FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil DEF5871-1 - OMC e Tributo: a Relação entre Regulação do Comércio Internacional e Tributação Internacional Aula 12: Harmful tax competition, paraísos fiscais, regimes privilegiados e black listing: desdobramentos para o comércio internacional (31/10). Aluno: Alexandre Evaristo Pinto Número USP: 5664730 1) Quando se iniciam as políticas fiscais de não tributação do investidor não residente e quais são os seus efeitos (positivos e negativos)? (Alexandre Evaristo Pinto) Avi Yonah entende que a concorrência fiscal internacional atual tem origem nas reformas tributárias promovidas no governo Ronald Reagan, sobretudo na norma que desonerou a tributação do imposto de renda na fonte dos rendimentos de juros de não residentes que investissem em ações e títulos nos Estados Unidos. Tal medida tinha por objetivo atrair investimentos estrangeiros (sobretudo do Japão) e reduziu o custo de captação de recursos, no entanto, diante dos benefícios auferidos pelos Estados Unidos, diversos outros países passaram a adotar a mesma política, desonerando os investidores estrangeiros, o que acabou diminuindo a eficácia de tal política, analisada sob uma ótica individualizada. Ademais, a não tributação do imposto de renda sobre os investidores estrangeiros em um cenário globalizado resultou numa maior mobilidade dos capitais, uma vez que a tributação era (em maior ou menor grau) um entrave para essa mobilidade. Além disso, sob a perspectiva arrecadatória, houve uma diminuição da arrecadação de tributos, uma vez que mais e mais países passaram a adotar tal política, e os tributos têm uma importante função de redistribuição da riqueza. Vale destacar que a adoção de políticas que desoneram os investimentos de não residentes não violam a cláusula de nação mais favorecida, uma vez que se aplicam para todos não residentes independentemente de onde estão localizados. Todavia, tal política discrimina o investidor residente, que não é desonerado, de forma que há uma indução ao investimento estrangeiro. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil 2) O regime de tributação dos países com tributação favorecida e os regimes fiscais privielegiados são compatíveis com os princípios da nação mais favorecida e do tratamento nacional? (Alexandre Evaristo Pinto) Sob a perspectiva do país com tributação favorecida, com relação ao princípio da nação mais favorecida, é interessante notar que não há discriminação dos residentes de outra nação, visto que tais regimes se aplicam de forma igual aos residentes de qualquer país. Todavia, Lingbo Lu destaca que diante da não transparência de diversos regimes, de forma que há normas individuais que muitas vezes só são sabidas pelas partes, há casos de regimes customizados que implicam em tributação mais favorecida a alguns contribuintes em relação aos demais. Se tais diferenças de tratamento tributário abrangerem residentes de diferentes países, haverá uma infringência ao princípio da nação mais favorecida. Ainda sob a perspectiva do país com tributação favorecida, no tocante ao princípio do tratamento nacional, Lingbo Lu destaca que assim como tal princípio estabelece que o produto ou serviço estrangeiro não deveriam ter uma tributação mais gravosa do que a do produto ou serviço nacional, também seria um pressuposto lógico do referido princípio que o produto ou serviço estrangeiro também não tivessem uma tributação menos gravosa do que a do produto ou serviço nacional. Sob a perspectiva dos países que instituem tratamentos tributários diferenciados nas relações econômicas com países por eles considerados como de tributação favorecida, não há dúvidas de que tais modalidades diferenciadas de tratamento podem ser consideradas como ofensivas aos princípios da nação mais favorecida e do tratamento nacional, no entanto, até que ponto tal discriminação poderia ser considerada lícita sob o ponto de vista de ser uma medida para combater a evasão fiscal. Nesse sentido, cumpre destacar o contencioso da OMC envolvendo a Argentina e o Panamá, que foi analisado na aula passada. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Aluno: Arthur José Cunha Bandeira de Mello Joia (N° USP 9387680), É verdadeira a afirmação de Avi-Yonah (2005) que: “the tax competition problem is thus essentially a problem of coordination and trust. Each jurisdiction would prefer to tax investors from abroad to gain the revenue, but is afraid by doing so it would drive the investors to other jurisdiction that do not tax them.”? A referida afirmação é interessante porque remete a um problema de cooperação estudado pela teoria econômica chamado de dilema dos prisioneiros (John Nash). Nash afirmou que os resultados decorrentes de livres mercados nem sempre seriam eficientes do ponto de vista de pareto, ou seja, seria possível com cooperação obter um resultado que seria mais desejável a ao menos um participante sem que nenhum outro fosse prejudicado. A aplicação da idéia ao caso concreto sugere que as jurisdições estariam melhor caso elas cooperassem e tributassem as receitas de investimentos de estrangeiros. Nesta condições, a arrecadação dos Estados provavelmente seria mais elevada e, assim, as jurisdições acabariam em uma situação mais favorável. O meu questionamento a esta linha de argumentação é tratar jurisdições como agentes econômicos maximizadores que buscariam maximizar suas receitas tributárias. Arrecadação não parece ser o único valor que motiva um sistema tributário e, talvez, um sistema tributário devesse se focar em outros objetivos ocmo o desenvolvimento econômico ou ser justiça fiscal. Poderia se argumentar que a tributação de ganhos capitais de investidores estrangeiros não cumpriria estes propósitos. Existem diversos outros objetivos paralelos num regime tributário, Schoueri e Barbosa (2013), por exemplo, enfocam a necessidade de transparência. Enfim, a crítica a passagem do texto é assumir qual seria o interesse das jurisdições, que por serem interesses difusos não são facilmente observados. É desejável que exista uma ampla cooperação entre as instituições financeiras e os Estados no sentido que elas enviem informações sobre as operações bancárias dos respectivos residentes/nacionais? Na hipótese de se tributar a renda acredito ser desejável que exista uma ampla cooperação, uma vez que me parece impossível fiscalizar a correta apuração desta base de cálculo sem conhecimento amplo da posição patrimonial das pessoas no período avaliado. Assim, caso se entenda indesejável que o Estado obtenha tanta informação de seus residentes, a solução lógica seria buscar outras formas de tributação. Sobre o tema, o texto de Grinberg (2013) é especialmente relevante já que aponta o escopo do FATCA e como uma posição adotada unilateralmente pelos Estados Unidos, utilizando o poder de barganha que o tamanho de seu mercado financeiro propicia, foi capaz de influenciar a forma com que praticamente todas as jurisdições do mundo trocam informações sobre movimentações FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil bancárias. O autor observa com razão que esta nova realidade pode permitir que países em desenvolvimento, que sofrem muito com a perda de arrecadação decorrente da evasão fiscal de seus cidadãos, percebam ganhos auferidos pelos seus residentes no exterior. Esta nova realiade evidencia a importância do debate sobre a transparência das administrações tributárias e, neste escopo, casos ocorridos no Brasil são criticados por Schoueri e Barbosa (2013). De fato, estas preocupações são pertinentes en una realidade que um banco de dados tão vasto é disponibilizado a agentes estatais. Contudo, repito o entendimento que esta situação é inevitável com a tributação sobre o lucro, já que, qual seria a coerência de as pessoas serem obrigadas a declarar todas as suas receitas e despesas e, ao mesmo tempo, não dar ao Estado os meios para conferir estas informações? Bruno Cesar Fettermann Nogueira dos Santos (nº 7213744) Quais os limites impostos pela OCDE e pelas regras da OMC a regimes tributários preferenciais? De acordo com o Plano de Ação 5 do BEPS, determinado regime tributário de um Estado somente poderá ser considerado preferencial caso possua alguma particularidade em relação ao regime geral que o torne mais benéfico a um determinado grupo de contribuintes. Assim, uma redução de alíquota ou de base de cálculo, bem como determinadas condições facilitadas de pagamento de tributo podem ser consideradas particularidades que tornem determinado regime preferencial. Vale, no entanto, ressaltar que essa particularidade, essa vantagem deve ser verificada em relação ao regime-padrão do próprio Estado e, portanto, não em comparação com qualquer regime tributário estrangeiro e muito menos com um suposto padrão internacional de tributação. Identificado determinado regime preferencial, é preciso, num passo lógico adiante, verificar se ele possui elementos que possam qualificá-lo como potencialmente danoso. Neste sentido, definiramse, já no 1998 Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue (“1998 Report”) doze critérios, pelos quais seria possível qualificar determinado regime preferencial como potencialmente danoso, quais sejam: i) o regime não tributa – ou tributa a alíquota efetiva baixa – os rendimentos decorrente de atividades de serviços (financeiros ou outros) geograficamente móveis; ii) o regime é ringfencing em relação ao regime imposto à economia doméstica; iii) o regime carece de transparência; iv) não existe efetiva troca de informações sobre o regime; v) há definição artificial da base de cálculo; vi) não há adesão aos princípios internacionais de preços de transferência; vii) rendimentos de fonte estrangeira estão isentos de tributação no Estado de residência; viii) alíquotas ou mesmo bases de cálculo são negociáveis; ix) há previsão de sigilo; x) acesso à rede ampla de tratados de bitributação; xi) o regime é promovido como veículo de minimização de tributação; xii) o regime incentiva operações e arranjos que têm propósitos meramente fiscais e sem atividade econômica substancial. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Ainda quanto aos critérios para qualificação de um determinado regime preferencial como potencialmente danoso, o Plano de Ação 5 do BEPS dá maior enfoque ao requisito da substância econômica. Neste sentido, trata separadamente dos casos de “IP Regimes” e “Non-IP Regimes”. Para o primeiro, atrela o conceito de substância ao critério do nexus approach e entende que os rendimentos sujeitos a benefício (garantidos pelo regime preferencial) serão considerados proporcionalmente às “despesas qualificadas” (“qualifying expenditures”), assim entendidas aquelas que estiverem relacionadas diretamente ao desenvolvimento do ativo de propriedade intelectual que deu causa aos rendimentos em questão. Para o segundo tipo de regime, por outro lado, o Plano de Ação 5 admite que há maior dificuldade em relacionar os rendimentos decorrentes do core business ao benefício e entende que essa consideração deverá ser feita caso a caso. Ainda, o Plano de Ações 5 do BEPS (aproveitando-se de consideração já traçada no 1998 Report) pontuou que um regime preferencial só deixa de ser potencialmente danoso para se tornar efetivamente danoso a partir dos efeitos econômicos que ele gerar. Feitas essas considerações sobre as limitações propostas pela OCDE para os regimes preferenciais, cabe verificar se as regras da OMC impõem algum limite também neste sentido. Neste contexto, o único obstáculo que os regimes preferenciais podem enfrentar referem-se à proibição de subsídios atreladas à exportação ou à substituição de importações, prevista no ASCM. De todo modo, essa regra só seria aplicável caso o regime preferencial fosse concedido a empresa com sede no exterior, controlada por residentes, e fosse atrelado ao desempenho de exportação de exportação dessa empresa. Com bem pontua LU (2006, p. 403), essa norma seria aplicável para regimes preferenciais danosos como o FSC dos EUA. Não estando, enfim, atrelado à exportação e não sendo destinado a empresas com sede no exterior, é possível entender que os demais regimes preferenciais (ainda que danosos de acordo com o entendimento da OCDE) não violarão normas da OMC. Há de se ressalvar, no entanto, que há que entenda (LU (2006, p. 402)) que mesmo traditional tax havens – que, enfim, não condicionam o regime preferencial a desempenho de exportação, mas são concedidos, de uma forma geral, aos investidores (especialmente não residentes) – podem, sim, violar as regras da OMC, por causarem distorções nos “normais interesses comerciais” dos investidores. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Ao se analisar a regra do FATCA que prevê a tributação majorada na fonte sobre pagamentos destinados a instituições financeiras com sede no exterior que se neguem a fornecer ao governo norteamericano informações sobre seus residentes, é possível identificar alguma incompatibilidade com as normas da OMC? Antes mesmo de adentrarmos as considerações sobre as regras específicas decorrentes da não discriminação, é preciso entender se o regime do FATCA poderia ser analisado sob um dos tratados da OMC. Primeiramente, parece evidente que, como se se está diante da prestação de serviços por instituições financeiras estrangeiras a residentes ou nacionais dos Estados Unidos, não cabe qualquer aplicação do acordo GATT, mas sim do GATS. Neste sentido, entendo que é possível aplicar o GATS sob a modalidade 2 (“consumption abroad”), 3 (“comercial presence”). Na modalide 2, o residente americano simplesmente faz as remessas para o seu banco no exterior e este, no território do país estrangeiro, presta os serviços bancários. Por outro lado, na modalidade 3, o banco atuaria, por uma filial, no território dos Estados Unidos, mas ainda assim enquanto entidade estrangeira. Com essas considerações, pode-se entender que o banco estrangeiro sujeito à retenção na fonte majorada pelo regime FATCA sofre tratamento discriminatório? É possível dizer que há agressão ao tratamento nacional e ao tratamento da nação mais favorecida? Antes de tudo, convém ressaltar que só se poderá cogitar de violação ao tratamento nacional caso os serviços bancários estiverem contidos no schedule dos EUA. Caso contrário, os EUA terão admitido, ao assinar o GATS, que podem discriminar os serviços bancários prestados por instituições estrangeiras em relação às instituições nacionais. Num passo adiante, é preciso verificar se a discriminação imposta pelo regime FATCA pauta-se pelo critério da nacionalidade da entidade. É dizer, o FATCA só poderá ser considerado discriminatório frente às normas da OMC caso adote a nacionalidade como critério de discriminação entre os bancos. Assim sendo, numa análise mais superficial, pode-se entender que este não é o critério adotado pelo FATCA, mas sim a colaboração ou não dos bancos estrangeiros com a concessão de informações de residentes e nacionais americanos. Assim, é possível que a instituição financeira X do país A seja submetida ao regime FATCA (por não ter quebrado o sigilo de um de seus clientes americanos), mas que a instituição financeira Y também do país A não seja submetida a tal regime, por ter atendido às solicitações de disclosure das autoridades tributárias americanas. Neste caso, parece evidente que não há violação à regra da não discriminação. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Pode haver, no entanto, um outro caso em que, por hipótese, todas as instituições financeiras de um país B deixem de fornecer informações sobre clientes americanos e, por isso, todas tenham sido sujeitas ao regime FATCA de tributação majorada na fonte. Veja-se, inclusive, que este nem é um exemplo impossível. Afinal, caso o país B tenha regra expressa de que o sigilo bancário é garantia constitucional inviolável do contribuinte, é bastante provável que as instituições financeiras não queiram sofrer amargas perdas judicias (em razão do descumprimento de norma constitucional) e que, enfim, estejam dispostas a sofrer com encargos majorados de WHT nos Estados Unidos. Num caso como este, haveria, sim, tratamento discriminatório que poderia tanto se referir à violação do tratamento nacional quanto da nação mais favorecida. Em ambas as hipóteses, no entanto, haveria uma discriminação de fato, que, a princípio, não pode ser detectada de jure. Caio Augusto Takano – Nº USP 5696980 1) Os regimes de tributação próprios de paraísos fiscais são contrários às regras de comércio internacional da OMC? As regras de comércio internacional exigem um standard mínimo de troca de informações em matéria tributária? (Caio Takano) Como aponta AVI-YONAH, a falta de uma efetiva troca de informações entre os países pode impedir que haja uma tributação efetiva sobre a renda, em especial sobre os rendimentos derivados de investimentos, permitindo que rendimentos sejam auferidos sem a incidência de tributos (no caso de um dos países envolvidos for um paraíso fiscal e não tributar o rendimento e nem trocar informações). Assim, em princípio, a ausência de um standard mínimo de troca de informações em determinado ordenamento jurídico poderá afetar a neutralidade que se espera da tributação no comércio internacional. Especificamente, entendemos ser possível sustentar que regimes jurídicos próprios de paraísos fiscais que não troquem informações (independentemente de ser um “production tax haven”) poderão configurar subsídio ás exportações, na medida em que parecem ir de encontro com o disposto na Nota de Rodapé nº 59 do ASMC: “Os Membros reafirmam o princípio segundo o qual os preços de bens praticados em transações entre empresas exportadoras e compradoras estrangeiras controlados pelas primeiras, ou ambos sob o mesmo controle, devem, para fins tributários, ser os mesmos que se praticariam entre empresas independentes umas das outras em condições de livre concorrência. Qualquer Membro pode chamar a atenção de outro para práticas administrativas ou outras que contradigam esse princípio e que resultem em expressiva economia em impostos direitos aplicáveis a transações de exportação”. Explica-se: a opacidade na troca de informações, a nosso ver, configura uma prática administrativa que impede que se assegure que transações entre partes ligadas sejam tributadas como transações realizadas entre empresas independentes (em condições de livre concorrência), porquanto simplesmente impede que se obtenha informações a respeito do vínculo existente entre as partes FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil envolvidas na transação, não permitindo que se exerça um controle para se verificar se as regras do ASMC estão sendo devidamente cumpridas. Poder-se-ia alegar que ausência de um standard mínimo de trocas de informação afetaria indistintamente exportações como importações, e assim não haveria um subsídio específico às exportações e, se houvesse, haveria um outro subsídio nas importações que o compensando. O argumento, contudo, não procede, pois, tratando-se de paraísos fiscais, o volume de importações é muito inferior ao volume de exportações realizadas, implicando um subsídio às exportações “de fato”. 2) Quais os desafios existentes para o combate à competição fiscal prejudicial? É possível lidar com a competição fiscal internacional sem que seja priorizada a cooperação mútua e o multilateralismo? (Caio Takano) Paraísos fiscais possuem uma importante função para a existência de competência fiscal prejudicial, pois basta que existam alguns poucos países que não estejam dispostos a cooperar com a troca de informações para que sempre haja opções de jurisdições para as quais os contribuintes poderão transferir seus fundos e não pagar (ou pagar menos) tributos. Neste cenário, AVI-YONAH sugere que bastaria que se instituísse um imposto retido na fonte de 35% sobre pagamentos realizados para jurisdições (paraísos fiscais) não cooperativos, passível de ser ressarcido caso o contribuinte demonstrasse que a renda foi declarada no país de residência. De forma semelhante, GRINBERG alega que a conversão do FACTA em um “sistema multilateral uniforme” pelos países poderia possibilitar que países em desenvolvimento tivessem a capacidade de tributar rendimentos de investimentos de portfolio e outros rendimentos de pessoas jurídicas. Entretanto, tais propostas dificilmente resolveriam de forma consistente a competição fiscal prejudicial entre os países, na medida em que um sistema de troca de informações fragmentado e imposto pela força dista do ideal de cooperação, necessário, como apontam SCHOUERI e BARBOSA, para trazer segurança jurídica e estabilidade no sistema. Ademais, não oferece soluções consistentes nem em relação à questão dos custos administrativos incorridos para que os países – principalmente em desenvolvimento – possam colher e trocar as informações solicitadas, bem como, porquanto fruto de imposição dos Estados, dificilmente apresentará qualquer preocupação em relação a uma efetiva proteção dos direitos dos contribuintes na troca de informações em matéria tributária. Assim, a nosso ver, a troca de informações deve ser implementada dentro do espírito de cooperação e multilateralismo existente no âmbito do BEPS para que possua chances reais de êxito. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Seriam os planos de ação do BEPS mecanismos suficientes para diminuir a competição internacional e, com isso, as infrações às regras do WTO causadas por aspectos fiscais, mormente a concessão de subsídios proibidos e o tratamento diferenciado entre produtos estrangeiros e nacionais? Com bem sabidos, os 15 planos de ação decorrentes do projeto BEPS realizados no âmbito da OCDE e G20 configuram medidas para combater a erosão da base tributária e descolamento de recursos para países com baixa ou nenhuma tributação. Trata-se de um projeto ambicioso que tem como um dos seus princípios a alocação dos rendimentos ao(s) local(is) em que houve a efetiva criação de valor. Uma das grandes causas do BEPS é a existência de competição entre os países de residência e fonte na busca de interesses próprios (busca de tributação, recebimento de investimento, incentivos às suas multinacionais, dentre outros). Nesse sentido, se é bem verdade que os 15 planos de ação do BEPS preveem mecanismos para evitar a erosão da base tributável e deslocamento de recursos (sem entrarmos no mérito da efetividade, ou não, das propostas finais), não menos certo é que o projeto BEPS só vai conseguir alcançar os seus objetivos, ou melhor, apenas terá qualquer tipo de chance de atingir os seus objetivos se houver cooperação entre os países, o que, consequentemente, reduzirá a natural competição entre os países fonte e de residência e entre eles mesmos. Nota-se, portanto, que uma das causas do surgimento do BEPS é também um dos principais motivos que levam a violações das regras do WTO causadas por legislações fiscais dos países integrantes, qual seja, a competição e falta de colaboração ente os países, de forma que o projeto BEPS, por si só, não terá o condão de evitar (ou ao menos diminuir) os conflitos no âmbito do WTO causados por legislações fiscais, sem uma maior cooperação e diminuição da competição entre os países. O aumento da transparência em virtude dos planos de ação 11, 12 e 13 do BEPS ajudarão a neutralizar o comércio internacional e diminuição das infrações às regras do WTO? Dentre os vários planos de ação do projeto BEPS, destacam-se aqueles referentes ao aumento da transparência e troca de informações entre os países. De fato, se é que o projeto BEPS tem alguma chance de funcionar, não se pode negar que o aumento de transparência e o fornecimento de informações entre os países é um dos poucos itens do projeto que podem surtir efeitos em um futuro não tão distante. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Típico exemplo deste aumento de transparência e troca de informações é “country by country report” (“CbC”) que será apresentado pelos países, o que possibilitará a realização de auditorias por países com menor capacidade fiscalizatória e o combate à erosão da base de tributária. Ocorre, no entanto, que, apesar de contribuir para redução do BEPS, o aumento de transparência e incremento das trocas de informações, por si só, não resolveria a questão da neutralização do comércio internacional. Isso porque, muitas das infrações das regras do WTO decorrem da legislação fiscal dos países integrantes (mormente subsídios proibidos e discriminações de tratamento fiscal entre produtos nacionais ou estrangeiros) e não da falta de troca de informações e/ou ausência de transparência. Neste sentido, tem-se que o incremento das trocas de informação, e.g. CbC, servirão como ferramentas para os países constatarem a erosão de sua base tributária por empresas multinacionais e realizarem a alocação de recursos que entenderem adequada, mas não solucionarão os problemas do comércio internacional relacionados ou subsídio e tratamento diferenciado, já que são problemas causados pelas legislações internas dos próprios países membros. Tais problemas relacionados ao comércio internacional somente seriam solucionáveis por meio de colaboração e padronização das normas tributárias, o que não será atingido com o aumento de transparência, tampouco com o projeto BEPS. Fábio Tomkowski Nº USP 9742481 Medidas visando um maior controle sobre os planejamentos abusivos, por meio de acordos visando uma maior transparência entre os países vêm se tornando cada vez mais comuns e a tendência é que se aprimorem cada vez mais. Nesse contexto, o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act) surge como uma dessas medidas. Todavia, pode-se afirmar que se trata de uma ação benéfica para os países não desenvolvidos? O FATCA consiste em regras por parte do governo americano relativas às transações feitas por cidadãos americanos fora do país, com isso busca aumentar a transparência e evitar a evasão fiscal nos EUA. Para alcançar seus objetivos, a lei determina que as instituições financeiras reportem operações de contas mantidas por cidadãos americanos à Receita Federal dos EUA, sob pena de, em caso de descumprimento, estarem sujeitas a retenções de 30% de imposto sobre o provento bruto da venda de qualquer ativo financeiro que produza rendimento de fonte dos EUA, incluindo aí o valor principal investido nesses ativos. Surge, então, a primeira controvérsia, que é o fato dos EUA imporem tais medidas a instituições de outros países, deixando de lado questões como, por exemplo, leis de proteção ao sigilo bancário de outros países. Todavia, diferentemente de algumas preocupações levantadas por Grinberg, no sentido de que sistemas como o FATCA poderiam acabar beneficiando apenas os países desenvolvidos, o que ocorreu na prática foi uma cooperação, tanto por meio do FATCA, como do Acordo Multilateral FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil de troca de informações, ocasionando em grande benefício para os países emergentes, visto que acabarão usufruindo de um forte instrumento de combate à evasão fiscal, ocasionando em expressivos implementos na arrecadação que não seriam possíveis sem esses acordos. Apesar de a OMC ter contribuído no combate aos subsídios ilegais (o que pode ser visto por alguns como benéfico somente para os países desenvolvidos), pode-se afirmar que esse órgão é o local adequado para as discussões envolvendo incentivos tributários? Muito embora para os objetivos os quais visou alcançar, dentre eles o combate aos incentivos tributários que possam ser configurados como subsídios ilegais, a OMC venha conseguindo cumprir satisfatoriamente o seu papel, questiona-se se ela é o local ideal para discussões nessa seara. Dentre os motivos que surgem como fundamentos para essas críticas estão alguns como a falta de expertise do órgão, o que, para Avi-Yonah, poderia ser facilmente resolvido com a contratação de mais especialistas no assunto e, além do mais, para ele, a OMC já conta com um considerável grupo de experts em tributação, razão pela qual essa crítica não seria completamente procedente. Green, por sua vez, afirma que, analisando o custo/benefício de impor ao órgão a função de resolver disputas legais envolvendo a tributação, os benefícios certamente não compensam os custos. Ele afirma que as disputas ali são baseadas basicamente na retaliação e na falta de transparência. A retaliação é a característica presente no dilema do prisioneiro, no qual, aplicando a esse caso, um país coopera se a ele for assegurado que o outro país também está cooperando. Quanto a sua implementação pela OMC, acaba sendo necessário um ambiente organizacional a fim de administra-las, enquanto que, com relação à falta de transparência, é necessário prover as informações necessárias para que as garantias antes citadas, ou seja, que um país tenha a segurança de que o outro não irá burlar as regras, possam existir. Além do mais, há problemas quanto à soberania dos países, pois estes não querem perder o poder de estabelecerem suas regras tributárias, como pode ser verificado na relutância dos EUA em insistir na exclusão os tributos diretos do GATS. É por essa razão que Green afirma que se for dado muito poder à OMC com relação à tributação, o risco de não observância dessas regras pelos países é alto. Avi-Yonah, por sua vez, discorda de Green, pois, para ele, a OMC já tem poder suficiente para tratar de tributação, de modo que, caso esse poder seja estendido, não haverá maiores consequências negativas, razão pela qual essa crítica levantada por Green seria descabida. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Helena Trentini Seminário: 31.10.2016 De que forma a Ação 12 do BEPS pode influenciar no cenário de transparência? Como isso se insere no contexto de transparência assumido no Brasil. A Ação 12 do BEPS foi criada com os objetivos de: (i) fornecer uma estrutura básica para permitir que os países que não possuem Regras Obrigatórias de Divulgação (Mandatory disclosure rules) criem um regime que possibilite a obtenção de informações sobre potenciais “aggressive tax planning” (planejamentos tributários abusivos); (ii) aumentar a transparência dos planejamentos por meio (a) de imposição de obrigações relativas a informações de planejamentos tributários agressivos; e (b) do desenvolvimento e implementação de trocas de informações e cooperação entre Administrações Tributárias; (iii) identificar os contribuintes e planejadores (promoters ou advisors) que adotam a prática; (iv) permitir que as Autoridades Fiscais tenham acesso prévio (timely information) a informações sobre potenciais PTAs, a fim de possibilitar respostas rápidas sobre as mudanças dos comportamentos dos contribuintes, por meio de políticas operacionais ou mudanças legislativas: “it is therefore important that countries’ tax administration and legislative systems can react rapidly to close down opportunities for tax avoidance.”; e (v) desestimular os contribuintes a pensarem em implementar esse tipo de planejamento: “taxpayers may think twice about entering into a scheme if it has to be disclosed”. Para alcançar esses objetivos, a Ação 12 traça recomendações às Autoridades Fiscais (i) sobre como formular as regras de divulgação obrigatória; (ii) para focar no planejamento fiscal internacional e em transações que envolvam montantes relevantes; e (iii) para criar e colocar em prática modelos de trocas automáticas de informações entre países. No que se refere às regras de divulgação obrigatória, a Ação 12 orienta as Autoridades Fiscais a criarem regras que obriguem os contribuintes e planejadores a fornecerem informações antecipadas sobre os potenciais planejamentos tributários abusivos, com regras (i) claras e fáceis de entender; (ii) que balanceiem o aumento do custo de compliance que as empresas terão com os benefícios em prol da arrecadação; (iii) que indiquem precisamente as estruturas que devem ser informadas; e (iv) flexíveis e dinâmicas suficientemente para permitir que as Autoridades Fiscais ajustem o sistema para abranger novos riscos. Propõe-se, ainda, que as Autoridades Fiscais visem obter informações que sejam efetivamente FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil utilizadas em prol do aumento da arrecadacao e da descoberta de práticas que envolvam planejamentos tributários abusivos. Com isso, procura-se evitar que sejam coletadas informações irrelevantes. A Ação 12 do BEPS focou na transparência, por meio de imposição de regras de divulgação obrigatória e do aumento da troca de informações dos países. Isso faz parte das medidas relacionadas a necessidade de aumento da transparência dos contribuintes em relação ao Fisco, a fim de evitar a evasão fiscal. No caso do Brasil, é importante lembrar que o país precisa primeiramente lembrar que o movimento em prol da transparência deve vir de cima para baixo, ou seja, do Estado para o seu contribuinte e não o contrário, razão pela qual se mostra, a princípio, incoerente requerer um nível tão alto de transparência sem a correlata entrega de dados pelo Estado em prol do contribuinte. Da mesma forma, as Autoridades brasileiras também precisam adequar a legislação interna, a fim de não firmar compromissos internacionais que são tidos como inconstitucionais, por violarem garantias expressas outorgadas pela Constituição Federal, especialmente no tocante ao sigilo bancário. Para isso é importante ter em vista qual a finalidade da utilização das informações que serão trocadas. Conclui-se que as medidas vinculadas ao BEPS realmente trazem novos standards tributários na comunidade internacional, mas o Brasil deve adotá-las posteriormente às adaptações da legislação interna necessárias, sob pena de ineficácia da medida, conforme já se verificou da conversão em Lei da Medida Provisória 685 sem a regra de informação obrigatória da Declaração de Planejamento Fiscal. Como deve se dar o tratamento das informações trocadas nos âmbitos dos Acordos Firmados pelo Brasil para evitar dupla tributação para que o sigilo seja garantido. Como o julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE n. 389808 tratou o sigilo bancário. A Constituição Federal consagra o princípio do sigilo bancário como direito fundamental. Seguindo a linha da garantia ao sigilo do contribuinte, o CTN, no § 2º do art. 198, determina que “o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo”. Deveras, nesse caso, o preceito aplicar-se-á mesmo quando se trate de autoridades estrangeiras, ao solicitarem tais informações, reconhecidas e qualificadas pelo Brasil como sendo de caráter sigiloso. Havia discussão doutrinária sobre a possibilidade de se permitir as trocas automáticas de informações fiscais, pois, em princípio, a legislação brasileira garantiria o sigilo fiscal, que só poderia ser quebrado mediante autorização judicial. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Não obstante, esse entendimento foi alterado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento de ações que questionavam o artigo 6º, da Lei Complementar nº 105/2000, regulamentado pelo Decreto nº 3.724, de 10.1.2001 (RE n. 389808), que determina que os bancos forneçam dados bancários de contribuintes requisitados Receita Federal do Brasil independente de autorização judicial. Essa decisão é um importante marco na mudança de orientação do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em consonância com as orientações da OCDE. Note-se que no referido julgamento, mitigou-se a obrigatoriedade de a informação sob sigilo for requerida por autoridade judicial para permitir que o processo administrativo seja suficiente para que tal informação seja requisitada. Do mesmo modo, entendeu-se que a transferência das informações bancárias dos Bancos para as Administrações Fiscais não seriam suficientes a ensejar a quebra do sigilo, pois a Administração Fiscal que recebesse a informação seria obrigada a manter o referido sigilo. Não obstante, deve-se considerar que além do sigilo bancário, a Constituição Federal protege a intimidade e a vida privada dos cidadãos. Da mesma forma, a Convenção da ONU - Declaração Universal dos Direitos Humanos – também determina, no seu artigo 12, que o sujeito não poderá sofrer interferência na vida privada, familiar, de seu domicilio e correspondência. Portanto, ainda que diante de um novo cenário internacional de transparência Fiscal, o Brasil deve se atentar às questões relativas ao sigilo bancário, sob pena de se ofender a referida Convenção e a Constituição Federal. Nome: José Gomes Jardim Neto Nº USP: 1137213 Considerando o tema e a proposta do artigo de Luís Eduardo Schoueri e Mateus Calicchio Barbosa, no sentido de haver transparência também por parte do Fisco no procedimento de troca de informações, incluindo a participação dos contribuintes antecipadamente ao seu envio, aponte possíveis pontos de resistência do Fisco e discorra sobre eles. O procedimento de fiscalização é inquisitório e não sujeito à ampla defesa: do ponto de vista formal esse pode ser o primeiro ponto de resistência do Fisco. De fato, a ampla defesa é princípio aplicável na fase do processo administrativo, mas não é necessariamente aplicável na fase de fiscalização. Todavia, uma vez que as informações enviadas são em tese definitivas, a abertura antecipada delas ao contribuinte é o meio de evitar erros que podem ser incorrigíveis. Risco de atraso que leve à prescrição: especialmente quando o país que requisita a informação tem prazo de prescrição curto, sujeitar o envio das informações a longo procedimento pode levar à prescrição para a cobrança do tributo no outro país. Esse problema pode ser enfrentado pela criação de procedimento administrativo simplificado, mas não evita casos que se prorroguem no Poder Judiciário. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Riscos relativos à destruição de provas, impossibilidade de cumprimento de normas na esfera penal e esvaziamento patrimonial: dependendo da espécie de fiscalização no país requisitante das informações, a abertura do procedimento ao investigado pode, em certos casos, levar a tais riscos. Todavia, ciente de que essa abertura se daria, o país requisitante poderia tomar medidas preventivas antes mesmo do pedido de informações. Denúncia espontânea e outros benefícios relacionados: para evitar que o conhecimento do pedido de informações leve o contribuinte do país requisitante a se beneficiar indevidamente de benefícios como a denúncia espontânea, seria necessário abrir o procedimento fiscalizatório e dar ciência dele ao contribuinte antes do pedido ao outro país. 2) Procedimentos ligados ao envio de informações sujeitam-se aos princípios da OMC tais qual o MFN? Parece que a diferença de tratamento em relação ao envio de informações a depender do país destinatário pode gerar discriminação de fato. Isso pode se dar especialmente se o país evitar enviar informações que venham a prejudicar as empresas residentes. Todavia a negativa no envio de informações pode derivar de outros motivos. Um exemplo possível seria o caso da não obediência, pelo país destinatário, de princípios fundamentais, como o sigilo fiscal. LEONARDO AGUIRRA DE ANDRADE – Nº USP 54407-16 Em que medida a blacklist brasileira de paraísos fiscais e de países com regime de tributação favorecida confronta com as regras da OMC? Existem três principais regras na OMC: (i) nação mais favorecida, (ii) tratamento nacional e (iii) subsídios proibidos. A ideia central da regra de nação mais favorecida é garantir que as vantagens comerciais concedidas a um país sejam também concedidas aos outros países que estejam na mesma condição. Na prática, busca-se um tratamento semelhante aos produtos ou aos serviços estrangeiros independentemente do seu país de origem. Ou seja, trata-se de uma regra tratamento não discriminatório entre países. Já, na regra de tratamento nacional, um país membro da OMC deve tratar os produtos e serviços importados de maneira não menos favorecida do que os produtos e serviços nacionais, de modo que os estrangeiros e os locais possam competir em iguais condições no mesmo mercado. Ou seja, trata-se de uma regra de tratamento não discriminatório dos estrangeiros em relação aos nacionais. Por fim, a OMC proíbe a concessão de subsídios vinculados à atividade de exportação. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil A mer ver, a black list brasileira, a respeito de paraísos fiscais e países com regime de tributação favorecida (prevista na Instrução Normativa RFB nº 1.037, de 4 de junho de 2010), pode contrariar as regras da OMC de nação mais favorecida e tratamento nacional. Isso porque, ao atribuir um tratamento fiscal prejudicial aos paraísos fiscais e países com regime de tributação favorecida (tais como majoração de alíquota em remessa - art. 685, II, do RIR – e indedutibilidade de despesas – art. 26 da Lei nº 12.249/10), o Brasil acaba criando vantagens competitivas – seja entre diferentes players estrangeiros, seja entre produtos nacionais e importados – que contrariam as regras da OMC de nação mais favorecida e tratamento nacional. Seria possível argumentar, por outro lado, que os paraísos fiscais e países com regime de tributação favorecida teriam uma vantagem competitiva, justamente em razão da tributação reduzida ou inexistência e dos obstáculos ao acesso à informação, a ponto de justificar o tratamento diferenciado como medida de compensação. No entanto, se essa fosse a motivação brasileira para tal tratamento diferenciado, antes de efetiválo, seria necessário avaliar em que medida a reduzida tributação e o sigilo gerariam as vantagens competitivas e, proporcionalmente, caso-a-caso, qual seria a desvantagem a ser compensada. Além disso, há países, como a Irlanda, que não se subsumem aos parâmetros fixados pela própria legislação brasileira para fins de identificação de paraísos fiscais (alíquota inferior a 20%, e que não permitam acesso a certas informações), o que reitera o problema do tratamento anti-isonômico. Os paraísos fiscais podem ser considerados como subsídios proibidos de acordo com a OMC? Lingbo Lu diferencia duas espécies de paraísos fiscais: (i) aqueles que buscam atrair capitais para o desenvolvimento de atividades no local; e (ii) aqueles ("tradicionais") que, por meio da reduzida tributação, buscam atrair capitais apenas para atividades financeiras. Para o autor, a primeira espécie de paraíso fiscal pode caracterizar um subsídio proibido se os benefícios concedidos estiverem vinculados com as atividades de exportação, o que violaria a regra de subsídio proibido do GATT. Por outro lado, os paraísos fiscais tradicionais poderiam ensejar a caracterização de subsídios proibidos na importação/exportação de capitais, o que, todavia, estaria submetido ao GATS, que não tem uma regra de subsídio proibido. Apesar disso, o autor sustenta que os paraísos fiscais tradicionais violariam - não as regras, mas os propósitos da OMC, por distorcer o mercado de mercadorias e serviços. Segundo o autor, os paraísos fiscais, indiretamente, subsidiariam a importação/exportação de mercadorias e serviços, gerando efeitos negativos (indiretos) para outros países, o que estaria contemplado pelas vedações do ASMC. O entendimento merece crítica. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Diante da ausência de uma regra de vedação, no GATS, a subsídios proibidos, o autor busca encontrar, nos propósitos de OMC de livre mercado, uma motivação para tratar os paraísos fiscais como subsídios proibidos. O argumento pode ser criticado por duas razões: (i) não existe violação a princípio. Se não existe uma regra, no GATS, que vede os subsídios proibidos, não é possível caracterizar tal vedação com base apenas em um propósito ou princípio; (ii) mesmo no âmbito do propósito de livre mercado, os paraísos fiscais poderiam ser defendidos como meio de desconcentração de investimento e inclusão de países pobres como players de atração de investimentos, o que estaria alinhado com o propósito de livre mercado. Lucas Spadano 1. Os “production tax havens”, tal qual classificados pelo Prof. Avi-Yonah, são contrários às normas da OMC? O Prof. Avi-Yonah define “paraísos fiscais de produção” como isenções ou benefícios fiscais específicos concedidos com o propósito de atrair investimentos estrangeiros para estabelecer instalações produtivas no país de destino dos investimentos. Avi-Yonah opõe os paraísos fiscais de produção a “paraísos fiscais tradicionais” (jurisdições de baixa ou nenhuma tributação da renda, que atraem investimentos estrangeiros e serviços financeiros por meio da promessa de baixa tributação e sigilo bancário) e “headquarters tax havens” (que visam atrair o estabelecimento de sedes de multinacionais por meio da não tributação da renda oriunda de subsidiárias no exterior). Para ele, a aplicação mais fácil das normas da OMC diz respeito à primeira espécie de paraísos fiscais – production tax havens. Ele argumenta que esses regimes são invariavelmente criados de forma separada da economia interna, às vezes nem mesmo estando abertos a investidores nacionais, com o objetivo de promover exportações. Isso porque os países que concedem tais benefícios normalmente não podem erodir suas próprias bases internas de tributação por meio de regimes preferenciais. Mais especificamente, Avi-Yonah defende que esses regimes são condicionados de fato ao desempenho exportador, porque os produtos e serviços que envolvem não podem ser direcionados ao mercado interno. Assim, para Avi-Yonah, tais regimes constituiriam subsídios à exportação, proibidos nos termos do GATT e do Acordo sobre Subsídios da OMC, pois (i) envolvem uma “contribuição” pelo Estado FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil ao abrir mão de receitas tributárias; (ii) seriam específicos para determinados contribuintes (frequentemente inclusive negociados especificamente); e (iii) seria condicionados ao desempenho exportador, pela razão indicada acima. Um primeiro ponto a observar é que, se os incentivos forem realmente condicionados à exportação, no sentido de exigir como contrapartida do investidor que atinja determinado desempenho exportador, ou ainda que cumpra requisitos de conteúdo local, os programas serão proibidos nos termos do Art. 3.1 do Acordo sobre Subsídios. Nesse caso, a especificidade é presumida (cf. art. 2.3), sendo dispensável demonstrar que o programa beneficia contribuintes ou setores específicos. Não parece suficiente, entretanto, argumentar – como faz o Prof. Avi-Yonah – que os países não ofereceriam esses incentivos para vendas voltadas ao mercado interno, porque não precisariam dos incentivos para atrair esse tipo de investimento e porque não poderiam abrir mão da arrecadação oriunda dessas vendas. Seria preciso examinar cada programa detalhadamente e identificar o condicionamento do incentivo (seja nos textos legais aplicáveis ou em outros elementos de fato) ao desempenho exportador para concluir que se trata de subsídios proibidos. Avaliando a jurisprudência da OMC (Canada – Autos; Indonesia – Autos; Canada – Renewable Energy etc.), parece inclusive mais comum que esse tipo de incentivo fiscal (voltado para a atração de investidores estrangeiros) seja enquadrado no Acordo TRIMS e no Art. III do GATT (tratamento nacional), por conter elementos que favorecem produtos nacionais em detrimento de importados, do que nas disposições que proíbem subsídios à exportação. Outra possibilidade seria enquadrar os programas como subsídios acionáveis, mas para tanto seria preciso demonstrar que provocam sérios prejuízos à indústria de outro país, nos termos do Art. 6, algo bem mais difícil de demonstrar. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil 2. Como as normas da OMC poderiam contribuir para o objetivo de conter a harmful tax competition? A nota de rodapé 59 do Acordo sobre Subsídios, ao reconhecer o princípio que os preços de exportação de mercadorias entre partes relacionadas devem ser definidos em bases arm’s length, representa uma contribuição importante das regras da OMC no sentido de evitar incentivos fiscais voltados a promover exportações por meio da redução da tributação da renda oriunda destas. O remédio previsto em tal disposição, no entanto, parece demasiadamente fraco. Um membro pode “chamar a atenção” de outro para práticas indesejáveis nesse sentido, caso em que “normalmente os Membros deverão tentar resolver suas diferenças” valendo-se de tratados bilaterais para evitar dupla tributação ou outros “mecanismos internacionais específicos”. Assim, ressalvada a hipótese de enquadramento de incentivos fiscais dessa natureza na proibição de subsídios à exportação – tal como ocorreu nas circunstâncias bastante específicas do caso US – Foreign Sales Corporations – não haverá maiores possibilidades de obter resultados práticos no âmbito da OMC. Desenvolver regras mais específicas sobre tributação da renda, por outro lado, parece excessivamente ambicioso num contexto em que os Membros da OMC sequer conseguem obter consenso em temas mais tradicionais negociados já há 15 anos no âmbito da Rodada Doha, tais como subsídios agrícolas, reduções tarifárias para mercadorias e aprofundamento da liberalização do comércio de serviços. Uma maneira mais realista pela qual a OMC poderia contribuir para o combate à harmful tax competition seria por meio de normas de transparência – por exemplo, exigindo que Membros notificassem ao Comitê de Subsídios as suas normas e práticas enquadradas na nota de rodapé 59 do Acordo sobre Subsídios. Jogar luz sobre as medidas adotadas por cada país poderia ter um papel importante nesse contexto, ainda que por meio de efeitos mais reputacionais, em lugar de sanções propriamente oriundas da OMC. Ricardo Galendi O que é competição fiscal e de que modo se qualifica a competição fiscal dita danosa? É possível restringir-se a competição fiscal (danosa) entre os Estados? Medidas de harmonização são desejáveis? A expressão “competição fiscal” encontra-se invariavelmente associada ao relatório da OCDE sobre harmful tax competition. Este relatório, em linhas gerais, tem como objeto a atuação de jurisdições que, a partir da tributação nula ou irrisória de renda auferida em atividades marcadas por intensa mobilidade, promovem a distorção dos fluxos reais e financeiros de investimentos, a redução da integridade de estruturas tributárias e a transferência da carga de tributária para o trabalho, a propriedade e o consumo, cuja mobilidade é mais limitada. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil No recente plano de trabalho da OCDE sobre erosão da base tributária, argumenta-se, por exemplo, que “taxation is at the core of countries’ sovereignty, but the interaction of domestic tax rules in some cases leads to gaps and frictions”. Vale dizer, ainda que se alegue a necessidade de se coibir a utilização das brechas geradas pela multiplicidade de sistemas tributários, o reconhecimento da tributação como expressão da soberania de um Estado é um pressuposto da discussão. É fato notório que as Nações competem entre si em uma economia global, utilizando-se de seus sistemas tributários para tanto, e que isso é desejável, ou, mais que isso, inevitável. A posição da OCDE se relaciona àquela segunda corrente acerca dos efeitos da competição fiscal, que garante padrões mínimos de intervenção estatal, para assegurar-se que Governos e residentes de paraísos fiscais não sejam “free-riders” dos bens públicos produzidos (e, portanto, financiados) por outros países. Há que se ver que estes “padrões mínimos” ainda asseguram larga margem de manobra para os Estados em termos de política fiscal. Basta ver, nesse sentido, o caso da opção por isentar ou não os lucros de multinacionais no exterior. Trata-se de escolha que implica diferença sensível na tributação das empresas e que segrega União Europeia e Estados Unidos no que diz respeito à política tributária escolhida. Ninguém ousa dizer, contudo, que os países da UE que optam pela isenção estariam envolvidos, por esse motivo, em alguma forma de “competição fiscal danosa”. A competição fiscal danosa diz respeito a uma situação em que os padrões de tributação adotados pelo Estado são “muito baixos”. Por mais que se possa questionar os parâmetros para se identificar o que seriam níveis “muito baixos” de tributação (prejudiciais ao fornecimento de serviços públicos, portanto), dita caracterização certamente requer um limiar de tributação. Vale dizer, nem tudo o que é meramente diferente deve ser considerado potencialmente danoso. Em outras palavras, há um longo caminho ainda não percorrido para que se conclua que a competição fiscal danosa deve ser resolvida com a harmonização. A cooperação traria como benefícios a eficiência decorrente da suposta neutralidade (CEN) e permitiria que os Estados tributassem o capital em detrimento do trabalho, restaurando a equidade supostamente existente antes do cenário de competição fiscal. Aqueles que a defendem parecem considerar, ainda, que a globalização econômica não deveria impactar o consenso social obtido em relação ao nível de financiamento dos serviços públicos, sem se dar conta, contudo, de que alguns Estados não participaram, e não participam, da formulação de dito consenso. Quando se trata de Estados soberanos, a importância da carga tributária para a identidade do Estado assume proporções ainda maiores. Mais que isso, é preciso denunciar a existência de custos ocultos em medidas “consensuais” de harmonização. Se, de um lado, a harmonização permite a alguns países manter seu Estado de bem-estar social, de outro, ela também impede que outros Estados, notoriamente os subdesenvolvidos, estabeleçam níveis de tributação compatíveis com o grau de desenvolvimento de seu setor público. A transição da competição fiscal para a harmonização multilateralmente negociada não faz mais que transferir poderes para Estados com posições privilegiadas em tais negociações. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil A harmonização da tributação da renda mostra-se desejável do ponto de vista comercial? Qual a relação entre a competição fiscal danosa e a OMC? É possível, à luz da OMC, discriminar-se um país tão somente em virtude do valor nominal da alíquota de tributação da renda praticada? O Professor AVI-YONAH aponta que haveria uma convergência natural de alíquotas de tributação da renda das pessoas jurídicas entre os Estados, atribuindo-a, fundamentalmente à competição fiscal. Por outro lado, considera que o Projeto BEPS da OCDE “dá-nos a chance de ir além”. Assim, após considerar que a União Europeia nunca obteve sucesso na coordenação de alíquotas, devido à diversidade de seus membros (fator que se aplicaria também aos Países-Membros da OCDE e da ONU), propõe o professor que existiria uma oportunidade em relação ao G20. Diferentemente dos outros organismos, o G20 é composto por grandes exportadores de capitais, que são a residência de 90% das multinacionais existentes no mundo. Assim, sugere que os membros do G20 poderiam comprometer-se a tributar suas multinacionais em bases universais a uma alíquota compreendida entre 20% e 30%. Neste caso, nenhum membro do G20 teria que aumentar suas alíquotas e somente Argentina, Brasil, França, Itália, Índia e os EUA teriam que reduzi-las. Ainda que se considere que a harmonização permitiria aos Estados recolherem mais tributos, esta maior arrecadação não é necessariamente desejável: outros autores consideram que a harmonização produziria os mesmos efeitos de um cartel, reduzindo a eficiência por falta de competição, dando espaço para o “desperdício governamental”, consubstanciado em posturas de rent-seeking. Deve-se deixar claro que a única alternativa que anularia totalmente qualquer forma de competição fiscal seria a harmonização. A harmonização de alíquotas e de base de cálculo só há de ser instituída “consensualmente”, pois a competição regulatória baseada em tributação e gastos públicos é inevitável. Contudo, entendemos que o foco na harmonização tributária é problemático. Estados subdesenvolvidos devem permanecer livres para usar de políticas tributárias para atrair investimentos, assim como aos Estados desenvolvidos cumprirá tributar seus residentes para financiar os serviços públicos e sociais que prestam. A OMC, por sua vez, não se mostra como instituição apta a promover qualquer forma de limitação em relação à competição fiscal entre os Estados. Desta forma, como bem o reconheceu o Órgão de Apelação, errou o Painel no Caso Panamá x Argentina, ao considerar que os Estados poderiam promover discriminações sob a justificativa de garantirem um “level playing fied” entre os Estados. Medidas destinadas a discriminar países de tributação favorecida não são justificáveis per se à luz da OMC. Vale dizer, não pode um país discriminar o outro tão somente sob o fundamento de que este pratica uma alíquota inferior a 20% de tributação sobre a renda. Tal discriminação não é justificável. Discordo de toda a argumentação de Lingbo Lu em seu texto a esse respeito. Não há interpretação possível que leve à conclusão de que os “traditional tax havens” estariam concedendo qualquer forma de subsídio. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil Aluno: Roberto Codorniz Leite Pereira A aplicação do FATCA norte-americano em face de sujeitos residentes em determinados países que não realizam o disclosure das informações bancárias de cidadãos norte-americanos em virtude de regras locais rígidas que asseguram sigilo bancário e de composição societária poderia violar a regra do tratamento da nação mais favorecida previsto no GATS? Inicialmente, cabe pontuar o que é o FATCA, bem como as hipóteses e os sujeitos em relação aos quais ele é aplicável. O FATCA, de origem norte-americana, foi criado após o US Senate Permanent Subcommitte efetuar uma investigação aprofundada acerca do uso de contas bancárias em países de tributação favorecida por contribuintes norte-americanos como estratégia para não declarar e recolher tributos sobre tais valores e rendimentos ao Fisco norte-americano. Assim, a partir das conclusões da investigação, em março de 2010, como parte de um pacote de incentivo à retomada de empregos nos EUA denominado Hiring Incentives to Restore Exployment Act, foram inseridas as seções 1471 a 1474 ao Internal Revenue Code norte-americano de modo a introduzir o FATCA na legislação tributária norte-americana. O propósito do FATCA é permitir o acesso do Fisco norte-americano (Internal Revenue Service IRS) às contas detidas por instituições financeiras localizadas no exterior e que sejam titularizadas, direta ou indiretamente, por cidadãos norte-americanos. Para tanto, competem às instituições financeiras estrangeiras reportar ao IRS todas as informações relativas a tais contas (titulares, valores e rendimentos anuais). Caso o dever de disclosure previsto na legislação do FATCA não seja devidamente atendido, qualquer fonte pagadora localizada em território norte-americano passará a ter a obrigação de reter 30% a título do imposto sobre a renda retido na fonte (IRRF) em relação a pagamentos efetuados às (i) entidades não cooperativas (non-compliant foreign financial institutions), (ii) pessoas físicas que não forneçam informações suficientes que evidenciem se sua nacionalidade é norte-americana ou não e (iii) entidades estrangeiras que não forneçam informações suficientes para que se averigue se a sua propriedade jurídica é de norte-americanos ou não. Logo se vê, que o FATCA usa como instrumento de pressão ao cumprimento do dever de disclosure uma ameaça de retenção de IRRF à alíquota de 30% o que, em muitos casos, vem sendo observada como uma barreira instransponível à própria atuação do sujeito alcançado pelo regime no mercado norte-americano. Não é por outra razão que TELLO sustenta que o FATCA agiria como um “catalizador” para fomentar a troca de informações entre os países, seguindo-se as diretrizes fixadas no Fórum Global para a Transparência e Troca de Informações. SCHOUERI e CALICCHIO destacam, ainda, a FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil agressão que o FATCA representa à soberania tributária nacional haja vista que “ao esperar que instituições financeiras estrangeiras ajam como sua longa manus e retenham imposto na fonte sobre montantes pertencentes a estrangeiros que não tenham reportado informações às autoridades norteamericanas, o governo dos EUA tenta sancionar o não cumprimento de uma lei fora de seu território”. Feitas estas explicações, observa-se que o FATCA poderá contrariar a regra do tratamento da nação mais favorecida prevista no GATS nos casos em que o regime venha a se aplicar aos sujeitos (ii) e (iii) listados acima quando localizados em países que possuam regras rígidas de sigilo bancário. Imaginemos, neste contexto, que um prestador de serviços localizado no país A, que possui regras muito rígidas de proteção ao sigilo bancário, venha a exportar os referidos serviços a tomadores norte-americanos. Neste caso, se A não quiser fornecer informações suficientes para que se averigue a sua propriedade jurídica respaldando-se nas leis internas que asseguram sigilo de composição societária, estará sujeito a uma retenção de IRRF à alíquota de 30% de fontes norteamericanas. Assim, quando do pagamento da contraprestação financeira pelo serviço prestado, o prestador de serviços residente em A estará sujeito a uma exação que os demais prestadores localizados em outros países não necessariamente sofrerão. Não há dúvidas, desse modo, quanto à clara violação ao tratamento da nação mais favorecida. Em que medida a política internacional de troca de transparência e troca de informações deixa a desejar no tocante ao combate de paraísos fiscais potencialmente lesivos aos acordos firmados no âmbito da OMC? Conforme exposto por AVI-YONAH, há três tipos distintos de paraísos fiscais (países ou dependências de tributação favorecida: (i) paraísos fiscais tradicionais, visando à atração de rendimentos passivos e serviços financeiros através de baixa tributação e leis de sigilo bancário e de composição societária; (ii) paraísos fiscais para headquarters, ou seja que concedam vantagens para a constituição de sedes empresariais e holdings em seus territórios; e (iii) paraísos fiscais para a produção, os quais concedem benefícios fiscais para a implantação de negócios em seus territórios geradores de renda ativa. Na visão do referido autor, apenas este último tipo de paraíso fiscais seria potencialmente lesivo aos acordos firmados no âmbito da OMC, por condicionarem os benefícios fiscais à performance de exportação do negócio a ser implantado. Tais benefícios fiscais seriam, em outras palavras, subsídios à exportação, proibidos pelo artigo 3º do ASMC. A política internacional de transparência e troca de informações patrocinada internacionalmente no âmbito do Fórum Global para a Transparência e Troca de Informações e, também, do BEPS, para o combate a tais paraísos fiscais deixaria a desejar na exata medida em que, conforme apontam SCHOUERI e CALICCHIO, não se exigiria a transparência das práticas fiscais e da Administração Tributária, mas, apenas, a transparência das informações dos contribuintes. Certamente, a limitação FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil do escopo do disclosure pretendido pelo discurso da transparência acaba ficando muito aquém do que poderia e, com isso, coloca em risco o sucesso do desmantelamento de paraísos fiscais lesivos à OMC. TIAGO RIOS COSTER – NUSP 9741671 Os instrumentos e institutos detidos pela OMC são adequados para tratar de questões como harmful tax competition? Apesar das vantagens da OMC que são apontadas no tocante a ser um órgão adequado para tratar destas questões (especialmente por englobar uma grande quantidade de países membros e por possuir um sistema de decisões vinculantes), as suas possibilidades de atuação neste campo são bastante limitadas. Isto ocorre, em larga medida, por estar orientada a combater medidas que afetem as trocas internacionais de forma mais direta. E as práticas que configuram harmful tax competition normalmente não são relacionadas ao comércio internacional, ao menos não diretamente. Por certo que toda e qualquer vantagem conferida a uma determinada empresa produzirá uma distorção no mercado em seu favor, entretanto, por parte da OMC, estas práticas não recaem sob o campo de aplicação do GATT ou do GATS, nem do acordo de subsídios. Ainda, vale observar que as medidas adotadas por paraísos fiscais ou regimes privilegiados dificilmente são contrárias à OMC. Se há alguma discriminação, esta discriminação desfavorece produtos nacionais, e não estrangeiros, não havendo qualquer implicação no que diz respeito à cláusula de Nação Mais Favorecida ou Tratamento Nacional. De modo geral, resta apenas a possibilidade de análise das questões sob o viés da concessão de subsídios, o que igualmente depende de o subsídio recair sobre o comércio internacional, o que nem sempre é o objetivo perseguido pelos paraísos fiscais ou regimes privilegiados. Portanto, dada as características do que se concebe atualmente como harmful tax competition, parece ser bastante limitado o papel da OMC no seu combate, ainda que a sua abrangência (em termos de países membros) e o sistema de solução de controvérsias adotado sejam um diferencial que outros órgãos internacionais não possuam. Ainda na linha da pergunta anterior, a decisão do Órgão de Apelação da OMC no caso Argentina - Measures relating to trade in goods and services pode ser vista como uma abordagem que “enfraquece” um possível papel da OMC no combate à harmful tax competition? A decisão no caso Argentina - Measures relating to trade in goods and services parece reforçar a conclusão da pergunta anterior, no sentido de que a amplitude de atuação da OMC é bastante restrita FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO R. Riachuelo, 185 – 4º andar – tel: 3111-4013 e 3111-4020 (fone/fax) e-mail: [email protected] Correspondência: Largo São Francisco, 95 – CEP 01005-010 – Centro – SP - Brasil neste ponto, haja vista estar inerentemente vinculada a questões relacionadas às trocas internacionais. Veja-se que, enquanto o Painel adotou uma abordagem mais ampla, aceitando as medidas discriminatórias adotadas pela Argentina como tendentes a neutralizar praticas do Panamá que confeririam vantagens aos seus prestadores de serviços (práticas relacionadas à transparência do sistema), o Órgão de Apelação entendeu por adotar uma abordagem mais restrita. Conforme se verifica dos §§ 6.143 e seguintes do Repport of the Appelate Body, no tocante a interpretação do art. XVII do GATS, a disposição “tratamento não menos favorável” não autorizaria retirar toda e qualquer vantagem possuída por um serviço estrangeiro frente ao nacional, a fim de criar um level playing field em relação aos serviços nacionais. A preocupação do GATS, segundo o Órgão de Apelação, é que serviços nacionais e estrangeiros possuam as mesmas oportunidades para competir num determinado mercado (no caso, na Argentina), sem levar em conta vantagens que determinado serviço possa ter no país de origem (no caso, no Panamá). Ainda que a interpretação das questões relacionadas ao GATS seja mais restrita, pode-se considerar que, fosse esta uma questão relacionada ao GATT a conclusão, ao que parece, seria bastante parecida. Caso se tratasse de produtos, se a Argentina quisesse resolver este problema de forma adequada perante a OMC, deveria buscar caracterizar as medidas do Panamá como subsídios à exportação, e não discriminá-los após a sua importação, com o intuito de promover a equalização de condições de competitividade.