Química dos Produtos Naturais Semioquímicos Semioquímicos Os seres vivos são sujeitos a condições ambientais adversas às quais têm de se adaptar para sobreviver. Parte desta estratégia adaptativa leva à produção de metabolitos secundários. A ecologia química pretende identificar os mediadores químicos envolvidos nas relações/interacções inter- e intra- espécies e procura mostrar como é que estas relações afectam o modo de vida dessas espécies. Os produtos químicos que servem de agentes de comunicação entre organismos, quer sejam da mesma ou de espécies diferentes, têm o nome de semioquímicos (ou infoquímicos), termo que deriva do grego semion que significa marca ou sinal. Os semioquímicos podem ser classificados em dois grandes grupos, as feromonas e os aleloquímicos: Feromonas sexuais de agregação de trilho de território de oviposição inibidoras de alarme Semioquímicos Aleloquímicos alomonas sinomonas cairomonas As feromonas são substâncias produzidas e libertadas no ambiente por organismos vivos com a finalidade de serem detectadas por indivíduos da mesma espécie, que produzem uma reacção comportamental específica como por exemplo: as feromonas sexuais promovem a atracção entre machos e fêmeas; as feromonas de alarme produzem um estado de alarme preparando o indivíduo para a presença de um predador; as feromonas de trilho marcam o caminho entre o local onde a colónia se estabeleceu e uma fonte de alimento; as feromonas de agregação fazem com que os elementos de uma mesma colónia se juntem e as feromonas de oviposição marcam o local onde os ovos foram depositados. Alguns insectos utilizam os metabolitos secundários das plantas de que se alimentam para, através do seu próprio metabolismo, os transformar em feromonas. Os aleloquímicos são substâncias químicas utilizadas entre espécies diferentes. Podem ser divididos entre três tipos de substâncias: alomonas quando beneficiam a espécie emissora, Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012-09-17 (www.dqb.fc.ul.pt) 1 Química dos Produtos Naturais Semioquímicos cairomonas quando beneficiam a espécie receptora e sinomonas quando beneficiam ambas as espécies envolvidas, a espécie emissora e a espécie receptora. As alomonas são geralmente compostos utilizados na defesa da espécie. A figura abaixo resume o que atrás se disse1 Os semioquímicos estão envolvidos em vários tipos de interacção mas as mais estudadas referemse às interacções entre plantas e insectos, entre insectos e entre plantas. 1. Interacção planta-animais A evolução conjunta de plantas e animais que se verifica ao longo de milhares de anos levou ao desenvolvimento de vias biossintéticas para a produção de substâncias tóxicas ou com sabores desagradáveis (alomonas). O exemplo mais óbvio deste tipo de compostos são os glicósidos cianogénicos, que, por hidrólise, se decompõem na boca dos mamíferos herbívoros libertando ácido cianídrico. Um exemplo deste tipo de compostos é a durrina (ing. dhurrin) (Figura 2.1), presente no fruto das plantas jovens da espécie Sorghum vulgare que cresce no Egipto* 1 Paulo H. G. Zarbin, Mauro A. C. M. Rodrigues, Eraldo R. Lima, Feromônios de insetos: tecnologia e desafios para uma agricultura competitiva no Brasil, Quim. Nova, Vol. 32, No. 3, 722-731, 2009 *Em Portugal continental aparece espontaneamente o Sorghum halepense e é cultivado o S. technicum, entre outros. O sorgo, ou milho miúdo, é utilizado como forragem e no fabrico de bebidas alcoólicas. Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012-09-17 (www.dqb.fc.ul.pt) 2 Química dos Produtos Naturais Semioquímicos H Oglucose CN HO Figura 2. 1 – Durrina, glicósido cianogénico A maior parte dos alcalóides são também desagradáveis ao paladar e a presença na planta de certos compostos, como por exemplo a nicotina, evita que os herbívoros a comam pois esta sabelhes mal. Sabe-se que a planta do tabaco selvagem (Nicotiana sylvestris) quando é atacada por insectos aumenta a produção de nicotina cerca de 3 a 4 vezes a quantidade usual, o que é o suficiente para os afastar. A nicotina é um insecticida potente, e também um veneno letal para o homem. A nicotina é utilizada em grandes plantações sendo o modo de aplicação a pulverização aérea. No entanto existem alguns insectos (Manduca sexta) que conseguem ultrapassar este mecanismo de defesa da planta, pois ao alimentar-se das folhas evitam danificar a nervura e assim a planta não desencadeia o mecanismo de produção de mais nicotina Outros compostos têm acção antifágica i.e. enfastiantes alimentares (em inglês antifeedant) ou seja, fazem com que os insectos que comem essas plantas deixem de se alimentar e morram de fome. Alguns destes compostos têm também influência no desenvolvimento das larvas. Este é o caso de um certo tipo de abeto (Abies balsamia) que produz um composto, a juvabiona (Figura 2.2) que tem a capacidade de impedir a metamorfose da larva, ou seja, as larvas crescem mas nunca se tornam adultas e acabam por morrer. H O MeO2C Figura 2.2 - Juvabiona Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012-09-17 (www.dqb.fc.ul.pt) 3 Química dos Produtos Naturais Semioquímicos Nem sempre as plantas utilizam os semioquímicos para afastar os insectos. Existem também numerosos casos de plantas que produzem compostos aromáticos, por exemplo monoterpenos, para atrair os insectos na altura da polinização. Os insectos são atraídos por estes aromas (alomonas) e poisam na flor ficando então com as patas e o abdómen cobertos de pólen. Ao visitarem uma outra flor deixam cair este pólen nesta nova flor promovendo assim a polinização. O processo repete-se nas várias flores em que o insecto vai poisando. 2. Interacção insecto-insecto A maior parte dos insectos comunicam entre si por meio de compostos químicos, de estruturas bastante simples, chamados de feromonas. As feromonas podem ter uma função sexual e neste caso são produzidas pelas fêmeas e libertadas para atrair os machos. Exemplos de feromonas sexuais são o acetato de 7(Z)-dodecenilo produzido pela mosca da couve (Trichoplusia ni) e pela mosca da soja (T. includens). As feromonas podem ter uma função social como é o caso das feromonas de trilho libertadas pelas formigas e pelas térmitas e que servem para marcar o caminho para os outros elementos da colónia desde o formigueiro, ou termiteiro, até à comida. Exemplos deste tipo de feromonas encontram-se apresentados na Figura 2.3. As feromonas de alarme são também usadas como um aviso de perigo como é o caso das formigas que em caso de ataque libertam uma mistura de várias pentanonas, neral e geranial, para avisar o formigueiro da situação de perigo. Me OH N H CO2Me CO2Me N Me Figura 2.3– Feromonas sociais de alguns insectos 3. Interacção planta-planta Muitas plantas produzem certos compostos químicos, principalmente monoterpenos, que libertam para o ar e que têm como efeito impedir a respiração das outras plantas. Outras plantas libertam pelas raízes compostos como a juglona (nogueira) ou a gramina (trigo) (Figura 2.4) que são inibidores da germinação. A juglona existe na nogueira na forma de um glicósido que não é tóxico e Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012-09-17 (www.dqb.fc.ul.pt) 4 Química dos Produtos Naturais Semioquímicos que é exsudado pela casca. Este glicósido, quando chove é arrastado pela chuva para o solo onde é hidrolisado à juglona livre. Esta sim, é tóxica e impede o crescimento de outras plantas. Este fenómeno, inibição da germinação das sementes ou do crescimento das plantas vizinhas através da produção de metabolitos secundários, é conhecido por alelopatia. O OH NMe2 N H O (1) (2) Figura 2.4 – Juglona (1) e gramina (2) 4. Metabolitos de “stress” Certas plantas quando infectadas por microrganismos respondem a esta infecção produzindo novos metabolitos secundários aos quais se dá o nome de fitoalexinas (Figura 2.5). Muitos destes compostos possuem propriedades antivirais ou antifúngicas. O O O O OH O O (1) (2) O MeO OH O O (3) O Figura 2.5 – Exemplos de algumas fitoalexinas: wyerona (1) (feijoeiro), ipomearona (2) (batata doce) e pisatina (3) (ervilheira) Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012-09-17 (www.dqb.fc.ul.pt) 5 Química dos Produtos Naturais Semioquímicos 5. Interacção animal-animal Muitos animais são capazes de produzir alomonas que armazenam em glândulas e que libertam como defesa quando são atacados. Alguns sapos, por exemplo, produzem na pele um composto a batracotoxina que é muito venenoso (Figura 2.6). Me Me OCO HO NH Me HO NMe O O H Figura 2.6 – Batracotoxina Um outro exemplo é ode uma certa variedade de polvo que existe nas águas da Austrália que apesar de ser apenas do tamanho de uma bola de ténis liberta, ao ser agarrado, uma toxina mortal. Outros animais, como certas esponjas e certas espécies de tubarões, produzem compostos com propriedades antimicrobianas ou antifúngicas (Figura 2.7, 1 e 2 respectivamente). NMe2 Br - OSO 3 N H Br (1) H2N+ + NH2 + NH2 H H OH (2) Figura 2.7 – Metabolitos secundários antimicrobianos (1) e antifúngicos (2) Os mamíferos, tal como os outros animais, também produzem feromonas. O próprio homem também as produz. Um composto bastante curioso é o esteróide androstenol (5--androst-16-en3-alfa-o)l (Figura 2.8) que é produzido tanto pelos homens como pelas mulheres, em quantidades superiores por estas pouco antes da ovulação. As mulheres são mais sensíveis ao odor deste Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012-09-17 (www.dqb.fc.ul.pt) 6 Química dos Produtos Naturais Semioquímicos esteróide do que os homens. Há evidência de que o odor deste esteróide afecta a calendarização do ciclo menstrual sendo responsável pelo sincronismo que se verifica em famílias com muitos elementos femininos e em instituições onde vivam muitas mulheres, como é o caso de residências universitárias, acampamentos, prisões, etc. H H HO H H Figura 2.8 - 5--androst-16-en-3-alfa-ol Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012-09-17 (www.dqb.fc.ul.pt) 7