PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1997.40.00.005909-9/PI APELANTES : FRANSLEY SOUZA DO CARMO GENILDA MARIA SILVA DO CARMO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APELADO RELATÓRIO O Exmo. Sr. Juiz Federal. SAULO CASALI (Relator convocado): – Trata-se de apelação interposta por FRANSLEY SOUZA DO CARMO e GENILDA MARIA SILVA DO CARMO, de sentença proferida na 3ª Vara Federal daquela Seção Judiciária do Piauí, impondo-lhes condenação pelo cometimento do crime de estelionato (art. 171, § 3º - CP), consistente na liquidação de débitos da firma individual “FRANCISLEY SOUZA DO CARMO”, de propriedade do primeiro, fazendo uso de artifício fraudulento, consubstanciado na utilização de formulários da CEF preenchidos por terceiros, induzidos a firmarem empréstimos junto à CEF sem nenhuma ciência das obrigações pactuadas e sem recebimento efetivo dos respectivos créditos, uma vez que estes eram destinados a liquidar os débitos em nome da firma. Ou seja, os formulários eram utilizados para instruir pedidos de empréstimos, afinal concedidos e não pagos pelos referidos terceiros, cujos valores foram utilizados para liquidação de débitos da firma individual para com a referida empresa pública federal, correspondentes a três contratos: a) contrato de abertura de crédito rotativo, com obrigações e garantia fidejussória - cheque azul empresarial; b) contrato de abertura de crédito com garantia real fidejussória – desconto de duplicatas; e c) contrato de abertura de crédito com garantia fidejussória – crédito azul antecipado, acrescidos de três promissórias subscritas pelo primeiro denunciado. Todos os contratos foram viabilizados pela segunda apelante, esposa do primeiro, que era funcionária à época da CEF, desempenhando suas funções na carteira de empréstimos, preparando a documentação destinada à implementação das operações fraudulentas. Constatou-se que os mencionados terceiros não eram clientes da CEF e não possuíam receitas suficientes para saldar as dívidas, sendo a liquidação dos débitos da firma “FRANCISLEY SOUZA DO CARMO” feita sem qualquer autorização dos tomadores de empréstimos e avalistas. Sustentam os recorrentes, em resumo, a inexistência de provas concretas dos fatos imputados e a necessidade de realização de prova pericial, bem como que o crime de estelionato não restou caracterizado diante da ausência de prejuízo. Processados os recursos, ascendem os autos a este Tribunal, manifestando-se a Procuradoria Regional da República, em parecer firmado pela Procuradora Regional Dra. Áurea Maria Etelvina Nogueira Lustosa Pierre, pelo improvimento (fls. 329–339). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao exame do eminente revisor, nos termos regimentais. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 Criado por TR94003(SC) D:\493694148.doc Saulo Casali PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1997.40.00.005909-9/PI VOTO O Exmo. Sr. Juiz Federal JAMIL R. J. OLIVEIRA (Relator Convocado): – Ratifico os termos do relatório lançado à fl. 353 pelo Juiz Federal Saulo Casali. Do agravo retido Com relação à juntada de documento na fase recursal, na hipótese dos autos não vejo como admiti-la. Com efeito, como o próprio apelante reconhece à fl. 287, trata-se de documentos já anexados aos autos (apenso referente à sindicância nº 16.160244/95), cujo conteúdo foi objeto de análise por ocasião da sentença, razão porque tenho como desnecessária nova juntada destes documentos, mesmo porque não houve ofensa ao princípio da ampla defesa nem ao do contraditório. Assim, tenho como acertada a decisão do Juízo a quo. Acerca do tema veja-se o seguinte julgado: “PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS APÓS PROLAÇÃO DA SENTENÇA. HIPÓTESE VIÁVEL. 1. SÓ É ADMISSÍVEL A JUNTADA DE DOCUMENTOS NA OPORTUNIDADE DO RECURSO SE ELES FOREM OBTIDOS APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA, POIS, CASO CONTRÁRIO HAVERIA SUPRESSÃO DE UMA INSTÂNCIA PORQUE NÃO EXAMINADOS NA DECISÃO RECORRIDA. 2. AGRAVO DE INSTRUMENTO REJEITADO. 3.DECISÃO CONFIRMADA.” (AG nº 89.01.24560-4/MG, Desembargador Federal Catão Alves, Primeira Turma, DJ 05/08/1991, p. 17734). Assim, correta a decisão objeto do Agravo Retido (fl. 340-341) que mandou desentranhar documentos acostados com as razões de apelação. Da apelação – Como visto nas razões de apelação, os recorrentes pretendem a reforma do julgado por entenderem que a denúncia não poderia ser recebida por estar ausente condição exigida em lei para o exercício da ação penal, sendo tal condição consubstanciada na falta de perícia que atestasse a existência de prejuízo a configurar o tipo imputado (estelionato), que exige dolo específico. Fundamentam, também, no que dispõe o art. 158 do CP, que prevê a indispensabilidade do exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios, sem o qual a acusação não teria validade, o que levaria a nulificação de todo o processo. Sem razão os apelantes. Inexiste nulidade por falta de perícia, porquanto na hipótese do artigo 171, § 3º, do CP, não exige a lei, para o ajuizamento da ação, que haja a apresentação de prova pericial. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 Criado por TR94003(#) D:\493694148.doc Jamil R. J. Oliveira PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.2 Com efeito, é despiciendo o exame pericial, uma vez que a perícia técnica somente se faz indispensável quando exigida prova evidentemente técnica, a exemplo do crime de falsificação de documento, o que obviamente não é a hipótese dos autos. A sentença prolatada pelo Juiz a quo não merece reparos na medida em que de forma segura examinou a questão, in verbis: “A movimentação bancária da conta corrente da firma FRANSLEY SOUSA DO CARMO (n.1566.003.00000493-1), mantida na Caixa Econômica Federal – CEF – Agencia JOAO XXIII, encontra-se às fls. 34/47, compreendendo o período entre os meses de março e setembro de 1995, em que se atesta uma peculiaridade, qual seja a insistência de saldo devedor no decorrer da movimentação, assim fechando ao final de cada mês: março - R$1.968,33; abril -R$2.442,75, maio - R$10.141,75; junho -R$10.374,39; julho -R$ 13.034,26. Em agosto, mês em que ocorreram os empréstimos, ocorreu saldo positivo de R$ 50,00, e em setembro o saldo credor de R$ 6,23 (fl. 47do apenso). As fichas cadastrais-pessoas físicas, boletins de cadastramento e documentos correspondentes, utilizados para o fornecimento dos empréstimos fraudulentos, encontram-se reproduzidos às fls. 48, 49, 52, 61, 60, 81, 88, 89, 93, 99, 100, 104, 110, 111, 115, 121 e 122 do apenso. Guardadas nos autos do apenso estão cópias de fichas de caixa, correspondentes a títulos em operação de desconto, feitas com a Caixa econômica Federal, em que figuram como cedente a firma FRANSLEY SOUSA DO CARMO e como sacados vários devedores, quitados por intermédio dos empréstimos fraudulentos, assim identificados: 1- a KEDNEA CASTRO E SOUSA DO CARMO, conforme fichas de fls. 53/56 e contrato às fls. 63/69; 2- a WILSON NONATO DE SOUZA, conforme fichas de fls. 70/79 e contrato de fls. 82/85; 3- a SANDRA MARIA SOARES DA COSTA, de acordo com as fichas de fls. 91/92 e contrato de fls. 95/98; 4- a JOANA LOPES DE MELO, em conformidade com as fichas de fl. 120 e contrato de fls. 106/109; 5- a GILBERTO FERREIRA DOS SANTOS, de acordo com as fichas de fls. 113/114 e contrato de fls. 117//120; e 6- a JOSÉ CARDOSO DE ARAUJO NETO, conforme fichas de fls. 123/124 e contrato de fls. 127/132 do apenso. Por fim, consta às fls. 371/402 do apenso o relatório final da Comissão de Sindicância, concluindo pela caracterização das operações irregulares noticiadas nos autos e indicação dos responsáveis pelas mesmas. São essas as provas materiais do delito descrito na exordial acusatória, restando a análise de sua autoria. O Denunciado FRANSLEY SOUSA DO CARMO, interrogado pela autoridade policial (fls. 81/82), negou que tenha praticado qualquer delito, apresentando a versão de que as vítimas em nome das quais foram efetuadas as operações fraudulentas era cliente da sua empresa em situação de inadimplência motivando-o a apresentá-las à gerência da Caixa Econômica Federal – CEF, Agência JOÃO XXIII, para o fim de pagar suas dívidas mediante tomada de empréstimos, cujos valores “foram creditados e cobriram débitos existentes de terceiros com sua empresa”. Confessou que levou pessoalmente os formulários para serem assinados por GILBERTO FERREIRA DOS SANTOS, WILSON NONATO DE SOUSA e KEDNEA CASTRO E SOUSA DO CARMO, em suas respectivas residências, com a autorização do gerente WALNEY TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\493694148.doc Jamil R. J. Oliveira PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.3 FRANCISCO MOREIRA DE SOUZA. Acrescentou que os demais compareceram pessoalmente à CEF – agência JOAO XXIII, e lá assinaram os formulários orientados por ele, primeiro Denunciado, a procurar diretamente tal gerente. A mesma versão foi reproduzida pelo Réu em Juízo, quando de sua qualificação e interrogatório (fls. 115/117), porém retificando o declarado quanto ao destino dos empréstimos tomados. No ponto, declarou que “todos os contraentes tinham conhecimento de que os valores tomados em empréstimo destinavam-se ao pagamento de débitos da empresa do depoente para com a Caixa Econômica Federal, débitos estes resultantes de operação de desconto, em que a empresa cedeu títulos em troca dos valores equivalentes”, deduzida a taxa de desconto. Reiterou que, à exceção de KEDNEA CASTRO E SOUSA DO CARMO e WILSON NONATO DE SOUSA, os demais tomadores dos empréstimos eram devedores de sua empresa, adiantando, porém, que não conhecia os avalistas WALDERY DE SOUSA MENDES e ALAN FRANKLIN RODRIGO DE SOUSA LIMA. A Denunciada GENILDA MARIA SILVA DO CARMO, esposa do primeiro Acusado, também foi interrogada pela Autoridade Policial (fls. 65/67), esclarecendo que, à época dos fatos articulados na denuncia, era servidora da Caixa econômica Federal, lotada na Agência JOÃO XXIII, trabalhando, inclusive, no preenchimento de contratos e cadastramento de clientes. Adiantou que, quando os interessados em empréstimos se dirigiam à sua mesa, já estavam autorizados pela gerência da unidade. Insistiu que os empréstimos tidos como fraudulentos foram expressamente autorizados pelo Gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA DE SOUSA, atribuindo as irregularidades detectadas em sua carteira pelo fato de não ter experiência suficiente para desenvolver as atividades próprias do setor, dado que “durante onze anos aproximadamente trabalhou em setores de retaguarda e quando foi designada para responder pela carteira de empréstimos não teve tempo de se inteirar totalmente das normas internas da CEF para a execução desses serviços”. Afirmou que meses após sua designação para a nova função, FRANSLEY SOUSA DO CARMO começou a operar junto à mesma, motivando a Ré a solicitar do gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA DE SOUSA para que a retirasse da carteira, “pois temia comentários e insinuações que pudessem desabonar sua conduta profissional”, não sendo atendida. Por fim, insistiu que os tomadores dos empréstimos fraudulentos eram, na verdade, devedores da empresa de seu marido, os quais haviam assinado cheques e duplicatas, posteriormente entregues à Caixa Econômica Federal para cobrança, sem êxito, de forma que esses valores eram automaticamente debitados na conta corrente da empresa mantida na agência. Em juízo (fls.111/114), manteve em linhas gerais o depoimento anterior, da fase inquisitorial, mas reconheceu que, “dos contratos narrados na denúncia alguns a depoente entregou os formulários diretamente ao seu esposo, o primeiro acusado, no interior da agência e após o mesmo haver conversado com o gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA”. WILSON NONATO DE SOUSA declarou em Juízo que mantinha relação de amizade com os denunciados, adiantando que, em data que não se recordava, “o acusado (FRANSLEY) sob a desculpa de estar tratando da documentação do apartamento do depoente, o fez apor a sua assinatura em alguns documentos que podem ter sido os do contrato de empréstimo da Caixa Econômica”, dizendo-se, portanto, ludibriado pelo primeiro Denunciado (fl.168). MARIA JOSÉ COIMBRA DOS SANTOS, outra vítima, insistiu que nunca requereu qualquer empréstimo junto à Caixa Econômica Federal, declarandose amiga muito íntima de ambos os Denunciados. Afirmou que fora abordada “praticamente na rua” pelo primeiro Acusado, pedindo que a mesma assinasse uns papéis, já firmados por seu esposo GILBERTO FERREIRA TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\493694148.doc Jamil R. J. Oliveira PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.4 DOS SANTOS, o qual esclareceu à depoente que “destinavam-se a viabilizar a transferência de sua conta corrente da agência Parque Piauí para uma outra, que seria vantajoso porque ele seria agraciado com um cheque azul”. A depoente declarou que tinha conhecimento de ser a segunda Denunciada servidora da Caixa Econômica Federal, bem disse assim que jamais adquiriu qualquer mercadoria da loja de FRANSLEY SOUSA DO CARMO (fls.178/179). GILBERTO FERREIRA DOS SANTOS confirmou que ele e sua esposa, MARIA JOSÉ, “foram procurados em sua residência pelo primeiro acusado, portando um documento da Caixa Econômica federal, tendo sido explicado pelo mencionado acusado que o mesmo documento viabilizaria a transferência da conta corrente mantida na agência Parque Piauí para a agência JOÃO XXIII, ambas da Caixa econômica, sendo que essa segunda conta passaria a ser conjunta com sua esposa” (fls.180/181). A única que confirmou a versão dos Acusados foi SANDRA MARIA SOARES DA COSTA, ou seja, de que espontaneamente compareceu à agência da CAIXA ECONOMICA FEDERAL para tomar empréstimo “para saldar débitos oriundos de duplicatas assinadas junto à empresa do senhor Fransley” (fl.205). As testemunhas MARIA DE FÁTIMA CARVALHO AMORIM e JOSÉ ANTONIO MARTINS DOURADO, arrolados pela Defesa, nada sabiam dos fatos articulados na denúncia, limitando-se a testemunhar pela honestidade dos Denunciados. Da análise das provas, conclui-se que os empréstimos concedidos em nomes das vítimas, das quais se exclui SANDRA MARIA SOARES DA COSTA (fl. 205), destinavam-se a cobrir operações de descontos mal-sucedidas, em favor da empresa do senhor FRANSLEY SOUSA DO CARMO, de propriedade do primeiro denunciado. Desconto bancário não se confunde com empréstimo bancário. Trata-se de “contrato pelo qual uma pessoa recebe do banco determinada importância, para isso transferindo ao mesmo um título de crédito de terceiro. Diverge, assim, o desconto do empréstimo propriamente dito, porque neste o banco pode exigir do mutuário um título de crédito por ele emitido, enquanto no desconto os títulos transferidos ao banco são de emissão de pessoas outras que não aquela que vai fazer o desconto” (cf. FRAN MARTINS, in contratos e Obrigações Comerciais, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990, p.520/521). As fichas de caixa, mencionadas acima, quando da apresentação da prova material , comprovam que essa foi a operação que levou aos empréstimos fraudulentos, em que a empresa do primeiro Réu figurava, em todas, como cedente ou mutuário. Em contrapartida, as vítimas indicadas na denúncia não estavam entre os sacados ou devedores das quantias representadas nos títulos descontados. Estes, os devedores verdadeiros, não foram molestados para quitarem seus débitos repassados, pelo primeiro Réu, à cobrança da Caixa Econômica Federal. Na verdade, os empréstimos fraudulentos não se destinavam a resolver problema de caixa de FRANSLEY SOUSA DO CARMO; objetivavam, sim, solucionar problemas da Agência JOÃO XXIII da Caixa Econômica federal, resultante de operações de desconto não saldadas pelos sacados, no prazo legal, estabelecendo um resultado negativo na Unidade, vez que os valores dos títulos descontados haviam sido adiantados ao primeiro Denunciado, titular de firma individual com o seu nome. Mantida a responsabilidade do cedente pela solvência desses títulos, optaram os réus e o gerente da Agência em captar de terceiros o equivalente ao negativo, mediante produção de contratos de empréstimo, onde desapareciam as pendências existentes, regularizando a situação de ambos, primeiro Denunciado e Gerente da Agência, ainda que prejudicando a empresa pública e terceiros. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\493694148.doc Jamil R. J. Oliveira PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.5 Assim, justificada está a circunstância de não se verificar no extrato da conta bancária da empresa FRANSLEY SOUSA DO CARMO, do mês de agosto de 1995 (fl.47), as operações de créditos pelos empréstimos tomados pelas vítimas, alegadamente para quitar suas dívidas para com aquela firma, e de débitos pelos títulos que foram liquidados. Esses títulos foram autenticados como pagos sem essa vinculação, como se cada tomador de empréstimo fosse o responsável pela sua liquidação. Em outros termos, a Agência Bancária fez de conta que concedeu empréstimos e, ao mesmo tempo, liquidou os títulos que possuía em carteira, ofertados pela empresa do primeiro Denunciado, através de extravagante cessão de débitos, em que as vítimas escolhidas como tomadoras de empréstimos foram eleitas os novos sacados, à sua revelia e sem condições material para liquidar os empréstimos, deixando tudo como estava, mas com outra aparência. Essa parceria mantida com a Gerência da Unidade, em detrimento dos interesses da Caixa Econômica Federal, também é demonstrada nos extratos bancários da empresa do primeiro Acusado, pela movimentação registrada às fls. 34/47 do apenso. No decorrer do período compreendido entre os meses de maio e setembro de 1995, foi aumentado o limite de crédito especial da empresa correntista de R$ 10.000,00 para R$ 11.000,00, sendo esta a principal justificativa para a movimentação de altas importâncias desprovidas de saldo, excedendo o limite estipulado, como, por exemplo, o débito de R$ 13.034,26, no fechamento do MÊS DE JULHO DE 1995. Foi premiada a péssima cliente e relevada a cada mês em que excedia na utilização do dinheiro da empresa pública. O Gerenciamento ruinoso da Agência JOÃO XXIII beneficiava a outros correntistas, na mesma situação do primeiro Denunciado, conforme se verifica do exame das peças de fls. 361/364 do apenso. No relatório da Comissão de Sindicância (fls. 371/402) diversas irregularidades foram detectadas, perpetradas pelo Gerente WALNEY FRANCISCO MOREIRA DE SOUSA, como a concessão de empréstimos mediante contratos desprovidos da assinatura de testemunhas, instruídos os pedidos com fichas cadastrais preenchidas pela esposa do beneficiário, a segunda Denunciada; concessão de empréstimos a pessoas que sequer eram clientes da agência, sem que os beneficiários e avalistas apresentassem qualquer garantia e sem a prévia autorização do Comitê de Crédito, quando ultrapassava o valor de 1.500 UPF; abertura de limite de crédito rotativo e concessão de financiamento a clientes inscritos no CADIN, entre outros, figurando aquele servidor, juntamente com a segunda Denunciada, como os responsáveis por essas ilicitudes, motivo pelo qual são desprovidos de confiabilidade os depoimentos prestados por ambos no decorrer do inquérito policial e na fase judicial (fls.66/69 e 191/193). A contribuição da segunda Denunciada, para o sucesso da empreitada delituosa, foi decisiva. Trabalhava a menos de seis (6) meses na carteira de empréstimos e, no exercício das atribuições respectivas, preencheu os documentos utilizados em favor de seu esposo, confessando em Juízo que entregou alguns ao mesmo para que colhesse, fora da agência bancária, as assinaturas das vítimas. Aproveitou-se de suas novas atribuições, em que foi investida no mesmo período em que o primeiro Denunciado extrapolava o limite de crédito rotativo concedido e acrescido pela gerência da Unidade, para viabilizar o equacionamento dos problemas da empresa cujo titular era seu esposo. Comprovada está a autoria e do delito apontado na denúncia, perpetrado pelos Acusados, em concurso com outro elemento não denunciado por condescendência ou negligência do setor jurídico da Caixa Econômica Federal, vez que, na representação dirigida ao Departamento de Polícia Federal, esquivou-se de fazer constar os nomes dos servidores da empresa pública, mantendo somente o do primeiro Denunciado.” (fls. 259-270) TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\493694148.doc Jamil R. J. Oliveira PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.6 A autoria e materialidade estão comprovadas pela extensa documentação juntada aos autos, corroborada pelos depoimentos testemunhais prestados em juízo, que comprovam que os denunciados, agindo voluntariamente e com consciência do caráter ilícito de tal prática, lograram obter vantagem ilícita, em prejuízo da CEF, induzindo em erro, ainda, outras pessoas (fls. 178-179 e 180-181), em nome das quais os contratos de empréstimos foram feitos, sem que tivessem usado os respectivos recursos, não sabendo sequer das condições pactuadas. O decreto condenatório presente na sentença teve por base o depoimento de testemunhas que relataram a forma como foram levadas a assinar os contratos, sendo posteriormente prejudicadas devido a inclusão de seus nomes no SERASA (fl.181). O primeiro denunciado alega que não poderia ser acusado como autor das fraudes, tendo em vista que foi avalista em alguns empréstimos (contratos nº 16.1566.101.0000252-02 e nº 16.1566.101.0000248-26). Todavia, é de se ter que somente em relações a tais contratos o réu não pode ser acusado de fraude, ao menos do modo como considerado até aqui (já que figurar como avalista apenas pode indicar a dificuldade de encontrar terceiro avalista e corresponde ao modo de viabilizar a concessão de novo empréstimo, utilizado para as finalidades já descritas). Contudo, como visto, não há apenas referidos contratos, sendo inegável o prejuízo causado as vítimas que assumiram empréstimos destinados ao pagamento de dívidas que não lhes pertenciam. Por fim, em relação a questionada aplicação da qualificadora constante no § 3º do art. 171, em se tratando da CEF, pacífica é a jurisprudência deste TRF, in verbis: “PENAL - ESTELIONATO: TIPICIDADE - DELITO CONTINUADO AGRAVANTE. 1. Configura-se como estelionato a conduta de quem, com dados falsos, abre conta bancária e passa a sacar cheques sem suficiência de fundos - Delito continuado. 2. Incide a agravante do parágrafo 3º do art. 171 do Código Penal quando a vítima do estelionato é a CEF, empresa pública. 3. Recurso parcialmente provido.” (ACR 1996.01.29512-7/DF, Rel. Juíza Eliana Calmon, 4ª Turma, DJ 22/10/1998, p.90) “PENAL. ESTELIONATO: FRAUDE EM CONTA DE POUPANÇA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PENA: DOSIMETRIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE: PRESCRIÇÃO. 1. Comete estelionato aquele que obtém rendimentos de poupança alheia, mediante fraude. A pena deve ser aumentada, nos termos do art. 171, par. 3º, do Código Penal, quando o delito é cometido em detrimento da CEF. 2. Réu de péssimos antecedentes criminais e primário, tecnicamente. Pena fixada acima do mínimo legal. Código Penal, art. 59. 3. Apelo do Ministério Público desprovido. Declarada a extinção da punibilidade, em face da prescrição superveniente.” (ACR 1994.01.21857-9/DF, Rel. Juiz Candido Ribeiro, 3ª Turma, DJ.25/03/1997, p.17555) “PENAL- ESTELIONATO- DESCONTO DE CHEQUES DA CEFMATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS- PENA FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL- CABIMENTO- CONTINUIDADE DELITIVA INEXISTENTE. 1.Ainda que não tenha preenchido ou assinado os cheques, pratica crime de estelionato quem promove seu desconto conhecendo serem eles falsificados. 2. Inexiste continuidade delitiva se entre as condutas medeia prazo superior a seis meses. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\493694148.doc Jamil R. J. Oliveira PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO fls.7 3. Cabível a fixação da pena pouco acima do mínimo legal, ante os péssimos antecedentes do apelante 4. Inaplicabilidade do art. 155, parágrafo 2 do Código Penal, por não ser de pequeno valor a vantagem obtida. 5. Comprovadas a materialidade a autoria, correta a sentença que julgou procedente a denúncia, sendo cabível o acréscimo da pena previsto no art. 171, parágrafo 3º, já que o crime foi praticado em detrimento da Caixa Econômica Federal. 6. Apelação improvida.” (ACR nº 1994.01.31967-7/DF, Rel. Juiz Osmar Tognolo, 3ª Turma, DJ.26/02/1996, p.9.422.) Cumpre reafirmar, assim, que não sobrevive qualquer dúvida quanto à natureza do comportamento dos Réus, tratando-se de clara e típica atitude artificiosa, com a qual os agentes lograram iludir terceiros e produzir um resultado indevido, configurando, pois, o típico previsto no art. 171, do CP pátrio. Comprovada a perpetração da fraude contra a CEF, caracterizado está o delito de estelionato, na forma do art. 171, § 3º, do CP. A existência de dolo intenso por parte dos Réus, a engenhosidade das operações, o prejuízo e transtorno causados a inúmeras pessoas não justifica, todavia, que a pena base deva ser fixada tão acima do mínimo, já que a própria vítima reconhece que houve reparação parcial do dano. Deste modo, reduzo a pena base para dois anos de reclusão, que, com a incidência da causa de especial de aumento prevista no parágrafo terceiro do artigo 171, do CP, fica elevada para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, mantida a pena de multa em vinte dias-multa. Em face do exposto, nego provimento ao agravo retido e dou parcial provimento à apelação, para reduzir a condenação quanto à pena privativa de liberdade dos acusados para 2 (dois) anos e 8(oito) meses de reclusão, com regime inicial de cumprimento da pena aberto, ficando, no mais, mantida integralmente a sentença recorrida. É o voto. TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 D:\493694148.doc Jamil R. J. Oliveira