PORTIFÓLIO REFLEXIVO: APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO PARTILHADAS NO CURSO DE PEDAGOGIA Suzane da Rocha Vieira Universidade Federal de Santa Catarina INTRODUÇÃO O presente trabalho é resultado de uma experiência de prática pedagógica na disciplina de Organização Escolar I do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina, realizado no primeiro semestre de 2005. Durante o semestre foi proposto às alunas como metodologia de trabalho a construção de um Portifólio Reflexivo. O Portifólio consiste em um conjunto de trabalhos realizados pelos alunos, podendo ocorrer durante um ano, um semestre, uma disciplina ou mesmo um curso específico. Os trabalhos devem expressar as reflexões de cada um acerca dos temas trabalhados, podendo ser organizados em uma pasta/prospecto/caixa. Os trabalhos que compõem o Portifólio devem apresentar diversas formas de linguagem, com muita criatividade para que essa pasta individual tenha a “cara” de quem a produziu. Além disso, conforme aponta Villas Boas, O Portifólio possibilita avaliar as capacidades de pensamento crítico, de articular e solucionar problemas complexos, de trabalhar colaborativamente, de conduzir pesquisa, de desenvolver projetos e de o aluno formular os seus próprios objetivos para a aprendizagem. O professor e o próprio aluno avaliam todas as atividades executadas durante um largo período de trabalho, levando em conta toda a trajetória percorrida. Não é uma avaliação classificatória nem punitiva. Analisam-se as últimas comparando-as com as primeiras, de modo a se perceber o avanço obtido. Isso requer que a construção do Portifólio se baseie em propósitos de cuja formulação o aluno participe, para que se desenvolva o sentido de ‘pertenciemento’. Desse modo, o Portifólio extrapola a sua função avaliativa e passa a ser o eixo organizador do trabalho pedagógico porque assume outro significado: o aluno é co-responsável por sua organização. (2004, p. 17) Portanto, foi nesse sentido que se escolheu como eixo da organização pedagógica da disciplina de Organização Escolar I a utilização do Portifólio Reflexivo. Tendo em vista que este, é um recurso metodológico que apresenta o conjunto de evidências e trabalhos produzidos pelas alunas e revelam o processo desenvolvido e os resultados das 2 aprendizagens obtidas, de modo a facilitar o processo de avaliação. Nesse processo, a avaliação acontece de forma contínua e multidisciplinar, ocorrendo de maneira partilhada entre o professor e os alunos, permitindo que ambos entendam as atividades de forma contextualizada e percebendo os avanços obtidos. ORGANIZAÇÃO E EXECUÇÃO DA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA A escolha do uso do Portifólio como metodologia de trabalho se deu devido este propiciar atividades capazes de estimular intencionalmente o aluno a refletir sobre o processo de aprendizagem, conduzindo-o ao avanço no processo de construção do conhecimento, levando aos educandos a uma postura mais reflexiva e crítica e a busca de novas formas de aprender. Quando foi proposto, as alunas, que o trabalho pedagógico da disciplina fosse organizado a partir do Portifólio houve a aceitação por parte de todos, embora essa metodologia fosse desconhecida pela turma. A sistematização do trabalho foi definida de maneira que cada aluna organiza-se durante o período da disciplina um Portifólio Reflexivo, no qual deveriam constar as análises, críticas e reflexões dos conteúdos discutidos nas aulas de Organização Escolar I. Para a elaboração do seu Portifólio cada aluna precisou realizar estudos teóricos que buscaram aprofundar as discussões realizadas em sala de aula, trazendo novos aspectos do tema trabalhado. Além disso, ilustravam suas reflexões com figuras, reportagens, poemas, letras de musicas entre outros recursos que também permitiam um repensar sobre o tema e com muita criatividade iam personalizando o seu Portifólio. Para que o processo de reflexão fosse constante, definiu-se que o Portifólio Reflexivo fosse realmente construído no decorrer do semestre e não ao final, se não perderia a finalidade de uma avaliação continua e de construção da aprendizagem. Dessa maneira, as alunas foram construindo seus Portifólios trazendo para sala de aula suas dúvidas e angustias, mas também idéias para elaboração do Portifólio. No meio do semestre foi realizado um momento de análise de todos os Portifólios, assim foi possível que aqueles que estivessem com dificuldades pudessem superá-las e refazer aspectos que não estavam coerentes com a proposta ou mesmo com as discussões realizadas a respeito dos conteúdos da disciplina. Nesse movimento de fazer e refazer, foi 3 interessante ver as alunas perceberem que é possível se fazer uma avaliação continua e formativa que não seja pontual. E essa reflexão foi uma das que vieram presentes nas considerações finais dos Portifólios, onde as alunas diziam perceber na prática que a teoria é possível de ser realizada. No final do semestre todas as alunas entregaram seu Portifólio com as reflexões propostas durante a disciplina de Organização Escolar I. Os Portifólio Reflexivos foram apresentados no II Espelhos da Educação, que é um evento organizado pelos alunos de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina para que sejam expostos os trabalhos acadêmicos. E enquanto metodologia de trabalho e avaliação o isso do Portifólio foi um sucesso. OBJETIVOS E INTENCIONALIDADES O trabalho foi realizado com o objetivo de proporcionar uma maior participação das alunas no seu processo de ensino-aprendizagem. Este trabalho instigou uma atitude crítica frente aos temas e contribuiu para a percepção da amplitude das temáticas em questão na disciplina, tanto em seus aspectos sociais quanto educacionais. Especificamente em relação à experiência em foco, três aspectos foram fundamentais na proposição do uso do Portifólio Reflexivo na formação de professores. O primeiro foi a idéia de autonomia, a segunda a formação do professor reflexivo e a terceira uma avaliação formativa. Em relação à autonomia, acredita-se que hoje esse é um dos principais aspectos da profissão docente. O trabalho do professor exige tomada de decisões, posicionamento crítico frente às formas de ensinar, aprender e de avaliar. Pensando em uma escola democrática é preciso o desenvolvimento da autonomia do aluno. Veiga et. al. afirma que a autonomia pode ser considerada “como valor profissional do pensamento e da ação , aspirando uma maior controle sobre o trabalho pedagógico” (2001, p. 50). Nesse sentido, que o Portifólio Reflexivo, ao entender o aluno como sujeito do seu processo de ensino-aprendizagem, partilhando responsabilidades na produção do conhecimento e da avaliação, leva a autonomia do aluno. Levando em consideração que a busca da autonomia é considerada por Villas Boas (2004, p. 116) um dos aspectos que justificam o uso do Portifólio. 4 O segundo aspecto apontado foi a formação do professor reflexivo. Autores como Garcia (1992); Schön (1992); Nóvoa (1995); Zeichner (1993 e 1998), tem trabalhado na perspectiva de que a reflexão da prática, da teoria, devem ser características fundamentais da docência, uma vez que essa reflexão conduz necessariamente à criação de um conhecimento específico e ligado à ação. Por isso é importante que o professor reflita sobre sua prática, buscando o porquê do sucesso e do fracasso de suas ações, realize outros ensaios e modifique sua forma de atuar, exatamente como o movimento proposto no Portifólio. A reflexão, por sua vez, para ser efetivada necessita de uma sólida formação teórica, que funcione como filtro da experiência, favorecendo uma articulação teoria/prática, ajudando a formular hipóteses interpretativas que dão sentido à prática. O Portifólio nesse processo serve como um artefato que permite uma inter-relação entre a prática e a teoria Portanto, o Portifólio e a Reflexão estão interligados, como aponta Schenkel, O Portifólio apresenta um caráter reflexivo em que a prática e a teoria se encontram – há um diálogo entre professor e aluno que nele se estabelece, uma troca, uma vez que em cada palavra dita se estabelece uma cumplicidade, uma sinergia de emoções e saberes, de (auto-) conhecimento. (2005, p. 124) Por fim, o terceiro aspecto apontado é a avaliação formativa. A avaliação é fundamental em qualquer espaço, principalmente o escolar para que se conheça o que o aluno já aprendeu e o que ele ainda aprendeu, para que se providenciem os meios para que ele aprenda o necessário para a continuidade dos estudos (Villas Boas, 2004, p.29). Sendo assim, aprendizagem e avaliação precisam andar juntas, permitindo a evolução do aluno na construção o conhecimento. Portanto, com o Portifólio a avaliação formativa se faz presente uma vez que o aluno é co-responsável pela organização, pelo desenvolvimento e pela avaliação do trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência do trabalho escolar a partir do uso do Portifólio tem demonstrado ser riquíssima a medida em que se aceita o aluno como sujeito de conhecimento no seu processo de aprendizagem, beneficiando todo e qualquer tipo de aluno, desde o mais tímido e desinibido até o mais falante e participativo, já que articula que todos são capazes de aprender e deste modo o educando percebe que o trabalho escolar lhe pertence. 5 Compartilhando da idéia de Sá-Chaves o uso do Portifólio tem permitindo a quem o utiliza “o reconhecimento da sua capacidade para refletir autonomamente e agir em conformidade à luz dos valores que norteiam a sua intervenção”( 2005, p. 7) Além disso, o trabalho escolar organizado a partir do Portifólio possibilita a integração da avaliação e do currículo. No processo de construção do Portifólio, o percurso revela aspectos muito interessantes do próprio processo de ensino-aprendizagem das alunas, como por exemplo a dificuldade em utilizar outras linguagens que não sejam apenas a escrita, pesquisar teorias que fundamentem suas reflexões e o próprio ato de refletir criticamente. Mas ao mesmo tempo, a superação das dificuldades ao se entender que a avaliação não é pontual e o erro faz parte do percurso e que a aprendizagem não é estanque exige um processo de construção do conhecimento fizeram o crescimento das alunas durante o semestre. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GARCIA, Carlos M. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação sobre o pensamento do professor. In: NÓVOA, A. (org.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. Pp. 35-50. NÓVOA, Antônio (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. SA-CHAVES, Idália. Portifólio reflexivo: estratégias de formação e supervisão. Aveiro: universidade, 2000. SHCNEKEL, Maria Herminia. Professor Reflexivo: da teoria à prática. In: SÁ-CHAVES, Idália. (org) Os “Portifólios”reflexivos (também) trazem gente dentro: reflexões em torno do seu uso na humanização dos processos educativos. Porto: Editora do Porto, 2005. SCHÖN, Donald A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (org.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. Pp.7792. VEIGA, Ilma Passos de Alencastro et. al. Formação de profissionais da educação e inovações pedagógicas. Relatório de pesquisa. Brasília: FE/UnB, 2001. Villas Boas, Benigna Maria de Freitas. Portifólio, avaliação e trabalho pedagógico. Campinas: Papirus, 2004. 6 __________. A avaliação em cursos de Pedagogia para professores em exercício: desenvolvendo a autonomia intelectual do professor-aluno. In: Romanowiski, Joana Paulin et. al. (org) Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba: Champagnat, 2004.Pp. 115- 129. ZEICHNER, Kenneth. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa, 1993. __________. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, Corinta M. G.; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete M. (orgs.) Cartografias do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado das Letras, 1998. p. 207-236.