PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª

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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1997.40.00.005909-9/PI
APELANTES
: FRANSLEY SOUZA DO CARMO
GENILDA MARIA SILVA DO CARMO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal. SAULO CASALI (Relator convocado): – Trata-se de
apelação interposta por FRANSLEY SOUZA DO CARMO e GENILDA MARIA SILVA DO CARMO, de
sentença proferida na 3ª Vara Federal daquela Seção Judiciária do Piauí, impondo-lhes condenação
pelo cometimento do crime de estelionato (art. 171, § 3º - CP), consistente na liquidação de débitos
da firma individual “FRANCISLEY SOUZA DO CARMO”, de propriedade do primeiro, fazendo uso de
artifício fraudulento, consubstanciado na utilização de formulários da CEF preenchidos por terceiros,
induzidos a firmarem empréstimos junto à CEF sem nenhuma ciência das obrigações pactuadas e
sem recebimento efetivo dos respectivos créditos, uma vez que estes eram destinados a liquidar os
débitos em nome da firma. Ou seja, os formulários eram utilizados para instruir pedidos de
empréstimos, afinal concedidos e não pagos pelos referidos terceiros, cujos valores foram utilizados
para liquidação de débitos da firma individual para com a referida empresa pública federal,
correspondentes a três contratos: a) contrato de abertura de crédito rotativo, com obrigações e
garantia fidejussória - cheque azul empresarial; b) contrato de abertura de crédito com garantia real
fidejussória – desconto de duplicatas; e c) contrato de abertura de crédito com garantia fidejussória –
crédito azul antecipado, acrescidos de três promissórias subscritas pelo primeiro denunciado. Todos
os contratos foram viabilizados pela segunda apelante, esposa do primeiro, que era funcionária à
época da CEF, desempenhando suas funções na carteira de empréstimos, preparando a
documentação destinada à implementação das operações fraudulentas.
Constatou-se que os mencionados terceiros não eram clientes da CEF e não
possuíam receitas suficientes para saldar as dívidas, sendo a liquidação dos débitos da firma
“FRANCISLEY SOUZA DO CARMO” feita sem qualquer autorização dos tomadores de empréstimos
e avalistas.
Sustentam os recorrentes, em resumo, a inexistência de provas concretas dos fatos
imputados e a necessidade de realização de prova pericial, bem como que o crime de estelionato
não restou caracterizado diante da ausência de prejuízo.
Processados os recursos, ascendem os autos a este Tribunal, manifestando-se a
Procuradoria Regional da República, em parecer firmado pela Procuradora Regional Dra. Áurea
Maria Etelvina Nogueira Lustosa Pierre, pelo improvimento (fls. 329–339).
É o relatório. Encaminhem-se os autos ao exame do eminente revisor, nos termos
regimentais.
TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04
Criado por TR94003(SC)
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Saulo Casali
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1997.40.00.005909-9/PI
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal JAMIL R. J. OLIVEIRA (Relator Convocado): – Ratifico os
termos do relatório lançado à fl. 353 pelo Juiz Federal Saulo Casali.
Do agravo retido  Com relação à juntada de documento na fase recursal, na hipótese
dos autos não vejo como admiti-la.
Com efeito, como o próprio apelante reconhece à fl. 287, trata-se de documentos já
anexados aos autos (apenso referente à sindicância nº 16.160244/95), cujo conteúdo foi objeto de
análise por ocasião da sentença, razão porque tenho como desnecessária nova juntada destes
documentos, mesmo porque não houve ofensa ao princípio da ampla defesa nem ao do contraditório.
Assim, tenho como acertada a decisão do Juízo a quo.
Acerca do tema veja-se o seguinte julgado:
“PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS APÓS
PROLAÇÃO DA SENTENÇA. HIPÓTESE VIÁVEL.
1. SÓ É ADMISSÍVEL A JUNTADA DE DOCUMENTOS NA OPORTUNIDADE
DO RECURSO SE ELES FOREM OBTIDOS APÓS A PROLAÇÃO DA
SENTENÇA, POIS, CASO CONTRÁRIO HAVERIA SUPRESSÃO DE UMA
INSTÂNCIA PORQUE NÃO EXAMINADOS NA DECISÃO RECORRIDA.
2. AGRAVO DE INSTRUMENTO REJEITADO.
3.DECISÃO CONFIRMADA.” (AG nº 89.01.24560-4/MG, Desembargador
Federal Catão Alves, Primeira Turma, DJ 05/08/1991, p. 17734).
Assim, correta a decisão objeto do Agravo Retido (fl. 340-341) que mandou
desentranhar documentos acostados com as razões de apelação.
Da apelação – Como visto nas razões de apelação, os recorrentes pretendem a
reforma do julgado por entenderem que a denúncia não poderia ser recebida por estar ausente
condição exigida em lei para o exercício da ação penal, sendo tal condição consubstanciada na falta
de perícia que atestasse a existência de prejuízo a configurar o tipo imputado (estelionato), que exige
dolo específico. Fundamentam, também, no que dispõe o art. 158 do CP, que prevê a
indispensabilidade do exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios, sem o qual a
acusação não teria validade, o que levaria a nulificação de todo o processo.
Sem razão os apelantes.
Inexiste nulidade por falta de perícia, porquanto na hipótese do artigo 171, § 3º, do
CP, não exige a lei, para o ajuizamento da ação, que haja a apresentação de prova pericial.
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Criado por TR94003(#)
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Com efeito, é despiciendo o exame pericial, uma vez que a perícia técnica somente se
faz indispensável quando exigida prova evidentemente técnica, a exemplo do crime de falsificação de
documento, o que obviamente não é a hipótese dos autos.
A sentença prolatada pelo Juiz a quo não merece reparos na medida em que de forma
segura examinou a questão, in verbis:
“A movimentação bancária da conta corrente da firma FRANSLEY SOUSA
DO CARMO (n.1566.003.00000493-1), mantida na Caixa Econômica Federal
– CEF – Agencia JOAO XXIII, encontra-se às fls. 34/47, compreendendo o
período entre os meses de março e setembro de 1995, em que se atesta uma
peculiaridade, qual seja a insistência de saldo devedor no decorrer da
movimentação, assim fechando ao final de cada mês: março - R$1.968,33;
abril -R$2.442,75, maio - R$10.141,75; junho -R$10.374,39; julho -R$
13.034,26. Em agosto, mês em que ocorreram os empréstimos, ocorreu
saldo positivo de R$ 50,00, e em setembro o saldo credor de R$ 6,23 (fl.
47do apenso).
As fichas cadastrais-pessoas físicas, boletins de cadastramento e
documentos correspondentes, utilizados para o fornecimento dos
empréstimos fraudulentos, encontram-se reproduzidos às fls. 48, 49, 52, 61,
60, 81, 88, 89, 93, 99, 100, 104, 110, 111, 115, 121 e 122 do apenso.
Guardadas nos autos do apenso estão cópias de fichas de caixa,
correspondentes a títulos em operação de desconto, feitas com a Caixa
econômica Federal, em que figuram como cedente a firma FRANSLEY
SOUSA DO CARMO e como sacados vários devedores, quitados por
intermédio dos empréstimos fraudulentos, assim identificados:
1- a KEDNEA CASTRO E SOUSA DO CARMO, conforme fichas de fls. 53/56
e contrato às fls. 63/69;
2- a WILSON NONATO DE SOUZA, conforme fichas de fls. 70/79 e contrato
de fls. 82/85;
3- a SANDRA MARIA SOARES DA COSTA, de acordo com as fichas de fls.
91/92 e contrato de fls. 95/98;
4- a JOANA LOPES DE MELO, em conformidade com as fichas de fl. 120 e
contrato de fls. 106/109;
5- a GILBERTO FERREIRA DOS SANTOS, de acordo com as fichas de fls.
113/114 e contrato de fls. 117//120; e
6- a JOSÉ CARDOSO DE ARAUJO NETO, conforme fichas de fls. 123/124 e
contrato de fls. 127/132 do apenso.
Por fim, consta às fls. 371/402 do apenso o relatório final da Comissão de
Sindicância, concluindo pela caracterização das operações irregulares
noticiadas nos autos e indicação dos responsáveis pelas mesmas.
São essas as provas materiais do delito descrito na exordial acusatória,
restando a análise de sua autoria.
O Denunciado FRANSLEY SOUSA DO CARMO, interrogado pela autoridade
policial (fls. 81/82), negou que tenha praticado qualquer delito, apresentando
a versão de que as vítimas em nome das quais foram efetuadas as operações
fraudulentas era cliente da sua empresa em situação de inadimplência
motivando-o a apresentá-las à gerência da Caixa Econômica Federal – CEF,
Agência JOÃO XXIII, para o fim de pagar suas dívidas mediante tomada de
empréstimos, cujos valores “foram creditados e cobriram débitos existentes
de terceiros com sua empresa”. Confessou que levou pessoalmente os
formulários para serem assinados por GILBERTO FERREIRA DOS SANTOS,
WILSON NONATO DE SOUSA e KEDNEA CASTRO E SOUSA DO CARMO,
em suas respectivas residências, com a autorização do gerente WALNEY
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FRANCISCO MOREIRA DE SOUZA. Acrescentou que os demais
compareceram pessoalmente à CEF – agência JOAO XXIII, e lá assinaram os
formulários orientados por ele, primeiro Denunciado, a procurar diretamente
tal gerente. A mesma versão foi reproduzida pelo Réu em Juízo, quando de
sua qualificação e interrogatório (fls. 115/117), porém retificando o declarado
quanto ao destino dos empréstimos tomados. No ponto, declarou que “todos
os contraentes tinham conhecimento de que os valores tomados em
empréstimo destinavam-se ao pagamento de débitos da empresa do
depoente para com a Caixa Econômica Federal, débitos estes resultantes de
operação de desconto, em que a empresa cedeu títulos em troca dos valores
equivalentes”, deduzida a taxa de desconto. Reiterou que, à exceção de
KEDNEA CASTRO E SOUSA DO CARMO e WILSON NONATO DE SOUSA,
os demais tomadores dos empréstimos eram devedores de sua empresa,
adiantando, porém, que não conhecia os avalistas WALDERY DE SOUSA
MENDES e ALAN FRANKLIN RODRIGO DE SOUSA LIMA.
A Denunciada GENILDA MARIA SILVA DO CARMO, esposa do primeiro
Acusado, também foi interrogada pela Autoridade Policial (fls. 65/67),
esclarecendo que, à época dos fatos articulados na denuncia, era servidora
da Caixa econômica Federal, lotada na Agência JOÃO XXIII, trabalhando,
inclusive, no preenchimento de contratos e cadastramento de clientes.
Adiantou que, quando os interessados em empréstimos se dirigiam à sua
mesa, já estavam autorizados pela gerência da unidade. Insistiu que os
empréstimos tidos como fraudulentos foram expressamente autorizados pelo
Gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA DE SOUSA, atribuindo as
irregularidades detectadas em sua carteira pelo fato de não ter experiência
suficiente para desenvolver as atividades próprias do setor, dado que
“durante onze anos aproximadamente trabalhou em setores de retaguarda e
quando foi designada para responder pela carteira de empréstimos não teve
tempo de se inteirar totalmente das normas internas da CEF para a execução
desses serviços”. Afirmou que meses após sua designação para a nova
função, FRANSLEY SOUSA DO CARMO começou a operar junto à mesma,
motivando a Ré a solicitar do gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA DE
SOUSA para que a retirasse da carteira, “pois temia comentários e
insinuações que pudessem desabonar sua conduta profissional”, não sendo
atendida. Por fim, insistiu que os tomadores dos empréstimos fraudulentos
eram, na verdade, devedores da empresa de seu marido, os quais haviam
assinado cheques e duplicatas, posteriormente entregues à Caixa Econômica
Federal para cobrança, sem êxito, de forma que esses valores eram
automaticamente debitados na conta corrente da empresa mantida na
agência. Em juízo (fls.111/114), manteve em linhas gerais o depoimento
anterior, da fase inquisitorial, mas reconheceu que, “dos contratos narrados
na denúncia alguns a depoente entregou os formulários diretamente ao seu
esposo, o primeiro acusado, no interior da agência e após o mesmo haver
conversado com o gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA”.
WILSON NONATO DE SOUSA declarou em Juízo que mantinha relação de
amizade com os denunciados, adiantando que, em data que não se
recordava, “o acusado (FRANSLEY) sob a desculpa de estar tratando da
documentação do apartamento do depoente, o fez apor a sua assinatura em
alguns documentos que podem ter sido os do contrato de empréstimo da
Caixa Econômica”, dizendo-se, portanto, ludibriado pelo primeiro Denunciado
(fl.168).
MARIA JOSÉ COIMBRA DOS SANTOS, outra vítima, insistiu que nunca
requereu qualquer empréstimo junto à Caixa Econômica Federal, declarandose amiga muito íntima de ambos os Denunciados. Afirmou que fora abordada
“praticamente na rua” pelo primeiro Acusado, pedindo que a mesma
assinasse uns papéis, já firmados por seu esposo GILBERTO FERREIRA
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DOS SANTOS, o qual esclareceu à depoente que “destinavam-se a viabilizar
a transferência de sua conta corrente da agência Parque Piauí para uma
outra, que seria vantajoso porque ele seria agraciado com um cheque azul”. A
depoente declarou que tinha conhecimento de ser a segunda Denunciada
servidora da Caixa Econômica Federal, bem disse assim que jamais adquiriu
qualquer mercadoria da loja de FRANSLEY SOUSA DO CARMO
(fls.178/179). GILBERTO FERREIRA DOS SANTOS confirmou que ele e sua
esposa, MARIA JOSÉ, “foram procurados em sua residência pelo primeiro
acusado, portando um documento da Caixa Econômica federal, tendo sido
explicado pelo mencionado acusado que o mesmo documento viabilizaria a
transferência da conta corrente mantida na agência Parque Piauí para a
agência JOÃO XXIII, ambas da Caixa econômica, sendo que essa segunda
conta passaria a ser conjunta com sua esposa” (fls.180/181).
A única que confirmou a versão dos Acusados foi SANDRA MARIA SOARES
DA COSTA, ou seja, de que espontaneamente compareceu à agência da
CAIXA ECONOMICA FEDERAL para tomar empréstimo “para saldar débitos
oriundos de duplicatas assinadas junto à empresa do senhor Fransley”
(fl.205).
As testemunhas MARIA DE FÁTIMA CARVALHO AMORIM e JOSÉ
ANTONIO MARTINS DOURADO, arrolados pela Defesa, nada sabiam dos
fatos articulados na denúncia, limitando-se a testemunhar pela honestidade
dos Denunciados.
Da análise das provas, conclui-se que os empréstimos concedidos em nomes
das vítimas, das quais se exclui SANDRA MARIA SOARES DA COSTA (fl.
205), destinavam-se a cobrir operações de descontos mal-sucedidas, em
favor da empresa do senhor FRANSLEY SOUSA DO CARMO, de
propriedade do primeiro denunciado.
Desconto bancário não se confunde com empréstimo bancário. Trata-se
de “contrato pelo qual uma pessoa recebe do banco determinada importância,
para isso transferindo ao mesmo um título de crédito de terceiro. Diverge,
assim, o desconto do empréstimo propriamente dito, porque neste o banco
pode exigir do mutuário um título de crédito por ele emitido, enquanto no
desconto os títulos transferidos ao banco são de emissão de pessoas outras
que não aquela que vai fazer o desconto” (cf. FRAN MARTINS, in contratos e
Obrigações Comerciais, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990, p.520/521).
As fichas de caixa, mencionadas acima, quando da apresentação da prova
material , comprovam que essa foi a operação que levou aos empréstimos
fraudulentos, em que a empresa do primeiro Réu figurava, em todas, como
cedente ou mutuário. Em contrapartida, as vítimas indicadas na denúncia
não estavam entre os sacados ou devedores das quantias representadas
nos títulos descontados. Estes, os devedores verdadeiros, não foram
molestados para quitarem seus débitos repassados, pelo primeiro Réu, à
cobrança da Caixa Econômica Federal.
Na verdade, os empréstimos fraudulentos não se destinavam a resolver
problema de caixa de FRANSLEY SOUSA DO CARMO; objetivavam, sim,
solucionar problemas da Agência JOÃO XXIII da Caixa Econômica federal,
resultante de operações de desconto não saldadas pelos sacados, no prazo
legal, estabelecendo um resultado negativo na Unidade, vez que os valores
dos títulos descontados haviam sido adiantados ao primeiro Denunciado,
titular de firma individual com o seu nome. Mantida a responsabilidade do
cedente pela solvência desses títulos, optaram os réus e o gerente da
Agência em captar de terceiros o equivalente ao negativo, mediante
produção de contratos de empréstimo, onde desapareciam as pendências
existentes, regularizando a situação de ambos, primeiro Denunciado e
Gerente da Agência, ainda que prejudicando a empresa pública e terceiros.
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Assim, justificada está a circunstância de não se verificar no extrato da conta
bancária da empresa FRANSLEY SOUSA DO CARMO, do mês de agosto de
1995 (fl.47), as operações de créditos pelos empréstimos tomados pelas
vítimas, alegadamente para quitar suas dívidas para com aquela firma, e de
débitos pelos títulos que foram liquidados. Esses títulos foram autenticados
como pagos sem essa vinculação, como se cada tomador de empréstimo
fosse o responsável pela sua liquidação. Em outros termos, a Agência
Bancária fez de conta que concedeu empréstimos e, ao mesmo tempo,
liquidou os títulos que possuía em carteira, ofertados pela empresa do
primeiro Denunciado, através de extravagante cessão de débitos, em que as
vítimas escolhidas como tomadoras de empréstimos foram eleitas os novos
sacados, à sua revelia e sem condições material para liquidar os
empréstimos, deixando tudo como estava, mas com outra aparência.
Essa parceria mantida com a Gerência da Unidade, em detrimento dos
interesses da Caixa Econômica Federal, também é demonstrada nos extratos
bancários da empresa do primeiro Acusado, pela movimentação registrada às
fls. 34/47 do apenso. No decorrer do período compreendido entre os meses
de maio e setembro de 1995, foi aumentado o limite de crédito especial da
empresa correntista de R$ 10.000,00 para R$ 11.000,00, sendo esta a
principal justificativa para a movimentação de altas importâncias desprovidas
de saldo, excedendo o limite estipulado, como, por exemplo, o débito de R$
13.034,26, no fechamento do MÊS DE JULHO DE 1995. Foi premiada a
péssima cliente e relevada a cada mês em que excedia na utilização do
dinheiro da empresa pública.
O Gerenciamento ruinoso da Agência JOÃO XXIII beneficiava a outros
correntistas, na mesma situação do primeiro Denunciado, conforme se
verifica do exame das peças de fls. 361/364 do apenso. No relatório da
Comissão de Sindicância (fls. 371/402) diversas irregularidades foram
detectadas, perpetradas pelo Gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA DE
SOUSA, como a concessão de empréstimos mediante contratos desprovidos
da assinatura de testemunhas, instruídos os pedidos com fichas cadastrais
preenchidas pela esposa do beneficiário, a segunda Denunciada; concessão
de empréstimos a pessoas que sequer eram clientes da agência, sem que os
beneficiários e avalistas apresentassem qualquer garantia e sem a prévia
autorização do Comitê de Crédito, quando ultrapassava o valor de 1.500 UPF;
abertura de limite de crédito rotativo e concessão de financiamento a clientes
inscritos no CADIN, entre outros, figurando aquele servidor, juntamente com a
segunda Denunciada, como os responsáveis por essas ilicitudes, motivo
pelo qual são desprovidos de confiabilidade os depoimentos prestados por
ambos no decorrer do inquérito policial e na fase judicial (fls.66/69 e 191/193).
A contribuição da segunda Denunciada, para o sucesso da empreitada
delituosa, foi decisiva. Trabalhava a menos de seis (6) meses na carteira de
empréstimos e, no exercício das atribuições respectivas, preencheu os
documentos utilizados em favor de seu esposo, confessando em Juízo que
entregou alguns ao mesmo para que colhesse, fora da agência bancária, as
assinaturas das vítimas. Aproveitou-se de suas novas atribuições, em que foi
investida no mesmo período em que o primeiro Denunciado extrapolava o
limite de crédito rotativo concedido e acrescido pela gerência da Unidade,
para viabilizar o equacionamento dos problemas da empresa cujo titular era
seu esposo.
Comprovada está a autoria e do delito apontado na denúncia, perpetrado
pelos Acusados, em concurso com outro elemento não denunciado por
condescendência ou negligência do setor jurídico da Caixa Econômica
Federal, vez que, na representação dirigida ao Departamento de Polícia
Federal, esquivou-se de fazer constar os nomes dos servidores da empresa
pública, mantendo somente o do primeiro Denunciado.” (fls. 259-270)
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fls.6
A autoria e materialidade estão comprovadas pela extensa documentação juntada aos
autos, corroborada pelos depoimentos testemunhais prestados em juízo, que comprovam que os
denunciados, agindo voluntariamente e com consciência do caráter ilícito de tal prática, lograram
obter vantagem ilícita, em prejuízo da CEF, induzindo em erro, ainda, outras pessoas (fls. 178-179 e
180-181), em nome das quais os contratos de empréstimos foram feitos, sem que tivessem usado os
respectivos recursos, não sabendo sequer das condições pactuadas.
O decreto condenatório presente na sentença teve por base o depoimento de
testemunhas que relataram a forma como foram levadas a assinar os contratos, sendo
posteriormente prejudicadas devido a inclusão de seus nomes no SERASA (fl.181).
O primeiro denunciado alega que não poderia ser acusado como autor das fraudes,
tendo em vista que foi avalista em alguns empréstimos (contratos nº 16.1566.101.0000252-02 e nº
16.1566.101.0000248-26). Todavia, é de se ter que somente em relações a tais contratos o réu não
pode ser acusado de fraude, ao menos do modo como considerado até aqui (já que figurar como
avalista apenas pode indicar a dificuldade de encontrar terceiro avalista e corresponde ao modo de
viabilizar a concessão de novo empréstimo, utilizado para as finalidades já descritas). Contudo, como
visto, não há apenas referidos contratos, sendo inegável o prejuízo causado as vítimas que
assumiram empréstimos destinados ao pagamento de dívidas que não lhes pertenciam.
Por fim, em relação a questionada aplicação da qualificadora constante no § 3º do art.
171, em se tratando da CEF, pacífica é a jurisprudência deste TRF, in verbis:
“PENAL - ESTELIONATO: TIPICIDADE - DELITO CONTINUADO AGRAVANTE.
1. Configura-se como estelionato a conduta de quem, com dados falsos, abre
conta bancária e passa a sacar cheques sem suficiência de fundos - Delito
continuado.
2. Incide a agravante do parágrafo 3º do art. 171 do Código Penal quando a
vítima do estelionato é a CEF, empresa pública.
3. Recurso parcialmente provido.”
(ACR 1996.01.29512-7/DF, Rel. Juíza Eliana Calmon, 4ª Turma, DJ
22/10/1998, p.90)
“PENAL. ESTELIONATO: FRAUDE EM CONTA DE POUPANÇA. CAIXA
ECONÔMICA
FEDERAL.
PENA:
DOSIMETRIA.
EXTINÇÃO
DA
PUNIBILIDADE: PRESCRIÇÃO.
1. Comete estelionato aquele que obtém rendimentos de poupança alheia,
mediante fraude. A pena deve ser aumentada, nos termos do art. 171, par. 3º,
do Código Penal, quando o delito é cometido em detrimento da CEF.
2. Réu de péssimos antecedentes criminais e primário, tecnicamente.
Pena fixada acima do mínimo legal. Código Penal, art. 59.
3. Apelo do Ministério Público desprovido. Declarada a extinção da
punibilidade, em face da prescrição superveniente.”
(ACR 1994.01.21857-9/DF, Rel. Juiz Candido Ribeiro, 3ª Turma,
DJ.25/03/1997, p.17555)
“PENAL- ESTELIONATO- DESCONTO DE CHEQUES DA CEFMATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS- PENA FIXADA ACIMA DO
MÍNIMO LEGAL- CABIMENTO- CONTINUIDADE DELITIVA INEXISTENTE.
1.Ainda que não tenha preenchido ou assinado os cheques, pratica crime de
estelionato quem promove seu desconto conhecendo serem eles falsificados.
2. Inexiste continuidade delitiva se entre as condutas medeia prazo superior a
seis meses.
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3. Cabível a fixação da pena pouco acima do mínimo legal, ante os péssimos
antecedentes do apelante
4. Inaplicabilidade do art. 155, parágrafo 2 do Código Penal, por não ser de
pequeno valor a vantagem obtida.
5. Comprovadas a materialidade a autoria, correta a sentença que julgou
procedente a denúncia, sendo cabível o acréscimo da pena previsto no art.
171, parágrafo 3º, já que o crime foi praticado em detrimento da Caixa
Econômica Federal.
6. Apelação improvida.”
(ACR nº 1994.01.31967-7/DF, Rel. Juiz Osmar Tognolo, 3ª Turma,
DJ.26/02/1996, p.9.422.)
Cumpre reafirmar, assim, que não sobrevive qualquer dúvida quanto à natureza do
comportamento dos Réus, tratando-se de clara e típica atitude artificiosa, com a qual os agentes
lograram iludir terceiros e produzir um resultado indevido, configurando, pois, o típico previsto no art.
171, do CP pátrio. Comprovada a perpetração da fraude contra a CEF, caracterizado está o delito de
estelionato, na forma do art. 171, § 3º, do CP.
A existência de dolo intenso por parte dos Réus, a engenhosidade das operações, o
prejuízo e transtorno causados a inúmeras pessoas não justifica, todavia, que a pena base deva ser
fixada tão acima do mínimo, já que a própria vítima reconhece que houve reparação parcial do dano.
Deste modo, reduzo a pena base para dois anos de reclusão, que, com a incidência da causa de
especial de aumento prevista no parágrafo terceiro do artigo 171, do CP, fica elevada para 2 (dois)
anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, mantida a pena de multa em vinte dias-multa.
Em face do exposto, nego provimento ao agravo retido e dou parcial provimento à
apelação, para reduzir a condenação quanto à pena privativa de liberdade dos acusados para 2
(dois) anos e 8(oito) meses de reclusão, com regime inicial de cumprimento da pena aberto, ficando,
no mais, mantida integralmente a sentença recorrida.
É o voto.
TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04
D:\493694148.doc
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