Eu não percebi

Eu não percebi
De dentro do meu carro, prisioneiro de um sofrido congestionamento, fiquei a
bisbilhotar o vai e vem de braços e pernas que se confundiam pelas calçadas. Examinei
casas remoçadas, prédios novos que nunca tinha visto. Olhei as vitrines de algumas
lojas e, para minha surpresa, descubro que muitas delas já estão sendo arrumadas
para o Natal. O que era a princípio apenas uma maneira de passar os minutos
enervantes, em que tentava manter a calma, a serenidade, transformou-se na
realidade de ver que o tempo voou e eu nem percebi.
Notei que as chuvas da tarde, mesmo ainda tímidas, estão ficando mais
constantes, mais intensas. Já vejo em algumas mangueiras os primeiros frutos verdes
se balançado entre os seus galhos, se insinuando entre as folhagens verdes, densas,
doces refúgios dos pássaros, desenhos animados da natureza, da vida e que contam a
história de uma cidade.
As ruas começam a se vestir com as fantasias das luzes e eu, indiferente aos
pequenos detalhes do cotidiano, passei o ano a olhar para dentro do meu espírito.
Preocupado em enxugar nos cantos dos olhos gotas de lágrimas, de descobrir em cada
esquina pedaços de saudades, acabei esquecendo de ver que os risos de tanta gente
se espalham pelas ruas.
Não percebi que apesar da dureza do dia a dia as pessoas têm muitos momentos
felizes. Dependendo do recheio das suas bolsas compram coisas simples, supérfluas,
caras. Dependendo das suas ansiedades, das suas dores, compram com o coração,
sonhos, ilusões, reservam um lugar no amanhã. Um caminhar, tantas vezes, apenas
para olhar, para saber que a vida não parou, pode se transformar numa festa para a
alma e muitos acabam pagando nada por esse fiapo de esperança.
Pouco me importava naquele momento se o trânsito continuava inerte. As
buzinas dos carros apenas me despertavam para entender que o tempo passava veloz.
Intrépido, seguia adiante levando nossos segundos, escrevendo futuros, anunciando
que o Natal, o findar do ano estão chegando e eu não tinha percebido.
Descubro entre os carros um desses bravos vendedores das ruas oferecendo
esses pais Noel de pendurar no espelho retrovisor dos carros. Por vergonha não
comprei. Achei que poderia ser brega. Que poderia ser gozado pelos amigos. Ser
chamado de cafona. Mas, no entanto, era a prova real, viva, impossível de negar, que
o tempo virou um furacão de rapidez e anuncia que o Natal está chegando, o ano está
terminando e eu, tristemente, não tinha percebido.
Fiquei pensando se ainda terei tempo de recuperar o tempo perdido. Onde vou
buscar as alegrias que não vivi. As manhãs que tornei indiferentes. As tardes que não
me seduziram. Em que calçada vou encontrar tantos pedaços de luar que nasceram
nas noites de verão e que o tempo já escondeu para sempre e eu nem percebi? Fico a
me perguntar por que não segui tantos riscos deixados pelas estrelas cadentes que
poderiam ter me levado para viajar entre tantos mistérios fascinantes, entre todos os
segredos que meu coração busca desvendar?
Os carros começam a andar. Sigo meu caminho lentamente. O tempo voa.
Novembro vai ganhar asas mais longas ainda. Talvez, se acelerar o passo, poderei
curtir as fantasias que antecedem as festas de fim de ano. Não custa tentar enganar o
tempo. Quem sabe, na sua pressa sem freios, ele nem perceba os encantos de
dezembro.