Resistentes como a rocha Mudando um pouco o tom com relação aos artigos anteriores, dessa vez eu vou chamar a atenção para umas plantas que poucos dão importância, mas que possuem histórias e características únicas, e uma importância ecológica que muitos nem fazem idéia: as plantas que crescem na rocha (rupícolas). Elas estão cada vez mais ameaçadas pelo aumento da popularidade dos esportes “radicais”, particularmente escaladas, e pelos mais aventureiros e desavisados. Perigos subestimados e desconhecidos. Estas plantas são muito frágeis a impactos mecânicos (o principal distúrbio que estas atividades costumam causar), apresentando baixa resistência e resiliência, mas sob outro ponto de vista, são muito resistentes ao longo do tempo... Começando pela rocha em si, ela é um ambiente que apresenta condições abióticas limitantes para as plantas. Dentre estas condições, destacam-se a falta de solo, pouca retenção de água, grandes variações na temperatura, muito vento e alta radiação solar. Diante de tais dificuldades, as plantas precisam ter adaptações específicas e muitas são xerófitas. Uma das principais adaptações é a independência quanto ao substrato: as plantas com esta característica absorvem água e nutrientes do ar, como por exemplo, espécies de Bromélias e musgos. É interessante observar que muitas epífitas das matas conseguiram colonizar afloramentos rochosos por apresentarem esta independência, e vice-versa. Outra adaptação é relacionada à tolerância à seca: a pecilohidria e peciloclorofilia. Neste caso, as folhas secam, aparentando estarem mortas, e depois conseguem recuperar o aparato fotossintético quando o ambiente volta a ficar úmido, estratégia comum entre espécies de Velózias. Ainda há outras adaptações relacionadas ao estresse hídrico, como a suculência, dureza da folha relacionada ao armazenamento de água, e presença de ceras e pelos (tricomas) que refletem os raios solares e diminuem a perda d’água. A família cactaceae é um bom exemplo de plantas que armazenam água, e existem espécies de diversas famílias que apresentam suculência, pelos e ceras. Neste ambiente, a seleção natural atua em favor da longevidade. Isto porque a maioria dos microhabitats favoráveis ao estabelecimento e crescimento das plantas já está ocupada sendo difícil deixar prole, já que a produção de sementes seria o único método de reprodução e dispersão neste tipo de ambiente: não é possível se expandir muito por clonagem. Entretanto, poucas são as plântulas encontradas. Ao invés de anuais, perenes de alta longevidade são as mais comuns. Quando há sazonalidade no ambiente, ocorrem espécies anuais (na maioria oportunistas) e também aquelas que permanecem como estrutura subterrânea de reservas (geófitas), que crescem e se reproduzem na estação favorável. São geralmente encontradas em microhabitats mais úmidos. Desta forma, um afloramento rochoso é um ambiente altamente seletivo e com uma flora particular bastante diferente do entorno. É uma fonte de novas formas vegetais e até mesmo de novas espécies, quando há isolamento suficiente do entorno, tanto no tempo quanto no espaço. Existem muitos gêneros restritos à rocha, como Pitcairnia e Dickia (Bromeliaceae) e até mesmo uma família inteira, que só é encontrada sobre rocha e outros ambientes rochosos, a família Velloziaceae: surgiu na rocha e a ela é restrita. Percebe-se, portanto, que a rocha apresenta elevado grau de endemismo. Por exemplo, entre 30 e 40% das plantas endêmicas da Europa ocorrem na rocha. Este ambiente, então, contribui e continua contribuindo para o aumento da diversidade vegetal. Por serem tão adaptadas ao ambiente, as plantas rupícolas possuem baixa habilidade competitiva. Afloramentos rochosos são por isto considerados ‘armadilhas evolutivas’. A rocha geralmente apresenta uma topografia bastante heterogênea, há superfícies lisas, fissuras, canais de drenagem, ‘panelas’, cada uma em diferentes inclinações e orientações. Esta elevada heterogeneidade cria diversos microhabitats, o que vai permitir a coexistência de um grande número de espécies e formas de vida. Cada microhabitat produz microclimas próprios, que em parte derivam das características da face rochosa principal e em parte das particularidades do próprio microhabitat. As espécies se organizam em ilhas de vegetação, manchas isoladas que se desenvolvem a partir de uma planta pioneira, a qual se estabeleceu em determinado microhabitat, modificando-o. Condições específicas e estritas no ambiente físico selecionam diferenças em populações pequenas e isoladas, levando a uma variabilidade fenotípica e genotípica. Desta maneira, espera-se que ocorram especiações simpátricas em um espaço de tempo evolutivo relativamente curto, o que possibilita um incremento ainda maior na diversidade. Os afloramentos rochosos são considerados reservas de biodiversidade relictual: são refúgios de competição, predação, fogo, atividades econômicas e mudanças climáticas na paisagem do entorno. São o lar de um grande número de espécies glaciais relictuais. As plantas são tão especializadas e restritas fisiológica e demograficamente, que mesmo grandes mudanças ambientais não vão afetá-las: elas vão persistir. Estas plantas só não são resistentes a distúrbios locais intensos num tempo ecológico, justamente por serem muito especializadas. Há certa constância e homogeneidade ecológica neste ambiente, apesar da superfície muitas vezes vertical, falta de solo e extremos de algumas condições ambientais que variam em uma escala pequena. Concluindo, o ambiente rochoso é importante para o aumento da diversidade vegetal, assim como para a sua manutenção, na medida em que provoca o desenvolvimento de espécies altamente persistentes, muitas das quais são endêmicas. Desta maneira, é um ecossistema que precisa ser protegido e conservado. Então, é preciso ter muito cuidado na hora de se “subir numa pedra”. Leitura sugerida: Blundon, D. J, MacIsaac, D. A. & Dale, M. R. T. 1993. nucleation during primary succession in the Canadian rockies. Canadian Journal of Botany 71: 1093-1096. Escudero, A. (1996) Community patterns on exposed cliffs in a Mediterranean calcareous mountain. Vegetatio 125: 99-110. Larson, D.W., Matthes, U. & Kelly, P.E. (2000) Cliff Ecology. Pattern and Process in Cliff Ecosystems. Cambridge Studies in Ecology. Cambridge University Press, Cambridge. Meirelles, S. T., Pivello, V. R> & Joly, C. A. 1999. The vegetation of granite rock outcrops in Rio de Janeiro, Brazil, and the need for its protection. 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