EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA-PARANÁ “Enquanto qualquer do povo, pelo só fato de ser cidadão, não puder receber adequada assistência em saúde quando dela necessite, o sistema de saúde não terá cumprido o seu papel e o Estado continuará devedor da Sociedade” Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça adiante assinado, com atribuições na 24ª Promotoria de Justiça, atuando nas matérias relativas à Saúde Pública, à Saúde do Trabalhador e aos Direitos Constitucionais, podendo ser intimado na Promotoria de Justiça da 4 a Vara Cível desta cidade e Comarca, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com base nos inclusos documentos, e com fundamento nos artigos 5°, caput e incisos XXXV e LXIX, 6°, 170, caput, 193, 196, 197, e 198, inciso II, da Constituição Federal, 167, 169, II da Constituição do Estado do Paraná, 2°, 4°, 5°, 6º, I, 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina d, 7°, inciso II, 15, 18 e 43 da Lei Federal n° 8.080/90, e nos dispositivos da Lei Federal n°. 1533/51, impetrar MANDADO DE SEGURANÇA, COM PEDIDO LIMINAR, contra ato praticado pela Diretora da 17ª Regional de Saúde de Londrina, Sra. WÂNIA BAPTISTOTTI ALEMAN GUTIERREZ, que poderá ser encontrada na Travessa Goiânia, nº 152, Centro, Londrina/PR, a qual negou o fornecimento do medicamento MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG para a paciente MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA FERREIRA, portadora de “lúpus eritematoso sistêmico + nefrite lúpica”, pelas razões que passa a expor: I – DOS FATOS A Sra. Maria José de Oliveira Ferreira, de 32 anos, brasileira, casada, dona de casa, portadora do CPF nº 008. 656. 179/02, residente e domiciliada na Rua Guilhermina Laman, 619, Londrina, é portadora de lúpus eritematoso sistêmico + nefrite lúpica (CID: M32.1), necessitando, urgentemente, do medicamento denominado micofenolato mofetil 500 mg – 2 comprimidos via oral de 12/12 horas, já que, de acordo com os relatórios médicos anexos (docs. nº 01, 02 e 03), tal medicamento está sendo indicado porque outras drogas foram utilizadas pela paciente, como prednisona, cloroquina e azotropina, assim como quimioterapia com ciclofosfamida, e não surtiram os efeitos desejados, persistindo o quadro de nefrite em atividade com perda progressiva da função renal. 2 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina O acompanhamento clínico da paciente é bastante claro no sentido de demonstrar o desenvolvimento de sua doença. De acordo com o Relatório Médico nº 443/05, de 6 de junho do corrente (doc. 1), elaborado pelo Dr. Sinésio Moreira Júnior, Diretor Clínico do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná, a paciente Maria José de Oliveira Ferreira “é acompanhada no ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário e Ambulatório do Hospital de Clínicas desde 1999, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico + nefrite lúpica, tendo usado prednisona, cloroquina e azotropina, sem resposta clínica satisfatória, tendo iniciado esquema padrão de quimioterapia com ciclofosfamida para nefrite lúpica em janeiro de 2004, com término em maio de 2005, persistindo o quadro de nefrite em atividade, com perda progressiva da função renal. Não tendo respostas às medicações anteriormente citadas, foi indicado MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG – 2 comprimidos via oral de 12/12 horas”. Finalizando seu relatório, o Diretor Clínico do HU esclarece que “caso não use o medicamento prescrito, pode evoluir para insuficiência renal crônica”. Os médicos Tatiana Covas Pereira e Fernando C. Espiga, do Hospital Universitário e que acompanham a paciente, elaboraram Relatórios Médicos (docs. 2 e 3) com o mesmo teor. A Dra. Tatiana informa que a paciente recebeu tratamento com prednisona, cloroquina e azotropina durante 3 anos, não tendo recebido qualquer resposta; sendo então indicado ciclofosfamida durante 1 ano, porém, manteve-se a atividade lúpica alterada e o quadro de nefrite lúpica. Diante disso, a paciente, no mês de maio do corrente ano, procurou a Promotoria das Comunidades desta Comarca, solicitando providências em relação ao fato de que a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, em Londrina representada 3 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina pela 17º Regional de Saúde, estava se negando a fornecer o referido medicamento; deixando, assim, de receber tratamento eficaz à sua enfermidade, e, conseqüentemente, deixando de viver com o mínimo de dignidade. A equipe de Serviço Social do Ministério Público constatou que Maria José de Oliveira Ferreira é casada, tem um filho de nove anos, sendo que a renda familiar provém do salário do marido, em torno de quinhentos reais. No seu Relatório Social (doc. nº 4), relata que a paciente está doente há 12 anos, sendo que há 4 anos houve um agravamento de sua doença e que ela teve um derrame, sofrendo também de trombose. Informa-se que a paciente, em função desse quadro, está impossibilita de trabalhar, necessitando, inclusive, de ajuda em relação aos serviços domésticos. Com efeito, no cumprimento de seu papel de defesa dos interesses individuais indisponíveis, como é o caso da saúde, o Ministério Público expediu o ofício nº 163/05, de 20 de maio do corrente (doc. nº 5 ), para a Diretora da 17a. Regional de Saúde de Londrina, Wânia Baptistotti Aleman Gutierrez, solicitando a concessão do medicamento MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG – 2 comprimidos via oral de 12/12 horasRIVASTIGMINA 4,5mg, visando a efetivação do seu tratamento. Em resposta, a referida Diretora, por intermédio do ofício nº 235/05, de 30 de maio do corrente (doc. nº 6 ), assim se manifestou: “Em atenção ao ofício nº 164/05 (SS), dessa promotoria, solicitando medicamento MICOFENOLATO DE MOFETIL para a paciente MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA FERREIRA, informamos a V. Excia. que o medicamento solicitado faz parte do Programa de Medicamentos Excepcionais para tratamento de pacientes 4 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina transplantados e não é disponibilizado para a patologia CID: M32-1, da qual a paciente é portadora”.. Pelo que se depreende da resposta supra, o Estado do Paraná, ao declarar que, não obstante o medicamente constar no Programa de Medicamentos Excepcionais, o mesmo só é fornecido para o tratamento de pacientes transplantados, não podendo ser destinado ao tratamento de outras moléstias, negou a possibilidade de o mesmo ser concedido à paciente, e o que é pior: não apresentou nenhuma alternativa ao tratamento necessário, em evidente desrespeito ao direito à saúde de todo o cidadão e em inobservância a um dever seu, insculpido no artigo 196 da Constituição Federal de 1988 e art. 167 da Constituição do Estado do Paraná. Ressalte-se que o Consenso Brasileiro para o tratamento do lúpus eritematoso sistêmico –LES (doc. nº 7, pág. 367), elaborado por oito reumatologistas, um nefrologista e uma dermatologista, indica o MICOFENOLATO DE MOFETIL para o tratamento de lúpus eritematoso sistêmico, nos casos onde haja toxicidade ou não-resposta terapêutica às drogas usuais. Segundo este importante estudo, o uso do referido medicamento é indicado em pacientes com nefrite lúpica ainda sem disfunção renal importante, justamente para preservação das funções renais. A propósito, conforme estudos científicos a respeito (doc. nº 8), verifica-se que lúpus eritematoso sistêmico é uma doença auto-imune de caráter sistêmico e inflamatório com produção de anticorpos contra o próprio organismo, podendo provocar deformidade nas mãos, convulsões, cefaléia, miocardite, derrame pleural, diarréia, náuseas, anorexia, trombose venosa e aborto na gravidez, dentre outras doenças; sendo que a nefrite lúpica refere-se às alterações que ocorrem nos rins (inflamação) com o progredir da doença, e, caso não seja adequadamente tratada, esta doença pode evoluir para insuficiência renal crônica. 5 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina II - DA LEGITIMIDADE DO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação do Ministério Público, atribui-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127); ao mesmo tempo em que, dentre outras funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela assegurados, promovendo as necessárias medidas à sua garantia (art. 129, inc.II). No mesmo sentido é o art. 120, inc. II, da Constituição do Estado do Paraná Destarte, diante do novo contexto constitucional, extrai-se que o Parquet, de modo genérico, promove todas as medidas necessárias para a manutenção do respeito dos poderes públicos aos direitos constitucionalmente assegurados, mesmo a nível individual, desde que se trate de direito indisponível. O direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, posto que constituem direitos fundamentais indisponíveis. Desta forma, toda vez o que Poder Publico deixar de observar sua obrigação constitucional de velar pela vida e saúde dos cidadãos, caberá ao Ministério Público intervir para buscar efetivar, como já dito, o respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais fundamentais. Nesse sentido se pronunciou o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: 6 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - IMPETRAÇÃO MANEJADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DE CIDADÃO PORTADOR DE VÍRUS HIV DOENTE IMPOSSIBILITADO FINANCEIRAMENTE DE ADQUIRIR REMÉDIOS INDISPENSÁVEIS À PROPRIA SOBREVIVÊNCIA AUSÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTESUBSTITUÍDO DE EXIGIR DO ESTADO O FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO - ARTIGO 196 DA CONSTITUICAO FEDERAL LIMINAR CONFIRMADA - SEGURANÇA CONCEDIDA. (TJ/PR. MS nº 0103834000. I Grupo de Câmaras Cíveis. Rel. Nério Spessato Ferreira. Data 07/06/2001) Note-se, outrossim, que não há necessidade de lei autorizadora quanto à substituição processual pelo Ministério Público, já que a própria Constituição Federal impõe-lhe a função de salvaguardar os interesses sociais e individuais indisponíveis, podendo, no exercício dessa ofício, lançar mão de todos os meios processuais previstos no ordenamento jurídico pátrio, em especial o mandado de segurança. Diante do exposto, resta inconteste a legitimidade ad causam do Parquet, por sua especializada Promotoria de Defesa da Saúde Pública, no ajuizamento do mandamus para exercício da função institucional do art. 129, inc. II, da Constituição Federal. III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA 7 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina A legitimidade passiva é decorrência do previsto no artigo 196 da Constituição Federal, no artigo 2º da Lei nº 8.080/90, no art. 167 da Constituição do Estado do Paraná, na Portaria SAS Nº 125, de 19 de abril de 2001 e no artigo 1.º da Lei n.º 1.533/51. O direito à saúde, como está assegurado no artigo 196 da Constituição Federal, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. Consignando o dever do Estado em matéria de saúde, reza a Constituição Estadual do Paraná: “Art. 167 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à prevenção, redução e eliminação de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação”. Além disso, o artigo 1.º da Lei n.º 1.533/51 dispõe que “conceder-seá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver receio de sofre-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” A autoridade que consta no referido artigo diz respeito a toda pessoa investida no poder de decisão, vale dizer, aquela que apresenta competência para desfazer ato que estiver sendo atacado. Tal autoridade, como se nota na resposta encaminhada ao Ministério Público, a qual nega o medicamento à paciente Maria José de Oliveira Ferreira, trata-se 8 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina da Diretora da 17ª Regional de Saúde de Londrina, WÂNIA BAPTISTOTTI ALEMAN GUTIERREZ. Na referida resposta, consigna-se que o medicamento MICOFELONATO DE MOFETIL só pode ser fornecido para o tratamento dos pacientes que foram transplantados, não sendo disponibilizado para a patologia CID: M32-1, da qual a paciente é portadora. Desta forma, conclui-se facilmente que a 17ª Regional de Saúde de Londrina – órgão que integra a Secretaria Estadual da Saúde – negou, injustamente, o fornecimento do referido medicamento à paciente. Destarte, não há dúvidas de que a Diretora da 17ª Regional de Saúde de Londrina, WÂNIA BAPTISTOTTI ALEMAN GUTIERREZ, tem legitimidade passiva para figurar neste mandamus. IV – DO DIREITO O direito à saúde, corolário do próprio direito à vida, está sobejamente previsto na Constituição Federal. Pode ser compreendido a partir do seu preâmbulo, bem como de dois dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, quais sejam, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, previstos nos incisos II e III do Art. 1º da Carta Magna. O Título II da CF/88 elenca os chamados Direitos e Garantias Fundamentais, onde presente se encontra o direito à saúde encarado sob dois ângulos: a) como direito individual, em decorrência do direito à vida (Art. 5º, caput ); b) como direito social, em decorrência de um dever do Estado em agir positivamente no sentido de implementar políticas que tenham por finalidade a melhoria das condições 9 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social e o respeito à dignidade da pessoa humana (Art. 6º, caput ); Mais adiante, no Título VIII, reservado à Ordem Social, em seu Capítulo II, Seção II, tratou a Constituição do Direito à Saúde, estabelecendo que a saúde é direto de todos e dever do Estado, que a deve prestar, portanto, a todos os cidadãos, indistintamente, obedecendo-se o princípio do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Art. 196). O Direito à saúde será efetivado, de acordo com o Art. 198 da Lei Maior, através de ações e serviços prestados diretamente pelo Poder Público ou por entes privados, integrados em uma rede regionalizada e hierarquizada, conhecida como Sistema Único de Saúde (SUS), que deverá velar pelo “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (inciso II, Art. 198 da CF). Por sua vez, a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como a Lei do SUS - Sistema Único de Saúde, dispõe que “ a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (Art. 2º). Por sua vez, o §1º do citado artigo consigna que, para se efetivar as condições indispensáveis ao pleno exercício do direito à saúde, deverá o Estado formular e executar políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos e doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. 10 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina Outrossim, está consignado no Art. 2º, inciso XXII, da Lei Estadual nº 14.254, de 04 de dezembro de 2003, que são direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado do Paraná “receber medicamentos básicos e também medicamentos e equipamentos de alto custo e de qualidade, que mantenham a vida e a saúde” . Com efeito, sobre a relevância do direito à saúde e sobre a responsabilidade do Poder Público no fornecimento de medicamentos, é farta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que vem firmando categoricamente a supremacia do direito à saúde e a extensão da vinculação e obrigatoriedade dos comportamentos que se impõem às autoridades em decorrência do valor constitucionalmente reconhecido à saúde: Nesse sentido: “E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O CONSEQÜÊNCIA DIREITO À CONSTITUCIONAL SAÚDE REPRESENTA INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas 11 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e 12 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF” (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286-8, RS, Relator Ministro Celso de Mello, Diário de Justiça da União, 24/11/2000). “O caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (Medida Cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45-9, DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJU, 4 de maio de 2004). V – DA PRESENÇA DO DIREITO LIQUIDO E CERTO Como se sabe, "direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável 13 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante".1 A partir da conhecida definição de Hely Lopes Meirelles, pode-se perceber a presença do direito líquido e certo no caso em tela. Liquidez e certeza que estão substancialmente firmadas tanto na Constituição Federal, quando determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, o que é reproduzido na Constituição do Estado do Paraná, como na Lei Federal n° 8080/90, que prevê a assistência terapêutica integral no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, bem como a gratuidade das ações e serviços prestados nesta área. Depreende-se dos relatórios médicos inclusos que a paciente Maria José de Oliveira Ferreira é portadora de lúpus eritematoso sistêmico e nefrite lúpica, tendo feito uso de algumas medicações as quais não provocaram o resultado esperado, necessitando, hoje, da medicação MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG – 2 comprimidos via oral de 12/12 horas, com o objetivo de controle da doença, sob pena de seu quadro evoluir para uma insuficiência renal crônica. Desta forma, o direito da paciente é incontestável, de berço constitucional, devidamente demonstrado na sua existência e individualizado na sua extensão, devendo, desta forma, ser concedida a segurança pretendida; pouco importando que haja um protocolo do Ministério da Saúde que estabeleça que o medicamento em questão só pode ser utilizado para o tratamento de pacientes transplantados, já que o direito à saúde é de todos e dever do Estado, 1 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”. 21ª ed. Malheiros Editores, 1999, p. 34/35. 14 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina incondicionalmente, tanto é que o atendimento integral é uma das diretrizes do SUS. VI – DO PEDIDO LIMINAR Para a concessão da liminar devem concorrer dois requisitos legais, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora, nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei nº 1.533/51, os quais estão cristalinamente presentes neste caso. O fumus boni iuris é a relevância dos motivos em que se assenta o pedido na inicial, ou seja, é a existência e ocorrência do direito substancial invocado por quem pretende a segurança, o que já foi suficientemente demonstrado pelas razões de direito apresentadas. Na espécie, inclusive, mais do que sinais do bom direito, há sua concreta e indiscutível existência. O direito à saúde é de todos, sendo dever do Estado garanti-lo. As Constituições Federal e Estadual e toda legislação infraconstitucional asseguram esse direito, e não será o fato de o medicamento necessário para a vida e saúde da paciente em questão não ser fornecido para o tratamento da doença por ela apresentado, que impedirá que a mesma exercite o sagrado direito à saúde – que, repita-se, pressupõe atendimento integral, pouco importando que a medicação necessitada seja de distribuição limitada por um Protocolo Clínico, o qual, por óbvio, jamais poderá se sobrepor à Constituição Federal. O periculum in mora configura-se diante da possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito da paciente se vier a ser reconhecido apenas por ocasião da decisão de mérito. 15 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina No já mencionado relatório médico elaborado pelo Dr. Sinésio Moreira Júnior, Diretor Clínico do Hospital Universitário (doc. 1), verifica-se que se a paciente não utilizar-se da medicação MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG, o seu quadro poderá evoluir para uma insuficiência renal crônica. Este documento está em sintonia com as demais documentações apresentadas (relatórios médicos, consenso brasileiro, estudos científicos etc.). Desta forma, evidencia-se a extrema necessidade na utilização do medicamento MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG, pois a paciente corre sério risco de contrair uma insuficiência renal crônico caso não o utilize. Diante deste quadro, pleiteia-se a concessão da liminar, no sentido de que seja determinado à Diretora da 17ª Regional de Saúde do Paraná, WÂNIA BAPTISTOTTI ALEMAN GUTIERREZ, que forneça regularmente à paciente MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA FERREIRA o medicamento MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG – 2 comprimidos via oral de 12/12 horas. VI - DO PEDIDO Posto isto, pleiteia-se: a) o deferimento imediato da liminar, na forma e pelas razões invocadas; 16 24a Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina b) a notificação da autoridade impetrada, a Diretora da 17ª Regional de Saúde do Paraná, WÂNIA BAPTISTOTTI ALEMAN GUTIERREZ, a qual poderá ser intimada na Travessa Goiânia, nº 152, Centro, Londrina/PR, para que preste no prazo legal as informações que entender pertinentes; c) seja julgado procedente o writ, nos termos do pedido liminar retro apresentado, ou seja, determinando-se que seja providenciado pela 17ª Regional de Saúde do Paraná o fornecimento regular do medicamento MICOFENOLATO MOFETIL 500 MG – 2 comprimidos via oral de 12/12 horas. A presente causa tem valor inestimável. Nestes Termos, Pede Deferimento. Londrina, 27 de junho de 2005. PAULO CÉSAR VIERA TAVARES Promotor de Justiça 17