VIVÊNCIA E ESTÁGIO NA REALIDADE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – VER SUS VIVENTE – MORGANNA FERREIRA DE SIQUEIRA CURSO – PSICOLOGIA - UNICEUMA Relatório do Estágio de Vivência Ver-SUS 2016.1 – Bacabal BACABAL – MA JANEIRO DE 2016 1° dia - 04 de janeiro de 2016 Após a chegada dos viventes, fomos direcionados ao refeitório do hotel Royal Plaza, onde aconteceu a recepção dos viventes, apresentação do regulamento e contrato de vivência. Apresentamo-nos e em seguida ouve a divisão dos NB (núcleos de base). À tarde foi realizada a dinâmica da teia, na qual foi utilizado um barbante como material, onde os participantes passaram de um a outro apresentando-se, e contando o porquê do Ver – SUS e porquê em Bacabal, foi um momento importante para nos conhecermos um pouco mais, e perceber que ao final da fala de todos, o barbante formou uma teia com vários entrelaçamentos, todos apertaram bem forte e foi comentado o que aconteceria caso pelo menos uma pessoa soltasse, que a teia se desfaria, assim deu para percebermos um pouco de como seriam esses dez dias, e o quão seria importante a força e colaboração de cada um para o bem estar do grupo como um todo. Criação do grupo – Logo após a dinâmica fomos divididos em quatro grupos, formando assim os NB (núcleos de base), melhor momento do dia, pois como o grupo era menor, foi possível interagir com todos. Foi pedido que déssemos um nome ao grupo, e criássemos uma forma para apresentá-lo a todos. O nome do grupo ao qual participei foi Há LaSus, com a intenção de mostrar que o Sistema Único de Saúde é formado através de laços, que são estabelecidos tanto entre a equipe, quanto entre o profissional e o usuário do sistema. Apresentamos o nosso grupo com uma bandeira confeccionada pelo grupo e explicamos o sentido do nome sob a forma de paródia, que segue abaixo pela sua importância como primeira criação do grupo, em que todos participamos. Desejo a todas as equipes vida longo Pra que os laços fortaleçam a nossa vitória No Ver SUS não pode ter porrada e bomba A equipe Há LaSus veio pra fazer história Acredito no SUS, faço ele de estudo Não é perfeito, mas pra mim ele é tudo Na faculdade quase não dá pra se ver Tá faltando prática para poder conhecer Não sou covarde, já to pronto pro combate Keep Calm o sistema é destaque O meu sensor de paciência explodiu Vamos melhorar a saúde do Brasil. (Paródia baseada na música de Valesca Popozuda – Beijinho no Ombro) Logo após o jantar, foi realizada a primeira plenária de muitas que viriam pela frente, o tema foram as redes de atenção e apoio à saúde, e sua importância para o mais completo bem estar do usuário do sistema. Foi feito um paralelo entre o tema da plenária e a dinâmica realizada mais cedo, que representou a forma como as redes de atenção devem trabalhar, cada uma fazendo a parte que lhe cabe e principalmente conhecendo e colaborando com os outros pontos que estão ao seu redor, para assim dar conta da integralidade do sujeito, um dos princípios doutrinários do SUS. 2° dia - 05 de janeiro de 2016 Após o café da manhã, fomos divididos em três grupos e direcionados para a primeira vivência fora do hotel. Tive a oportunidade de visitar a Unidade Básica de Saúde de Juçaral, um bairro de Bacabal, a qual possui uma prédio recentemente construído, com apenas três meses de ocupação. Agrega três equipes da Estratégia Saúde da Família para atender o território adscrito. Conversamos com uma das enfermeiras da ESF, que nos mostrou a estrutura do local, que apresentava-se bem acolhedora, e nos informou sobre as maiores demandas locais (diabetes e hipertensão), e sobre alguns dos trabalhos realizados para a comunidades, como palestras informativas sobre temas variados. Após o almoço, às 14:00h fomos fazer um visita ao Centro de Especialidades Médicas Coelho Dias, onde por questões burocráticas não encontramos nenhum funcionário para nos acompanhar, no entanto, conversamos com alguns pacientes que estavam no local, e pelas informações pudemos atestar uma grande quantidade de especialistas, segundo os pacientes o atendimento é satisfatório, salvo uma paciente que atestou haver muita demora e faltas dos médicos nos dias de consulta. A visita foi proveitosa no tocante ao que pudemos conversar com muitos dos usuários do sistema e ver a percepção deles sobre os atendimentos, porém ficamos sem informações mais técnicas que só poderiam ser fornecidas por funcionários do local. Logo quando chegamos no hotel, fomos assistir ao documentário Ilha das Flores, que apesar de curto, foi bem impactante, tanto pelo fato de aglomerar vários temas como injustiça, segregação, exclusão social, quanto por mostrar uma realidade que para mim e vários outros viventes era desconhecida. Logo após o jantar ocorreu o debate sobre o documentário, na qual nós viventes, pudemos além de debater sobre os temas, conhecer os pontos de vista dos outros viventes com relação a temas tão importantes como os abordados no documentário. 3° dia - 06 de janeiro de 2016 Começamos o dia com uma visita ao Quilombo Piratininga, próximo à Bacabal, certamente uma das melhores experiências da vivência, caso fosse possível colocá-las num patamar. A visita foi toda permeada pelas palavras de Dona Dinha, uma Antiga moradora do local, que nos contou a história do quilombo, permeando-a de emoções, contou-nos sobre a criação do quilombo, sua cultura e costumes. Dona Dinha fez questão de nos mostrar um utensílio da época dos escravos, que é utilizado pela comunidade até hoje, uma ronqueira, objeto similar a um foguete, usada nos festejos da comunidade, dos quais os principais são o festejo do Divino Espírito Santo, o Bumba meu boi e o Terecô. Para a visita da tarde fomos vendados ainda no ônibus, e só tiramos as vendas ao chegar no local, nos deparando com um enorme lixão. Tivemos a oportunidade de conversar com uma jovem de 27 anos, chamada Alexandra que fez questão de nos mostrar seu local de trabalho, contou-nos também sobre sua vida, estudou até o fundamental, mas possui um grande desejo de se tornar uma delegada, contou-nos sobre a dificuldade de trabalhar ali, e que nunca teve acesso ao sistema de saúde, além de uma grande vontade de sair daquele local, na volta ao lixão a qual Alexandra nos guiou pudemos ver alguma crianças, o que me causou uma certa angústia, além do cheiro do local que era muito forte. Os sentimentos foram de comoção, ao ouvir relatos de pessoas que não tinham mais esperanças de um futuro melhor. Pouco tempo antes do jantar, recebemos a notícia do falecimento do irmão de uma vivente (Camila) o que deixou todos muito comovidos, principalmente os que já eram íntimos dela antes da vivência, por isso tivemos a noite livre. 4° dia - 07 de janeiro de 2016 Após o café da manhã, fomos divididos em dois grupos para visita de dois dispositivos próximos. Primeiro visitei o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em que fomos recebidos inicialmente por uma Terapeuta Ocupacional que nos mostrou a estrutura do Centro e nos forneceu outras informações, sobre os resultados do centro ela nos informou que a as melhoras mais perceptíveis dos usuários do dispositivo se dão principalmente com aqueles que participam da oficina, que é inclusive uma grande ferramenta de trabalho do CAPS. Possui psicólogo, enfermeiro, terapeuta ocupacional, psiquiatras entre outros profissionais. Posteriormente pudemos visitar o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), em que pudemos ouvir os relatos de duas assistentes sociais, o quais foram muito produtivos pois, além de nos informar sobre os serviços prestados pelo dispositivo à comunidades, elas também relataram alguns casos que passaram pelo CREAS, inclusive as dificuldades que tiveram que ultrapassar para melhor resolutividade dos casos. O almoço foi servido às 12:00h e logo depois um momento de descanso. Às 14:00h fomos divididos em 3 grupos dos quais eu fui para uma visita ao Centro de Referência Especializada para População em Situação de Rua (Centro Pop), foi uma visita muito produtiva, no tocante ao que, para mim era um dispositivo totalmente desconhecido. O Centro POP de Bacabal tem capacidade para atender no máximo 25 pessoas, oferecendo além de alimentação durante o dia, oficinas e momentos de lazer. Possui atualmente 01 psicólogo, 02 assistentes sociais e 02 orientadores. Após a visita nos reunimos com nossos respectivos NB’s para compartilhamentos de experiências, e depois assistimos ao filme “Um estranho no ninho”, que conta a história de um homem que conseguiu se passar por deficiente mental, sendo até mesmo internado, e passando a conviver com vários outros internos, dos quais possuem melhoras visíveis no quadro durante o decorrer do filme, que foi nos apresentado com o intuito de discutir sobre os nortes da reforma psiquiátrica. Após o jantar participamos de uma dinâmica intitulada Mística do Destino. Um momento de grande comoção entre os participantes, pois a mística encenava o destino nos tirando coisas preciosas, foi um momento de perceber o outro e de empatia, dado que muitas histórias possuíam essências compartilhadas por várias pessoas do grupo. 5° dia - 08 de janeiro de 2016 Durante a manhã, visitamos o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), que oferece serviços relativos às doenças sexualmente transmissíveis, como exames, consultas, medicamentos e acompanhamento psicológico. Fomos recepcionados por uma enfermeira e uma bioquímica que nos mostraram a estrutura do local e ainda um pouco do cotidiano, e das dificuldades e prazeres de trabalhar com esse público. À tarde fomos convidados a recepcionar a chegada do Ministro da Saúde Marcelo Castro. E logo à noite assistimos ao documentário “Sicko: SOS saúde”, que retrata a realidade dos sistemas de saúde de diversos países. 6° dia - 09 de janeiro de 2016 Logo após o café da manhã, ás assistimos ao documentário “Histórico das Políticas dos Movimentos de deficientes no Brasil” e às 11:00h houve a pausa para discussão do mesmo. À tarde assistimos ao filme Privatizações: a Distopia do Capital, que retratava o histórico das privatizações dos órgãos públicos brasileiros, e logo após um momento de discussão sobre o assunto. À noite tivemos a mística do balão, onde os viventes deveriam escrever seus sonhos em diferentes papeis, colocá-los no balão e jogá-los para cima, deveriam lutar para que nem o seu balão nem o dos outros caísse no chão, representando o quanto temos que lutar para manter nossos sonhos vivos, e o quanto muitas pessoas podem colaborar para isso. Às 22h15min fomos para a garagem do hotel confeccionar a bandeira do VER SUS, momento em que todos pudemos gravar nossos nomes na bandeira pioneira do VER SUS em Bacabal. 7° dia 10 de janeiro de 2016 Por volta das 19:00h participamos de uma mística elaborada por um dos NB’s, a mística do barquinho, em que cada participante recebia um barquinho de papel em que teria que colocar duas características suas, uma boa e outra considerada ruim, após colocadas, os barquinhos foram passados de mão em mão, fazendo com que os participantes pegassem barquinhos de outra pessoa. Depois pediu-se que o participante lesse uma característica boa que estava escrita, e o colega do lado lesse uma ruim, sendo assim o primeiro teria que elaborar uma estratégia de ajudar o colega a superar um defeito utilizando-se de sua qualidade, na minha opinião, foi a melhor mística, pois que nos colocou a pensar, e principalmente elaborar estratégias para ajudar o outro com o que temos no momento, utilizando a criatividade, e é o que teremos que fazer em muitos momentos, quando se trabalha com saúde pública que, nem sempre teremos todas as ferramentas possíveis, mas se usarmos da criatividade e boa vontade, poderemos ajudar o próximo. Logo após a mística, por volta das 21:00h foi pedido que nos juntássemos com uma pessoa que não tivemos oportunidade de conversar durante a vivência, e assim pudéssemos conversar e conhecer uma pouco mais do outro vivente a fim de utilizar o pouco que conhecemos para customizar uma camisa para o outro. 8° dia - 11 de janeiro de 2016 Após o café da manhã, fomos divididos novamente em grupos. Fui direcionada ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, onde fomos recebidos por um enfermeiro local que nos mostrou a estrutura do serviço, que estava passando por algumas reformas. Fez questão de nos mostrar as ambulâncias que fazem o atendimento à cidade e região, ambulâncias essas bem estruturadas. Quando perguntado sobre as dificuldades de se trabalhar no SAMU, contou que o número de trotes é ainda muito alto, o que dificulta bastante o trabalho das ambulâncias que muitas vezes se deslocam para ocorrências que não existem, deixando muitas vezes de atender as que realmente necessitavam , que foi o que aconteceu em períodos de grande procura como nas festas de fim de ano. Pouco tempo após o almoço, reunimo-nos com os nossos NB’s para o estudo de um caso clínico, do qual optamos por apresentar sob a forma de mini peça teatral, em que simulamos a passagem de um usuário de drogas pelo sistema único de saúde, em que foi atendido primeiramente por uma UBS, e direcionada ao CAPS e ao Centro POP, já que no caso um rapaz de 19 anos havia perdido os vínculos familiares e estava morando na rua. Foi um momento de grande importância, pois além de discutirmos sobre os vários pontos de apoio do sistema, pudemos nos colocar no lugar de outros profissionais, eu por exemplo encenei uma assistente social que fazia parte do quadro do Centro POP. Após o jantar fomos direcionados para o salão do hotel para participarmos de uma mística organizada por um dos NB’s, onde recebemos todos um chocolate Bis, em que cada um passou para o colega pedindo que ele repetisse algo que já tivesse feito antes, o mais interessante foi quando o inverso aconteceu, em que os participantes tiveram que repetir o que pediram que o seu colega fizesse. O intuito era que pudéssemos nos colocar no lugar do outro, e pensássemos se gostaríamos de fazer o que pedimos que os nossos colegas fizessem. 9° dia - 12 de janeiro de 2016 Na manhã do dia 12, após o café da manhã participamos de uma mística intitulada de tenda dos contos, em que apresentamos aos outros viventes objetos que julgássemos nos representar, e falamos sobre a importância desses objetos em nossas vidas, foi um momento de conhecer um pouco mais dos participantes. Após o almoço, servido pontualmente às 12:00h tivemos um momento de descanso, e às 14:00 fomos reunidos com os nossos núcleos de base, para a produção do relatório do grupo. Logo depois do jantar, por volta das 19:40 da noite, fomos para uma visita à Tenda de Santa Bárbara, localizada no bairro Setubalfocando, onde pudemos observar os rituais de Umbanda, fomos recepcionados por uma senhora chamada de Dona Roxa. Uma experiência que, além de nova para mim, foi um momento de rever pensamentos e atitudes diante do desconhecido. 10° dia - 13 de janeiro de 2016 No último dia de vivência, já pairava o clima de despedida e de saudade desde o café da manhã, participamos de uma plenária, em que o tema primordial foi visita à tenda de Santa Bárbara que ocorreu na noite anterior. Foram discutidas as peculiaridades físicas e principalmente comportamentais da Umbanda, semelhanças de seus rituais com os de outras religiões e também as visões pré-concebidas que tínhamos antes da visita e se as opiniões continuaram as mesmas. Às 15:00 horas os viventes retornaram a plenária, onde trataram de assuntos como feminismo e machismo e suas nuances em nossas vidas. Houve uma pequena encenação por parte dos facilitadores, onde dois dos nossos facilitadores se vestiram com peças de roupas femininas. Os viventes relataram preconceitos que já sofreram em relação à sua orientação sexual, e outros que já passaram em decorrência de amigos homossexuais. O momento de maior relevância para mim foi o que nós viventes, fizemos auto-avaliações sobre pequenas atitudes muitas vezes corriqueiras que possam ter oprimido alguém, inclusive alguns expressaram que já haviam praticado atitudes relatadas ali como constrangedoras ou até mesmo opressoras. Após a plenária houve a revelação do anjo, último momento de interação com todos os participantes juntos, já que muitos dos versusianos foram embora nessa mesma noite após o jantar, quando nos reuníamos em frente ao hotel para nos despedir dos mesmos, foi um momento de música, lágrimas e o sentimento de saudade por aqueles com quem convivemos apenas durante dez dias, mas que marcaram pela intensidade dos relacionamentos e da convivência. Aprendizados imensuráveis, lembranças que marcarão para sempre.