Projeto Doutorado Ernenek Mejía

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
O reconhecimento e a produção da indianidade entre os Nahuas
(México) e os Tupinambá (Brasil). Uma etnografia da relação desde o
ponto de vista indígena.
Candidato: Amiel Ernenek Mejía Lara
Orientador: Dr. John Manuel Monteiro
O reconhecimento e a produção da indianidade entre os Nahuas (México) e os Tupinambá (Brasil).
Uma etnografia da relação desde o ponto de vista indígena.
Doutorado em Antropologia Social / IFCH / UNICAMP
1
Sumário
Resumo .......................................................................................................................3
Objetivos......................................................................................................................4
Introdução....................................................................................................................4
Justificativa e delimitação do tema ..............................................................................6
O percurso até o problema.... ..................................................................................6
O problema dos “novos” índios ............................................................................. 10
A proposta ............................................................................................................. 12
Procedimentos metodológicos e formas de análises de resultados .......................... 15
Plano de trabalho ...................................................................................................... 17
Bibliografia ................................................................................................................. 18
O reconhecimento e a produção da indianidade entre os Nahuas (México) e os Tupinambá (Brasil).
Uma etnografia da relação desde o ponto de vista indígena.
Doutorado em Antropologia Social / IFCH / UNICAMP
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Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo realizar um estudo comparativo entre os Nahuas de
Ayotitlán, Jalisco, assentados no ocidente do México, e os Tupinambá de Olivença,
localizados no nordeste do Brasil. Povos indígenas que conseguiram, recentemente, o
reconhecimento de sua indianidade, adquirindo, dessa maneira os direitos, os riscos, as
vantagens e as contradições que o fato representa. E dessa forma, revelando a través
desses processos, parte importante do que significa ser índio na atualidade.
Para isso, documentarei e analisarei as respostas particulares que cada um desses povos
desenvolve e desenvolveu - desde suas organizações de sentido - frente aos contextos
que os descaraterizaram como indígenas e que, posteriormente, os recaracterizaram
como povos índios, distinguindo o cumulo de atores locais, regionais e globais envolvidos
nesse transcurso, agregando às análises a compreensão dos contextos em que esses
povos compartilham campos de relações significadas ao redor da indianidade.
O reconhecimento e a produção da indianidade entre os Nahuas (México) e os Tupinambá (Brasil).
Uma etnografia da relação desde o ponto de vista indígena.
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Objetivos
Nesta
pesquisa
desenvolverei
um
estudo
comparativo
sobre
o
processo
de
reconhecimento e de produção da indianidade entre os Nahuas do ocidente do México e
dos Tupinambá do nordeste Brasileiro desde suas próprias interpretações e sentidos.
Como parte do trabalho documentarei, desde um trabalho etnográfico, as respostas
desenvolvidas por cada um desses povos frente aos contextos que os descaracterizaram
como indígenas e posteriormente os caracterizaram como tais.
Entre os atores evolvidos no seu reconhecimento como ONGs, funcionários,
antropólogos, movimentos sociais, entre outros, analisarei quais são seus termos e
projetos de indianidade, para assim e em contraste com as produções de Nahuas e
Tupinambás, definir os pontos de diálogo, negociação, enfrentamento, disputa, consensos
e dissensos nessa produção da indianidade.
Contribuirei com as discussões da etnologia mesoamericana e do nordeste, desde os
conceitos indígenas que atuam dentro dos seus atuais processos e de outras definições
importantes ao redor de sua indianidade.
Finalmente, colaborarei para os estudos sobre a conformação da indianidade e dos
processos indígenas na América Latina e em particular dos contextos mexicano e
brasileiro.
Introdução
Esta pesquisa tem como objetivo realizar um estudo comparativo entre os Nahuas de
Ayotitlán, Jalisco, assentados no ocidente do México, e os Tupinambá de Olivença,
localizados no nordeste do Brasil. Povos indígenas que conseguiram, recentemente, o
reconhecimento de sua indianidade, adquirindo, dessa maneira os direitos, os riscos, as
vantagens e as contradições que o fato representa. E dessa forma, revelando a través
desses processos, parte importante do que significa ser índio na atualidade.
O projeto de pesquisa aqui apresentado é a continuação de uma preocupação
desenvolvida ao longo da minha formação como antropólogo e pela qual me desloquei ao
Brasil para, inicialmente, realizar o mestrado, com o fim de desenvolver um estudo em
que pudesse indagar, num campo contrastante entre os casos mexicanos e brasileiros, os
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arranjos internos e externos, do que é ser indígena para esses povos e para os atores
envolvidos nas relações que acompanham os atuais surgimentos dessas coletividades.
Assim, analisarei na pesquisa de doutorado tanto o caso mexicano dos Nahuas de
Ayotitlán, sobre o qual desenvolvi um amplo trabalho de campo e as primeiras conclusões
sobre o tema durante minha graduação, como o caso brasileiro dos Tupinambá de
Olivença, sobre o qual desenvolvi um corpo analítico de maior envergadura e a partir do
qual enfrentei e conheci uma realidade distinta, casos que em sua complementaridade,
divergência e questões permitirão conclusões de melhor alcance.
Para isso, documentarei e analisarei as respostas particulares que cada um desses
povos desenvolve e desenvolveu - desde suas organizações de sentido1- frente aos
contextos que os descaraterizaram como indígenas e que, posteriormente, os
recaraterizaram como povos índios, distinguindo o cumulo de atores locais, regionais e
globais envolvidos nesse transcurso, agregando às análises a compreensão dos
contextos em que esses povos compartilham campos de relações significadas ao redor da
indianidade.
O resultado desse trabalho me permitirá entender com maior autoridade as
categorias que formam parte dos sentidos de existência, de relacionamento, de memória,
de socialidade, de pessoa, do espaço, entre outros, que envolvem suas dinâmicas como
coletividades, permitindo uma aproximação à como essas categorias determinam suas
relações com os diversos atores envolvidos, tanto no presente como no processo que
desencadeou seu reconhecimento contemporâneo como indígenas.
Frente aos atores não indígenas envolvidos na vida diária desses povos, farei um
trabalho de envergadura similar registrando os valores, os propósitos e os campos de
significados desde os quais esses grupos se relacionam com os indígenas, para assim
distinguir os lugares de confronto, de diálogo, de comunicação, de concessão, de
dissenso e de transformação, nos que indígenas e não indígenas constroem conceitos
compartilhados e fronteiras.
A comparação dos casos será uma estratégia de extensão analítica de realidades
1
Entendermos organização do sentido nos termos de Giménez (2005) as quais desde uma conspeção
simbólica e semiótica da cultura, “pautas de significados 'historicamente transmitidos e encarados em
formas simbólicas, em virtude das quais os indivíduos se comunicam entre eles e compartem
experiencias, conceitos e creenças'” (p.68-69)(tradução livre)
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distantes que compartilham processos e conceitos, ao mesmo tempo diferentes e
similares, procurando as repostas e as perguntas que ambas as realidades podem se
fazer mutuamente nos contextos em que as chamadas “emergências indígenas” ou
“etnogênese” tem acontecido.
Finalmente, essa pesquisa procura um aprofundamento não só do fenômeno
indígena, da indianidade e da emergência política indígena dentro das características
antes mencionadas, mas também, entrar numa discussão reflexiva ao redor do lugar da
antropologia quando observa aos indígenas desde seus postulados, não só como um
problema teórico, mas também como um local particular onde se constrói os termos da
indianidade, incluindo nessa discussão, o particular diálogo que as formas da vida
concreta indígena oferecem às transformações teóricas da disciplina que trabalha com o
tema.
Com este conjunto de objetivos, a pesquisa enfrentará uma discussão tanto no
campo da etnologia, abordando os próprios sentidos indígenas sobre sua situação de
mudança e de continuidade, como das relações, penetrando em como esses sentidos
constroem conceitos comuns e em dissenso, oferecendo um enfoque analítico que
consiga enxergar os fluxos, os movimentos e as transformações, desde os processos e
olhares indígenas e não indígenas, assim como os limites, as subjetividades e os
conceitos, desde os atores que formam parte dessa relação; analisando como entre os
Tupinambá de Olivença e os Nahuas de Ayotitlán, índios e não índios, produzem desde
suas organizações de sentido “a indianidade”.
Justificativa e delimitação do tema
O percurso até o problema
O percurso que me permite elaborar esta proposta de doutorado tem diferentes
momentos. Ela se originou no México e se desloca para o Brasil através de uma
comparação, formulada pelas experiências da pesquisa de graduação e mestrado, e que
procura se transformar num exercício analítico formal.
Essa trajetória se originou no contexto de lutas políticas, jurídicas e em alguns
casos militares, que os indígenas do México enfrentaram ao longo das últimas décadas
para garantir o respeito amplo de seus direitos, redefinindo o que é indígena para eles
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mesmos e para o resto dos mexicanos. Pontos que marcaram a pesquisa que desenvolvi
entre os Nahuas de Ayotitlán, ao longo de três anos de trabalho.
Com esses questionamentos feitos pelos índios do México a toda a sociedade
nacional que acompanharam minha formação como antropólogo, desenvolvi uma
pesquisa na região do ocidente do país, considerada pelo Estado e os especialistas sem
índios. Porém, ali se mobilizavam os Nahuas, que exigiam do governo e do Estado, o
respeito à suas terras e aos recursos naturais, através do reconhecimento como povo
originário. Durante este processo, os Nahuas, como os Tupinambá de Olivença, foram
questionados na sua autenticidade, por “parecerem camponeses” e manterem apenas
alguns “traços residuais de sua indianidade”.
Nas hipóteses formuladas pelos antropólogos sobre o tema, ainda que sem negar a
legitimidade da demanda pela terra, por se tratar de uma dívida da reforma agrária,
definiam a esse povo como “reetnizado”, consequência dos benefícios das leis
internacionais em favor dos povos nativos e originários, das políticas públicas nacionais
que reconheceram a diversidade interna, da influência dos direitos culturais e da
intervenção da universidade do estado de Jalisco, todos eles argumentos com os que se
respondia a “gênese étnica” (De la peña, 2002).
As posições antes citadas foram questionadas nos resultados da minha pesquisa
inicial, por meio do trabalho de registro da memória coletiva, que entre os mais velhos
dava conta de diversos processos, que evidenciavam como, inicialmente, tinham
escondido sua indianidade ao ser perseguidos por sua forma de falar e vestir;
posteriormente, tinham decidido se mobilizar pela terra desde as organizações
camponesas e não, somente, desde as indígenas, e mais recentemente decidiram, frente
as mobilizações indígenas no país, se envolver na luta pelos seus direitos.
Com esse resultado, obtido a partir do trabalho de campo, a pesquisa analisou
como os paradigmas instrumentalista, essencialista ou descritivo das práticas indígenas,
fomentavam, dentro da antropologia, explicações nas que a “autenticidade”, sociológica
ou cultural, eram os eixos para reconhecer quem era o não parte de um povo nativo,
invisibilizando assim, outros campos nos que os indígenas mantinham sua coerência para
existir como coletividades ao longo de diferentes momentos históricos.
Os argumentos anteriores, que até esse momento da minha experiência como
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antropólogo, pareciam um problema exclusivo daqueles índios que emergiam pública e
politicamente, num espaço onde a falta dos diacríticos das “essências nativas” formulava
fronteiras ambíguas que permitiam os questionamentos, apareceram em outro contexto
quando participei de um projeto dedicado a elaborar etnografias contemporâneas dos
povos indígenas.
No novo campo acadêmico focado na etnologia, se recolocavam os argumentos
das autenticidades que tinha descrito na minha pesquisa de graduação. Nesse caso
objetivados no desinteresse pelos “menos índios” nas escolhas dos lugares de campo
entre um importante número de pesquisadores, que preferiam os locais onde as exegeses
eram visíveis e compatíveis as da literatura etnológica.
Nesse contexto, ao longo de dois anos de pesquisa consolidei meu interesse sobre
o tema ao desenvolver o trabalho em um desses locais “menos índios”, onde novamente
me envolvia numa pesquisa que, além dos resultados etnológicos, documentava a um
povo Ñänhú que, em contraste com seus pares localizados em outras localidades, tinham
assumindo estilos de vida urbanos nos processos de migração às cidades e aos Estados
Unidos; tinham perdido sua língua, pela alfabetização em espanhol; além de expor uma
religiosidade mediada pelo catolicismo.
Ainda assim, e como parte da pesquisa etnográfica e etnológica, reconhecia
espaços nos que se mobilizava uma discussão autoreflexiva deles como povo Ñänhú,
além de uma série de valores, instituições e formas nas que se estruturava sua
organização como coletividade, fora das formulações documentadas nas pesquisas sobre
o povo. Formas que como os Nahuas, nem sempre eram reconhecidas pela antropologia
como parte das “tradições” indígenas, mas que para essas comunidades significavam os
espaços onde produziam sua indianidade, não só como grupo, mas também em sua visão
de mundo que lhes dava sentido.
Com esse debate, que, por um lado, observava desde o ponto de vista indígena,
buscando entender suas articulações como coletividades frente ao resto dos coletivos, e
pelo outro, a uma série de relações nas que se invisibilizavam aos indígenas que ficavam
fora do ideal do índio, me desloquei ao Brasil, onde procurava outro tipo de relações
sobre povos indígenas, onde pude-se indagar sobre o tema desde outras manifestações.
O objetivo era estudar um processo em que indígenas considerados não indígenas
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tivessem conseguido desinvisibilizar suas organizações de sentidos, sua cultura sem
aspas, se seguimos a proposta de Carneiro da Cunha (2009), na sua relação frente aos
contextos abrangentes, a cultura com aspas; evidenciando para todos os evolvidos, as
tensões, os diálogos, os consensos e os dissensos do seu lugar como índios nas relações
sociais, culturais, políticas, históricas, étnicas e identitárias, processo que os Tupinambá
de Olivença manifestavam plenamente, trabalho que foi realizado no mestrado.
O foco foi estudar como, desde o seu ponto de vista, eles tinham desenvolvido
relações que os levaram a reivindicar sua pertença indígena, não só desde uma idéia de
dinamismo cultural, a qual tinha trabalhado na pesquisa de graduação, mas também
desde o registro dos seus próprios conceitos e leituras do processo, nos que tinha
aprofundado pouco na minha monografia e que no contexto brasileiro se mostravam de
uma maneira definida.
Esse trabalho me levou a reconhecer conceitos “nativos” que se articulavam na luta
pelo território e pelo reconhecimento como Tupinambá, como por exemplo, o sentido do
espaço, que é produzido quando os locais são ocupados, e não pela sua propriedade. O
sentido do espaço demonstra, então, que a reivindicação do território tradicional feita por
eles, não era apenas um problema de propriedade da terra ou posse dos recursos, mas a
reivindicação pelo local onde eles possam existir a seu modo.
Os Tupinambá ofereceram, no seu processo e luta política, um caso onde era
importante entender tanto esses conceitos desde uma análise etnológica, como na
relação que eles faziam para traduzi-los ou apresentá-los para os diversos atores
envolvidos no seu reconhecimento, que exigiam que eles – indígenas -se apresentassem
nos termos de uma representação ideal.
Assim, sua indianidade produzida desde seus próprios conceitos se conformava
em diálogo com um ideal indígena, mas também com sua própria interpretação desse
ideal, em alguns casos levando esses ideais a ser próprios, em outras, simples
demonstrações que tinham o objetivo de garantir direitos, mostrando a importância de
realizar o caminho de ida e volta entre as próprias relações e suas organizações de
sentido.
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O problema dos “novos” índios
Esse percurso prévio resulta em um novo campo de perguntas que fundamenta esse
projeto de doutorado, ao indagar sobre o que está em jogo no reconhecimento dos
indígenas que se fazem visíveis “inesperadamente”. A resposta parece ser mais complexa
que um assunto de identidades reconhecidas e auto reconhecidas, de manipulações de
recursos, ou indígenas agindo desde suas instituições, já que ser indígena, estando
“miscigenado” ou “aculturado”, parece ser um problema tanto para indígenas como para
não indígenas.
Dentro da antropologia dedicada a esses povos, à mudança dos papéis dessas
coletividades nas suas relações com as realidades regionais, nacionais e globais tem
levado a diversos problemas analíticos. A importância que, progressivamente, os
indígenas conseguiram dentro dos contextos locais, dos Estados nacionais ou do direito
internacional - uns com maior força que outros e em diversas condições de poder - tem
obrigado aos pesquisadores a repensarem muitos dos termos com os que estudaram
esses grupos.
As formas que os povos indígenas assumiriam em sua ligação, inserção e
interação com os contextos dos “brancos”, visíveis de uma forma particular depois da
segunda metade do século XX, não foram previstas pelos paradigmas dos processos de
aculturação (Beltrán, 1963; Ribeiro, 1977, 1978), nos que esses povos seriam
gradualmente assimilados às formas ocidentais com o fim de seus lugares de refugio,
nem pelas noções de fricção interétnica (Oliveira, 1964, 1976) e de colonialismo interno
(Bonfil,1972; Gonzáles, 2007) que denunciavam o etnocídio como um possível fim dos
povos índios, originado pelas condições desiguais do sistema capitalista, ou ainda, por
aqueles que fomentaram o registro e resgate desses traços culturas fadados a
desaparecer.
Pelo contrário, ainda que em condições desiguais, de exploração ou subordinação
os indígenas na atualidade se encontram presentes nas realidades abrangentes, não só
velando por seus interesses na defesa de seus direitos individuais e coletivos, mas
também interpelando aos não indígenas, e em não poucos casos, transformando as
formas ocidentais em próprias, como os Estados, os partidos políticos, as organizações
sociais ou os sistemas educativos, o que alguns têm chamado de pós-ocidentalismo
(Pajuelos, 2001).
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No obstante, é importante notar que a caracterização a esses “novos tempos”, aos
que muitos dos pesquisadores do tema fazem referência quando falam desses processos,
nos que se incluem as emergências indígenas e as indianidades não “tradicionais”,
podem levar a importantes equívocos. Existe uma série de documentos que mostram
como os processos coletivos e individuais indígenas, desde as primeiras incursões
européias e até a atualidade, apresentam uma permanente renovação de suas relações
como atores das realidades em que se colocam de acordo a cada tempo e não só na
atualidade (Monteiro, 1994; Bartolomé, 2006).
A particularidade a que nos referimos, e que ressalta a importância da presente
pesquisa, não surge pela vitalidade política, populacional, cultural e em alguns casos fora da regra – econômica, estudada em diversos contextos; mas pela ruptura que os
processos indígenas produzem com sua atuação, sobre a noção que caracterizou esses
coletivos como o absoluto da diferença com fronteiras fixas e indissolúveis. Em outras
palavras, a temporalidade outorgada aos indígenas, que os afasta do enunciador nas
operações narrativas e analíticas, é um dos elementos que os processos indígenas de
hoje tem quebrado lentamente.
A coetaneidade, como definida por Fabian (1983, p.2006), que pode ser pensada
como a contemporaneidade ou simultaneidade de indígenas e não indígenas é um dos
elementos que podemos definir como a característica do agir nos processos desses
povos, subscrevendo-os não só a uma temporalidade histórica, mas a uma condição em
que respondem, com novas e heterogêneas formas de ser e estar indígena, aos limites
que foram criados, num tipo ideal, para os nativos do continente americano.
Assim, os índios ao governar o Estado, utilizar as tecnologias informáticas e
audiovisuais ou formar parte dos processos globais não apenas como atores inseridos no
nacional, mas também como paralelos a outros coletivos com categorias identitárias e
fronteiras distantes das suas, compartilhando preocupações e problemas aos dos não
indígenas, questionam a engrenagem que os atores envolvidos na construção do conceito
do índio dão a esses coletivos, o que parece envolver um jogo entre o reconhecimento da
indianidade e o questionamento da autenticidade (Mejía, 2011).
O que quero dizer é que as formas da vida concreta indígena, que definem desde o
cotidiano os processos indígenas mais amplos, é a fonte que tem modificado os modelos
teóricos e etnográficos da antropologia, ao mesmo tempo em que a partir desses modelos
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se define o que é ser indígena, transformando a antropologia em outro ator da relação.
Entre os vários processo indígenas, que demonstram que a antropologia faz parte da
relação, os chamados de “emergências indígenas”, “etnogênese”, “novas etnicidades” que
2
definem a relativa aparição dos indígenas como atores políticos e “culturais” , parecem
ser os casos que problematizam e questionam a pertinência de alguns dos entendidos
sobre essas populações.
Tanto para os trabalhos sobre os indígenas, que dedicam suas reflexões a
conceitos como os de tradição, cosmovisão, pessoa ou religião; como para os
interessados nos indígenas desde as relações, as interações, a situação ou o poder, o
fato de que os povos indígenas apareçam depois de terem sido definidos como
miscigenado, aculturados, desaparecidos ou simplesmente desconhecidos, colocam a
prova os campos semânticos, os termos teóricos e os sensos comuns que se ativam
quando se definem aos indígenas, não só para “o mundo do branco”, mas também para o
próprio “mundo do índio”3.
A proposta
Esse olhar sobre o tema é a que define minha pesquisa, que desde um eixo comparativo
e desde o trabalho em campo, procura desenvolver um estudo que mostre as formas em
que os sentidos particulares desses dois povos definem seus percursos como povos
indígenas, imersos nas relações a partir das quais produzem sua indianidade.
Nesse sentido, penso a comparação como uma estratégia teórica e metodológica
que apresenta várias possibilidades. Por um lado, no plano temporal, comparando o
momento em que esses povos foram descaracterizados como indígenas, com o momento
em que conseguiram ser definidos como índios; pelo outro, no plano contextual,
comparando as relações que definem, nos dois casos, a produção da “indianidade” em
duas realidades diferentes.
Assim, não se trata de ordenar estruturaras ou sistemas para comparar suas
semelhanças ou diferenças, mas, desde contextos particulares, formular construções que
em sua retroalimentação permita o trânsito de explicações, definindo por contextos tanto
2
Em este caso entendemos por cultura a cultura com aspas como definida por Carneiro da Cunha (2009).
3
Parafraseando os termos usados por Alcida Ramos (2010) quando fala o “índio no mundo de branco” e
“o índio no mundo de índio”
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os espaços sincrônicos, no presente, como diacrônicos, no processo (Ortiz, 2008).
Assim, a proposta de comparação pode ser pensada nos termos de Wagner
(2010), como um trabalho de extensão de contextos e conceitos que envolvem os
processos dos Nahuas de Ayotitlán e dos Tupinambá de Olivença, que os levam a
definições próprias de indianidade. Parafraseando ao mesmo autor, a nossa comparação
se trata de um trabalho de invenção do problema desde os choques que cada contexto,
no presente, no tempo e no processo, aportam a uma análise - podemos dizer estendida.
Algumas destas extensões ou comparações formam parte de relações maiores, por
4
exemplo, no fato de que Tupinambá e Nahuas , independente se de Olivença ou Ayotitlán,
manifestam em seu etnônimo a definição de povos pré-colonias, do contato, e que
desapareceram, e que para os casos particulares que estudamos, carregam o
questionamento da autenticidade ao irromper mediante esses nomes.
Esses referentes da comparação passam também pelo pan-indigenismo, quando
em ambos os casos usam o discurso da dominação - ao longo de 500 anos - para
legitimar sua situação política, que no México e no Brasil fazem parte de um diálogo entre
uma identidade global indígena e as identidades locais indígenas, mostrando discursivas
definidas por uma retroalimentação, através de acordos e dissensos, entre os múltiplos
atores que participam das definições dos termos da indianidade.
Mas esse exercício de extensão não é só um trabalho que procura encontrar as
amalgamas que anunciam uma experiência geral, registrando o fluxo entre o global e as
apropriações e inventivas locais, definindo-as como simultâneas ou até dialéticas, mas
também uma extensão analítica desde os conceitos que esses povos particulares
oferecem mutuamente às explicações dos seus processos.
Conceitos como os de “política”, definida pelos Nahuas de Ayotitlán como uma
temporalidade, que de maneira diferente à uma noção do político, como um espaço de
agenciamento, define o tempo em que chegaram os aparatos estatais impondo regras e
termos de interação que levaram a eles a fazer “política”, ou seja, a ter que formar parte
dessas relações, que em sua explicação é o tempo da sua divisão interna. Assim, a luta
4
Nahuas (astecas) e Tupinambás, contam tanto no México como no Brasil, respectivamente, com uma
extensa bibliografia que os apresentam como paradigmas do indígena nos discursos oficiais, da historia
oficial e alternativa e da própria antropologia.
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deles é contra a “política”, contra sua divisão, o que explica a decisão de formar parte de
organizações camponesas e fazer “política” para, desde ela, “voltar ao indígena”, voltar ao
tempo sem “política”.
Essa definição de política é uma conceitualização que define muito do acontecido
no processo dos Tupinambá de Olivença, mostrando como eles hoje o que fazem é
“política” ao negociar com as bancadas partidárias, lançando candidatos, negociando com
vereadores, todas elas estratégias que tem como objetivo acelerar a demarcação de terra,
que nos termos dos Nahuas de Ayotitlán, seria o caminho, dentro da “política”, para “voltar
ao indígena” quando finalmente consigam a homologação da terra.
Em outra chave, o conceito de “estar na cultura” dos Tupinambá de Olivença, que
de maneira diferente à noção momentânea da definição linguística de estar e não estar,
se refere a estar como um caminho para se tornar, “estar na cultura” é se tornar parte da
cultura, e nessa reflexão sobre o transitório, não estar nela e deixar de ser parte dela.
Assim, após de terem sido confinados às terras reduzidas onde não podiam estar na
cultura, sua luta pelo território, hoje, busca conseguir o espaço onde “estar na cultura” e
se tornar novamente Tupinambá.
Esta definição de cultura explica, nos termos dos Tupinambá de Olivença, porque
os Nahuas de Ayotitlán, ainda quando perderam sua língua e sua vestimenta tradicional,
ao assegurar parte de suas terras com sua luta “política”, realizada nos termos da reforma
agrária, garantiram o espaço para se tornar Nahuas, conceito que também permite
repensar sua procura atual pela recuperação da sua vestimenta indígena, um caminho
para “estar na cultura”, se tonar Nahuas.
Essas extensões ou comparações analíticas que farei como parte dos objetivos do
doutorado, oferecem, como mostrei, um campo fértil para colocar em prática diversas
questões da, e para, antropologia. Casos como os dos Tupinambá de Olivença ou os dos
Nahuas de Ayotitlán, que acontecem num jogo simultâneo entre os mecanismos
contextuais da interação – a externalidade -
e a capacidade dos coletivos de se
reproduzir desde seus próprias organizações do sentido – a internalidade -, oferecem um
debate importante para a etnologia.
A internalidade, ou seja, o ponto de vista do índio, e a externalidade ou o ponto de
vista da relação, que são dois tipos de abordagem sobre os povos indígenas, definiram
por um lado, a um tipo de cultura como endêmica, sem aspas, e por outro uma cultura
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alógena, com aspas (Carneiro da Cunha, 2009). Porém, os casos aqui apresentados não
podem ser tão facilmente analisados a partir dessas dicotomias, já que categorias tais
como “política” ou “estar na cultura” se definem na relação entre a internalidade e a
externalidade.
De igual modo, as formas concretas da existência indígena que na sua emergência
ultrapassam os limites da indianidade das noções de índio dos funcionários, indigenistas,
ONGs, mas também dos antropólogos, reflete o lugar que a disciplina mantém dentro da
relação como produtora de sua própria proposta de indianidade, evidente quando se
questiona sobre as veracidades ou falsidades desses coletivos quando se encontram fora
dos seus termos.
Essa reflexividade mostra a antropologia como mais um dos atores envolvidos e
não como observador distante ou neutro. Assim, podemos dizer que o índio, assim como
a cultura, é definido no uso do conceito, ao mesmo tempo em que é criado, confirmando,
por intermediação dos outros, as afirmações do seus atores (Wagner, 2010).
Nesse sentido, é relevante questionar: como essa coetaneidade entre indígenas e
não indígenas, que quebra os paradigmas da antropologia quando pensa sobre os índios,
acontece? Como essa simultaneidade faz rever os conceitos da disciplina e reconhecer
os conceitos indígenas como possibilidades analíticas? Como, ainda, os índios inventam
sua indianidade desde seus próprios sentidos? E, por fim, como esses sentidos
acontecem na relação do interno e do externo sem que isso seja uma contradição?
Esses processos indígenas, pouco documentados em todas essas dimensões, tem
muito a oferecer para pensar o que é ser/ estar indígena, e as possibilidades que desde
as próprias propostas da indianidade indígenas têm a dizer sobre eles mesmos para
pensar sobre seus próprios sentidos e sobre suas relações. Trabalho que pretendo
desenvolver ao longo do doutorado.
Procedimentos metodológicos e formas de análises de resultados
Esta pesquisa desenvolverá uma estratégia comparativa que se levará a cabo em dois
espaços, o mexicano e brasileiro, para isso recuperarei as bibliografias dos trabalhos
feitos em ambos os países que trabalham com as emergências indígenas, assim como as
produções etnológicas tanto do contexto mesoamericano como do contexto nordestino,
continuando a revisão bibliográfica das pesquisas de graduação e mestrado, com o
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objetivo de atualizar a leitura dos trabalhos recentes.
Pelas pesquisas prévias, o trabalho de se situar no campo desenvolverá um
esforço menor, atualizando as relações já desenvolvidas em outras pesquisas de campo,
se tornando essa etapa da pesquisa de menor dificuldade.
O trabalho em campo, que visa a se transformar numa produção etnográfica, será
realizado por meio de estadas de campo em períodos longos que permitam um registro
desde o cotidiano dos espaços onde está se disputando e produzindo sua indianidade,
que me leve a distinguir onde essa indianidade está se formulando e quais conceitos
entram em jogo.
O reconhecimento desses conceitos apresenta dois métodos de registro, por um
lado, nas exegeses através da discursiva e da prática, e em entrevistas abertas e
induzidas onde se realizam reflexões dirigidas sobre o tema.
Uma vez distinguidos esses lugares de fluxo e produção da indianidade,
reconheceremos os atores envolvidos com os quais se desenvolverá uma pesquisa, se
não de similar envergadura, no que respeita ao acompanhamento nos seus espaços, sim
em entrevista e períodos onde se transformam em atores da realidade indígena.
Em ambos os casos e desde uma análise dos discursos reconheceremos os
termos em jogo nessa relação para, sobre o trabalho descritivo dessa relação, chegar a
um cruzamento de informação entre o ponto de vista como observador/pesquisador e dos
discursos dos atores.
Essas etapas que se desenvolveram metodologicamente de manerias similares
mas em tempos diferentes, ofereceram uma leitura contextual das relações para desde
elas, e no uso de metodologias dialógicas, voltar ao campo com os resultados
preliminares para apresentá-los aos personagens interessados ou interlocutores com o
objetivo de redigir e afinar as definições dos conceitos, tanto entre indígenas como não
indígenas.
Na análise do processo trabalharemos em dois sentidos, por um lado, nas
pesquisas históricas que abordem o tema, mas também na elaboração do mapa da
memória coletiva desde a que os atores definem tempos e temporalidades, esta parte é
importante ser definida depois das definições dos conceitos indígenas, para abordar sua
relação com a leitura do processo e do passado.
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Plano de trabalho
Revisão Bibliográfica
Avanços
2
3.
4
5.
6.
7.
8.
sem.
sem.
sem.
sem.
sem.
sem.
sem.
sem.
X
Período letivo
Trabalho de Campo
Brasil
Trabalho de campo
México
Qualificação
1
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Defesa tese
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