Dom da Fé SALVAÇÃO INESPERADA No relato da paixão e morte de Jesus, o evangelista Lucas (23, 33-43) apresenta a cena dos malfeitores crucificados com Jesus e as suas reações. Um associa-se ao coro dos que escarnecem de Jesus e insulta-o, dizendo: “Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós também”. Não obtém qualquer resposta. O outro, pelo contrário, repreende o colega de suplício por não temer a Deus, reconhece que ambos estavam a sofrer o merecido castigo das suas ações e declara Jesus como vítima inocente. Depois, dirige-se a Jesus e pede-lhe para se lembrar no seu reino. Imediatamente, Jesus oferece-lhe a salvação, prometendo-lhe: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. O malfeitor faz diante de Jesus uma súplica que é uma confissão de fé. Na censura ao colega parece reconhecer que na figura de Jesus é Deus quem é submetido ao suplício, “contado entre os malfeitores” (Is 53,12). Por outro lado, admite a justiça do castigo que lhes é aplicado a eles e dirige-se a quem o pode salvar. Recebe então o dom inesperado da salvação, a participação na vida eterna junto de Deus, de Jesus e dos santos. Na cruz, manifesta-se assim a misericórdia divina que salva o homem que, pela fé, se abre aos dons de Deus. Na Bíblia, a salvação obtida pela fé não é somente a vida eterna após a morte. Sobretudo nos evangelhos, várias vezes, Jesus afirma “a tua fé te salvou” a alguém que foi curado de alguma doença ou a quem foram perdoados os seus pecados ou concedida qualquer graça divina. A salvação, portanto, diz respeito à mudança espiritual e moral que por dom divino se opera na pessoa. É um benefício de Deus que alcança a vida em algum aspeto. Envolve o homem no seu todo e no presente, e não apenas a sua alma ou o seu futuro eterno. Recebe-a quem acolhe Jesus Cristo e a sua graça no próprio coração e se confia ao auxílio divino. Há também hoje quem encontre a salvação mediante o dom da fé. Li há pouco a interessante história de vida do belga Jacques Verlinde. Nasceu em 1947 numa família católica na qual recebeu a fé e a viveu com grande devoção. Na adolescência, por influência de algumas ideias filosóficas, abandona por completo a religião, convencido de que para viver de forma responsável tem de rejeitar Deus e avançar sozinho na vida. Estuda na universidade, faz o doutoramento em química nuclear e dedica-se à investigação científica. Ocupa-se também nos movimentos estudantis e na ação política. Apesar dos êxitos e da carreira científica promissora, mantém-se vivo nele o desejo de absoluto: “Não me sentia com a felicidade que conheci antes de romper a minha aliança com Deus. Desde o momento em que rejeitei a presença d’Aquele que é a luz dos homens, encontrei-me na noite”, confessa. Não confia que possa encontrar Deus na Igreja. Procura-O na prática da meditação segundo a tradição hindu, acabando ir para a Índia, onde reside numa das comunidades monásticas. Quatro anos depois, um turista interpela-o sobre Jesus. “Quando pronunciou o nome de Jesus – conta Jacques – alguma coisa estranha aconteceu. Foi como se esse nome entrasse no mais profundo do meu coração e tivesse revelado em mim um profundo desejo de Deus. Nesse instante senti que Jesus estava presente com toda a Sua infinita misericórdia e que o Deus de que eu tinha medo, não existia. Compreendi que o único Deus que existe é Aquele que é pleno de misericórdia e de amor por mim. Jesus tinha vinho procurar-me no Himalaya. Esperava com paciência que eu voltasse para Ele. Compreendi e vi com exatidão que Jesus está vivo e que é toda a minha vida”. Deixou a Índia, mas a adesão plena a Jesus não foi imediata. Conheceu um grupo esotérico que o convenceu a envolver-se em práticas de vidente para fazer bem às pessoas diagnosticando os males de que sofriam e curando-as. Mistura estas ocupações com as práticas religiosas cristãs: missa, rosário, leitura da Bíblia e outras formas de oração. Até que um dia, durante a missa e com a ajuda de um sacerdote, percebe que não estava bem orientado espiritualmente, a sua vida estava contaminada ”com os espíritos do mundo oculto”. Ajudado a obter o discernimento espiritual, conseguiu libertar-se e entregar-se totalmente a Jesus, renunciando a todas as forças que não provinham d’Ele: “Eu fui totalmente liberto pelo poder do sangue e do Nome de Jesus. Mas eu estava destruído física e psicologicamente. Um longo caminho de cura foi necessário para recuperar totalmente... Mas o Senhor terminou um mim, com paciência, aquilo que tinha começado. Eu não cesso de dar graças a Deus que me tirou do túmulo. Eu estava morto e Ele deu-me a vida de novo. Ele ressuscitou-me verdadeiramente!” Jacques descobriu entretanto a vocação para o sacerdócio, entrou no seminário e, em 1983, recebeu a ordenação para o ministério sagrado, que começou a exercer. Em 1991, compreendendo ser chamado à vocação monástica, fez os votos na Fraternidade Monástica da Família de S. José, adotando o nome de Joseph-Marie. Estudou filosofia e teologia, tornando-se professor na Universidade Católica de Lyon e noutras escolas teológicas e fazendo conferências em múltiplos lugares. É o atual prior da Fraternidade Monástica que ajudou a fundar. P. Jorge Guarda Este artigo pode ser encontrado também no meu blog, no seguinte endereço: http://padrejorgeguarda.cancaonova.pt