrinjam ao mínimo existencial, deixando ao mercado a realização do que estiver além disso. Também o estado, para esse ponto de vista, pode realizar a justiça social. O que se busca é o estabelecimento de um critério material para legitimar a atividade especificamente judicial. Essa teoria leva à conclusão de que, mesmo que a norma não possua todos os elementos formais para a atribuição de plena eficácia – como ocorre, p. ex., segundo José Afonso da Silva, com o direito à saúde –, e independentemente de aferição de disponibilidade orçamentária, cabe ao Judiciário, dentro dos limites do mínimo existencial, concretizá-la, já que estão presentes os elementos materiais necessários para tanto. Assim, se, por um lado, a teoria limita a normatividade dos direitos sociais situados na periferia da esfera do mínimo existencial, por outro lado, incrementa ao máximo da normatividade dos que estão nela contidos, podendo estes ser considerados direitos materialmente fundamentais.7 É evidente que o direito à segurança está contido pelo menos no conceito de mínimo existencial, porque sem ele não se exerce nem mesmo o direito à liberdade, clássico e mais nítido direito fundamental de primeira geração, não se vive dignamente e coloca-se em iminente risco o próprio direito à vida, situações que vêm bem demonstradas no Estado do Tocantins pelo avassalador avanço da violência, com extorsões mediante sequestro, homicídios em sequência e até dentro de hospitais, roubos a banco, explosões de caixas eletrônicos etc. 7 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático. In BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relação privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 308-312. 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL No dias atuais não se pode conceber que a Constituição Federal e as leis conferidas por representantes do povo sejam meras cartas de intenções, sem efetividade prática, ao livre arbítrio do administrador implantar ou não um serviço público, atender ou não a um direito essencial de segunda geração que toca a um sem-número de pessoas. Cláudio Tenório Figueiredo Aguiar escreve: Merece ainda referência a costumeiramente motivação apresentada pelos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de justificar determinadas omissões relevantes no tocante à implementação de políticas públicas, apontando a limitação orçamentária de recursos finitos como causa para a inércia. Não se nega que a escassez de recursos, sempre incapazes de dar conta de todas as necessidades da população, seja uma realidade presente, conduzindo o Estado às escolhas trágicas sob o manto da reserva do possível, porém, no que toca à essência dos direitos fundamentais, essa justificativa não seduz, sendo certo que uma parte significativa desses recursos públicos se esvai pelo caminho da corrupção, da lavagem de dinheiro e da sonegação fiscal, o que exige mecanismos eficazes de controle do sangramento dessas verbas por aqueles que resolveram assumir posição de destaque na política nacional. Há, portanto, que se constatar a obrigação que recai sobre os Poderes Executivo e Legislativo quanto à implementação de políticas públicas voltadas à concretização do núcleo essencial dos direitos fundamentais e, consequentemente, a possibilidade de atuação do Ministério Público perante o Poder Judiciário com o objetivo de combater as omissões ou insuficiências que estejam sendo constatadas sem que se possa opor a democracia contra a defesa do mínimo existencial, sendo orientada nesse exato sentido a jurisprudência de nossos tribunais superiores. … A teoria do núcleo essencial dos direitos fundamentais parece ser adequada para delimitar a área de atuação obrigatória do Estado e da Sociedade sobre a qual não há justificativa para a inadimplência ou 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL inércia, sob pena de restar inviabilizada a existência do próprio Estado de Direito. Relativamente a este espectro, não será possível qualquer margem de discricionariedade política, havendo total vinculação do legislador, do administrador, do juiz e das pessoas.8 Cumpre aqui gizar algumas palavras sobre a discricionariedade administrativa, sempre invocada para o descumprimento de preceitos constitucionais. Celso Antônio Bandeira de Mello enfatiza que: Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma. Atos “discricionários”, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles. A diferença nuclear entre ambos residiria em que nos primeiros a Administração não dispõe de liberdade alguma, posto que a lei já regulou antecipadamente em todos os aspectos o comportamento a ser adotado, enquanto nos segundos a disciplina legal deixa ao administrador certa liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso, impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa a realizar.9 A premissa básica é a seguinte: havendo somente uma conduta legalmente permitida, está o administrador vinculado a ela; havendo duas ou mais condutas legais aceitáveis, poderá a Administração, fazendo um juízo de 8 AGUIAR, Cláudio Tenório Figueiredo. O Ministério Público e a implementação de políticas públicas – dever institucional de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. In VILLELA, Patrícia (coord.). Ministério Público e políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 10-13. 9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 394. 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL conveniência e oportunidade, consistente no mérito do ato administrativo, optar por uma delas. Destaca Alexandre de Moraes que: Em regra será defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo, cabendo-lhe unicamente examiná-lo pelo aspecto de sua legalidade e moralidade, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente ao ordenamento jurídico. Essa solução tem como fundamento básico o princípio da separação dos poderes (CF, artigo 2º), de maneira que a verificação das razões de conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos escapa ao controle jurisdicional do Estado. Não existe, porém, nenhum ato absolutamente discricionário, pois tal fato converter-se-ia em arbitrariedade. ... O Estado de Direito exige a vinculação das autoridades ao Direito, e, portanto, o administrador, ao editar um ato discricionário, deve respeito a seus elementos de competência, forma e finalidade, bem como a veracidade dos pressupostos fáticos para sua edição (motivo).10 Esta compreensão toca diretamente com o tema tratado nesta ação, na medida em que não se pode considerar como imune ao controle judicial o ato administrativo que resulta, na prática, na quase negação do direito fundamental à segurança, quando há Lei que determina, obriga, compele o Estado a prover 3.740 cargos de soldado, como única forma de garantir a organização e o funcionamento eficientes da Polícia Militar, instituição essencial à garantia da segurança pública. Portanto, a abertura de concurso para preenchimento de somente 300 vagas na Polícia Militar é ato administrativo que enseja violação à legislação, incluindo os princípios constitucionais, podendo perfeitamente ser controlado pelo Judiciário. 10 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 118. 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Segundo Fernanda Marinela: a existência de norma definidora da liberdade administrativa não é o bastante para concluir-se que exista discrição na prática de um determinado ato, este requisito é indispensável, porém não suficiente. Exige-se, ainda, uma análise do caso concreto, tendo em vista que conceitos vagos ou indeterminados só proporcionam discricionariedade em situações duvidosas e quando é possível mais de uma opinião razoável para a situação. Portanto, o simples fato da lei estabelecer liberdade para o administrador, não significa que este poderá fazer dela o uso que bem entender. Exige-se o comportamento ideal, compatível com todo o ordenamento jurídico e apto no caso concreto a atender com perfeição à finalidade da norma. Destarte, a discricionariedade existe, em razão da complexidade e da variedade dos problemas e visa proporcionar ao administrador, em cada caso, a melhor escolha para o interesse público, devendo ser observada a disposição legal e o caso concreto para definição de sua presença.11 Quanto ao controle dos atos da Administração pelo Judiciário, a mesma autora destaca: Neste cenário, reconhece-se a possibilidade de análise pelo Judiciário dos atos administrativos que não obedeçam à lei, bem como daqueles que ofendam princípios constitucionais, tais como: a moralidade, a eficiência, a razoabilidade, a proporcionalidade, além de outros.12 Valter Foleto Santin também diz: O princípio da razoabilidade impõe o seguimento de critérios racionais e razoáveis pelo agente público, com postura sensata e equilibrada, para 11 12 MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. Salvador: JusPodivm, 2005, v. 1, p. 171. Op. cit., p. 197. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL valoração e escolha de atos com aptidão a impor os valores e finalidades legais. É considerado um fator limitador da discricionariedade do administrador público.13 Ainda nesta ótica, Fernando Rodrigues Martins deixa claro que: apesar dessa margem de liberdade, não está o administrador, nestas circunstâncias, livre para fazer o que bem deseja; pelo contrário, hoje o poder discricionário da Administração Pública afeiçoa-se muito mais a um dever do que a uma faculdade. ... Posto isto, pode-se concluir que o controle dos atos vinculados faz-se através da observância do princípio de legalidade e moralidade, enquanto os atos discricionários são verificados não somente na órbita da legalidade, mas conveniência, ou também seja, na seu esfera próprio da oportunidade mérito, e levando-se da em consideração a finalidade da lei e a razoabilidade da decisão do administrador.14 O Superior Tribunal de Justiça já decidiu: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 13 SANTIN, Valter Foleto. Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na prevenção e repressão ao crime. São Paulo: RT, 2004, p. 233. 14 MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público: comentários à lei de improbidade administrativa. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 178-179. 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL 4. Recurso especial provido. (REsp. 493.811/SP – Rel. Min. Eliana Calmon – 2ª Turma – data do julgamento 11/11/2003 – DJ 15/03/2004, p. 236). Cumpre, pois, ao Judiciário analisar o ato administrativo com o olho voltado para os princípios constitucionais, inclusive o da proporcionalidade e da razoabilidade. Não é aceitável, razoável, proporcional que o Estado conte com 14 soldados, que faça concurso para o provimento de 300 vagas quando a Lei exige o provimento de 3.740 cargos, ainda mais quando a previsão é que 485 policiais militares passem para a inatividade no período de validade do certame, gerando déficit ainda maior, tudo sob o argumento de falta de orçamento. Incisiva, neste aspecto, a doutrina de José Marinho Paulo Júnior: Inexiste presunção de veracidade da alegação da Fazenda Pública no sentido de não haver recursos para adimplir sua obrigação, devendo, ao revés, provar o que alega. É insustentável afirmar-se a carência de recursos e se manterem vultosos gastos em publicidade ou obras voluptuárias – diante de tal contraste, o juízo pode fazer prevalecer a despesa que se mostre juridicamente (e não politicamente) primordial, como bem vislumbrado por nosso brilhante colega Aarão Reis. É óbvio que a escolha de como se atingem tais metas cabe ao administrador, e justamente nesse ponto residiria alguma discricionariedade. No entanto, ao não atendê-las minimamente, seja por não adotar qualquer política pública de efetividade dos direitos fundamentais, seja por adotar políticas claramente deficitárias, privilegiando outras metas que não as constitucionalmente estabelecidas, estará sujeito ao crivo jurisdicional. Não há pensar em presunção de inexistência de verba diante de falta de dotação específica. Antes e bem ao contrário, há a certeza imanente no sentido de que o Estado haverá de adimplir sempre suas obrigações em face de presumir-se solvente sempre. A par da possibilidade de se 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL transferirem receitas dentre de uma mesma categoria orçamentária sem necessidade de autorização legislativa, é bastante corriqueira a prática de o orçamento conter cláusula genérica que desde logo permita ao administrador, sem necessidade de anuência do Poder Legislativo, deslocar determinada porcentagem das receitas para projetos que entenda de primeira importância. Tudo isto sem mencionar a abertura de créditos especiais e complementares para gastos imprevistos inicialmente.15 Logicamente cabe ao Ministério Público fiscalizar, e ao Judiciário controlar esses atos administrativos que desbordam dos princípios constitucional, tal qual o que agora se questiona. A discricionariedade administrativa não pode chegar a esse ponto. Toma aqui relevo a ação civil pública como instrumento apto a fazer valer, em juízo, os direitos assegurados na Constituição Federal. A Carta da República definiu inúmeros direitos individuais, sociais e mesmo coletivos e difusos, a exemplo da segurança, objeto desta ação. Ao agir desta forma, o Estado abraçou a obrigação de tutelá-los efetivamente, chamando para si o dever de impedir que a proteção de tais direitos seja deficiente. A deficiência da proteção importa no reconhecimento da violação à própria Constituição Federal, por ofensa ao princípio da proporcionalidade. Sobre o tema, Edílson Mougenot Bonfim escreve: Por fim, a outra modalidade do princípio da proporcionalidade – esta praticamente desconhecida na doutrina e na jurisprudência nacionais – é a da “proibição da proteção deficiente” ou princípio da proibição da infraproteção (Untermassverbot, dos alemães), pela qual se compreende que, uma vez que o Estado se compromete pela via 15 Op. cit., p. 146-147. 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL constitucional a tutelar bens e valores fundamentais (vida, liberdade, honra, etc.), deve fazê-lo obrigatoriamente na melhor medida possível. Desse modo, assegura-se não somente uma garantia do cidadão perante os excessos do Estado na restrição dos direitos fundamentais (princípio da proibição de excesso) – a chamada “proteção vertical”, na medida em que os cidadãos têm no princípio da proporcionalidade (modalidade proibição do excesso) um anteparo constitucional contra o poder do Estado (verticalizado, portanto, de “cima para baixo”) – mas também uma garantia dos cidadãos contra agressões de terceiros – “proteção horizontal” –, no qual o Estado atua como garante eficaz dos cidadãos, impedindo tais agressões (tutelando eficazmente o valor “segurança”, garantido constitucionalmente) ou punindo os agressores (valor “justiça”, assegurado pela Constituição Federal). Dessa forma, pelo “princípio da infraproteção”, toda atividade estatal que infringi-lo seria nula, ou seja, inquina-se o ato jurídico violador do princípio com a sanção de nulidade. Note-se que ambas as modalidades do princípio da proporcionalidade (proibição de excesso e proibição de proteção deficiente) se aplicam não somente à criação da lei processual (dirigindo o princípio ao Poder Legislativo), mas também à aplicação da lei processual (dirigindo o princípio do Poder Judiciário). Uma das consequências, a nosso sentir, da violação do princípio da proporcionalidade em qualquer de suas vertentes é a possibilidade, não somente por parte da parte prejudicada, de sustentar a nulidade do ato judicial (ou inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Legislativo) viciado por meio de recursos ordinários, como pré-questionar a violação da Constituição Federal, podendo fundamentar e interpor até mesmo recurso extraordinário, socorrendo-se assim do Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal.16 Discorrendo sobre a proibição de proteção deficiente na órbita penal, mas aqui em tudo aplicável, Maria Luiza Schafer Streck diz: 16 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 63-64. 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL (...) o Estado também poderá deixar de proteger direitos fundamentais, atuando de modo deficiente/insuficiente, ou seja, deixando de atuar e proteger direitos mínimos assegurados pela Constituição. A partir disso, vislumbra-se o outro lado da proteção estatal, o da proibição de proteção deficiente (ou insuficiente), chamada no direito Alemão de Untermassverbot. (...) Portanto, o Estado Democrático de Direito, não exige mais somente uma garantia de defesa dos direitos e liberdades fundamentais contra o Estado, mas também, uma defesa contra qualquer poder social de fato! Estamos falando, então, nas palavras de Dieter Grimm, da proibição de “ir longe demais” (Übermassvebot), em contraponto com a proibição de “fazer muito pouco” (Untermassverbot), ambos mecanismos semelhantes, porém, vistos de ângulos diferentes. Daí que “quando um direito é invocado como direito negativo a questão é saber se o legislador foi longe demais. Quando é invocado como direito positivo ou dever de proteção (Schutzpflicht) a questão é saber se ele fez muito pouco para proteger o direito ameaçado”. Assim, só haverá a possibilidade de se reconhecer a proibição de proteção deficiente quando se estiver face a um dever de proteção, isto é, para explicar melhor, a Untermassverbot tem como condição de possibilidade o Schutzpflicht.17 E continua: Pode-se concluir, então, que o desenvolvimento dos direitos fundamentais como direitos de necessária e obrigatória proteção sugeriram como um desdobramento na concepção da noção de proporcionalidade: a infraproteção passaria a ser também objeto inconstitucionalidade.18 17 STRECK, Maria Luiza Schafer. O direito penal e o princípio da proibição de proteção deficiente: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais. 2008. 161 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Direito, p. 79-81 18 Op. cit., p. 84. 23 de MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Ora, é patente que o provimento de menos de 10% (dez por cento) do número de soldados previsto em lei representa uma proteção deficiente, insuficiente ao bem jurídico segurança, direito fundamental resguardado pela Constituição Federal, traduzindo-se nitidamente em ofensa ao princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição de infraproteção ou proteção deficiente. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito (em precedente do próprio Tocantins), reconhecendo que o Estado tem o dever de proteger adequadamente os direitos fundamentais, sendo proibida, portanto, a infraproteção: Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm Canaris, Grundrechtswirkungen um Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p. 161). Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a perspectiva dos direitos à organização e ao procedimento (Recht auf Organization und auf Verfahren), que são aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua realização, de providências estatais com vistas à criação e conformação de órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação. Parece lógico, portanto, que a efetividade desse direito fundamental à proteção da criança e do adolescente não prescinde da ação estatal positiva no sentido da criação de certas condições fáticas, sempre dependentes dos recursos financeiros de que dispõe o Estado, e de sistemas de órgãos e procedimentos voltados a essa finalidade. (...) Não há dúvida quanto à possibilidade jurídica de determinação judicial para o Poder Executivo concretizar políticas públicas constitucionalmente definidas, como no presente caso, em que o comando constitucional exige, com absoluta prioridade, a proteção dos 24 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL direitos das crianças e dos adolescentes, claramente definida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ-Resp 630.765/SP, 1ª Turma, relator Luiz Fux, DJ 12.09.2005). No presente caso, vislumbra-se possível proteção insuficiente dos direitos da criança e do adolescente pelo Estado, que deve ser coibida, conforme já destacado. O Poder Judiciário não está a criar políticas públicas, nem usurpa a iniciativa do Poder Executivo. (Suspensão de liminar 235-0 Tocantins – Min. Gilmar Mendes – data 08/07/2008) Décio Alonso Gomes, tratando de política criminal e da superada ideia de ser vedado ao Poder Judiciário se imiscuir em políticas públicas leciona, de maneira brilhante, que: O Estado Democrático de Direito estabelece compromissos dos entes públicos com a sociedade, sendo certo que, nos termos do art. 144 da Constituição da República, segurança pública é dever do Estado e direito de todos, devendo ser exercida para preservação da ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio. E, dentro da ideia de que ao Estado Moderno compete não só assegurar as liberdade públicas como, efetivamente, disponibilizar direitos sociais prestacionais à comunidade, dúvida não resta de que as ações de segurança pública mostram-se indispensáveis para a manutenção e preservação de um pacífico convívio gregário. Em síntese apertada, segurança pública configura serviço público coletivo essencial. A qualidade do serviço prestado no âmbito da segurança pública (estatal) arvora-se em tema prioritário no seio comunitário. A sociedade capitalista gira em torno da venda e do consumo do bem “segurança”, sendo certo que os menos afortunados aguardam o correto cumprimento do dever prestacional do Estado. O sistema autofágico estatal mostra toda sua incoerência numa leitura perfunctória. Como a realização de um Estado Social (welfare state) demanda recursos (financeiros, materiais e humanos) e criatividade, os gestores públicos optam usualmente pelo caminho mais simples da sua 25 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL conversão em um Estado Penal (penal state), com a exclusão e seleção dos despossuídos e a aplicação do sistema jurídico-penal quase exclusivamente a estas pessoas (até porque, dentro da linha do que é aqui delineado, a falta de recursos e pessoas impossibilita o investimento do Estado em uma investigação criminal séria e não-seletiva): adota-se, então, a máxima utilitarista do Estado Penal Máximo e Estado Social Mínimo. Neste enfoque, a falta de estrutura estatal aos órgãos encarregados pela segurança pública inviabiliza a realização de qualquer trabalho, ficando sua atuação restrita, como já vem se tornando usual, à pequena criminalidade que, por questões que transcendem esta análise, é identificada na prática e delitos. A criminalidade de grande danosidade, quase sempre com infiltração em órgãos públicos, por outro lado, fica à margem da atuação policial por uma miríade de fatores. Assim, resta ao Poder Judiciário, guardião último das necessidades públicas, o papel de salvaguarda deste falido e olvidado sistema. Ocorre que a inércia judicial, de um lado, e os indizíveis interesses privados, de outro, fazem com que a máquina judiciária não seja movimentada, impedindo a implementação dos mínimos direitos fundamentais (individuais ou sociais/coletivos). Cada vez mais é necessária decisão política para instrumentalizar os direitos constitucionais, conferindo eficácia à norma jurídica. E, diante da conjuntura nacional e realidade política experimentada, cada vez mais é necessária a intervenção do Judiciário para fazer valer estes direitos constitucionais. No entanto, doutrina e jurisprudência ainda apresentam incrível resistência à ideia de ingerência do Poder Judiciário sobre os demais Poderes instituídos, mormente no que concerne à definição de metas prioritárias em se de políticas públicas. Ocorre que tal realidade não reflete mais os anseios modernos por justiça, mormente quando sopesado o completo escárnio estatal aos direitos fundamentais da coletividade. Assim, importante destacar a inexistência de espaço para que se alegue a ultrapassada e corriqueira justificativa de que a imposição judicial de obrigação de fazer viola a independência dos poderes, tese incompatível com o 26 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL Estado Democrático de Direito já experimentado há quase dois decênios. A Administração Pública deve pautar seus atos de acordo não apenas com a legalidade, mas também com os princípios constitucionais que a regem. Ainda que se questione a possibilidade de enfrentamento do mérito administrativo, é possível o controle do denominado controle de resultados: ao invés de controlar o mérito e a eficiência, prenuncia-se o controle do demérito e da ineficiência, à vista dos resultados concretamente obtidos. Diante da ideia de que é dever do EstadoAdministração oferecer segurança pública à população, havendo comprovada ineficiência deste tipo de serviço público por causa do déficit de patrimônio humano, presente omissão estatal em assegurar o que é direito da coletividade, não resta outro caminho senão a provocação do Poder Judiciário para o restabelecimento da legalidade via controle judicial.19 Por último, na forma do que se está a sustentar nesta ação, apreciando o § 7º do artigo 144, CF, que exige que a Polícia Militar seja organizada e estruturada de forma a garantir sua eficiência, Valter Foleto Santin diz: O desempenho da atividade de forma especial é exigência constitucional, seja pela determinação do constituinte ao legislador de regulamentação da organização e funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública para “garantir a eficiência de suas atividades” (art. 144, § 7º, CF), seja pelo princípio geral da administração pública agir com eficiência (art. 37, caput, CF). Tudo que afrontar a finalidade de desempenho satisfatório do serviço, a eficiência da atividade, compromete o princípio constitucional da eficiência e a determinação do constituinte de fornecimento de serviço adequado. A política de segurança pública deve visar necessariamente a eficiência do serviço respectivo, podendo ser inquinada de inconstitucional ou desconforme à Constituição Federal na hipótese de 19 desvio desta finalidade, provocada por organização, GOMES, Décio Alonso. Política criminal brasileira e o papel do Ministério Público. In VILLELA, Patrícia (coord.). Ministério Público e políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 34-36. 27 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL funcionamento e desempenho de atividades ou serviços não direcionados à eficiência ou que não atendam ao referido requisito e padrão de qualidade.20 Deste modo, a abertura de concurso para 300 vagas na Polícia Militar, deixando mais de 3.000 cargos de soldado em aberto, representa patente violação ao princípio da proibição de proteção deficiente, ofende os artigos 37, caput e 144, § 7º da Carta da República e exige intervenção do Judiciário para compelir o Estado a prover as vagas previstas em lei, como adiante será pedido. Os gráficos a seguir mostram a insuficiência e a necessidade de atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário: Situação atual: 3.740 cargos de Soldado Situação futura: 3.740 cargos de Soldado 14 cargos providos 314 providos (já com o concurso) DA TUTELA ANTECIPADA Preliminarmente, merece ser destacado que o instituto da tutela antecipada, previsto nos artigos 273 e 461, § 3° do Código de Processo Civil, é plenamente aplicável à ação civil pública, a qual tramita pelo procedimento comum, sobretudo o ordinário, sendo-lhe subsidiário o Código de Processo Civil (artigo 19 da Lei n° 7.347/85). No caso vertente, onde se pretende a obtenção de tutela específica de obrigação de fazer, a antecipação deve ser concedida, haja vista que os 20 Op. cit., p. 114. 28 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL requisitos exigidos pelo artigo 461, § 3° do Código de Processo Civil, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora encontram-se presentes. O fumus boni juris encontra-se consubstanciado primeiramente na documentação que acompanha a inicial, onde se vê que milhares de cargos de soldado estão desprovidos e que o Estado do Tocantins, resistente ao cumprimento de suas obrigações, está organizando um concurso para o provimento de apenas 300 vagas. Outrossim, a fumaça do bom direito está atestada por todo o regramento constitucional da matéria, a exigir que o Estado preste segurança ao cidadão. Mas não basta qualquer segurança pública e nem mesmo a sua existência formal, “no papel”. A Constituição foi muito além, exigindo que o serviço seja adequado e eficiente. E aqui, além da cláusula geral do artigo 37, caput, o constituinte fez questão de enfatizar que os serviços de segurança necessariamente devem ser eficientes. É isso o que está previsto no artigo 144, § 7º, justificando a exigindo a pronta intervenção do Judiciário. Está provado de forma cabal que o Estado do Tocantins desobedece a um conjunto de normas regentes da matéria, violando direito fundamental do cidadão, deixando patente o fumus boni juris. Quanto ao requisito do periculum in mora, vale ressaltar que o Estado vem enfrentando séria crise de segurança. A alarmante e crescente criminalidade, inclusive organizada, com delitos cada vez mais graves e atentatórios às forças estatais, com brutal homicídio (verdadeira execução) ocorrendo até no interior de hospital, evidencia o manifesto descaso com a segurança pública, aniquilando direito assegurado na Constituição, situação que tende a se agravar diariamente, seja pela falta de contingente policial, seja porque os atuais integrantes da Polícia Militar estão, evidentemente, passando para a reserva, exonerando etc. Ademais, conforme informado pelo então Comandante-Geral da Polícia Militar, as providências administrativas para a realização do concurso já estão em andamento, mas com previsão de somente 300 vagas, de modo que a 29 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL antecipação de tutela deve ser deferida para que a medida possa surtir efeito antes do término do certame. Caso a tutela antecipada não seja concedida, o provimento final será ineficaz, porque novo concurso deveria ser aberto, situação muito mais difícil e burocrática, a emperrar a eventual decisão judicial. Está em xeque, no caso, o direito fundamental a segurança. A decisão não pode tardar. Essas circunstâncias geram danos de difícil reparação ou até mesmo irreparáveis, com violação diária aos direitos básicos do cidadão. Não resta dúvida de que o requisito do periculum in mora se encontra presente e o Poder Judiciário não pode ser conivente com a continuidade da situação ilícita aqui retratada, que causa enormes à coletividade, razão pela qual se faz imperativa a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo Ministério Público. Entretanto, tendo em vista que a providência gerará dispêndio de vultosa quantia para pagamento dos futuros policiais, a decisão deverá prever os prazos para sua implementação. Destarte, o que pretende o Ministério Público é que, ao longo do prazo de validade do concurso, 4 (quatro) anos, seja feita a nomeação e posse gradativa dos aprovados, até que as 3.740 cargos sejam providos. Requer-se, pois, a concessão da tutela antecipada (ou liminar, se assim entender Vossa Excelência) para compelir o requerido a: 1) abrir o concurso público da Polícia Militar do Estado do Tocantins, no prazo de 90 (noventa dias), para o preenchimento de todos os cargos de Soldado vagos até o dia da publicação do edital, seguindo-o até homologação, conforme cronograma que deverá constar do próprio edital; 30 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL 2) nomear e empossar os candidatos aprovados, da seguinte forma: até o final do ano de 2013, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; até o final do ano de 2014, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; até o final do ano de 2015, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; até o final do ano de 2016, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado, completando-se assim o quadro de Soldados previsto em Lei; 3) seja fixada multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial pretendida, tal como previsto no artigo 11 da Lei da nº 7.347/85 e no artigo 461 do Código de Processo Civil. Essa multa, a vigorar diariamente ao final dos prazos concedidos, deverá ser fixada em desfavor das pessoas físicas do Governador do Estado do Tocantins e do Comandante-Geral da Polícia Militar, ou de quem vier a lhes suceder nos cargos. Só assim, atingindo diretamente as pessoas dos gestores, responsáveis diretos pelos atos de execução da Administração, a medida terá algum efeito prático, não onerando ainda mais o cidadão, que se já não conta com adequada segurança pública, ainda teria que arcar com a multa pela ineficiência dos governantes. Pede-se que a multa diária seja cominada no patamar mínimo de R$ 1.000,00 (mil reais) para cada um dos responsáveis. DOS PEDIDOS Ante o exposto, o Ministério Público do Estado do Tocantins requer: 1. a concessão de tutela antecipada, na forma acima pleiteada, após ouvido o Estado do Tocantins no prazo de 72 horas, sob pena de pagar multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a incidir contra as pessoas físicas do Governador do Estado do Tocantins e do Comandante-Geral ad Polícia Militar, destinada ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85; 31 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS - GRUPO ESPECIAL DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL 2. a citação do requerido para, querendo, contestar a ação no prazo legal, sob pena de revelia e confissão ficta; 3. ao final, sejam julgados procedentes os pedidos, confirmando-se a tutela antecipada, compelindo o Estado do Tocantins a abrir o concurso público da Polícia Militar do Estado do Tocantins, no prazo de 90 (noventa dias), para o preenchimento de todos os cargos de Soldado vagos até o dia da publicação do edital, seguindo-o até homologação, conforme cronograma que deverá constar do próprio edital, nomeando-se e empossando-se os candidatos aprovados, da seguinte forma: 3.1. até o final do ano de 2013, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; 3.2. até o final do ano de 2014, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; 3.3. até o final do ano de 2015, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado; 3.4.até o final do ano de 2016, 25% (vinte e cinco por cento) de provimento dos cargos de Soldado, completando-se assim o quadro de Soldados previsto em Lei; 4. para o cumprimento da decisão, seja fixada multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a incidir contra as pessoas físicas do Governador do Estado do Tocantins e do Comandante-Geral da Polícia Militar, destinada ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85; 5. a produção de todas as provas em direitos admitidas, em especial a testemunhal, documental, inspeção judicial, depoimento pessoal e outras que se mostrarem necessárias à perfeita elucidação dos fatos. Apesar de isenta de custas, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Palmas/TO, 19 de novembro de 2012. 32