Capítulo24 Estrutura e Funções do Tálamo 1.0 — Generalidades O tálamo está situado no diencéfalo, acima do sul co hipotalâmico. constituído de duas grandes mas sas ovóides de tecido nervoso, com uma extremidade anterior pontuda, o tuberculo anterior do tálamo, e ou tra posterior, bastante proeminente, o pulvinar do tála me (fig. 4.2). Os dois ovóides talâmicos estão uni dos pela aderência intertalâmica e relacionam-se medialment.e com o II ventrículo; lateralmente, com a cápsula interna; superiormente com a fissura cerebral transversa e com os ventrículos laterais; e infetior mente, com o hipotálamo e subtálamo (fig. 30.14) Consideramos como pertencendo ao tálamo os dois corpos geniculados, o lateral e o medial, que al guns autores consideram como uma parte independen te do diencéfalo denominada metatálamo. o tálamo é fundamentalmente constituído de subs tância cinzenta, na qual distinguem-se vários núcleos. Contudo, sua superfície dorsal é revestida por unia lâmina de substância branca, o extrato zonal do tálamo (fig. 30.14), que se estende à sua face lateral onde re cebe o nome de lâmina medular externa. Entre esta e a cápsula interna, situado lateralmente, localiza-se o núcleo reticular do tálamo. Este núcleo continua-se com a zona incerta do subtálamo que, por s vez, é uma continuação da formação reticular do tronco ence fálico. O extrato zonal penetra no tálamo formando um verdadeiro septo, a lâmina medular interna, que percorre longitudinalmente o tálamo. Em sua extremi dade anterior esta lâmina bifurcase em V, delimitando anteriormente uma área onde localizam-se os núcleos talâmicos anteriores (fig. 241)• No interior da lâmi na medular interna existem pequenas massas de subs tância cinzenta que constituem os núcleos intralamina res do tálamo. Esta lâmina é um importante ponto de referência para a divisão dos núcleos do tálamo em - grupos 2.0 — Núcleos do tálamo Os núcleos do tálamo são muito numerosos, poden do ser divididos em 5 grupos, de acordo com sua posi ção. Antes de fazermos esta divisão convém esclare i que a denominação das partes do tálamo nem sem re leva em conta sua grientação em relação aos pla nos de constituição do corpo humano. Assim, a parte dorsal ou superior do tálamo é a que se volta para o vértex do crânio; a parte ventral ou inferior, a que se lhe opõe; a parte anterior, a que se volta para o pólo frontal do cérebro e a parte posterior, a que se volta para o pólo occipital - De acordo com Waiker, pode-se dividir os núcleos talâmicos em 5 grupos, que são anterior, posterior, mediano, medial e lateral 2.1 — Grupo anterior (figs. 30.14, 24.1) Compreende núcleos situados no tubérculo ante rior do tálamo, sendo limitados posteriormente pela bi furcação em Y da lâmina medular interna. Estes nú cleos recebem fibras dos núcleos mamilares pelo fas cículo mamilo-talâmico (figs. 73, 27.1) e projetam fibras para o córtex do giro do cíngulo, integrando o circuito de Papez, parte do sistema límbico. Relacio nam-se pois, com o comportamento emocional. 5. ESTRUTURA E FUNÇÕES DO TÁLAMO 203 2.2 — Grupo posterior Situado na parte posterior do tálamo, compreen de o pulvinar e os corpos geniculados lateral e me dial (fig. 24.1). a) pulvinar — é um núcleo de função pouco co nhecida. Parece que não recebe fibras extra talâmicas, ligando-se ao córtex e a outros nú cleos do tálamo; b) corpo geniculado medial — recebe pelo bra ço do colículo inferior fibras provenientes do colículo inferior ou diretamente do lemnisco lateral. Projeta fibras para a área auditiva do córtex cerebral sendo, pois, um relé da via auditiva; c) corpo geniculado lateral — a rigor não é um núcleo, pois é formado de camadas concêntri cas de substância branca e cinzenta. Recebe pelo tracto óptico fibras provenientes da re tina. Projeta fibras pelo tracto genículo-cal carmo para a área visual do córtex situada nas bordas do sulco calcarino. Faz parte, por tanto, das vias ópticas. 2.3 — Grupo lateral (figs. 30.14, 24.1) Este grupo é talvez o mais importante e o mais complicado. Compreende núcleos situados lateralmente à lâmina medular interna, que podem ser divididos em um subgrupo dorsal e um subgrupo ventral. São mais importantes os núcleos do subgrupo ventral, ou seja a) núcleo ventral anterior recebe a maioria das fibras que do globo pálido se dirigem pa ra o tálamo. Projeta-se para o córtex do lo bo frontal. O núcleo ventral anterior perten ce ao sistema extrapiramidal; b) núcleo ventral intermédio — (ventral lateral) recebe fibras do núcleo denteado do cerebe lo ou do núcleD rubro e projeta-se sobre o córtex motor do giro pré-central. Integra, pois, a via cerebelo-rubro-tálamo-cortical, já estudada a propósito do neocerebelo. Além disto, o núcleo ventral intermédio recebe uma parte das fibras que do globo pálido se dirigem ao tátamo; c) núcleo ventral póstero-lateral — é um núcleo relé das vias sensitivas, recebendo fibras dos lemniscos medial e espinhal. Lembremos que o lemnisco medial leva os impulsos de tato epicritico e propriocepção consciente. Já o lemi espinhal, formado pela união dos tractos espino-talâmicos lateral e anterior, transporta impulsos de temperatura, dor, pressão e tato protopático. O núcleo ventral póstero-lateral projeta fibras para o córtex do giro pós-central, onde se localiza a área so mestésica; d) núcleo ventral pústero-medial — é também um núcleo relé das vias sensitivas. Recebe fi bras do lemnisco trigeminal, trazendo sensi bilidade somática geral de parte da cabeça e fibras gustativas provenientes do núcleo do tracto solitário (fibras solitário-talâmicas). Projeta fibras para as áreas somestésica e gustativa situadas no giro pós-central. 2.4 — Grupo mediano (fíg. 24.1) São núcleos localizados próximo ao plano sagital mediano, na aderência intertalâmica ou na substância cinzenta periventricular. Muito desenvolvidos nos ver tebrados inferiores, os núcleos do grupo mediano são pequenos e de difícil delimitação no homem. Tem co nexões principalmente com o hipotálamo e, possivel mente, relacionam-se com funções viscerais. 2.5 — Grupo medial (fig. 30.14, 24.1) Compreende os núcleos situados dentro da lâmi na medular interna (núcleos intralaminares) e o nú cleo dorso-medial, situado entre esta lâmina e os nú cleos do grupo mediano. Os núcleos intralaminares, entre os quais, destaca-se o núcleo centro-mediano (fig. 24.1), recebem um grande número de fibras da formação reticular e têm importante papel ativador so bre o córtex cerebral. O núcleo dorso-medial têm abundantes conexões com a parte anterior do lobo frontal (área pré-frontal), enviando fibras também ao hipotálamo. As funções deste núcleo e de suas cone xões relacionam-se com certos fenômenos emocionais e serão estudadas no capítulo XXVII. 3.0 — Relações tálamo-corticais Embora existam núcleos no tátamo que não têm conexões diretas com o córtex, na maioria dos nú cleos estas conexões existem. As conexões entre um núcleo talâmico e uma determinada área cortical são geralmente recíprocas, ou seja, fazem-se através de fibras tálamo-corticais e córtico-talâmicas que consti tuem as chamadas radiações talâmícas. Estas radiações talâmicas constituem uma grande parte da cápsula in terna, sendo que o maior contingente delas destina-se às áreas sensitivas do córtex. Quando se estimulam certos núcleos do tálamo pode-se tomar potenciais evocados apenas em certas áreas específicas do córtex, relacionadas com funções específicas. Estes núcleos são denominados núcleos talâmicos específicos. Entre eles temos, por exemplo, o núcleo ventral póstero-lateral e o corpo geniculado 204 CAPITULO XXIV medial cuja estimulação evoca potenciais, respectiva- mente, na área somestésica e na área auditiva do córtex. Por outro lado, existem núcleos no tálamo de nominados núcleos talâmicos inespecíficos, cuja esti mulação modifica os potenciais elétricos de territórios muito grandes do córtex cerebral •e não apenas de áreas específicas deste córtex. Neste grupo estão os núcleos intralaminares e o núcleo reticular do tálamo. As modificações da atividade elétrica do córtex, que resulta da estimulação destes núcleos são semelhantes às que se obtém por estimulação da formação reticu lar, ou seja, resultam em ativação do córtex. Contudo, as respostas obtidas no córtex por estimulação talâ mica não são tão difusas como as obtidas por estimu lação reticular e manifestam-se principalmente nas chamadas áreas de associação do córtex. Os núcleos talâmicos inespecíficos recebem mui tas fibras da formação reticular e sabe-se que o sis tema reticular ativador ascendente exerce a sua ação sobre o córtex por via direta e principalmente por via talâmica através dos núcleos talâmicos inespecíficos. Quando se remove o córtex cerebral, os neurônios dos núcleos tal âmicos específicos degeneram, enquan to os dos núcleos inespecíficos não se alteram. Este fato indica que os núcleos talâmicos inespecíficos não têm conexão direta com o córtex cerebral e levanta o problema da via através do qual eles exercem sua ação ativadora sobre o córtex. O assunto tem sido ob jeto de inúmeras pesquisas, mas não foi ainda com pletamente esclarecido (*) . Os núcleos talâmicos inespecíficos com suas conexões corticais compõem o que muitos autores denominam de sistema talâmico de projeção difusa (**) 4.0 — Considerações funcionais e clínicas sobre o tálamo Do que foi visto, é fácil concluir que o tálamo é, na realidade, um agregado de núcleos de conexões muito diferentes, o que indica funções também diver sas. Assim, as funções mais conhecidas do tálamo re lacionam-se a) com a motricidade — através dos núcleos ventral anterior e ventral intermédio, ambos integrantes do sistema extrapiramidal e in terpostos, respectivamente, em circuitos páli docorticais e cerebelo-corticais; b) com o comportamento emocional — através dos núcleos do grupo anterior, integrantes do (“1 Para uma discussão aprofundada do problema veja Sclieibel, ME. and Scheibel, A.B. — 1967 — Brain Research, 6:60-94. ( A denominação sistema reticular talâmico, inicia! mente empregada para estes núcleos e suas co nexões corticais, tende a ser abandonada, talvez por que a maioria deles não tem estrutura reticular. sistema límbico e do núcleo dorso-medial com suas conexões com a área pré-frontal. c) com o grau de ativação do córtex — através dos núcleos talâmicos inespecíficos e suas conexões com o sistema reticular ativador ascendente; d) com a sensibilidade — sem dúvida, as fun ções sensitivas do tálamo são as mais co nhecidas e as mais importantes. Todos os impulsos sensitivos antes de chegar ao cór tex param em um núcleo talâmico, fazendo exceção apenas os impulsos olfatórios. O tá lamo tem, assim, papel de distribuir às áreas específicas do córtex impulsos que recebe das vias lemniscais. Admite-se, entretanto, que o papel do tálamo não seja simplesmente de retransmitir os impulsos sensitivos ao cór tex, senão de integrá-los e modificá-los. Acreditase, mesmo, que o córtex só seria capaz de interpretar corretamente impulsos já modifiçados pelo tálamo. Sabe-se também que alguns impulsos sensitivos como os re lacionados com a dor, temperatura e o tato protopático são interpretados já em nível ta lâmico - Entretanto, a sensibilidade talâmica, ao contrário da cortical, não é discriminativa e não permite, por exemplo, o reconhecimen to da forma e do tamanho de um objeto pelo tato (estereognosia) Afecções do tálamo decorrentes, em geral, de le sões de alguns vasos resultam na chamada síndrome talâmica, na qual manifestam-se dramáticas alterações da sensibilidade. Uma delas é o aparecimento de cri ses de dor espontânea e pouco localizada, que fre quentemente se irradia a toda metade do corpo situ ada do lado oposto ao tálamo comprometido. Apesar de ser mais difícil desencadear qualquer manifestação sensorial, uma vez que o limiar de excitabilidade está aumentado, certos estímulos térmicos ou táteis de sencadeiam sensações desproporcionalmente intensas, geralmente muito desagradáveis e não facilmente ca racterizadas pelo doente. Há casos em que até mesmo estímulos auditivos se tornam desagradáveis, citando- se o caso de um paciente que não podia ir à igreja porque os hinos religiosos que lá ouvia causavam sen sações pouco definidas, mas muito desagradáveis, na metade do corpo situada do lado oposto ao tálamo le sado. A fisiopatologia das alterações da sensibilidade na síndrome talâmica não está completamente escla recida. Acredita-se, entretanto, que seja devido a alte rações dos mecanismos e circuitos intratalâmicos, ou tálamo-corticais, decorrentes da lesão de certas par. tes do tálamo, ficando outras intactas. Tentativas de tratamento da síndrome talâmica por lesão cirúrgica de certos núcleos talâmicos não comprometidos têm si do bem sucedidas.