Os Três Corpos do Buda

Sangha Virtual
Estudos Budistas
Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh
Os Três Corpos do Buda
É natural que os seres humanos queiram personificar qualidades tais como amor, liberdade e
compreensão. Foi com este espírito que o Buda foi representado como "possuindo três corpos":
Dharmakaya, a fonte da iluminação e da felicidade; Sambhogakaya, o corpo de bem
aventurança e contentamento e Nirmanakaya, o invólucro histórico de Buda, visto como um dos
muitos corpos de transformação enviados pelo Dharmakaya. Kaya significa "corpo".
Quando se aproximava a hora de sua morte, Buda disse aos seus discípulos: "Queridos amigos,
meu corpo físico não estará aqui amanhã, mas meu corpo de ensinamentos (Dharmakaya)
sempre estará com vocês. Considerem-no como o instrutor que nunca vai embora. Sejam como
ilhas em si mesmos, e se refugiem no Darma. Usem o Darma como uma lanterna, como a sua
ilha." O Buda queria dizer que para poder ter o Nirvana ao nosso alcance o tempo todo, é preciso
praticar o Darma, o Caminho da Compreensão e do Amor. Ele representa o nascimento do
Dharmakaya, o corpo dos ensinamentos, o corpo do caminho, a fonte da iluminação e da
felicidade. O significado original da palavra Dharmakaya era bastante simples - "a forma de atingir
a compreensão e o amor".
O Dharmakaya é a personificação do Darma, que sempre brilha e sempre ilumina tudo. Qualquer
coisa que nos ajude a despertar é parte do Dharmakaya - árvores, pássaros, seres humanos etc.
Quando ouço um pássaro cantar, se na mesma hora eu me voltar para dentro de mim, respirar e
sorrir, este pássaro me mostrará o corpo de Darma do Buda. As pessoas que estão despertas
podem ouvir o Darma sendo cantado em uma pedra, em um bambu ou no choro de um bebê.
Qualquer coisa pode ser a voz do Darma, quando se está desperto. Todas as manhãs, quando
abrimos a janela para deixar a luz entrar, devemos ter consciência de que isso também é parte do
Dharmakaya.
Ao abrir, a janela,
contemplo o Dharmakaya.
Como essa vida é fantástica!
Límpida como um lago manso,
minha mente permanece atenta a cada instante.
O Darma vivo não é apenas uma biblioteca de livros, vídeos ou cassetes que contém sutras ou
palestras de Darma. Ele é a atenção se manifestando na vida cotidiana. Quando vejo você
caminhando em paz e com alegria, uma presença maior desperta dentro de mim. Quando você
anda dessa forma, o sol do Dharmakaya que existe em nós dois brilha esplendorosamente.
Quando você cuida bem de si mesmo, de suas irmãs e de seus irmãos, eu reconheço em você o
Darma vivo. Quando se está realmente presente, o Dharmakaya se torna fácil de atingir.
O Dharmakaya não se expressa apenas através de palavras e ações, mas também através da
não-ação. Veja as árvores do jardim. Um carvalho é um carvalho, e isso é tudo o que o carvalho
tem que fazer nesta vida. Cada vez que olhamos para ele, sentimo-nos estáveis e confiantes. Ele
nos proporciona ar para respirar e sombra para nos proteger do calor. Se um carvalho vier a valer
menos do que outro carvalho, temos problemas sérios. Podemos receber o Darma de um
carvalho, portanto ele é parte do Dharmakaya. Cada pedra, folha e flor é capaz de cantar o
Saddharmapundarika Sutra. O Buda tem seu corpo de Darma, e nós, futuros Budas, também
devemos expressar o Darma através de nossos corpos de Darma. Quando alguém nos diz algo
desagradável, se conseguirmos sorrir e retornar à respiração, então o nosso Darma estará vivo e
os outros conseguirão tocá-lo. Algumas vezes, somos capazes de ajudar mais usando a não-ação
do que ao tentar fazer muitas coisas. Da mesma forma que uma pessoa que permanece calma
durante uma tempestade no mar, nossa simples presença pode ajudar a alterar uma situação.
O corpo de Darma é a parte do Buda que é eterna. Mais tarde, o Budismo Mahayana começou a
chamar o Dharmakaya de Vairochana, o Buda ontológico, a alma de Buda, o espírito de Buda, o
verdadeiro Buda, o fundamento de todos os seres, a base da iluminação. Por fim, Dharmakaya se
tornou equivalente a Nirvana, essência, e Thathagatagarbha ("o útero do tathagata"). Essa
evolução é natural. Mas se passarmos tempo demais pensando nessas coisas, isto nos será bem
menos útil do que aprender a entrar em contato com nosso próprio corpo de Darma através da
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paz e da atenção plenas. Quando tocamos o Dharmakaya, tocamos o Buda. O Buda disse
claramente que seu corpo de Darma é mais importante do que o corpo físico. Para que o
Dharmakaya possa continuar a existir, o Buda conta conosco, e com a nossa prática.
O Sambhogakaya é o corpo de bem-aventurança, deleite, celebração, resultados ou
recompensas. Como o Buda pratica com profundidade, ele experimenta paz ilimitada, alegria e
felicidade; e o Sambhogakaya é o fruto desta prática. Quando praticamos a atenção plena, nós
também podemos colher desse fruto. Quando respiramos, contemplamos o céu azul, ou tomamos
nosso chá com atenção plena, sentimo-nos felizes apenas por estarmos vivos. Este é o nosso
corpo de deleite, o Sambhogakaya.
Uma vez, li urna história sobre um cristão cuja te em Deus não era muito firme. Ele estava
caçando nas florestas da África, quando se perdeu. Depois de algum tempo, ainda perdido,
decidiu orar pedindo ajuda, mas como sua fé era fraca, rezou de uma forma também fraca. "Deus,
se você existe, por favor, venha e me salve agora." Tão logo terminou de falar, um africano
apareceu. O africano mostrou-lhe o caminho para a aldeia mais próxima, e o homem se salvou.
Mais tarde, escreveu em seu diário: "Eu chamei por Deus, mas só um negro apareceu." Na
verdade, o homem que o salvara era Deus em pessoa, mas como ele era muito ignorante, não foi
capaz de perceber isso. Podemos dizer que o homem que o salvara era o Buda Sambhogakaya.
Buda e Deus costumam aparecer das formas mais variadas. O Buda não está apenas nas nuvens
do céu. Está também em nossos corações, e nos corações dos outros.
Cada vez que temos contato com uma coisa linda, harmoniosa e pacífica estamos em contato
com o Buda Sambhogakaya. Isto se chama "auto-deleite". Quando nos sentimos felizes e em paz,
esta felicidade e esta paz se irradiam ao nosso redor, beneficiando os outros. Chama-se "o gozo
do nosso corpo de bem-aventurança pelas outras pessoas". Quando fazemos isso, nascem
muitos Sambhogakayas neste mundo. Se soubermos como cultivar as sementes de liberação que
trazemos dentro de nós, seremos todos veículos de alegria para os outros, aliviando seu
sofrimento. Assim como o Dharmakaya, o corpo Sambhogakaya de Buda também está ao nosso
alcance, se soubermos como entrar em contato com ele.
Shakyamuni, o Buda histórico, é o Nirmanakaya, um raio de luz enviado ao mundo pelo sol do
Dharmakaya para ajudar a aliviar o sofrimento dos seres vivos. Shakyamuni Buda foi um ser
humano real, que personificou o Dharmakaya. O Buda vivo permanece disponível para nós sob a
forma de uma encarnação, um raio do sol do Dharmakaya. Se esse raio não estiver visível para
você, não se preocupe. Existem muitos outros raios, ou corpos de transformação, exemplificando
o Darma - as árvores, os pássaros, o bambu roxo e o crisântemo amarelo. Shakyamuni foi um
desses corpos de transformação, e você tanto pode contatar o Nirmanakaya através de
Shakyamuni quanto através desses outros corpos de transformação.
Cada um de nós tem três corpos - um corpo de Darma, um corpo de bem-aventurança e um corpo
físico, e eu peço que você identifique seu próprio corpo de Darma, de bem-aventurança e de
transformação. Esses corpos estão dentro de você, trata-se apenas de descobri-los. Ao praticar a
meditação andando, ao liberar um pouco da tristeza e da raiva, ao olhar para as coisas em
profundidade, abandonando as percepções errôneas, desejos e apegos, descobrimos os corpos
de Darma, de bem-aventurança e de transformação em nós mesmos. Quando soubermos
estabelecer contato com esses três corpos, tanto em nós quanto no Buda, sofreremos bem
menos.
O Dharmakaya, o Sambhogakaya e o Nirmanakaya estão ao alcance de todos. Temos que nos
permitir ser atingidos pelos raios de luz emana dos do Buda, e nos transformar. Quando
descobrimos as sementes da iluminação dentro de nós, também nos tornamos capazes de
transformar os outros. O Buda depende de nós, no sentido de podermos viver com atenção plena,
ter prazer em nossa prática e atingir a transformação, compartilhando desta forma nosso corpo de
Darma com os outros seres vivos.
(Do livro “A Essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)
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