TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA PARECER NORMATIVO Nº. 09/2005 Ao Vereador deve-se garantir as condições necessárias ao desempenho, na sua plenitude, das suas missões constitucionais, aí não se incluindo a possibilidade de se transformar em ordenador de despesa. Resulta este parecer de decisão proferida à unanimidade dos Conselheiros que integram este Colegiado face a uma consulta que lhe foi endereçada, concernente à possibilidade, ou não, de ressarcimento de despesas, através de verba indenizatória, realizadas, diretamente, pelos Vereadores. Impõe-se, de logo, que façamos uma breve análise em derredor dos instrumentos normativos RESOLUÇÃO e LEI, na medida em que ditas verbas são, normalmente, criadas mediante Resolução. RESOLUÇÃO E LEI Leciona o sempre lembrado administrativista HELY LOPES MEIRELLES que “RESOLUÇÃO É DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO SOBRE MATÉRIA DE SUA EXCLUSIVA COMPETÊNCIA E DE INTERESSE INTERNO DA CÂMARA, PROMULGADA POR SEU PRESIDENTE. NÃO É LEI, NEM SIMPLES ATO ADMINISTRATIVO; É DELIBERAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA”. Por outro lado, ensina-nos o mencionado autor que “LEI É NORMA JURÍDICA GERAL, ABSTRATA E COATIVA, EMANADA DO LEGISLATIVO, SANCIONADA E PROMULGADA PELO EXECUTIVO, NA FORMA ESTABELECIDA PARA SUA ELABORAÇÃO”. Fica evidente, desse modo, que a Resolução somente será utilizada para disciplinar matéria de INTERESSE INTERNO da Câmara (INTERNA CORPORIS), jamais para a CRIAÇÃO DE DESPESAS. Com o propósito único de melhor esclarecer a questão, entendemos necessária a transcrição do anteriormente preceituado pelo inciso IV, artigo 51 da Constituição da República, bem como da nova redação oferecida pela Emenda Constitucional nº. 19/98 a esse dispositivo. Art. 51 – Compete privativamente à Câmara dos Deputados: IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços E FIXAÇÃO DA RESPECTIVA REMUNERAÇÃO, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. O referido dispositivo constitucional passou a ter a seguinte redação: Art. 51 - ...................................................................................... IV – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, E A INICIATIVA DE LEI PARA A FIXAÇÃO DA RESPECTIVA REMUNERAÇÃO, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Induvidoso, pois, que o constituinte federal afastou qualquer possibilidade de se criar despesas por meio de Resolução. E assim foi em casos outros, a exemplo do inserto no inciso X do artigo 37 da nossa Carta Magna, reescrito pela Emenda nº. 19/98, pelo qual se impôs que A REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS E O SUBSÍDIO DOS AGENTES POLÍTICOS SOMENTE POR LEI ESPECÍFICA PODERÃO SER FIXADOS OU ALTERADOS. Idêntico procedimento estende-se às denominadas verbas in- denizatórias, a exemplo das DIÁRIAS que só por LEI podem ser instituídas, ainda que destinadas aos agentes públicos do Legislativo. O M É R I T O A MESA é o órgão diretivo da Câmara Municipal, sendo que as suas atribuições são repartidas entre a Presidência e a Secretaria, incumbindo à primeira, primordialmente, a tríplice função DIRETIVA, EXECUTIVA e DISCIPLINAR, enquanto que à segunda o preparo do expediente da Casa. TODOS OS SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS DA CÂMARA SÃO CHEFIADOS PELO PRESIDENTE. “A ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA, A CONTABILIDADE E A ELABORAÇÃO E EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO DA CÂMARA, QUE IRÁ INTEGRAR O DO MUNICÍPIO, SÃO DE RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE”. (Hely Lopes Meirelles, in Direito Municipal Brasileiro). Em contraposição, as atribuições cometidas aos VEREADORES são, essencialmente, LEGISLATIVAS, embora exerçam, também, funções de controle e fiscalização de determinados atos do Executivo e de julgamento de infrações político administrativas do Prefeito e de seus pares. “O VEREADOR NÃO AGE INDIVIDUALMENTE, SENÃO PARA PROPOR MEDIDAS À CÂMARA A QUE PERTENCE”. (Hely Lopes Meirelles). Do até aqui esposado resta, no mínimo, inconcebível admitir-se, consoante enfatizado pela Aju, em reiteradas oportunidades, “QUE O VEREADOR POSSA, INOBSERVANDO COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PRESIDENTE DA CÂMARA, TRANSFORMAR-SE EM ORDENADOR DE DESPESAS”. É pacífico na doutrina o entendimento “QUE O ORDENADOR DE DESPESA É TODA E QUALQUER AUTORIDADE DE CUJOS ATOS RESULTEM EMISSÃO DE EMPENHOS E AUTORIZAÇÃO DE PAGAMENTO. Salienta JOSÉ NILO DE CASTRO, referindo-se aos ORDENADORES DE DESPESAS, que têm os mesmos papel importantíssimo na execução orçamentária e na aplicação dos recursos públicos, não podendo a sua figura SER DESPRESTIGIADA NA ANÁLISE DAS CONTAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. Diz mais que O ORDENADOR DE DESPESAS É A AUTORIDADE COMPETENTE (PREFEITO, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL, DIRETORES DE AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES MUNICIPAIS), QUE DETERMINA, EXPRESSA E FORMALMENTE, SEJA PAGA A DESPESA EMPENHADA, CONSUBSTANCIANDO-SE, COM A ORDEM DE PAGAMENTO, A ÚLTIMA FASE DO ESTÁGIO DA DESPESA. A QUESTÃO FACE A OUTROS TRIBUNAIS DE CONTAS O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, manifestando-se em situação similar, mais precisamente a verbas indenizatórias destinadas a Vereadores, salientou: “Eventual requisição de tal benefício por parte da edilidade municipal procura espelhar-se nas chamadas verbas de gabinete ou ajuda de custo dos Deputados Estaduais. No entanto, o exercício da vereança em muito difere do exercício dos mandatos legislativos estaduais, uma vez que, como o Vereador reside no mesmo local de seu eleitorado, não está sujeito a despesas de locomoção e acomodação, ENTRE OUTRAS, inerentes às atividades dos deputados, que, geralmente, apresentam um colégio eleitoral espalhado por todo o Estado”. O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS, em resposta à consulta nº. 643.657, formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Carandaí, sentenciou: “Quanto ao mérito, esclarecemos que esta Corte de Contas já decidiu, em resposta a consultas anteriores versando sobre o mesmo teor, PELA IMPOSSIBILIDADE DA PRETENSÃO DE DOTAR CADA VEREADOR DE VERBA PRÓPRIA PARA MANUTENÇÃO DE SEUS RESPECTIVOS GABINETES, INCLUINDO GASTOS COM GASOLINA, VIAGENS, FREQUÊNCIA A CURSOS, CORRESPONDÊNCIAS, PESQUISAS, CONTRATAÇÃO DE ASSESSORES, ETC. (Consultas de nºs. 612.637, 66.029, 470.273). Prosseguindo, sustentou o Relator da matéria que: “Desta forma, entende-se que não é permitido à Câmara Municipal estender para o domínio do gabinete do Vereador a gestão dos recursos necessários à sua manutenção, nem conferir a esse gabinete a natureza de repartição administrativa com autonomia financeira para a execução de despesas, tais como concessão de diárias a servidor ou pagamento decorrente de contratação de assessores. A receita da Câmara, consistente nos duodécimos repassados pela Prefeitura, deverá ser mantida centralizada escrituralmente numa única tesouraria, em respeito ao princípio da unidade de caixa, centralizando-se, também, na tesouraria ou pagadoria, o regime ou a forma de aplicação desses recursos. Ressalte-se que o regime descentralizado de aplicação de recursos poderá, em alguns casos, comprovar-se anti-econômico e atentatório ao princípio constitucional da economicidade, sabendo que a centralização do regime de compras constitui fator de redução de custos, possibilita a instituição do regime de registro de preços previsto em lei e racionaliza os procedimentos burocráticos, gerando economia de serviços, sem falar que afasta os vícios dos fracionamentos de despesas, dentre outros frequentemente detectados pelos órgãos de controle interno e externo”. Em resposta a uma outra consulta, de nº. 470.273, o referido Tribunal de Contas diferenciou a VERBA DE GABINETE da VERBA INDENIZATÓRIA, admitindo a primeira, na medida em que se refere “a custeio do gabinete e não da pessoa do Vereador”. NESSA HIPÓTESE O RECURSO NÃO É ENTREGUE AO AGENTE POLÍTICO, SENDO OBJETO DE MOVIMENTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA, PELO ORDENADOR DA DESPESA A QUEM INCUMBIRÁ A PRESTAÇÃO DE CONTAS DOS GASTOS EFETUADOS. C O N C L U S Ã O Faz-se mister registrar que este TCM não se posiciona contrariamente a que os Edis possam reunir as condições necessárias ao desempenho, na sua plenitude, das suas missões constitucionais. O QUE SE QUESTIONA É O FATO DOS MESMOS RECEBEREM, MENSAL E HABITUALMENTE, DETERMINADA QUANTIA, PREVIAMENTE DEFINIDA, PARA O FIM DE REALIZAREM DESPESAS DE CUSTEIO, PRIVATIVAS DO PRESIDENTE DO LEGISLATIVO, A QUEM COMPETE, AI SIM, ORDENAR AS DESPESAS IMPRESCINDÍVEIS AO FUNCIONAMENTO DO PODER DESDE QUE PREVISTAS, EXPRESSAMENTE, NA DOTAÇÃO DESTINADA À CÂMARA MUNICIPAL. Examinando a questão concernente à criação de VERBAS, pelos Legislativos Municipais, destinadas aos Edis, em uma das inúmeras oportunidades em que, para tanto, foi provocado, este Colegiado, por um dos seus órgãos, concluiu que a instituição de tais VERBAS infringe os princípios constitucionais regedores da Administração Pública, a exemplo dos da LEGALIDADE, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE e RAZOABILIDADE. Ao dissertar sobre o princípio da MORALIDADE transcreveu o pensamento de WEIDA ZANCANER: “EM SÍNTESE PODEMOS DIZER QUE O ADMINISTRADOR AFRONTARÁ O PRINCÍPIO DA MORALIDADE TODAS AS VEZES QUE AGIR VISANDO INTERESSES PESSOAIS COM O FITO DE TIRAR PROVEITO PARA SÍ OU PARA AMIGOS”. Por fim enfatiza ser a Câmara de Vereadores, unicamente, uma unidade orçamentária, não possuindo, por isso mesmo, orçamento próprio, motivo pelo qual não será lícito poder ela realizar empenhamento em dotação orçamentária da Edilidade, DE DESPESAS ALHEIAS ÀS SUAS ATRIBUIÇÕES. Vale ser ressaltado, embora não explícito na Constituição da República, que o PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE vem ganhando relevância no estudo do Direito Administrativo. HELY LOPES MEIRELLES o denomina de PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE EXCESSO, isso porque “objetiva aferir compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais”. DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO leciona que, pelo princípio da razoabilidade, “o que se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder Público, de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos INTERESSES PÚBLICOS”, dizendo mais que “tem que haver uma relação de pertinência entre oportunidade e conveniência, de um lado, e a finalidade, de outro. A RAZOABILIDADE, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida”. Por tudo quanto exaustivamente esposado resta evidente que, embora ao Vereador se deva garantir as condições necessárias ao desempenho, na sua plenitude, das suas missões constitucionais, não poderá ele, sob nenhum pretexto, se transformar em ordenador de despesas, dotado de verba própria para manutenção de seu gabinete, isso porque não cabe à Câmara Municipal estender para o seu domínio a gestão dos recursos necessários à mencionada finalidade, nem conferir-lhe a natureza de repartição administrativa, com autonomia financeira para a execução de despesas. SALA DAS SESSÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA, em 24 de maio de 2005. Conselheiro Raimundo Moreira Presidente Conselheiro Paulo Virgílio Maracajá Pereira Vice-Presidente Conselheiro Francisco de Souza Andrade Netto Corregedor Conselheiro José Alfredo Rocha Dias Conselheiro Paolo Marconi Conselheiro Fernando Vita Conselheiro Otto Alencar