Pobreza e Transferência de Renda no universo da Região

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GT 22 - Políticas sociais, democracia e suas tendências no Mercosul e América
Latina.
Pobreza e Transferência de Renda no universo da Região Metropolitana da cidade
de Salvadori
D.F.D. Yaśodã1ii
Resumo: Este artigo trata dos processos desencadeados no enfrentamento e combate a
pobreza no contexto da reformas neoliberais, contribuindo para analisar a redefinição da
intervenção estatal no âmbito do desenvolvimento social. Cabe lembrar que desde o período
da transição democrática a agenda de debate no campo da política social brasileira comporta
uma série de temas que tratam das reformas necessárias à construção de uma nova
institucionalidade pública, focando principalmente os desafios relativos à formulação e
implementação de políticas e programas sociais.
Palavras Chave: Pobreza, Política Social, Transferência de Renda
Introdução
Os diferentes tumultos que continuamente atravessam o campo das políticas sociais em um
país ou outro são apenas sintomas de uma mesma falha: a desarmonia que existe entre os
valores e as realidades da vida planetária em um processo de mudança. Muito provavelmente,
posto que não exista uma receita milagrosa, há, contudo um centro comum de
questionamento, que nos incumbe de não nos omitirmos, se verdadeiramente quisermos viver
em um mundo mais harmonioso.
Sendo o cenário de incerteza, aumento gradativo e agudo da pobreza e da miserabilidade. Se
no meio do século XX vivenciávamos o ápice de uma sociedade industrial- concorrencial, nos
encontramos no tempo presente como buscadores em uma sociedade que vem desde a última
década do século XX, se configurando como uma sociedade informacional, onde informação
e conhecimento ditam a nova ordem mundial. Ocorre que por estarmos no meio da arquitetura
do novo século à herança colocada em nossa frente está tangencialisada por profundas
desigualdades.
A questão social manifesta, através de suas múltiplas expressões, esse contexto de
empobrecimento, resultante de uma profunda concentração de riqueza, que ocasiona um
processo de negação dos direitos sociais arduamente conquistados na medida em que prospera
a defesa de um “Estado Mínimo”, que minimalisa as necessidades básicas, sociais, de
proteção.
1
Doutora em Serviço Social/PUCRS, Pós-doutoranda (CAPES) do Centro de Estudos SociaisCES/Universidade de Coimbra, e-mail: [email protected]
1
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Pergunta-se, que século é este que herdamos de nós mesmos, marcado por exércitos de
miseráveis e permeado por fome de toda a ordem em um cenário de clara intenção de
desmonte do Estado?
Benevides(1998) faz pensar que uma vez que a questão social inserida no contexto do
empobrecimento da classe trabalhadora desde o inicio do século XIX, vem destruindo os
sistemas de proteção social, provocando as hordas de excluídos de toda sorte. Werneck
Vianna (2005) faz uma análise do processo de desmonte do sistema de seguridade social,
através de uma dialogia de tensionamento ao perceber, em suas análises, que embora no texto
constitucional de 1988 (CEF/88) tenha sido incorporado, pela primeira vez, um conceito
vigoroso e peculiar da proteção social como Seguridade Social. Este conceito respondeu à
época às expectativas da sociedade organizada de ampliação do estoque de direitos sociais
associados à cidadania. Contudo, a Emenda Constitucional 20, aprovada em 1998 ainda que
tenha consolidado a especialização de receitas no campo da Seguridade Social, a Emenda
Constitucional 29, promulgada em 2000 confirma o desmonte da Seguridade Social operado
pelos documentos legais pós-constituição.
Em 2001 mais de 16 milhões de reais oriundos de receitas constitucionalmente estabelecidas
como receitas de seguridade2, foram alocados em rubricas alheias à seguridade e 19 bilhões
ficaram à disposição do Tesouro, com isso, evidentemente, as possibilidades de financiamento
de benefícios não-contributivos se reduzem, no mesmo passo em que cresce a demanda
potencial pelos mesmos.
Oliveira(1998) afirmava naquele período que estávamos vivendo uma crise profunda, onde
reintera que era uma crise dos fins e dos rumos. Dos fins por se tratar, ela, dos objetivos
básicos, do próprio modelo de desenvolvimento que construímos, portanto, é também uma
crise de rumos, de sentido e significados, de princípios e valores, que se manifesta dentre
outras coisas pelo escândalo que é viver em um país que caminha tecnologicamente na
direção das nações mais avançadas do mundo e que tem que conviver com milhões de
miseráveis. O mundo, como já dizia Milton Santos(1982), referindo-se as últimas décadas do
século passado, se divide em dois; os que têm fome e os que não dormem com medo dos que
tem fome.
2
Para maior aprofundamento do tema em questão ver WERNECK VIANNA, M.LT. O Silencioso desmonte da
Seguridade Social no Brasil, em BRAVO, MIS & PEREIRA,P. (org.), Política Social e Democracia,
Cortez/UERJ,RJ,2001
2
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Política social compensatória ou emancipatória? Essa pergunta tem uma situacionalidade: que
incide sobre outras questões como: qual é o mundo em que vivemos, por exemplo. Então,
para poder compreender a pergunta pelo sentido da sociabilidade, pela configuração da vida
social que construímos precisamos nos dar conta de que os cenários dos dez anos finais do
século XX mudaram e, agudizaram-se as carências e a garantia de acesso aos direitos sociais
ou ficaram distantes, ou ainda motivadas por ações refratárias.
Diante dessas agudezas, este artigo apresentará algumas reflexões consequentes do projeto de
pesquisa O impacto dos Programas de Transferência de Renda nos municípios da Região
Metropolitana de Salvador-RMS com recorte para a análise do programa Bolsa Família, que
está sendo desenvolvido no município de Camaçari-BA.
Para tanto, será abordado brevemente o contexto socioeconômico em que se inscrevem as
políticas sociais e posteriormente o desenho do cenário onde a análise se opera seguido da
metodologia utilizada para capturar informações: imagens e dados, concluindo com algumas
considerações sobre o caminho percorrido.
Do contexto socioeconômico e os desafios das políticas sociais
As desigualdades sociais e regionais, marcadas por profunda concentração de renda e
estoques de riqueza nas mãos de apenas 10% da população, desencadeando expressões de
pobreza extrema, compõem o modo de vida da maior parte dos indivíduos na sociedade
contemporânea, brasileira em especial.
Pochmann(2005) considera que por representar uma das maiores desigualdades de renda do
mundo, acrescida de uma extrema dívida social acumulada historicamente, o Brasil não pode
se furtar ao debate acerca do enfrentamento das mazelas econômicas e sociais. A discussão é
fundamental, seja como contribuição ao correto diagnóstico das distorções distributivas, seja
como elemento central na avaliação de resultados obtidos pela condução das políticas
públicas.
Neste contexto as políticas sociais vivem sob forte embate em meio a duas correntes de
orientação teórico-metodológicas e ideo-políticas conspícuas. De um lado, identifica-se o
aumento da cobertura e do perfil redistributivo da política social; de outro, a pífia cobertura de
valores em relação ao gasto social do governo para com a área social e a culpabilização das
políticas sociais pelas causas de inúmeros males da economia brasileira desde o desempenho
3
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econômico da última década [90, sobretudo], até o aumento da carga tributária e do custo
Brasil.
O inicio da década de 90, ainda no século passado marca no discurso político oficial os
segmentos dos miseráveis3 da população, com os descamisados tão proclamados pelo o então
Presidente Fernando Collor. Cohn(2004:3) afirma que em termos efetivos este discurso não
chegou a se traduzir numa agenda pública de ação do Estado para o seu enfrentamento.
Para Cohn(2004) foi a partir de 2003 onde se registra a tendência da questão social da pobreza
e da desigualdade adquirir um papel mais acentuado na agenda pública, seja em torno das
políticas macroeconômicas, seja em torno de metodologias para se diagnosticar e aferir a
pobreza e a desigualdade social, seja em torno dos programas de combate à pobreza que vêm
sendo implementado, como o Programa Fome Zero e o Programa Bolsa Família.
Disso resultam questões que necessitam serem ressaltadas. A primeira, é que o esforço da
Assistência Social, embora constitua área de atendimento voltada exclusivamente às camadas
pobres e em situação de vulnerabilidade e incapacidade para o provimento de sua própria
renda, esta possui poder limitado de ampliação da cobertura em razão basicamente, dos
estreitos limites estabelecidos pelos critérios de renda/condicionalidades
como critério de
elegibilidade aos benefícios4.
A segunda é que a universalização restrita e a focalizada na pobreza significam redução de
gastos sociais potenciais, com rebatimentos incertos em termo de cobertura e atendimento
social à população.
Pochmann(2005) afirma que para agravar ainda mais o enfrentamento da desigualdade social5
no Brasil, observa-se que no período mais recente (2001-2004), o quadro de restrições fiscais
tendeu a se concentrar justamente no orçamento social do governo federal. Dessa forma, não
apenas o contexto macroeconômico manifestou-se predominantemente anti-social, como os
recursos públicos per capita direcionados à área social apresentaram um movimento de
regressão em termos reais.
3
Ver estudos de Delgado. G, C. Setor de subsistência na Economia e na Sociedade Brasileira: Gênese
Histórica, Reprodução e Configuração contemporânea, Texto para Discussão nº 1025, IPEA, Brasília, junho de
2004.
4
Ver texto da LOAS [Lei Orgânica de Assistência Social] PNAS[Política Nacional de Assistência Social] e
NOB/SUAS[Norma Operacional Básica que edita o Sistema Único da Assistência Social]
5
Sonia Rocha, op cit., Henrique, R.(org), Desigualdade e Pobreza no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA, 2000,
Schwartzman,S., As causas da Pobreza. RJ, FGV editora, 2004; Campos, A., Pochmann, M., Amorim.R, Silva,
R.(orgs), Atlas da exclusão social no Brasil – Dinâmica e manifestação territorial, vol.2,SP., Cortez Editora,
2003; Kerstenetzky, C., “Brasil- a violência da desigualdade”, Observatório da Cidadania, Relatório
2001.n5,RJ,IBASE.
4
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Em 2002 o gasto social total do Governo Federal foi de R$ 204,2 bilhões, equivalente a
15,5% do PIB. O gasto social direto, que exclui renúncia fiscais, subsídios e empréstimos, foi
de R$ 182 bilhões, correspondendo a 13,8% do PIB. Ainda em relação ao item gasto social
direto, cabe destacar que o seu crescimento real per capita de 2,1% durante os dois primeiros
anos do governo Lula deveu-se fundamentalmente à expansão real dos recursos por habitante
somente na previdência e assistência social. Os demais componentes do gasto social
apresentaram queda real se comparados os valores médios reais per capita nos dois primeiros
anos do governo Lula com os dois últimos anos do governo FHC6.
Para Pochmann(2005) o gasto social do governo, em um contexto macroeconômico,
apresentou profundas antinomias nos múltiplos aspectos que envolvem as políticas sociais
com requintes de características anti-sociais. Resultando em uma incapacidade de permitir
avanços consideráveis no enfrentamento da enorme dívida social, não sendo por outro motivo
que a desigualdade da renda funcional permaneceu inalterada frente aos enormes diferenciais
constatados entre as variações do rendimento do trabalho e das outras formas de renda no
país.
Os impactos estimados das transferências monetárias e dos tributos diretos e indiretos sobre a
distribuição de renda no Brasil a configura em profundamente desigual. Os indicadores
expressam que os 10% mais ricos dos domicílios recebem 55,9% de toda renda inicial,
enquanto os 10% mais pobres dos domicílios recebem 0.7% da renda inicial. A distribuição
da renda bruta, que inclui as transferências governamentais, tem um padrão semelhante à
distribuição da renda inicial. Portanto, há apenas uma pequena redução na razão de
aproximadamente 29 por 24 referente a parcela da renda apropriada pelos 10% mais ricos e a
parcela apropriada pelos 10% mais pobres.
Observa-se que a última coluna da tabela sobre distribuição de renda domiciliar indica que o
impacto dos tributos indiretos, medido em termos da renda corrente dos domicílios, é
regressivo, igualando a parcela da renda final dos 20% mais ricos a 23 vezes a parcela da
renda final dos 20% mais pobres, comparado com 21 vezes no caso da renda disponível.
Ressalte-se que esse quadro de desigualdade na distribuição de renda no Brasil tem
permanecido relativamente estável nas últimas décadas7.
6
Ver estudos de POCHMANN, Márcio. Gasto social e distribuição de renda no Brasil. Acessado em 27.05.2007
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2005/ju288pag02.html
7
Além dos trabalhos publicados por Elisa Reis sobre como as nossas elites percebem a pobreza e a desigualdade,
dentre eles “ Percepções da Elite sobre a Pobreza e Desigualdade”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 42,
e a recente publicação de Márcio Pochmann sobre o Atlas dos ricos no país, há textos publicados pelo IPEA,
5
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Distribuição da Renda Domiciliar8, Razão da Parcela dos 20% mais Ricos e dos 20%
mais Pobres e Coeficiente de Gini9
O que acarreta esta situação? Precariedade e expressão de um abismo socioeconomico quase
intransponível. Vislumbrar brechas e resistir diante deste sistema de modo a não ser devorado,
tragado por ele faz lembrar a clássica luta entre David e Golias10, que diante de terrivel
oponente o frágil David teve de contar com astúcia e criatividade. Diante disso, urge a
necessidade precípua de considerar que a fome não se forja apenas pela falta de renda e
recursos financeiros, mas também pela fome de felicidade, de esperanças e de sonho.
Segundo estudo da CEPAL desenvolvido no ano de 2000 com 192 países foram constados
que 16% do crescimento econômico se pode atribuir à capital físico [infra-estrutura], 20% ao
dentre eles o de Medeiros, M., A Geografia dos Ricos no Brasil, Texto para Discussão nº 1029, Brasília, Julho de
2004.
8
Ver Notas: *. Domicílios ordenados pela renda bruta equivalente, onde a escala de equivalência usada é 1 para
o chefe do domicílio, 0,7 para os demais adultos e 0,5 para crianças menor de 18 anos.
*. Renda Inicial – renda anual total de todos os membros do domicílio antes da dedução de tributos ou da adição
de transferência governamentais.
*. Renda Bruta – Renda Inicial mais transferências governamentais.
*. Renda Disponível – Renda Bruta menos tributos diretos e contribuições previdenciárias.
*. Renda Final – Renda Disponível menos tributos indiretos
Fonte: Immervoll, Levy, Nogueira, O´Donoghue e Siqueira, 2003.
9
Coeficiente de Gini é um índice de desigualdade de renda que varia de 0 a 1. Quanto maior o índice, maior a
desigualdade.
10
Conhecidos personagens bíblicos.
6
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capital humano [natural] e 64% pode ser atribuído ao capital Humano-social11. Esta pesquisa
é interessante uma vez que o impacto desses dados incide sobre o nível de desenvolvimento
social da população.
Nos países da América Latina, neste caso o Brasil, o tempo de formação de escolaridade
média dos 10% mais ricos da população é de 12 anos, enquanto que os 10% mais pobres da
população são de 5 anos, ou seja, constata-se que os ricos estudam mais que os pobres,
portanto possuem condições de estarem mais qualificados, melhores preparados e aptos a
manter a desigualdade da balança, o resultado recai numa dialética perversa de manutenção
da pobreza e da pouca capacidade em termos de formação e qualificação para superar o ciclo
de miséria e de extrema pobreza acarretando na perpetuação da injustiça social.
As duas últimas décadas do século XX foram marcadas por esta disparidade e pela penosa
constatação de pouco se auferir resultados efetivos na alteração da desigualdade social.
É preciso superar a lógica histórica que se perpetua na concepção da política de Assistência
Social12 ser uma política pobre para pobre.
O impacto das transferências monetárias
A noção de impacto que neste texto é desenvolvida busa considerar dois aspectos; o primeiro
em relação as gerações futuras (Giddens, 2002) neste sentido estamos tratando da dimensão
tempo o segundo re refe as periferias sociais e também neste sentido esta se tratando de
espaço.
O impacto total das transferências monetárias sobre a renda bruta dos domicílios é fato
importante. Apesar de ter um impacto significativo sobre a renda dos mais pobres, as
transferências para esses grupos são em geral de valor absoluto baixo, sendo insuficientes
para elevá-los acima da linha da pobreza. Mesmo após as transferências monetárias realizadas
pelo Governo Central causarem impacto, em torno de 17% dos domicílios brasileiros
permanecem pobres e extremamente pobres.
Desenho do cenário onde a análise se inscreve
11
Ver estudos de Kliksberg, Bernardo (2002:39) in Hacia uma economia com rostro humano, FCE 2ªed. Buenos
Aires.; CEPAL(2002). El avance de La pobreza em América Latina, Brasil Hoy, Brasília.; Ver
12
Enquanto a noção de gasto com política social predominar, o desafio de ruptura com uma política de benesse,
favor e clientelismo se torna cada dia mais premente.
7
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Situado a 41 quilômetros de Salvador, integrando a sua região metropolitana e sediando o
maior pólo petroquímico da América Latina, empresas automobilísticas e outros investimentos
industriais de grande porte, Camaçari se destaca pelo seu peso e dinamismo econômico, sendo
responsável por mais de 25% da arrecadação do ICMS e mais de 35% do valor das exportações
baianas e possuindo o maior PIB e a segunda arrecadação fiscal do Estado13. A riqueza do
município, porém, contrasta com a pobreza da maioria da população.
Desde meados da década de setenta, quando a implantação do pólo petroquímico transformou o
antigo município estagnado, de base agrícola, em um importante pólo industrial, Camaçari
passou a atrair intensos e continuados fluxos de migrantes, que contribuíram decisivamente para
um crescimento significativo da população do município e do seu grau de urbanização 14. Com
uma taxa média geométrica de crescimento anual de 4,04% entre os períodos de 1991-2000, a
população de Camaçari chegou a 161.727 habitantes, nesses últimos anos, elevou-se para
patamares na casa de 191.855 habitantes em 2005, de acordo com IBGE.
Constata-se que o avanço econômico do município, porém, não tem criado maiores
oportunidades de incorporação produtiva e de melhoria das condições de vida para a população
local. Camaçari assim como outros tantos municípios convive com esta anacronia de produzir
riqueza, entretanto não a distribui nem a socializa de forma socialmente justa e economicamente
sustentável.
Em termos de desenvolvimento social, Camaçari saiu da 8a posição, em 1998 caindo para a 10a
posição, em 2000. Em 2000, ficam na frente de Camaçari, em termos de desenvolvimento social,
os seguintes municípios15, com as suas respectivas posições no ranking: (1a) Salvador; (2a)
Barreiras; (3a) Lauro de Freitas; (4a) Feira de Santana; (5a)Vera Cruz; (6a) Vitória da Conquista;
(7a)Madre de Deus; ( 8a) Alagoinhas e (9a) Ilhéus16.
Camaçari, apesar de ocupar a segunda posição no ranking de desenvolvimento econômico, está
em 85a em termos de educação e em 34a em termos de saúde. Na área de educação, muitos
municípios pequenos (Cruz das Almas, por exemplo) e médios (Ilhéus, para citar um) estão em
situação melhor. O mesmo acontecendo em relação à área de saúde. É interessante citar
localidades pequenas e médias, para não deixar dúvida que a dimensão territorial e populacional
do município não é fator determinante da questão.
13
Dados extraídos do planejamento estratégico-PE/2006
Cerca de 95,5% em 2000, fonte da SEI/BA
15
Buscou-se analisar municípios da mesma região na tentativa de garantir uma base comparativa regional também.
16
Dados obtidos da SEI/BA
14
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O município possui cadastrado no programa17 bolsa família 21 mil famílias e recebendo o
beneficio estão 16 mil famílias, que em média pode chegar +/- 65 mil pessoas18, o que equivale a
aproximadamente cerca de 40% da população de Camaçari.
Considerando que quem pode fazer parte do programa são famílias com renda por mês de até R$
60,00 por pessoa19. O município vive a expressão de um mundo altamente industrializado e
profundamente empobrecido e miserável. Miserabilidade vertical que perpassa desde as
carências básicas (de segurança, fome, etc..) até aquelas mais subjetivas (como as de autorealização), por exemplo.
Na atualidade a questão social é mais do que a expressão da exclusão social, fruto de uma
sociedade amplamente desigual, ela também é expressão de resistência.
No decorrer da história mundial, a pobreza como manifestação da Questão Social foi tratada
como caso de polícia, ameaça à ordem constituída, entretanto, se constitui como parte essencial
das relações capitalistas. Mas o que quer dizer isso? Pode a Questão Social esclarecer as
desigualdades dentro do modelo neoliberal?
Para entender as desigualdades e as diversas exclusões provocadas por esta realidade Iamamoto
(2001) reflete a Questão Social a partir da análise capitalista. Ela afirma a necessidade de
entendermos a questão atentando para o contexto histórico que a explica como movimento
reivindicatório surgido na conjuntura econômica do séc. XIX20.
Não se trata de como a Questão Social se expressa de forma conceitual, e sim em suas refrações
e de como os sujeitos históricos engendram formas de seu enfrentamento.
A inclusão de mais de 40% da população, no caso de um município como Camaçari, num projeto
societário menos excludente, socialmente mais justo e economicamente mais sustentável é um
direito não é um favor. E, só será viável construir uma sociedade possível, que transite entre os
patamares que vão do ideal ao real se conseguirmos garantir para além das mínimas necessidades
básicas, o acesso ao direito. Trabalhar as condições de pobreza, na perspectiva de buscar o
17
Dados relativos ao periodo correspondente a pesquisa(nov,2007-abril, 2009).
Considerando somente os que já estão recebendo o beneficio.
19
Famílias com renda de R$60,01 a R$120,00 por pessoa, com crianças de 0 a 15 anos, a renda da família é
calculada a partir da soma do dinheiro que todas as pessoas da casa ganham por mês (como salários e aposentarias).
Esse valor deve ser dividido pelo numero de pessoas que vivem na asa, obtendo assim a renda per capta da família
(nessa conta não entram os beneficio de outros programas que família este já recebendo como o PETI e o Agente
Jovem). Ver mais detalhes em:
www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsafamilia/critérios-de-inclusao.
20
Significa dizer que também existem formas organizativas da população e dos trabalhadores que se contrapõe a
esta forma de vida desigual e excludente da nossa sociedade.
18
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enfrentamento da Questão Social, pressupõe que a população pobre deve ser protagonista na
construção de um novo projeto de sociedade.
Para Couto(2006) embora isso pareça revolucionário no Brasil e o é, a política de Assistência
Social vem orquestrando este processo revolucionário tratando diretamente com categorias e
conceitos que foram, por muito tempo, incorporados sem nenhuma discussão pela sociedade
brasileira.
A pirâmide de Maslow21 ilustra as inquietações do mundo contemporâneo, onde há um
contingente de pessoas que estão abaixo do patamar mínimo, ou seja, básico, de necessidades22.
No caso de Camaçari, com todas as suas peculiaridades percebe-se, em relação ao Programa
Bolsa Família um impacto real23 uma vez que é aportado no município cerca de R$1 milhão de
reais/mês24 referente ao benefício pago aos usuários do programa.
Há impacto, primeiro em relação à vida do usuário na “administração” de necessidades básicas,
e, segundo na comunidade maior, uma vez que a cada pagamento do PBF, anima o micro
comércio de bairro, gerando movimentação de recursos financeiros, dinamizando a circulação de
dinheiro. Ainda que com todo este impacto significativo, o PBF não responde, nem dá conta das
desigualdades sociais.
Verifica-se, no caso do município, a ausência de uma metodologia que permita detectar qual o
real impacto sobre a evasão e o desempenho escolar, por exemplo. Há algumas estimativas de
queda da taxa de evasão escolar, mas tal avaliação só é verificável do ponto de vista quantitativo,
não havendo expressão dos dados qualitativos do processo de desempenho escolar. A rede de
serviços que deve dar suporte para desencadear naquela família um processo de emancipação, é
precária, insuficiente e vulnerável, na gestão dos diferentes processos que envolveriam os
usuários do programa.
Neste caso a cidadania como afirmava Marshall (1967) 25 como capacidade de alguns indivíduos
ou de todos os indivíduos de se apropriarem dos bens socialmente produzidos, de atualizarem as
potencialidades de realização humana ficam comprometidos.
21
A hierarquia de necessidades de Maslow, é uma divisão hierárquica proposta por Abraham Maslow, em que as
necessidades de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto. Abraham Maslow
(1 de Abril de 1908 — 8 de Junho de 1970) foi um psicólogo americano, conhecido pela proposta hierarquia de
necessidades de Maslow. Trabalhou no MIT, fundando o centro de pesquisa National Laboratories for Group
Dynamics.
22
Ver estudos de Dornelles, D.F. Política Social compensatória ou emancipatória? [artigo apresentado na VII
Jornada Internacional de Políticas Sociais- UFM-Agosto/2007]
23
Por impacto real aqui no texto dizemos da capacidade de impactar a vida dos usuários na dimensão social e
econômica, preponderantemente.
24
Para aprofundar a temática ver Lavinas(1998) e Silva & Yasbek (2005).
25
Marshall, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. RJ:Zahar, 1967.
10
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Uma das questões importantes, mas que ainda é processada de forma periférica é a Agenda de
Compromissos trazidos pelo programa. Constata-se que na agenda de compromissos se podem
desenvolver inúmeras ações de fortalecimento dos vínculos, noção de cidadania e do papel da
família no contexto em que está inserida e de como esta família pode ser protagonista de seu
processo cobrando, ela própria, inclusive uma melhor qualidade no seu atendimento.
Ora, a existência de direitos sociais, como expressão de um patamar de sociabilidade não se
traduz imediatamente em garantia de direitos sociais efetivos, em outras palavras ter direito não
significa ter acesso e garantia de direito.
Produzir, instituir e distribuir bens e serviços às respostas aos direitos se materializa em políticas
Sociais, em um arco de tensão entre concessão e conquista. Concessão para manter a acumulação
e conquista enquanto expressão de um campo contraditório em que demandas e disputas por
ampliar direitos dos trabalhadores, ganham visibilidade.
Outra questão decorrente das reflexões é o fato de se estar atento ao próprio papel da família;
lançada a centralidade do processo, condizente com o que prega a ideologia neoliberal, parece ter
sido redescoberta como fonte privada de proteção social. A instituição família juntamente com a
sociedade civil e o mercado, estabelecera-se como canal de todas as necessidades sociais. A
perspectiva do trabalho com famílias deve abrir o debate em torno da necessidade de se pensar
um novo desenho para as políticas sociais de modo a garantir um maior alcance em suas ações.
Para romper com a tutela é preciso ter claro que a lei não é o bastante para que o direito se
cumpra como já referi anteriormente. Romper com a lógica de que a população empobrecida só
anda se houver alguém ou alguma coisa capaz de mobilizar, esta é a lógica que precisa ser
rompida. Neste sentido coloca-se o desafio de redefinir o pacto social coletivo, pois se afirma
como direito de todos ter garantido o atendimento de suas necessidades básicas,
independentemente de contribuição ou não.
Esta é a lógica que precisa ser conclamada em detrimento da outra, a de que as pessoas têm
fome, de comer, de cultura, de prazer, de vestir, de estudar, de morar, de ter garantida a sua
cidadania26, o seu lazer, o seu espaço de manifestação e expressão de seus desejos.
26
Veja-se o clássico estudo de Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e Justiça. RJ, editora Campus, 1971.
11
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Metodologia utilizada para capturar informações: imagens e dados
O projeto que originou estas reflexões caracteriza-se por ser um estudo de caso investigativo de
natureza quanti-qualitativo que vem sendo desenvolvido no município de Camaçari, a partir da
análise do programa bolsa família, um dos principais programas de transferência de renda do
governo federal. A investigação parte de dois blocos de investigação, que embora
complementares, para fins metodológicos estão colocados em momentos distintos: bloco A composto pelo perfil dos usuários, dinâmica de ingresso e saída do programa, relações da rede
com a agenda de compromissos proposto pelo programa, bloco B – o Controle Social que está
sendo exercido pela comunidade. A base de dados utilizada como ferramenta para a construção
do desenho metodológico, além dos instrumentos usuais como a entrevista, visita domiciliares,
questionários, é composta pelo CADÚNICO [ cadastro único, onde estão processados todos os
dados dos usuários fornecidos pelo município]e os instrumentos de registro e acompanhamento
das famílias utilizadas pelos CRAS [centro de referência de Assistência Social].
Breves considerações sobre o caminho percorrido
A análise empreendida neste artigo, parafraseando Marx retrata o “ teatro de toda a história”,
revela aspectos de uma sociedade com marcas profundas de exclusão e desigualdades sociais,
nada mais sendo do que tristes recorte de expressões do mundo contemporâneo.
Para iniciar as considerações sobre o caminho percorrido recorro a literatura grega, de uma
fábula conhecida como, Minotauro.
Todos sabem que o labirinto era o lugar onde morava uma terrível e cruel fera conhecida como
Minotauro, uma criatura selvagem com corpo de homem e cabeça de touro. Teseu, jovem e
apaixonado, para demonstrar todo o seu amor à Áriadne voluntariou-se para ir ao labirinto e
matar o Minotauro. Ela temerosa pelo seu amor e conhecendo a fama cruel da fera e os meandros
do difícil labirinto, deu para Teseu um fio do novelo de lã do qual ela tecia sua vestia para que o
mesmo em não se perder, achasse o caminho de volta.
Convoco, então, para um exercício reflexivo. Tomemos o Minotauro como sendo o modelo cruel
excludente e desigual, as Políticas Sociais como sendo o corajoso, apaixonado e destemido
Teseu.
A história acontece então assim, reescrita pelo viés das políticas sociais, provoca enquanto
reflexão o papel dos sujeitos neste contexto que ora, sendo Áriadne, resistente, apaixonada e
esperançosa, simbolizando também expressões dos sujeitos que trabalham com as políticas
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sociais em sua defesa e em seu exercício, em particular a da Assistência Social, empreende a
difícil luta por garantir o acesso a direitos de outras tantas pessoas, em uma sociedade marcada
por uma herança de clientelismo e tutela. Ou ainda, sendo o fio, tênue e vulnerável, porém
requisito indispensável para garantir a volta de Teseu aos braços de sua amada.
Após este exercício reflexivo fica a pergunta: Política Social compensatória ou emancipatória?
O sistema de proteção social no Brasil e os programas de enfrentamento da pobreza no cenário
contemporâneo, talvez nos apontem brechas, se pensados em rede, analisados dentro de um
contexto sócio-histórico crítico, daí que
“Debater e lutar pela ampliação dos direitos e das
políticas sociais é fundamental porque engendra a
disputa pelo fundo publico, envolve necessidades
básicas de milhões de pessoas com o impacto real
nas suas condições de vida e de trabalho e implica
um processo de discussão coletiva, socialização da
política e organização dos sujeitos políticos.”
(Bhering&Boschetti,2006:190)
O que se problematiza do Programa Bolsa Família são justamente os aspectos que se
relacionam com a entrada no sistema, que se restringe quase sempre pelo déficit de renda.
Ora, a análise empreendida neste artigo revela aspectos da pobreza e da extrema pobreza que
não as vincula tão-somente ao déficit de renda, mas a múltilos e complexos aspectos da vida
provocados pela desigualdade social, concentração de riqueza e parco investimento nas
políticas sociais.
Talvez como afirme Lavinas(1998) todo este cenário tenha nos conduzido diante de uma
oportunidade impar; a de repensar num quadro de fortes restrições orçamentárias e
persistência da pobreza estrutural em meio ao aumento do desemprego27, brechas, e, neste
sentido o PBF sinaliza sim uma via de ruptura28. Contudo não pode ser visto como única via.
O investimento e fomento da redesocioassistêncial29 é outro caminho não para incorporar a
família no sistema PBF, mas sim para retirar a família com dignidade e compreensão do seu
processo.
Ver estudos de Campos, A, Pochmann, M., Amorim, S. e Silva, R (orgs.), Atlas da Exclusão Social no Brasil –
Dinâmica e Manifestação Territorial, vol. 2, São Paulo, Cortez, 2003.
28
Ver a respeito, Cohn, A., “Reconfigurações da questão social no Brasil”, Observatório da Cidadania 2003, Rio
de Janeiro, IBASE, 2004, pp. 71-76.
29
Ver Também estudos de Laurell, A. C., “Regímenes de geración de bienestar”, Comisión de Desarrollo
Social, Câmara de Diputados/ LVII Legislatura, Congreso de la Unión Desarrollo Social – modelos, tendencias y
marco normativo, , México, 2000, pp. 109-120.
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A grande preocupação que paira no cenário contemporâneo sobre a política social adotada no
Brasil desde meados dos anos 9030, parece conferir um olhar prioritariamente para ações de
curto prazo no intuito declarado de aliviar carências decorrentes da situação imediata de
pobreza, mediante iniciativas descontínuas e pontuais e de institucionalidade rarefeita, sem
contanto que haja uma base que corrobore em ações de enfrentamento sistemática, orientada.
O temor que aponta o horizonte em médio prazo, é o de não contribuir para o empoderamento
destes sujeitos, e, deste modo estar colaborando para a consolidação de uma geração de
indivíduos dependentes de benefícios. Há um texto de Werneck Viana que muito expressa às
análises sobre o processo que se está sinalizando e chamando atenção, pois
Daqui a vinte anos, contudo, o adulto inscrito, por
exemplo, no programa bolsa-família não terá mais
filhos em idade escolar para se habilitar ao
recebimento do auxílio. Muito provavelmente não
terá ingressado no mercado formal de trabalho.
Obviamente não terá se transformado em
autônomo qualificado para o mercado terceirizado.
Não terá contribuído para a previdência e não
estará, portanto, apto a se tornar aposentado.
Poderá usufruir de benefícios não-contributivos da
seguridade social, engrossando as estatísticas de
redução da pobreza, ou será um “novo” pobre,
velho e desamparado? (WERNECK VIANNA,
2002:22).
Considerando as contribuições de Pochmann, Werneck Vianna, Schwartzman, Lavinas ao longo
das reflexões que deram suporte para construção deste texto, constata-se a necessidade de se
buscar brechas de cavar espaços que potencializem ações continuadas, sistemáticas e efetivas, e
que deverão contribuir para o fortalecimento das políticas sociais e desta forma o acesso a
garantia de direitos de uma significativa parcela da população que não se encontra nem mais a
margem do sistema, mas fora dele, ou seja, excluídas.
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i
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com apoio do CNPQ.
ii
A autora também é Assistente Social, Mestre em Serviço Social PUCRS e Professora e Pesquisadora do
Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania-UCSAL, Coordenadora do Grupo Mãos Dadas de Estudos
sobre O Pensamento Social Contemporâneo, Membro fundadora da ONG Comunidade Morada da Paz
(Triunfo/RS) e do Instituto Ekos de Ecologia Humano Social (Salvador/BA); Pesquisadora responsável
pela Linha de Pesquisa Assistência Social, Práticas Sociais e Interdisciplinaridade onde desenvolve
pesquisas sobre Políticas Sociais e Programas de Transferência de Renda com apoio CNPq.
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