OS NOVOS PADRÕES DE COMPORTAMENTO ELEITORAL NA AMÉRICA LATINA LEONARDO DIEGUES Trabalho preparado para apresentação no VII Seminário Discente da Pós-Graduação em Ciência Política da USP, de 8 a 12 de maio de 2017. SÃO PAULO 2017 1 RESUMO O presente trabalho1 pretende analisar as recentes mudanças no eleitorado latino-americano partindo da seguinte questão: como as mudanças políticas e econômicas da região afetaram o comportamento dos eleitores na América Latina nos últimos anos? Para tanto, o projeto pretende analisar o comportamento do eleitorado de diversos países em que a esquerda se desenvolveu ao longo dos anos, fazendo distinção entre os tipos de esquerda que surgiram e as respostas do eleitorado de cada país. O trabalho ancora-se na literatura do voto econômico na América Latina e traça um panorama de suas particularidades na região, criando a hipótese de que a influência da economia no comportamento eleitoral se dá de diferentes formas, a depender do tipo de esquerda que o governa, que pode assumir caráter mais moderado ou radical. A fim de analisar tais fatores, abordaremos a presente questão a partir dos bancos de dados do Americas Barometer, que fornecerão informações a nível individual sobre o eleitorado latino-americano, de forma a viabilizar a identificação das mudanças que queremos observar. Palavras-Chave: América Latina; Eleições; Voto econômico retrospectivo. INTRODUÇÃO Acontecimentos de ordem política e econômica têm repercutido de maneira incisiva na América Latina e direcionam olhares para uma possível mudança na composição dos governos da região. Os diferentes partidos de esquerda, que assumiram dois terços dos Executivos da América Latina no início dos anos 2000, hoje, possuem maior dificuldade para com seu eleitorado, que assume posição socioeconômica distante daquela que assumia nos anos 1980 e 1990, e que pauta seu comportamento em outros fatores em relação a outrora. Tal dificuldade é refletida em diversos fatores, como escândalos de corrupção e a instabilidade de indicadores econômicos, aos quais a população se torna sensível a partir da história econômica recente dos países latino-americanos. É possível identificar um constante crescimento do apoio à oposição em diversos países da América Latina, o que nos leva a indagar quais os principais motivadores dessa mudança de ares na política da região. Esse é o principal objeto da análise do presente trabalho. Na Argentina e no Brasil, por exemplo, interesses distantes daqueles da esquerda que governou até 1 Gostaria de agradecer a todos aqueles que me ajudaram durante o processo de confecção deste embrionário artigo: o professor Diego Sanches Corrêa, da Universidade Federal do ABC, pela orientação sem a qual a principal questão deste artigo jamais teria sido desenvolvida; a mestranda do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo Joyce Luz, pelas revisões e conselhos em relação ao trabalho; e o doutorando do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, Maurício Izumi, pelo auxílio que me fora dado na exposição dos meus dados. 2 recentemente passaram a ganhar proeminência e partidos de centro-direita voltaram ao poder depois de quase duas décadas. As eleições como mecanismo de accountability vertical das democracias latino-americanas (O'DONNEL, 1998) expressam o descontentamento da população em relação àqueles que governam, que tendem a olhar e ponderar o mandato cumprido antes de exercer seu direito ao voto. A literatura do voto econômico retrospectivo é uma corrente de argumentação forte na ciência política, que procura identificar a performance econômica do candidato incumbente como principal variável de escolha para o eleitor em ocasiões em que sucessivas altas e quedas em indicadores econômicos impactam de modo incisivo em seu cotidiano. Nesse sentido, observaremos, ao longo do trabalho, a percepção do eleitorado sobre a economia e como essa percepção afetou, de alguma forma, os recentes panoramas políticos de determinados países latino-americanos, levando em consideração os critérios de distinção entre as esquerdas que governaram e governam países na América Latina. Na primeira parte do artigo, faço uma breve recapitulação da ascensão da esquerda na América Latina e dos conceitos utilizados pela literatura a respeito dos diferentes tipos de esquerda que surgiram na década passada. Em seguida, discuto brevemente a literatura do voto econômico e suas características na América Latina. Na seção de Procedimentos Metodológicos, apresento a base de todos os dados presentes no trabalho, oriundos do LatinAmerican Public Opinion Project (LAPOP), e como aplicarei tais dados a pesquisa. Nas seções seguintes, apresento estatísticas descritivas e discuto os resultados, caminhando, ao fim, para as considerações finais a respeito do trabalho. Vale comentar que o trabalho não procura encerrar com grandes conclusões a respeito do assunto, mas mostrar uma agenda de pesquisa a partir de seus motivadores, dado seu caráter embrionário. A ESQUERDA LATINO-AMERICANA A ascensão de partidos de esquerda nos governos latino-americanos foi e têm sido objeto de profunda discussão na literatura recente. Entender os motivos de uma virada à esquerda, após a onda neoliberal dos anos 90 tornou-se linha de pesquisa bastante fomentada e objeto de opiniões poucas vezes contraditórias ou contrárias entre si. A crise da dívida externa, pela qual passaram diversos países após os choques do petróleo nos anos 1980, deram início ao que ficou conhecido como a década perdida na América Latina. Nos anos 1990, crises de hiperinflação também tomaram lugar na região e reformas market-oriented foram executadas na economia a fim de que grande parte dos problemas macroeconômicos fossem, de certa forma, contornados. 3 O evidente sucesso de algumas dessas políticas econômicas aliado ao fracasso de outras deu a oportunidade, no âmbito da competição eleitoral, para que partidos de esquerda surgissem como fortes candidatos ao governo dos países latino-americanos em meio a um cenário em que eventuais mudanças na esfera econômica pouco afetavam positivamente as camadas mais marginalizadas da população. Uma alternativa à esquerda havia se mostrado, enfim, tangível ao eleitorado da região. Castañeda (2006), identifica como principais motivadores dessa virada o contexto internacional do final do século passado, com a queda da URSS e o fim da Guerra Fria, aliados a um cenário de pobreza e desigualdade na região. Segundo o autor, governos de esquerda não mais teriam que ser submetidos ao binarismo EUA-URSS e conseguiriam apoio de um eleitorado marcado pela pobreza e desigualdade, na medida em que tais problemas não foram contornados por reformas econômicas dos anos 1990, tivessem estas sido bem-sucedidas ou não. Nesse sentido, Castañeda identifica que a população apoiaria as causas da esquerda em meio a esse contexto de estagnação econômica e desigualdade, uma vez que, historicamente, a esquerda sempre havia feito da última sua principal proposta. Não distante do primeiro argumento, Petkoff (2005) ressalta os magros resultados econômicos dos anos 1990 em paralelo ao fracasso das políticas estabelecidas pelo Consenso de Washington, que traçaria diretrizes que serviriam de ponte entre políticas econômicas americanas e latino-americanas com o auxílio das principais agências multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Levitsky e Roberts (2011), identificam fatores de longo prazo, como a desigualdade e a institucionalização da competição eleitoral somados a más condições macroeconômicas resultantes de políticas neoliberais, aprofundadas com o boom das matérias-primas, como principais fatores explicativos do surgimento dos governos de esquerda na América Latina. Os autores argumentam que mesmo que grande parte dos governos latino-americanos houvesse obtido sucesso na tarefa de conter a inflação abaixo dos dois dígitos, o problema da estagnação do crescimento do PIB havia se mostrado indicador importante para a população, na medida em que periódicas crises financeiras e o aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas tornaram-se parte da conjuntura latino-americana entre o final dos governos neoliberais e o início da pink tide2 (LEVITSKY & ROBERTS, 2011). 2 Pink tide é um termo correspondente a ascensão de partidos de esquerda em um movimento uníssono de superação do neoliberalismo pós-década de 1990. Dos países da América Latina, 14 dos 18 governos tiveram eleitos como chefe do Executivo presidentes de partidos de esquerda. 4 Segundo os autores, pode-se dizer que o sucesso dos políticos e partidos alinhados à esquerda resultou de três fatores importantes: (i) a proposta de investir em redistribuição de renda a fim de amenizar a pobreza e a desigualdade de renda, (ii) a institucionalização da competição eleitoral, uma vez que elites perceberam partidos de esquerda como ameaças ao status quo, e (iii) crises econômicas somadas a políticas neoliberais incapazes de conter o aumento nos níveis de desemprego, a desaceleração da economia e a crescente pobreza na região (LEVITSKY & ROBERTS, 2011). Baker e Greene (2011) argumentam que, entre alternativas políticas radicais e o voto retrospectivo ipsis litteris na literatura, no início dos anos 2000, o eleitorado latino-americano escolheu alternativas moderadas em relação às implementadas no mandato anterior, castigando os incumbentes, mas não lhes dando um cheque em branco para implementar aquilo que bem quisessem. Os autores destoam de grande parte da literatura na medida em que procuram explicar a ascensão da esquerda na América Latina a partir da criação de um índice capaz de identificar o apoio a esquerda em diversos países e em diferentes eleições. O vote-revealed leftism (VRL) expressaria, em um único número, o grau de apoio a um candidato com ideologias de esquerda em uma dada eleição levando em consideração a posição ideológica e o relativo sucesso eleitoral de todos os competidores que ganharam voto nas eleições (BAKER; GREENE, 2011, p. 47). Os autores constroem hipóteses a partir do cálculo do VRL em diversas eleições pela América Latina, concluindo que a maioria dos latinoamericanos deram à esquerda um mandato moderado para estagnar ou parcialmente reverter reformas de mercado, de forma que as escolhas apontam para uma mudança na direção da esquerda mais do que para uma mudança para a esquerda. O texto encerra com uma visão positiva sobre o funcionamento da democracia na América Latina, dizendo que os eleitores da região estariam orquestrando, em certo sentido, o conteúdo das políticas elaboradas pelos governos incumbentes. Há ainda uma outra questão: existiria alguma distinção entre essas esquerdas que assumiram a maioria dos governos na América Latina, ou teriam elas ascendido em um bloco ideológico? A resposta da literatura nos permite identificar, ao menos, dois tipos de esquerda: uma radical e outra moderada. Segundo Castañeda (2006), enquanto a esquerda moderada seria mais “mente aberta”, consciente de seus erros passados, reformista e internacionalista, a outra, radical, seria aquela nascida da tradição latino-americana populista, nacionalista, estridente e mais inflexível do 5 ponto de vista de negociações. Petkoff (2006) também segue argumentação semelhante e enxerga, em um movimento paradoxal, em que a queda da União Soviética permitiu uma distinção entre duas esquerdas que surgiriam na América Latina, uma esquerda mais radical e uma outra mais moderada. A radical seria mais “arcaica”, apoiada na apagada estrela soviética, enquanto a mais moderada seria capaz de aprender com os erros da antiga URSS e imprimir uma nova face à sua performance. Weyland (2010) faz um apanhado conceitual e retrata ambas com mais clareza. A esquerda radical, que prefere chamar de contestatória, caracterizar-se-ia por desafiar o neoliberalismo, as leis da globalização e a oposição partidária, mantendo sua lealdade com sua massa de seguidores ao estabelecer clivagens a partir de duras críticas a adversários políticos, econômicos e ao governo americano. A moderada, segundo o autor, respeitaria os obstáculos econômicos e a oposição política ao mesmo tempo em que, frente a problemas e resistências políticas, procurariam o diálogo ao invés de tentar impor sua vontade, coisa que a esquerda contestatória faria. Em geral, os autores que distinguem essas duas esquerdas concordam que, do lado moderado, teríamos países como Argentina, Brasil e Chile, enquanto que do lado radical ou contestatório, teríamos países como Venezuela, Bolívia e Equador. Um passo adiante, ao debruçar-se sobre um exemplo de cada uma das categorias sugeridas pela literatura, Došek (2014) traça, com o auxílio do LAPOP, o perfil do comportamento eleitoral de bolivianos e uruguaios, cada um representando uma esquerda (radical e moderada, respectivamente). O intuito do autor é identificar, justamente, se há alguma distinção entre o perfil do comportamento eleitoral de um país cuja esquerda é considerada moderada, e um outro cuja esquerda seja considerada radical. O resultado de sua pesquisa inspira a confecção desta presente pesquisa, uma vez que o principal intuito do presente artigo é, também, ponderar se existem diferenças nas respostas do eleitorado levando em consideração as distintas esquerdas presentes na literatura. A principal conclusão do autor sustenta que categorizar as esquerdas não possui efeito sobre o eleitorado, na medida em que diferentes eleitorados diferenciam-se entre si a partir de questões contingenciais, muitas vezes restritas a cada país. Exemplificando: variáveis ideológicas possuiriam mais peso no Uruguai, enquanto, na Bolívia, variáveis programáticas possuiriam papel preponderante no eleitorado. Nesse sentido, dentre todas as visões a respeito da ascensão da esquerda na América Latina, o conceito de recompensa ou punição do incumbente se faz presente e destaca-se na medida em que determinados fatores políticos ou econômicos atribuem diferentes reações do 6 eleitorado, que pode refletir nas urnas seu generalizado descontentamento ou contento com seus governantes. É o que argumenta toda uma literatura do voto retrospectivo, exercido pelo eleitorado que identifica como principais motivadores de seu voto os diversos acontecimentos ocorridos ao longo do mandato passado e as diversas ações tomadas pelo governo incumbente. Desde escândalos de corrupção ao manejo da economia, os impactos de determinadas ações ou eventos nos últimos quatro ou cinco anos na vida de cada cidadão latino-americano modificariam, ao ver da literatura, a forma como cada um olha a política e aqueles que estão no poder. Dessa forma, a proposição básica desse veio teórico é de que alterações em indicadores como o desemprego, PIB, inflação, corrupção, violência, entre outros, contam como importantes fatores no momento do voto, uma vez que serviriam de base para o julgamento retrospectivo do mandato do governante por parte do eleitorado. Uma parte fundamental do voto retrospectivo é a vertente do voto econômico, que atribui a performance econômica do incumbente o status de principal motivador do voto. Como visto anteriormente, a América Latina foi alvo de constantes crises econômicas, sendo as mais recentes aquelas que se sucederam após os anos 1980. Parece plausível dizer que os diferentes sintomas dessas crises impactaram vezes positiva, vezes negativamente o eleitorado latinoamericano. Assim, o voto econômico teria grandes chances de ocorrer na região, na medida em que os eleitores constantemente observariam a relação entre o desempenho macroeconômico de seu país com as condições de seu dia-a-dia. Uma breve recapitulação do voto econômico na América Latina se faz necessária. O VOTO ECONÔMICO NA AMÉRICA LATINA Entendendo a ocorrência do voto econômico como mais provável em populações economicamente vulneráveis em relação a retrocessos econômicos e recuos e avanços em outros indicadores, Singer (2013) argumenta que as características do voto econômico retrospectivo na América Latina passaram por diversas transformações ao longo dos anos. Enquanto nos anos 1980 a principal preocupação do eleitorado eram os galopantes índices de inflação que assolaram a América Latina após a crise da dívida externa, nos anos 1990, resolvidas as crises de hiperinflação, a preocupação do eleitorado colocou em foco o desemprego e a pobreza, invariavelmente vinculados à estagnação do crescimento dos países. Ao final dos anos 2000, ponderar quais os fatores tomaram a atenção do eleitorado latinoamericano tornou-se tarefa mais difícil, devido à substancial mudança de cenário político da região. 7 O autor ressalta que a atenção dos eleitores tende a se concentrar mais em indicadores econômicos que mostram ganhos e perdas sistemáticos do que em outros que oscilam por vez ou outra. Defende que as variáveis econômicas mais importantes para os eleitores latinoamericanos variaram em relação à conjuntura política e econômica dos países ao longo dos anos e que nem sempre o voto econômico se expressaria dentre os eleitores. Também não seria possível apontar uma única variável que pudesse caracterizar como um todo o voto econômico latino-americano, tampouco seria possível dizer que o eleitorado levará sempre alguma variável econômica em consideração ao votar. O objetivo do trabalho de Singer é sustentar a ideia de que a América Latina é suscetível à ocorrência do voto econômico, entretanto, não o é sempre e não se baseia toda vez nos mesmos indicadores econômicos. Dessa forma, levando em consideração que partidos de esquerda, através de políticas de redistribuição de renda e cenário econômico internacional favorável, buscaram amenizar as principais mazelas latino-americana em termos de bem-estar social, decorrentes e aprofundadas, em parte, pela desaceleração do crescimento, é possível dizer que a argumentação de Singer ganha fundamento na medida em que o crescimento econômico da região e o investimento em redistribuição de renda fizeram com que governos latino-americanos fossem recompensados pelos eleitores. Entretanto, passados cerca de 15 anos desde a ascensão dos governos de esquerda, crises econômicas e políticas são sentidas mais uma vez e ganham voz através dos canais de comunicação. O declínio da popularidade dos presidentes latino-americanos prossegue constante e demonstra a insatisfação popular em torno de desajustes político-econômicos. Assim, a percepção do eleitorado em relação à economia tenderia a tomar forma única mais uma vez e a dar atenção aos principais fatos do cotidiano latino-americano. RECENTE PANORAMA POLÍTICO-ECONOMICO Os profundos impactos de outros fatores no cotidiano latino-americano, desde o início de 2015, têm sido frequentemente reportados via diversos veículos de comunicação. A significativa queda de popularidade de diversos presidentes que compõem o quadro da esquerda na região toma a forma de repúdio da opinião pública a indícios de corrupção por parte de representantes do Executivo e a desaceleração do crescimento econômico. Ambos são citados 8 como a principal fonte de descontentamento do eleitorado3, que se dispõe a ir às ruas e urnas a fim de protestar contra seus governos. Nesse sentido, questiona-se tanto a capacidade desses governos de atender novas demandas populares, como a sobrevivência da pink tide na América Latina, sugerindo um cenário de mudanças políticas e econômicas. O caso mais emblemático é a Argentina, em que a insatisfação popular traduziu-se na vitória de Mauricio Macri nas eleições presidenciais de 2015. O então presidente, eleito por uma estreita margem, apresentou-se em sua campanha como ferrenho opositor do governo kirchnerista, que ocupava a presidência desde 2003. A vitória de Macri, do partido Proposta Republicana, centro-direita, representa uma das principais mudanças políticas na América Latina até então, uma vez que concretiza a volta de um governo conservador ao país. No Brasil, o escândalo da Petrobrás e a Operação Lava-Jato, seguidos de grande retração da economia refletem generalizada insatisfação por parte da população e são encarados como uma das faces do enfraquecimento dos governos de esquerda da América Latina e dos mistérios que seguem pela frente4. A inflação também volta a surgir como alvo de preocupação5 e o impeachment da presidente Dilma Rousseff conta como principal fator de mudança no país. O recém-empossado presidente Michel Temer já dá novos rumos a política e economia no Brasil pela via da centro-direita. Alvo de polêmica, as eleições peruanas de 2016 contaram com a participação de Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, chefe do Executivo entre 1990 e 2000, representante da centro-direita no país. A polêmica advém da condenação de seu pai em 2009 a 25 anos de prisão por abuso dos direitos humanos enquanto presidente do país, acusado de ter orquestrado uma série de assassinatos e sequestros durante seu governo. Com 39% dos votos, Keiko Fujimori ganhou o primeiro turno das eleições presidenciais deste ano e acumulou apoio daqueles que uma vez acenaram positivamente ao governo de Alberto Fujimori6. Pedro Pablo Kuczynski, também representante da centro-direita, conseguiu superar Fujimori no segundo turno e sagrou-se presidente peruano, com 50,124% dos votos. De qualquer forma, a convergência de ambos para pontos semelhantes no espectro político já sinalizava que, findas 3 BBC Brasil. Por que líderes de esquerda sul-americana estão perdendo popularidade, 2016; El País. Crise econômica alimenta rejeição a políticos na América Latina, 2015; El País. América Latina vive o fim da era dourada da esquerda no poder, 2016. The Guardian. Scandals, protests, weak growth: is Latin America’s left in retreat? 2016. The Economist. The return of an old enemy, 2016. 6 BBC Brasil. Por que o fujimorismo continua tendo apoio no Peru, 2016. 4 5 9 estas eleições, o Peru já não teria mais um presidente de um partido de esquerda; esquerda essa que governara o país desde Ollanta Humala. Outros países da América Latina também contribuem para a perspectiva de um cenário de mudanças na região. No Chile, a presidente Michelle Bachelet assiste no início do ano seu índice de rejeição subir à casa dos 70%7, concomitantemente a sistemáticas críticas ao esquema de corrupção que envolveu seus familiares, enquanto no Equador, o presidente Rafael Corrêa, após ter sido barrado das eleições de 2017, já diz que deixará a cargo de alguém de seu partido a sucessão de seu governo; sucessão, essa, que se tornou realidade com Lenín Moreno após controversa eleição. Na Venezuela, o governo de Nicolás Maduro do Partido Socialista Unido da Venezuela encontrou forte obstáculo ao final de 2015 quando perdeu maioria no Legislativo para a oposição. Acompanhando a derrota do chavismo no Legislativo venezuelano, Evo Morales, presidente boliviano, também perdeu o plebiscito sobre a possibilidade de concorrer pela terceira vez ao governo do país. Por mais que Morales não tenha sido atingido como os demais presidentes latino-americanos pela falta de popularidade, não poderá ser candidato na próxima eleição. Nesse sentido, as sistemáticas quedas de popularidade dos governos mediante crises político-econômicas decorrentes de escândalos de corrupção e desajustes econômicos, ocasionados em grande parte pela queda do preço internacional de commodities, têm colaborado para gerar um cenário de mudança a ser investigado mais a fundo na América Latina. A soma desses desajustes reflete seus impactos na sociedade através de altas nos índices de inflação, que voltam a aparecer em alguns países como Brasil e Argentina, e através das letárgicas taxas de crescimento na América Latina, que passam a se tornar negativas em alguns países. Assim, é possível ponderar que existam alguns fatores que vêm afetando a percepção do eleitorado latino-americano e juntamente seu voto. A principal questão é identificar quais as variáveis socioeconômicas que têm servido ao eleitor dos países da América Latina a decidir seu voto nas recentes eleições e qual a perspectiva desses eleitores para as eleições seguintes. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O trabalho responderá as questões inicialmente postas através dos dados do LAPOP, de modo a compreender cinco pontos: (i) quais os principais problemas dos países de acordo com os respondentes; (ii) como os entrevistados avaliaram a economia de seus países nos últimos 7 BBC Brasil, 2016. 10 12 meses em relação a data da entrevista; (iii) como os respondentes avaliaram sua própria situação econômica nos últimos 12 meses; (iv) como os respondentes votariam caso houvessem eleições na semana seguinte a entrevista; e (v) como avaliam os governos de seus países. Nesse sentido, o que procuramos identificar através dessas questões são eventuais diferenças e similitudes entre as curvas apresentadas pelos países a respeito dos assuntos abordados, a fim de respondermos se existe, de fato, alguma diferença em relação a resposta do eleitorado aos recentes fatos político-econômicos dada a categoria de esquerda que governa seu pais. Para tanto, as estatísticas descritivas serão expostas em forma de gráficos e tabelas, que reunirão os países e as variáveis desejadas. Os países selecionados foram escolhidos com base no critério de casos noticiados pela mídia que evidenciem escândalos de corrupção ou iminentes mudanças no Executivo para as próximas eleições, ao lado de crises econômicas, que podem ocorrer paralelamente a esses escândalos e indicativos de mudança. Dessa forma, os países analisados serão os mesmos países sobre os quais a seção anterior discorreu: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Peru e Venezuela. RESULTADOS E DISCUSSÃO Partiremos de uma questão básica: segundo os entrevistados, quais os principais problemas dos países da região? A questão nos auxilia e entender eventuais mudanças na percepção do eleitorado de cada país em relação as maiores preocupações que elencam. Se agruparmos os três problemas mais recorrentes nas respostas dos entrevistados em cada país, por ano, teremos a seguinte tabela: TABELA 1: Porcentagem dos problemas elencados pelo total de problemas por ano (três maiores problemas por país), no período de 2010 a 20148. Problemas elencados 2010 2012 2014 Economia (desemprego, 57,1% 42,8% 33,3% desigualdade, pobreza) Criminalidade (segurança, violência) 28,6% 47,6% 38,1% Corrupção 0 Fonte: Latin American Public Opinion Project. 4,35% 13% 8 O total de respostas, escolhendo as três respostas mais recorrentes em cada ano, por ano, é igual a 21, sendo três para cada país (sete países). Nesse sentido, como avaliamos o total de respostas por e em três anos, temos um total de 61 observações, que, por sua vez, serve de base para o cálculo das porcentagens vistas na tabela acima. 11 Vemos que, desde 2010, um passado não tão distante, a opção “Corrupção” tem ficado cada vez mais dentre os três principais problemas nos países selecionados, representando 4,35% do total de problemas elencados em 2012 e 13% das vezes em 2014, o que representa um aumento de 8,65 pontos percentuais em um período de dois anos. Juntamente com a questão do aumento de respondentes que vêm elencando “Corrupção” como um dos principais problemas, o tema criminalidade também tem se mantido em alta: em média, os respondentes dos países têm elencado “Criminalidade” como um dos três principais problemas em 38,1% das vezes9. A junção desses dois fatores pode ser um indício superficial de que opiniões mais conservadoras têm ganhado a atenção do eleitorado, sob a forma do discurso moral de ordem. A opção “Economia”10, por sua vez, é sempre citada como um dos principais problemas da região. Dentre todos os três maiores problemas elencados ao longo desses quatro anos em cada país, a pauta aparece em cerca de 57,1% das vezes e constitui-se como importante preocupação da população latino-americana. O dado acompanha o argumento central do texto de que é provável que fatores econômicos influenciem no recente comportamento dos eleitorados dos países analisados, na medida em que identifica certa suscetibilidade dos respondentes em relação a problemas econômicos de diferentes ordens nos países; problemas, esses, que certamente foram agravados a partir de 2015 em parte da América Latina. Nesse sentido, a fim de questionar a percepção dos entrevistados a respeito da economia de seu país nos últimos 12 meses e endossar a premissa de que a economia vem, de fato, figurando como um fator importante para a população latino-americana, traçamos um gráfico das respostas obtidas. O valor da média pelos anos é igual ao valor da frequência relativa para “Criminalidade” por coincidência. Para a análise das frequências relativas da ocorrência dos problemas supracitados, nos casos da opção “Economia” e “Criminalidade”, foram agrupadas algumas outras subcategorias presentes no banco de respostas dos questionários. Entre parênteses, na tabela acima, estão as subcategorias incorporadas pelas opções. 9 10 12 Figura 1: Gráfico da opinião dos entrevistados sobre a economia em relação aos últimos 12 meses. Fonte: Latin American Public Opinion Project. Elaboração própria. A partir dos gráficos dos países, podemos distinguir dois grupos distintos: o primeiro, composto por Argentina, Brasil, Peru e Venezuela, apresenta altas taxas de respondentes que avaliaram negativamente a performance da economia de seu país em relação aos últimos 12 meses, tomando como base a data da realização das entrevistas em cada ano. O segundo, composto por Bolívia, Chile e Equador, exibem resultados diametralmente opostos aos apresentados pelo primeiro grupo, apresentando aumentos nas taxas de respondentes que avaliam positivamente a performance econômica do país nos últimos 12 meses. Em relação ao primeiro grupo, o padrão das respostas coincidiu justamente com aqueles países em que a contestação por parte da oposição se mostrou forte a partir de 2014. Em três deles, a saber, Argentina, Brasil e Peru, o Executivo já passou das mãos de um governante de esquerda para um conservador e, no caso venezuelano, a oposição já deu fortes motivos para a preocupação da situação ao ganhar maioria no Congresso do país. É de se observar que, desde 2014, esses países vêm sofrendo com crises políticas e econômicas e que esses motivos podem ser explicações para os resultados obtidos. 13 No caso do segundo grupo, nenhum dos países passa por crises econômicas, propriamente ditas. O que os colocam como objetos de estudo do presente artigo são as recentes derrotas da situação de cada um desses países em recentes episódios políticos: a associação de Bachelet a esquemas de corrupção, a derrota de Morales no plebiscito para a sua reeleição, a negação do pedido de Rafael Correa para a reeleição em 2017. Nesse sentido, espera-se que os motivos pelos quais as esquerdas nesses países venham ou não a ser abaladas sejam outros que não necessariamente econômicos. Em questão similar à avaliação retrospectiva da performance econômica dos países, a avaliação retrospectiva da própria situação econômica dos respondentes procura realizar um balanço da situação econômica do entrevistado em relação aos últimos 12 meses, tomando como base a data da realização da entrevista. A questão propõe-se a identificar, novamente, a economia como variável importante aos olhos dos entrevistados. Figura 2: Gráfico da opinião dos entrevistados sobre sua própria situação financeira em relação aos últimos 12 meses. Fonte: Latin American Public Opinion Project. Elaboração própria. Os padrões observados são, praticamente, os mesmos e ainda podemos diferenciar os países nos mesmos dois grupos. Entretanto, as taxas de cada uma das respostas tendem a ser menores em relação aos gráficos anteriores. Para o primeiro grupo, as curvas das avaliações 14 retrospectivas da economia pessoal dos entrevistados apresentam-se em formato similar ao primeiro gráfico para a Argentina e para a Venezuela. É importante ressaltar, no caso venezuelano, que o país enfrenta uma severa crise de abastecimento de suprimentos, o que se torna não somente um problema em escala macroeconômica, mas sentido de perto pela população. Na Argentina, os impactos da inflação exercem descontentamento dentre os cidadãos do país de modo a manter a curva do presente gráfico em semelhança com o gráfico passado. Para o segundo grupo, a questão muda, mas os padrões também permanecem os mesmos. Existe um aumento harmônico entre 2012 e 2014 daqueles que dizem que houve uma melhora na situação financeira de seu lar em relação aos últimos 12 meses, concomitantemente a uma baixa nos níveis dos respondentes que assinalaram o contrário. Novamente, o fato se deve a inexistência de sérios problemas econômicos nos países que não os de ordem já conhecida. Nesse sentido, avaliada a importância da variável econômica como detentora de grande atenção dos entrevistados, passemos para a interação desta variável com o comportamento eleitoral dos respondentes. Quando questionados a respeito de uma fictícia eleição na semana seguinte a entrevista, os entrevistados deveriam escolher se votariam pelo candidato incumbente, por outros candidatos que não o incumbente, ou em branco ou nulo. Nesse sentido, agrupamos as respostas 15 em apenas duas, “votariam no incumbente” e “não votariam no incumbente”, de forma deixar apenas duas opções disponíveis no gráfico. Figura 3: Gráfico da manifestação de voto caso eleições fossem na semana seguinte Fonte: Latin American Public Opinion Project. Elaboração própria. Os resultados obtidos alinham-se com o que vimos nas variáveis econômicas. Os respondentes dos países do primeiro grupo, na eleição fictícia, declararam em 2014 e em sua grande maioria, que não votariam pelo candidato incumbente. Isso, concomitantemente a um predomínio de avaliações retrospectivas negativas tanto em relação a economia nacional quanto no que diz respeito a própria situação financeira dos entrevistados. Nos quatro países, o aumento da porcentagem de respondentes que não votariam no candidato incumbente, de 2012 para 2014, sobe vertiginosa e paralelamente a uma subida de iguais proporções nas categorias “Pior” das variáveis econômicas anteriormente consultadas. Sobre o segundo grupo, é possível identificar o padrão oposto: por mais que os candidatos incumbentes ainda não recebam a maior parcela dos votos de 2012 a 2014, a porcentagem de votos de candidatos não-incumbentes ou em branco ou nulos decresce, na medida em que os votos a favor do incumbente sobem. Os gráficos chamam atenção para uma possível punição dos governantes desses países do primeiro grupo, na medida em que as más avaliações retrospectivas das variáveis econômicas alinham-se com uma mudança no comportamento dos eleitores, que se deslocariam da base do presidente para a de seu opositor. Em relação ao segundo grupo, bolivianos, chilenos e equatorianos, apesar de inclinarem-se favoravelmente a uma possível mudança no Executivo, ainda assim mostram-se, em parte, confiantes na continuidade do papel que vêm exercendo os governantes incumbentes e não parecem, em primeira instância, identificar na performance econômica desses presidentes um motivo para puni-los. Nesse sentido, podemos realizar um apanhado dos resultados que obtivemos em uma tabela, a fim de que possamos observar com maior clareza os argumentos sustentados até então. A tabela será útil para que possamos identificar, ao final das contas, se os padrões vistos até então nos indicam se existem, de fato, evidências de que o eleitorado tem lançado mão do voto econômico em determinados países e, se, de acordo com os dados, diferencia-se em seu comportamento em grupos a depender da esquerda que governa o país. 16 17 -3,1 16,6 Equador Peru 2,3 -8,3 5,3 19,7 -19,4 -16,2 -16,2 Chile 6,8 16,2 Venezuela 46,8 41,2 Fonte: Latin American Public Opinion Project. 25,9 Brasil -5,2 -16,5 Diferença entre 2012 e 2014 entre as porcentagens que, em eleições fictícias na semana seguinte, votariam no incumbente (%) -13,3 -9,5 Bolívia 25,6 Diferença da avaliação da própria situação econômica em relação ao último ano meses como "Pior" entre 2012 e 2014 (%) 7,9 34,8 Argentina Países Diferença da avaliação do desempenho da economia do país em relação ao último ano como "Pior" entre 2012 e 2014 (%) -29,8 -16,7 6,2 31,6 -22,7 26 -26,6 Diferença entre 2012 e 2014 das porcentagens daqueles que avaliaram o trabalho desempenhado pelo incumbente como "Bom"(%) Não Sim Não Não Sim Não Sim Partido de orientação conservadora assumiu o Executivo no período de 2014 a 2016 TABELA 2: Tabela de avaliação econômica, comportamento eleitoral e avaliação do presidente entre os anos de 2012 e 2014. A distinção entre os dois grupos é justificada pela tabela. É possível identificar que no primeiro grupo, tanto a avaliação do desempenho econômico do pais, quanto a avaliação da própria situação econômica como “Pior” aumentam na Argentina, Brasil, Peru e Venezuela, em paralelo a quedas tanto nas porcentagens de respondentes que votariam no incumbente em eleições fictícias, quanto nas porcentagens de entrevistados que avaliaram o trabalho do incumbente como “Bom”. Nesse sentido, é plausível ponderar que existem indicativos de que, no primeiro grupo de países, os eleitores estariam atrelando sua atenção a fatores econômicos ao modo como se comportam frente as urnas. De outro lado, é possível identificar que, para o segundo grupo, o eleitorado da Bolívia, Chile e Equador não parece ancorar suas opiniões sobre o incumbente em variáveis econômicas, uma vez que a relação entre voto no candidato incumbente e avaliação do trabalho desempenhado pelo presidente e avaliação do desempenho da economia do país e avaliação da situação econômica do respondente parece ter sinal negativo, à primeira vista. Dessa forma, sobre o segundo grupo, não é possível identificar sem maiores análises, uma conexão entre economia e voto tão clara quanto no primeiro grupo. É importante citar que tais países não sofrem recessão severa ou indícios de grandes quedas nos principais indicadores socioeconômicos. Nesse sentido, o voto econômico, como visto na primeira seção deste artigo, seria algo mais capaz de acontecer em função do primeiro grupo do que em relação ao segundo, uma vez que percepção da economia e voto se alinham diretamente proporcionais. Não é possível dizer com total segurança que ambos se correlacionam ou estabelecem causalidade um em relação ao outro neste estudo por fatores metodológicos. Entretanto, é notória a motivação que o estudo possui para crer que existem indícios de que eleitores estejam punindo presidentes a partir de uma piora nos índices econômicos. A ilustração disso é posta na última coluna da tabela. Se checarmos se houve uma mudança no Executivo, de forma que um partido de esquerda deu espaço a um partido de direita no governo, é possível identificar que dentre os países do primeiro grupo, somente a Venezuela não mudou de governante. Dentre os outros países, em todos eles um partido conservador sobrepujou um partido de esquerda, seja nas eleições, seja por via de impedimento institucional. Como falamos apenas de Executivo, não colocamos a derrota do governo venezuelano. 18 CONSIDERAÇÕES FINAIS Mediante a recorrentes notícias de derrotas em campo político ou econômico por parte de alguns países latino-americanos, podemos ponderar um panorama de mudanças, tenham elas já ocorrido ou estejam na eminencia de ocorrer. Em resposta a principal hipótese do presente artigo, não é possível distinguir as reações dos eleitorados aos recentes acontecimentos em dois, bem como a categorização que a literatura sugere. Em dois lados opostos, observamos um presidente que possui pouco apoio do eleitorado na Venezuela e que enxerga como principal problema de seu mandato a crise de suprimentos acompanhada de uma possível punição por parte da população venezuelana nas próximas urnas. Na Bolívia, caso distinto, o presidente que perdeu as votações no plebiscito para reeleição é o mesmo Morales que possui grande apoio popular, mesmo no final de seu mandato. O trabalho de Došek (2014) nos permite identificar que, independentemente da classificação dos países latino-americanos em grupo, esquerdas moderadas e contestatórias não necessariamente se distanciam ou se aproximam em relação as pautas que motivam o comportamento de seu eleitorado. Questões mais contingenciais apresentam-se mais plausíveis às explicações dessas recentes mudanças no cenário político latino-americano, apesar de haverem especulações a respeito de uma generalizada perda de popularidade da esquerda na região. Nesse sentido, o que o trabalho nos permite concluir é que, por enquanto, tal movimento ainda não pôde ser tangido de modo a estabelecer movimentos de causa e consequência em relação ao que, de fato, está ocorrendo na América Latina. Entretanto, é possível endossar que existem indicadores que nos fazem crer que o voto econômico esteja ocorrendo na região, uma vez que a crescente avaliação negativa da economia e a decrescente taxa de aprovação de presidentes em determinados países convergem para a substituição de presidentes que representavam a esquerda que havia subido ao poder no início dos anos 2000. Dessa forma, o presente trabalho mais suscita dúvidas do que soluciona problemas. A ideia central é trazer à tona alguns motivadores que incentivem uma linha de pesquisa em torno de movimentos pós pink tide, assumindo o caráter recente da redemocratizações latinoamericanas e as consequências desse caráter para o funcionamento do comportamento do eleitorado da região, mediante a competição política. Estaria, de fato, a esquerda perdendo forças após 15 anos nos governos da América Latina. Essa é a questão que permeará as futuras pesquisas empreendidas. 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKER, A.; GREENE, K. F. 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