Herança II Herança Extranuclear – O DNA Mitocondrial Principal função da mitocôndria – é parte fundamental da cadeia respiratória. A Origem dos Genes Extranucleares A hipótese mais aceita é de que a mitocôndria e o cloroplasto tenham se originado como endosimbiontes – células de procariontes que invadiram células ancestrais. Alguns argumentos em favor dessa hipótese: Algumas espécies de plantas e leveduras (S. cerevisiae) podem viver sem essas organelas, DNA circular, O mtDNA não possui uma organização em heterocromatina, Maquinaria própria para síntese de proteínas e diferenças em alguns códons em relação ao DNA nuclear, A organela se divide independentemente da divisão nuclear. 1 Outras características do mtDNA humano: Número de cópias por célula – 1 a 45 (dependendo do tipo celular), Número de genomas por mitocôndria – 10 a 30 (em média 1.000 genomas por célula) Número de genes por genoma – 37 (13 polipeptídeos, 2 tipos de rRNA e 22 tRNAs), Tamanho total de um genoma – 16,5 kb. Que doenças podem ser ocasionadas por mutações no mtDNA? Que tipo de padrão a herança mitocondrial segue? Doenças associadas ao mtDNA Sigla MERRF Epilepsia LHON NARP MELAS MMC Nome Sintomas mioclônica com fibras Epilepsia e alterações vermelhas rompidas musculares Neuropatia óptica hereditária de Leber Cegueira permanente ou temporária por dano do nervo óptico Fraqueza músculo neurológica, ataxia e Perda da forca muscular e retinite pigmentosa coordenação, degeneração regional do cérebro e deterioração da retina Encefalomiopatia mitocondrial, acidose Disfunção do tecido lática cerebral Cardiomiopatia e miopatia por herança Deterioração muscular materna 2 Segregação Replicativa do mtDNA Na divisão celular, as múltiplas cópias do mtDNA em cada uma das mitocôndrias de uma célula se replicam e se distribuem aleatoriamente entre as mitocôndrias recém sintetizadas. As mitocôndrias por sua vez são distribuídas aleatoriamente entre as duas células filhas. Homoplasmia e Heteroplasmia Mutação Célula Somática Normal Homoplasmia – célula que recebeu mitocôndrias com um genoma todo mutante ou todo normal Heteroplasmia – célula que recebeu mitocôndrias com genoma mutante e normal A freqüência da mutação pode mudar ao longo da vida, A observação do fenótipo é dependente da freqüência da mutação. 3 O Padrão da Herança do mtDNA Herança materna Um ovócito maduro possui cerca de 100.000 cópias de mtDNA. Análise do Heredograma Mulheres afetadas transmitem a doença para seus filhos e filhas, mas homens afetados não podem transmitir a doença. 4 Gargalo genético mitocondrial Alguns indivíduos podem não apresentar a doença. Ou porque não herdaram a organela mutante ou porque a mutação não está sendo expressa em nível fenotípico. Distúrbios de Herança Complexa São doenças causadas pela interação de muitos fatores genéticos e ambientais Possuem agregação familiar já que membros de uma mesma família compartilham sua informação genética e estão expostos às mesmas condições ambientais do que o restante da população A interação gene-gene pode ser aditiva ou pode ser complexa As interações gene-ambiente adicionam ainda mais complexidade as risco da doença no indivíduo e também ao padrão de herança 5 Análise Genética das Doenças de Caracteres Qualitativos Agregação Familiar Indivíduos afetados podem estar agregados em família Mas a agregação familiar não significa que esta foi resultado de contribuição genética – o desenvolvimento da doença pode acontecer por acaso principalmente se esta for comum na população Cabe ao epidemiologista responder e esta questão Concordância e Discordância Indivíduos concordantes – dois indivíduos da mesma família que apresentam a doença Indivíduos discordantes – quando apenas um membro do par de parentes é afetado Medindo a agregação familiar 1. Risco Relativo A agregação familiar de uma doença pode ser calculada pela seguinte fórmula: Prevalência da doença nos parentes de uma pessoa afetada r =____________________________ Prevalência da doença na população em geral Quanto maior r, maior é a agregação familiar 6 A prevalência da população faz parte do cálculo, pois quanto mais comum for a doença, maior será a probabilidade da agregação ser apenas uma coincidência Se r = 1 isso indica que um parente não é mais suscetível a desenvolver a doença do que qualquer outro indivíduo na população Doenças Esquizofrenia Autismo Distúrbio maníaco-depressivo (bipolar) Diabetes melito tipo I Doença de Crohn Esclerose múltipla Relação Irmãos Irmãos Irmãos Irmãos Irmãos Irmãos r 12 150 7 35 25 24 2. Estudos de Caso-Controle Nessa forma de avaliação os pacientes (caso) são comparados com indivíduos escolhidos sem a doença (controle) Critérios para a escolha dos controles – histórico familiar da doença, exposição a fatores ambientais, ocupação, localização geográfica e doenças regressas Geralmente os cônjuges são usados como controle devido ao seu pareamento com os casos em idade, etnia e ambiente Exemplo: em um estudo de Esclerose Múltipla 3,5% dos irmãos de pacientes com EM também tinham EM, mas a prevalência nos controles era de 0,2% 7 Determinado a contribuição relativa dos genes e do ambiente para as doenças complexas 1. Concordância e compartilhamento de alelos entre parentes Quando os genes são importantes contribuintes para a doença a freqüência da concordância para a doença aumenta conforme o grau de parentesco aumenta Gêmeos monozigóticos são o exemplo mais extremo Em segundo lugar estão os parentes em primeiro grau (pais e filhos ou um par de irmãos) Em um par pai-filho o filho tem em cada locus um alelo em comum com cada genitor Para um par de irmãos a situação é a seguinte: A1A2 A1A3 A1A4 A2A3 A2A4 A1A3 2 1 1 0 A3A4 A1A4 1 2 0 1 A2A3 1 0 2 1 A2A4 0 1 1 2 25% - dois alelos iguais no locus 50% - um alelo igual 25% - nenhum dos alelos iguais 8 Então se os genes predispõe a uma doença é esperado um r maior para gêmeos MZ e um menor para parentes em primeiro grau r continuará diminuindo conforme diminui o compartilhamento de alelos entre os parentes mais distantes da família 2. Membros controle não biológicos da família Uma forma de separar o ambiente familiar da influência genética é comparar a incidência da doença em membros não biológicos com a dos parentes biológicos Em um estudo da EM r foi 40 para parentes biológicos de primeiro grau e 1 para irmãos ou filhos adotados Isto sugere que a maior parte da agregação familiar na EM é genética e raramente tem origem ambiental 3. Estudos com gêmeos Este é um método comum de separar as influências genéticas das ambientais Gêmeos DZ – medição da concordância da doença em parentes que cresceram em ambientes similares, mas que não compartilham todos os genes Gêmeos MZ – comparação de parentes com genótipos quase idênticos que podem ou não ter sido criados no mesmo ambiente Exemplo: se um gêmeo MZ tem anemia falciforme o outro gêmeo também terá Mas quando um gêmeo MZ tem diabetes melito tipo 1apenas 40% dos outros gêmeos também terão diabetes tipo 1 9 Concordância da doença menor que 100% em gêmeos MZ é uma forte evidência de que fatores não genéticos influenciam o desenvolvimento da doença O caso onde gêmeos foram criados em ambientes separados é uma oportunidade de se observar a concordância da doença em indivíduos com genótipos quase idênticos Esses estudos são usados com muita freqüência nos distúrbios psiquiátricos, abuso de substâncias e distúrbios alimentares, onde, em princípio acredita-se em forte influência ambiental Exemplo: em um estudo de alcoolismo 5 de 6 pares de gêmeos MZ que cresceram separadamente eram concordantes para o distúrbio Limitações no estudos com gêmeos MZ: rearranjos somáticos nos loci de Ig, e nos loci de receptores de células T, inativação aleatória do X, exposições a fatores ambientais deixam de ser os mesmo quando os gêmeos deixam a casa dos pais, compartilhamento da placenta durante a gestação Análise Genética dos Caracteres Quantitativos 1. A distribuição normal Qualquer medida fisiológica que pode ser mensurada é um fenótipo quantitativo com média e variância. Ex.: pressão sanguínea, colesterol sérico, índice de massa corporal etc Essas características são importantes determinantes de saúde e doença em uma população 10 2. A variação normal O conceito de variação normal de uma quantidade fisiológica é fundamental para a medicina clínica Exemplo: estatura extremamente altas ou baixas, hipertensão, hipercolesterolemia, obesidade etc são consideradas anormais quando um valor se encontra claramente fora da variação normal Para a avaliação da saúde e da doença em crianças medidas como altura, peso e perímetro cefálico são comparadas com a medida normal esperada para o sexo e idade Exemplos de Caracteres Multifatoriais para os quais os Fatores Genéticos e Ambientais são Conhecidos 1. Doença de Alzheimer (DA) Doença neurodegenerativa fatal e principal causa de demência em idosos Sintomas: perda de memória (crônica e progressiva) e também de outras funções intelectuais que estão associadas à morte de neurônios corticais Fatores de risco para DA: idade, gênero (maior ocorrência no sexo feminino) e histórico familiar As placas -amilóides* e os emaranhados neurofibrilares** só podem ser definitivamente confirmados após a morte com base em achados neuropatológicos 11 *As placas senis – constituída de agregados de proteínas fibrosas insolúveis denominadas beta amilóide, as quais se depositam no exterior dos neurônios formando placas densas. A proteína beta amilóide é um pequeno peptídeo originado como um subproduto da proteína precursora amilóide (APP), uma proteína transmembranar que provavelmente atua no desenvolvimento dos neurônios, cujo gene localiza-se na região cromossômica 21q11.2-21.05 (OMIM *104760). Os oligômeros da beta amilóide, quando em altas concentrações, podem se agregar, sendo estes agregados os responsáveis pela formação das placas senis (HAASS e SELKOE, 2007). ** Emaranhados neurofibrilares – originam-se da agregação anormal da proteína Tau, cujo gene (MAPT) localiza-se na região cromossômica 17q21.1 (OMIM +157140). Essa proteína é expressa nos neurônios e está, em condições normais, associada aos microtúbulos de forma a estabilizar o citoesqueleto nessas células. Como a maioria das proteínas que se associam a microtúbulo, Tau é regulada por fosforilação, contudo, nos pacientes com DA, essa proteína está hiperfosforilada e, em conseqüência, se agrupa na forma de filamentos helicoidais que se acumulam dentro das células nervosas formando grandes massas de proteína (GOEDERT e SPILLANTINI, 2006). Essa doença pode seguir um padrão mendeliano AD – início da doença ocorre entre a terceira e a quarta década (início precoce) Ou também um padrão de agregação familiar – acomete indivíduos após os 60 anos (início tardio) Gene APP Proteína Localização Porcentagem Padrão de de DAF Herança 21q21.3 1 – 2% AD Proteína precursora amilóide (APP) PSEN1 Presenilina 1 14q24.3 PSEN2 Presenilina 2 1q42.1 APOE Apolipoproteína 19q13 E DAF – Doença de Alzheimer Familial 50% 1 – 2% Não se aplica AD AD Herança Complexa O risco relativo da DA familial está entre 4 e 5 12 Apolipoproteína E Gene mapeado no locus 19q13.2 Possui três alelos – 2, 3 e 4 (diferenciam-se devido a substituições de arginina por duas cisteínas na proteína) Funções da apolipoproteína E: - Como componente da molécula de LDL (lipoproteína de baixa densidade) e está envolvida no transporte de colesterol no fígado - Constituinte das placas amilóides na DA A presença de pelo menos um alelo 4 no genótipo de um indivíduo aumenta o risco de desenvolvimento da doença (em populações norte-americanas e japonesas) Mas na população em geral o alelo 4 representa um fator de predisposição para o desenvolvimento da DA Para a DA fatores ambientais parecem ser relevantes já que o fato de um indivíduo ser homozigoto (44) não garante que este venha a desenvolver a DA Traumatismo cerebral (juntamente com a presença desse alelo) pode representar um fator ambiental 13 2. Malformações Congênitas Multifatoriais Algumas malformações podem ocorrer como defeitos isolados e não como parte de uma síndrome e parecem recorrer nas famílias A agregação familiar e o elevado risco de recorrência em parentes de um indivíduo afetado são típicos de uma característica complexa Principais malformações congênitas de herança complexa: Defeitos do tubo neural Fenda labial e/ou palatina Malformações cardíacas congênitas 1. Defeitos do tubo neural (DTN) Anencefalia e Espinha Bífida – DTNs que freqüentemente ocorrem juntas em famílias Anencefalia – nessa DNT estão ausentes a parte anterior do cérebro, meninges, calota craniana e pele. Espinha Bífida – falha na fusão dos arcos das vértebras na região lombar com vários graus de severidade Incidência variável nos nascimentos – redução acentuada nos últimos anos Único fator ambiental causador de DTN – deficiência de ácido fólico Percentual sorológico mínimo de ácido fólico durante a gravidez – 200 ug/L Absorção diária durante a gravidez – 230 ug/dia 14 Suplementação de ácido fólico (400 até 800 ug/dia) – deve ser feita um mês antes da concepção e dois meses após a concepção (período de formação do tubo neural) Diagnóstico pré-natal de DTN – detecção de níveis excessivos de alfafetoproteína (AFP) e ultra-sonografia 3. Doença Mental Afetam 4% de toda a população mundial Esquizofrenia e Doença bipolar são as mais severas Esquizofrenia – anormalidades no pensamento, emoção e relacionamentos sociais (geralmente associadas à imaginação delusional) A contribuição genética é confirmada em estudos de gêmeos e agregação familiar O risco de recorrência entre pais e filhos é de 46% Doença Bipolar – distúrbio de humor onde há alternância entre elevação de humor (pode estar associado a um comportamento perigoso) e períodos de depressão A contribuição genética é confirmada em estudos de gêmeos e agregação familiar O risco de recorrência entre pais e filhos é de 50-70% 15