GOMES, Candido Alberto. Introdução. In: ____ A educação em perspectiva sociológica. São Paulo: E.P.U, 1994. p. XIII-XVI. No Brasil, como em tantos outros países, reina um estado de insatisfação e angústia quanto à escola e, particular e à educação em geral. Critica-se freqüentemente que a escola não tem lugar para os que a procuram ou para todos os que nele deveriam estar matriculados. Para aqueles que nela ingressam existe um duro processo seletivo, baseado muito menos na capacidade individual que em poderosos fatores socioeconômicos. Aponta-se a escola como uma instituição injusta, que reproduz diferenças sociais, que se acha desvinculada da comunidade e que contribui pouco ou adversamente para o desenvolvimento. Tão graves problemas têm impelido pessoas, nos mais diversos campos científicos, a estudar a crise educacional. O conhecimento que emerge é frágil e incompleto, mas abre portas para refletirmos sobre questões que acossam a educação. Existe, portanto, uma rua de mão dupla entre a prática e a pesquisa educacionais. A primeira propõe problemas investigados por diversas ciências e estas fazem chegar à prática educacional os produtos de suas pesquisas. Certamente, o tráfego desta rua de mão de dupla está sujeito a colisões e desencontros, mas hoje tende a se estabelecer um fluxo bilateral movimentado. Dentre as chamadas ciências da educação, encontra-se a Sociologia da Educação, cujos fundamentos esta obra pretende apresentar. Como indica o próprio título, trata-se de uma perspectiva entre várias. Relevante, mas não necessariamente a mais relevante em todas as situações. Se a educação fosse comparada a um corpo multifacetado, a Sociologia iluminaria uma de suas faces, longe de esgotar o todo. Assim, buscamos enfocar alguns dos mais sérios problemas da educação hoje. Começamos por uma trajetória dos estudos sociológicos da educação no Brasil, para que melhor conheçamos o chão onde pisamos. Em seguida, encaramos o processo educacional nos níveis macro e microssociológico, ou seja, a educação em suas relações com a sociedade e a escola como grupo social. Não nos detivemos, porém, numa análise por problemas específicos. Consideramos mais útil percorrer uma outra rua de mão dupla: a que une a teoria e a pesquisa. Assim, apresentamos os grandes enfoques teóricos de hoje. A teoria é semelhante a um mapa, ainda que tosco, destinado a guiar os caminhos da pesquisa. Se esta vai ao campo sem aquele mapa, descreve cada árvore e o terreno, mas se perde freqüentemente no detalhe, não obtém uma visão do todo. Instruída pela teoria, a teoria incursiona com mais segurança na realidade e pode confirmar / desmentir o seu mapa, que, por sua vez, se enriquecerá, oferecendo caminhos menos inseguros para novas pesquisas. Desta forma, apresentamos as grandes visões teóricas das relações educação-sociedade e da escola como grupo social, sem todavia ter a pretensão de esgotar ou desrespeitar a multiplicidade de visões teóricas existentes. Com isto, veremos como variadas posições encaram a crise educacional hoje. Mais do que isto, enriquecer-nos-emos com a pluralidade para estarmos sempre conscientes de que em ciência não há ponto de vista fixos. A realidade é um desafio tão intenso que exige um eterno refazer dos mapas existentes e uma contínua incursão à terra. E em educação, como no tempo dos velhos navegadores, nossos mapas estão pontilhados de lacunas e incertezas. 1 Se nossos mapas estão cheios de interrogações, que aporte pode oferecer a Sociologia da Educação? Ela estuda os múltiplos processos sociais que se desenvolvem em sala de aula e na escola, bem como os sistemas escolares e as relações amplas entre a educação e a estrutura social. Não se preocupa apenas com a escolarização, isto é, o processo educacional na escola, mas abrange a educação como um todo, mesmo os processos informais através dos quais o homem se torna um ser social. Aborda questões práticas, como, por exemplo, as conseqüências da formação de turmas com base no aproveitamento dos alunos, e estende-se a aspectos bem mais gerais (mas nem por isso desprovidos de importantes implicações práticas. Como afirmamos, esta é uma perspectiva entre várias. Poderíamos dizer que a educação é um ponto de confluência de várias ciências e várias disciplinas. Mais precisamente, a educação, como área aplicada e interdisciplinar, é comparável a uma praça. Cada via que lhe dá acesso é uma das ciências e disciplinas que contribuem para melhor compreendê-la. Assim, não podemos perder a visão de conjunto, o ponto de reunião, porém não nos é possível ignorar que cada via possui fisionomia própria. No caso da Sociologia da Educação, como em outras denominadas ciências da educação, temos uma situação ambígua. Na verdade, esta disciplina não pode ser destacada da Sociologia. Sendo uma ciência, com objeto e métodos próprios, a Sociologia estuda diversas áreas da vida social, como o Direito, a família, a arte, o folclore, a economia, o desenvolvimento e assim por diante. Deste modo, a Sociologia da Educação está para a Sociologia assim como um ramo está para a árvore. Numa imagem que ainda voltaremos a recorrer, se o ramo por seccionado da árvore, morrerá à míngua da seiva, isto é, do fluxo contínuo da teoria e pesquisa sociológicas. O ramo seco pode ter suas utilidades, mas será sempre um ramo seco. Se a Sociologia da Educação for concebida como uma disciplina isolada autônoma, sofrerá distorções que não servirá aos estudos educacionais. Em outras palavras, a apropriação da disciplina pela educação desligando-a da Sociologia, resulta na posse de um patrimônio que, em vez de crescer, envelhece cada vez mais. Como outras ciências da educação, ela fica a meio caminho, numa situação ambígua: de um lado, precisa continuar ligada à Sociologia: de outro, integrar-se ao ponto de confluência, que é a educação, onde pode beneficiar-se do relacionamento com outras disciplinas e ciências. Estabelecer a identidade no entrecruzamento de vários campos de estudo é o grande desafio que se nos apresenta. É preciso caminhar em equilíbrio precário, sem pender para nenhum dos lados. Conforme veremos a seguir, a trajetória dos estudos sociológicos da educação revela estes dilemas. A Sociologia da Educação se tem chegado mais à Filosofia, à Pedagogia e Administração Escolar e à Sociologia, segundo sua linha de desenvolvimento. Em nossa opinião, a tendência mais promissora tem sido a que mantém e estimula os laços com a Sociologia. Por meio deste posicionamento, tem sido possível desenvolver a pesquisa e, assim descortinar novos horizontes. A experiência no Brasil, a nosso ver, demonstra isto sobejamente. 2