PARECER Nº 2866, DE 2007 DA COMISSÃO DE SAÚDE E HIGIENE SOBRE O PROJETO DE LEI N° 91, DE 2004 De iniciativa do Nobre Deputado Vítor Sapienza, o projeto em epígrafe obriga a doação do cordão umbilical em todos os partos efetuados nas maternidades e estabelecimentos hospitalares congêneres da rede estadual. A proposição permaneceu em pauta, nos termos regimentais, nos dias correspondentes às 21ª à 25ª Sessões Ordinárias (de 08 a 12/03/04), não tendo recebido emendas ou substitutivos. Na seqüência, foi a proposição remetida à Comissão de Constituição e Justiça, para ser examinada nos aspectos constitucional, legal e jurídico. Acolhendo o Voto em Separado de autoria do Deputado Donisete Braga, a Comissão prolatou parecer favorável ao projeto, na forma do substitutivo então apresentado. Encaminhada ao exame desta Comissão de Saúde e Higiene, a proposição mereceu manifestação favorável da parte do Nobre Deputado Afonso Lobato. Divergindo do teor de tal pronunciamento, apresentamos o presente VOTO EM SEPARADO. A proposição em exame tem o objetivo de propiciar a coleta sangue de cordão umbilical e placentário para sua aplicação em transplantes de medula óssea. Tal procedimento tem como finalidade superar as enormes dificuldades com que se defrontam médicos e pacientes na procura de um doador compatível quando se faz necessário o transplante da medula óssea. Problema exposto com especial clareza por uma das maiores especialistas brasileiras na matéria, a Dra. Mayana Zatz, no seguinte excerto de entrevista concedida ao médico Dráuzio Varella: "Quando uma pessoa tem leucemia, é preciso procurar um doador compatível e se tenta achá-lo na família do doente, por exemplo, numa irmã ou num primo que possa doar a medula óssea. Às vezes, o paciente tem a sorte de conseguir; às vezes, não e entra numa fila à espera desse doador compatível, um adulto que esteja disposto a doar sua medula. Imagine, porém, que existam bancos de cordão umbilical com células-tronco boas para o tratamento da leucemia. Se houver 12 mil, 15 mil amostras, certamente será encontrada uma compatível, o que tornará desnecessária a procura de um parente para doação. O processo é semelhante ao dos bancos de sangue, com a diferença de que o sangue tem menos combinações possíveis" (http://drauziovarella.ig.com.br/entrevistas/). As células-tronco são células primitivas, produzidas durante o desenvolvimento do organismo e que dão origem a outros tipos de células. Elas podem ser: (1) totipotentes, quando produzem todas as células embrionárias e extra-embrionárias; (2) pluripotentes, quando produzem todos os tipos celulares do embrião; (3) multipotentes, quando produzem células de várias linhagens; (4) oligopotentes, quando produzem células dentro de uma única linhagem e (5) unipotentes, quando produzem somente um único tipo celular maduro. As células embrionárias são consideradas pluripotentes, pois só uma delas está apta a contribuir para formação de todas as células e tecidos no organismo. Uma das principais aplicações da célula-tronco é a produção de células e tecidos para terapias medicinais. Atualmente, é muito comum o emprego de órgãos e tecidos humanos para reposição daqueles que estão doentes ou destruídos. Infelizmente, o número dos que necessitam de um transplante excede muito o número de órgãos e tecidos doados para transplante. E as células pluripotentes podem constituir-se numa fonte eficaz de reposição de células e tecidos para o tratamento de um grande número de doenças, inclusive o Mal de Parkinson, Alzheimer, traumatismo da medula espinhal, infarto, queimaduras, doenças do coração, diabetes, osteoartrite e artrite reumatóide. As células-tronco podem ser encontradas em embriões recém-fecundados (blastocistos), criados por fertilização "in vitro", ou seja, os que não são utilizados no tratamento da infertilidade (chamados embriões disponíveis) ou criados especificamente para pesquisa; embriões recém-fecundados criados por inserção do núcleo celular de uma célula adulta em um óvulo que teve seu núcleo removido - reposição de núcleo celular (denominado clonagem); células germinativas ou órgãos de fetos abortados; células sanguíneas de cordão umbilical no momento do nascimento; alguns tecidos adultos (tais como a medula óssea) e células maduras de tecido adulto reprogramadas para ter comportamento de células-tronco. Segundo Alexandra Vieira, farmacêutica e bioquímica, pesquisadora da Fundação Zerbini/INCOR, o armazenamento do sangue extraído do cordão umbilical da criança se mostra conveniente porque "no cordão umbilical se encontra um grande número de célulastronco hematopoiéticas, fundamentais no transplante de medula óssea. Se houver necessidade do transplante, essas células de cordão ficam imediatamente disponíveis e não há necessidade de localizar o doador compatível e submetê-lo à retirada da medula óssea''(http://noticias.terra.com.br/). Infelizmente, a solução adotada pelo Nobre Deputado Vitor Sapienza, tornando obrigatória a doação e a coleta de todo cordão umbilical extraído no Estado de São Paulo, não se afigura juridicamente possível. Afinal, o direito de dispor do próprio corpo, assim corno de partes dele, integra o rol dos direitos fundamentais da pessoa humana, protegido por "cláusula pétrea" da Constituição Federal, assim como por várias convenções e tratados internacionais. Aliás, não se poderia falar com propriedade de "doação" neste caso. Por outro lado, a solução apresentada pelo nosso Nobre Colega, Donisete Braga, nos parece inócua, já que se limita a autorizar a doação do cordão umbilical, ato que não requer permissivo legal, muito embora a doação se constitua em ato bilateral, que exige o assentimento do donatário, assentimento a que a Administração só ficaria obrigada por força de lei. Entretanto, ao nosso juízo, uma norma que se limitasse tornar obrigatória a aceitação do cordão umbilical por parte da Administração Pública produziria efeitos muito limitados sobre a questão. Melhor seria seguir o caminho trilhado pelo Ministério da Saúde, que por meio da Portaria nº 2381/GM, de 29 de setembro de 2004, criou a Rede Nacional de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário para Transplantes de Células-Tronco Hematopoiéticas (BrasilCord). Esta rede é constituída por Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário BSCUP, serviços aos quais incumbe a coleta, transporte, processamento, armazenamento e registro das células progenitoras hematopoéticas de sangue de cordão umbilical e placentário. O substitutivo ora apresentado torna obrigatória a constituição de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário – BSCUP no Estado de São Paulo, reproduzindo, como este propósito, as normas básicas adotadas pela rede BrasilCord. Desse modo os bancos paulistas não destoarão daqueles outros organizados no âmbito do SUS. Sendo assim, apresentamos o seguinte substitutivo: SUBSTITUTIVO "Dê-se a seguinte redação ao Projeto de lei nº 91, de 2004: Torna obrigatória a criação, pela Administração Estadual, de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário - BSCUP. Artigo 1º - A Administração Estadual fica obrigada a criar uma rede de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário - BSCUP com capacidade para o atendimento de toda a demanda paulista de células progenitoras hematopoéticas para finalidades terapêuticas. Parágrafo único. Considerar-se-á Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário - BSCUP o serviço incumbido da coleta, transporte, processamento, armazenamento e registro das células progenitoras hematopoéticas de sangue de cordão umbilical e placentário, para sua aplicação em transplantes de medula óssea nos pacientes que não disponham de doador aparentado. Artigo 2º - O serviço de que trata esta Lei deverá funcionar vinculado ou associado a uma unidade de hemoterapia ou de transplante de medula óssea, devidamente autorizada ou reconhecida pelo SUS e que execute, regularmente, a coleta e processamento de células hematopoéticas para transplante em humanos. Artigo 3º - Aplica-se, no que couber, aos Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário - BSCUP, as leis e atos normativos que disponham sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano e sua aplicação em transplantes, enxertos ou outras finalidades terapêuticas. Artigo 4º- Os Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário - BSCUP terão, dentre outras, as seguintes atribuições: I - participar, sob a coordenação da Central de Notificação Captação e Distribuição de Órgãos - CNCDO do Estado, do esforço de promover, divulgar e esclarecer a população a respeito da importância da doação de órgãos e, particularmente, da doação de sangue de cordão umbilical e placentário, com o objetivo de incrementar o número de doações e captações; II - efetuar a seleção de doadoras e a coleta de células progenitoras hematopoéticas de sangue de cordão umbilical e placentário, obedecendo às normas e orientações da CNCDO a que estiver subordinado; III - receber células progenitoras hematopoéticas de sangue de cordão umbilical e placentário obtidas por outras equipes de coleta que estejam sob a orientação e responsabilidade técnica do BSCUP e que sejam devidamente autorizadas pela CNCDO; IV - avaliar e processar células progenitoras hematopoiéticas de sangue de cordão umbilical e placentário para fins de emprego em transplantes; V - providenciar a realização dos exames laboratoriais necessários à identificação de possíveis contra-indicações a seu emprego; VI - garantir a boa qualidade e conservação adequada das células progenitoras hematopoéticas de sangue de cordão umbilical e placentário que estejam sob sua responsabilidade; VII - distribuir, conforme a necessidade, as células progenitoras hematopoéticas de sangue de cordão umbilical e placentário entre os estabelecimentos médico-hospitalares onde se realizem os transplantes; VIII - fornecer à equipe médica responsável pela realização do transplante todas as informações necessárias a respeito das células a serem utilizadas, bem como sobre sua doadora; IX - manter arquivo próprio com dados sobre as células processadas, suas doadoras, receptores e os respectivos documentos de autorização de doação, enviando relatórios mensais à CNCDO. Artigo 5º - Cada Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário - BSCUP responderá pela qualidade das células progenitoras hematopoéticas por ele distribuídas e o médico transplantador, pelo emprego da célula recebida. Artigo 6º - A Administração Estadual terá o prazo de três anos para dar integral cumprimento ao disposto nesta Lei. Artigo 7º - Esta Lei entra em vigor na data da publicação." O texto ora proposto pretende a criação de um serviço público, não de cargo, emprego ou função pública, poupando-se, assim, a reserva de iniciativa do Poder Executivo, delimitada pela Constituição Estadual (art. 24, § 2º). Com efeito, criar serviço público não significa necessariamente criar também cargos, funções ou empregos, já que, muitas vezes, a Administração já conta com os quadros necessários ao suprimento de suas novas atribuições. A este respeito, cumpre citar o "caput" do artigo 175, da Constituição Federal, que prescreve o seguinte: "Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". O parágrafo único do mesmo dispositivo, por seu turno, enumera as matérias que, necessariamente, serão objeto de lei, quais sejam: "Art. 175...................................................................... Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado." Ora, se a "obrigação de manter serviço adequado", que corresponde ao direito reconhecido ao administrado de receber serviços de boa qualidade, deve ser, necessariamente, objeto de lei, esta norma só poderia integrar as matérias de iniciativa reservada ao Poder Executivo se houvesse comando expresso da Constituição neste sentido. E tal norma inexiste, tanto no âmbito federal quanto estadual, razão pela qual é nosso entendimento de que aqui do que se trata é de matéria de iniciativa concorrente, salvo, é claro, quando se trata também da criação de cargos, funções ou empregos públicos. Ante o exposto, manifestamos-nos favoravelmente à aprovação do Projeto de lei nº 91, de 2004, na forma do substitutivo ora apresentado, e contrariamente ao substitutivo apresentado pela Comissão de Constituição e Justiça. a)Celso Giglio – Relator Aprovado como parecer o Voto em Separado do Dep. Celso Giglio, favorável à proposição, na forma do substitutivo apresentado e contrário ao substitutivo da CCJ. Sala das Comissões, em 4-9-2007. a)Adriano Diogo – Presidente Luis Carlos Gondim – Afonso Lobato – Marcos Martins – Celso Giglio – Uebe Rezeck – Adriano Diogo – Marcos Zerbini