COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL: REFLEXÕES ACERCA DA LINGUAGEM CORPORAL Lúcia Marta Giunta da Silva1 Virginia Visconde Brasil2 Heloísa Cristina Quatrini Carvalho Passos Guimarães3 Beatriz Helena Ramos de Almeida Savonitti1 Maria Júlia Paes da Silva4 Buscamos com este estudo refletir sobre a importância da linguagem corporal, através da identificação do que um grupo de enfermeiras pós-graduandas, sabiam sobre o assunto. Analisamos o conteúdo dos relatos de onde emergiram cinco categorias: conceito, função, importância, significado e formas de manifestação da linguagem corporal. A linguagem corporal foi valorizada pelo grupo como uma forma complexa de interação interpessoal da qual temos pouca consciência, ocorrendo por vezes à margem do nosso controle. Tem por função expressar sentimentos, emoções e transmitir mensagens, cujos significados são influenciados pelo contexto. O conhecimento da linguagem corporal amplia nossa percepção profissional e é mais um instrumento para melhorar a qualidade da assistência de enfermagem. UNITERMOS: comunicação não-verbal, linguagem corporal, enfermagem, cinésica NON-VERBAL COMMUNICATION: REFLECTIONS ON BODY LANGUAGE The present study aimed to reflect on the importance of body language through the identification of what a graduate nursing group knew about this topic. We analyzed the contents of reports from which five categories emerged: concept, function, importance, meaning and forms of body language manifestation. The group valued body language as a complex way of interpersonal interaction that sometimes occurs out of our control and of which we have little conscience. It has the function of expressing feelings, emotions and transmitting messages whose meanings are influenced by context. Body language knowledge increases our professional perception and it is one more instrument to improve nursing assistance quality. KEY WORDS: non-verbal communication, body language, nursing, kinesics COMUNICACIÓN NO VERBAL: REFLECCIONES ACERCA DEL LENGUAJE CORPORAL Buscamos con este estudio reflexionar sobre la importancia del lenguaje corporal, a través de la identificación de un grupo de enfermeras, estudiantes de pos-grado, si saben sobre dicho asunto. Analizando el contenido de los relatos, de donde surgieron cinco categorías: concepto, función, importancia, significado y formas de manifestación del lenguaje corporal. El lenguaje corporal fue valorizado por el grupo, como una forma compleja de interacción inter-personal, de la cual tenemos poca conciencia, ocurriendo algunas veces al margen de nuestro control. Tiene por función expresar sentimientos, emociones y transmitir mensajes, cuyo significado es influenciado por el contexto. El reconocimiento del lenguaje corporal amplía nuestra percepción profesional y es un instrumento más para mejorar la calidad de la asistencia de enfermería. TÉRMINOS CLAVES: comunicación no verbal, lenguaje corporal, enfermería, cinésica INTRODUÇÃO A comunicação é um processo de interação no qual compartilhamos mensagens, idéias, sentimentos e emoções, podendo influenciar o comportamento das pessoas que, por sua vez, reagirão a partir de suas crenças, valores, história de vida e cultura. No cotidiano profissional a enfermeira utiliza a comunicação para o desempenho de suas diversas atividades. Dentre estas, a sua função como educadora e prestadora de cuidados, bem como, ser elo de ligação entre a equipe multiprofissional e os diferentes serviços de cuidado indireto, exige da enfermeira um maior domínio da habilidade de comunicar-se. Assim, o uso consciente da comunicação tende a facilitar o alcance dos objetivos da assistência de enfermagem14. Por considerarmos estas afirmativas essenciais para o aprimoramento de nossa competência profissional e como integrantes do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), participamos da disciplina "Comunicação na saúde do adulto: interação da linguagem verbal e do não verbal nas relações interpessoais", durante a qual nos foi solicitada a apresentação de um seminário sobre "Cinésica: a linguagem do corpo". As discussões realizadas para a elaboração do referido seminário nos levaram a refletir sobre a importância da linguagem corporal e seus efeitos na relação enfermeira-paciente uma vez que, através dela, são transmitidas inúmeras mensagens nem sempre conscientes e/ou manifestas (validadas) verbalmente. A comunicação pode ser realizada de forma verbal e/ou não-verbal. A comunicação verbal exterioriza o ser social e a não-verbal o ser psicológico, sendo sua principal função a demonstração dos sentimentos12. Em geral, é atribuída maior relevância à comunicação verbal expressa pela linguagem falada ou escrita; entretanto, o homo sapiens sempre se comunicou mesmo que através de grunhidos e gesticulações. BIRDWHISTELL2 considera que "apenas 35% do significado social de qualquer interação corresponde às palavras pronunciadas, pois o homem é um ser multissensorial que, de vez em quando, verbaliza". A comunicação não-verbal exerce fascínio sobre a humanidade desde seus primórdios, pois envolve todas as manifestações de comportamento não expressas por palavras, como os gestos, expressões faciais, orientações do corpo, as posturas, a relação de distância entre os indivíduos e, ainda, organização dos objetos no espaço. Pode ser observada na pintura, literatura, escultura, entre outras formas de expressão humana. Está presente no nosso dia-a-dia mas, muitas vezes, não temos consciência de sua ocorrência e, nem mesmo, de como acontece4,5,13,14. A comunicação não-verbal, entendida como ações ou processos que têm significado para as pessoas, exceto a expressão verbal, é classificada por KNAPP8 em: paralinguagem (modalidades da voz), proxêmica (uso do espaço pelo homem), tacêsica (linguagem do toque), características físicas (forma e aparência do corpo), fatores do meio ambiente (disposição dos objetos no espaço) e cinésica (linguagem do corpo). Considerando que a capacidade de ouvir e compreender o outro inclui não apenas a fala, mas também as expressões e manifestações corporais como elementos fundamentais no processo de comunicação, a Cinésica, ou seja, o estudo da linguagem corporal, assume um papel importante na decodificação das mensagens recebidas durante as interações profissionais ou pessoais. A cinésica, também denominada cinética, foco central deste trabalho, foi estudada por BIRDWHISTELL2, antropólogo pioneiro em tentar compreender a linguagem do corpo. Ele se dedicou ao estudo dos movimentos corporais e não identificou qualquer expressão facial, atitude ou posição do corpo que tivesse o mesmo significado nas diversas sociedades. Considera que não há gestos ou movimentos corporais que possam ser considerados como símbolos universais e, que toda cultura tem seu repertório gestual. Este mesmo autor estabeleceu alguns pressupostos para melhor compreensão da cinésica: 1) o contexto fornece o significado ao movimento ou expressão corporal; 2) a cultura padroniza a postura corporal, o movimento e expressão facial; 3) o comportamento dos membros de um grupo é influenciado pelas suas próprias atividades corporais e fonéticas; 4) os comportamentos têm significados culturalmente reconhecidos e validados. Ele sugere que "enquanto o comportamento do movimento corporal é baseado na estrutura fisiológica, os aspectos comunicativos deste comportamento são padronizados pela experiência social e cultural. O significado de tal comportamento não é tão simples que possa ser colocado num glossário de gestos" e, só pode ser percebido a partir de um exame das estruturas padronizadas do sistema de movimentos corporais, de como se manifesta numa situação social particular. Assim sendo, podemos dizer então que apenas o movimento do corpo não traduz o significado da mensagem, havendo necessidade de inseri-lo num contexto, permitindo que um mesmo gesto tenha diferentes significados nas diversas sociedades. Entretanto, segundo DAVIS5, há uma polêmica entre os pesquisadores de expressões faciais sobre a existência ou não de gestos universais. Em contraposição ao que foi defendido por BIRDWHISTELL2, os estudos de EKMANN6 comparando culturas defendem a existência de gestos que podem ser descritos como universais. Seu principal argumento é um trabalho realizado com crianças portadoras de cegueira congênita, que adotam expressões típicas de raiva, medo, tristeza, alegria, mesmo sem poder imitar quem as rodeia. Contudo, esse mesmo autor sugere que em toda cultura há "regras demonstrativas", que determinam a adequação das expressões em diferentes situações. Cada cultura, além de regras próprias dispõe de estilos faciais próprios. Os gestos são compreendidos de diversas formas nas diferentes culturas. Só existe um gesto semelhante em qualquer lugar do mundo - o sorriso5, muito embora essa semelhança não deva ser entendida como uma expressão invariável de prazer ou alegria, uma vez que seu significado difere de cultura para cultura e, ainda, conforme o contexto da situação, pode significar surpresa, prazer, desaprovação, ironia, superioridade, desprezo, agressividade, maldade, entre outros. Como podemos observar, a linguagem do corpo diz muitas coisas tanto para nós quanto para aqueles que nos rodeiam. O corpo é, antes de tudo, um centro de informações e, segundo GAIARSA7 "aquilo que de mim eu menos conheço é o meu principal veículo de comunicação". Este mesmo autor sugere que um "observador atento consegue ver no outro quase tudo aquilo que o outro está escondendo - conscientemente ou não. Assim tudo aquilo que não é dito pela palavra pode ser encontrado no tom de voz, na expressão do rosto, na forma do gesto ou na atitude do indivíduo". Muitas vezes ocorrem situações nas quais o profissional procura controlar suas expressões faciais na tentativa de amenizar, disfarçar ou neutralizar um sentimento, a fim de não interferir na relação terapêutica. A esse respeito EKMAN6 desenvolveu um estudo com estudantes de enfermagem solicitando-lhes que, após assistirem um filme com cenas desagradáveis, descrevessemnas como se fossem agradáveis. Seu objetivo foi identificar quais os sinais do rosto e/ou movimento do corpo indicavam que o estudante mentia. Seus resultados mostraram que é possível fingir uma expressão alegre, zangada ou triste, porém, a dificuldade está em fazer esta expressão surgir de uma hora para outra, mantê-la ou mesmo escondê-la. Da mesma forma a habilidade em realizar uma leitura consciente dos diferentes gestos, pode ser obtida com treinamento e tende a facilitar o reconhecimento de um sentimento ou emoção, ainda que sutilmente expressos. Embora não seja nossa pretensão esgotar o assunto, esperamos que as reflexões deste estudo destaquem a importância do conhecimento sobre linguagem corporal, por meio da identificação do que enfermeiras pós-graduandas conhecem a esse respeito. Estas reflexões poderão favorecer a ampliação da nossa percepção profissional, sendo mais um elemento para melhorar a qualidade da assistência de enfermagem. À medida que refletimos sobre o nosso fazer buscamos a excelência do cuidado, da nossa prática profissional, da competência para o cuidado. Os reflexos do cuidado enquanto responsabilidade da enfermeira exigem um controle dessa qualidade, o que envolve também uma avaliação de como a nossa linguagem corporal pode estar influenciando no resultado desse cuidado. METODOLOGIA A estratégia utilizada para desenvolver este estudo foi solicitar às vinte alunas presentes à apresentação do seminário sobre Cinésica, que respondessem a uma pergunta por escrito, antes da exposição teórica do conteúdo. Esclarecemos que era nosso objetivo refletir sobre a linguagem corporal e pedimos permissão para que suas respostas fizessem parte dessa reflexão, esclarecendo que não havia necessidade de identificação pessoal. Obtivemos seu consentimento oral e todas as alunas responderam à pergunta, caracterizando o "consentimento esclarecido"16 ou "claramente expresso"3 do grupo. A pergunta feita às pós-graduandas foi: "O que sabe sobre linguagem corporal?" As respostas foram escritas pelos próprios sujeitos em fichas posteriormente analisadas pelas autoras. Vale a pena ressaltar que o assunto já havia sido abordado de forma genérica em aulas anteriores sobre comunicação não-verbal. A análise foi realizada visando identificar a presença de características expressas no relato dos sujeitos, tendo em vista o objetivo do estudo. Desta forma foi possível, após várias leituras, "fazer inferências através da identificação sistemática e objetiva de características especificadas no interior do texto"15, explicando o processo de opinião de forma mais clara e objetiva, ou seja, atribuindo significados diversos que permitiram outra leitura da mensagem, aquela determinada pelo objeto de estudo1,9. O conteúdo dos relatos foi codificado em categorias, que são abstrações dos fenômenos observados nos dados. Para operacionalizá-las, selecionamos partes que melhor representavam os fatos. As categorias emergiram dos relatos e os dados foram agrupados por similaridade em: Conceito, Função, Importância, Significado e Formas de Manifestação da linguagem corporal. Os relatos foram apresentados nos resultados na forma em que foram registrados nas fichas pelas enfermeiras, aparecendo em destaque e entre aspas. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS As categorias identificadas foram: 1 Conceito Foi possível identificar no relato das enfermeiras, uma tentativa de conceituar a linguagem corporal. Foram apontados o conjunto de expressões e movimentos do corpo como uma forma complexa de comunicar-se, de interagir e de manifestar sentimentos, vontades, emoções, de exteriorizar conteúdos internos: "... conjunto de expressões do corpo... meio de comunicação mais efetivo..." "... é a mensagem do corpo durante a comunicação... é todo gesto expresso pelo ser humano ..." "... o conjunto dos gestos, expressões do corpo..." " São expressões, manifestações externas, corporais dos conteúdos internos..." " São as expressões do corpo. O movimento que se faz palavra para aqueles que estão envolvidos na comunicação." "... é um veículo através do qual nos comunicamos..." "... significado do movimento, a expressão corporal..." " Todas as manifestações através do corpo..." " É a forma não-verbal de manifestarmos nossos sentimentos, emoções, vontades..." " É uma forma complexa de linguagem não-verbal..." "... é a forma do corpo expressar o que sente, pensa e/ou age ... `ECOAR'..." "... expressão do nosso corpo..." A literatura não conceitua especificamente a linguagem corporal. Os conceitos encontrados são amplos e dizem respeito à comunicação não-verbal de modo geral. CORRAZE4 lembra que "quando se mostra a existência de formas universais nas mensagens não-verbais, não se pode deixar de pensar que a cinética só estuda uma parte delas". Isto é, para compreender o processo de comunicação não-verbal, é necessário muito mais do que apenas a linguagem do corpo. Há que se considerar o tom da voz, o espaço utilizado pelo homem, o toque e os fatores do meio ambiente; todos eles inseridos em um determinado contexto. O significado atribuído vai depender de todos estes elementos interrelacionados. Chamou nossa atenção o relato: "é o movimento que se faz palavra...". Talvez, ele encerre a essência da linguagem corporal, assinalando que o corpo se comunica mesmo destituído do verbo. 2 - Função A função da linguagem corporal foi identificada pelas enfermeiras como uma forma de expressar através do corpo emoções, sentimentos, reações e de transmitir mensagens como expressam os relatos abaixo: "...para comunicar-se com o meio..." "...Transmite mensagens, emoções..." "...demonstrar sua emoção, reação diante de uma situação." "...se expressar, expressar muitas das emoções ... expressar os sentimentos." "...expressam `milhões' de coisas, de acordo com o contexto, cultura etc..." "...complementa a comunicação verbal...movimento corpóreo, que tentam expressar e ter algum significado." "...expressam ou comunicam..." "...traduz algo a ser comunicado...proporciona evolução nas relações." "...transmitindo ou decodifindo alguma mensagem ..." Um dos pressupostos básicos para compreensão da cinésica, segundo BIRDWHISTELL2, é que "determinado comportamento, ou seja, a atividade corporal visível, encerra significados socialmente reconhecidos e válidos. Os sinais identificados pela pessoa são igualmente captados por seu grupo". Isto pode ser observado no seguinte relato: "Observando as pessoas podemos deduzir pelo modo de vestir, andar, falar, a postura, se estão ou são, alegres, tristes, cansadas, ativas, adinâmicas." Muitas vezes, a comunicação não-verbal modifica o significado da verbal, ou seja, a mensagem verbal é contraditória ao que é expresso pela comunicação não-verbal entre os indivíduos. SILVA13 considera o rosto como o melhor "mentiroso" não-verbal. Ele é a parte do corpo que as pessoas mais tentam controlar, o que é possível conseguir através de treino. Alguns relatos demonstram essa afirmativa: "... mesmo que utilizemos palavras muitas vezes que não condizem com o que realmente pensamos, a feição do rosto, gestos, movimentos podem muitas vezes mostrar o oposto." "... expressar muitas vezes mais do que a gente consegue expressar através das palavras." Podemos afirmar também, que é imperiosa no profissional, a habilidade em perceber manifestações não-verbais no comportamento dos pacientes, que muitas vezes negam o verbal. É interessante observar como várias enfermeiras citaram as emoções em seus relatos: "... Transmite...emoções..." "...se expressar, expressar muitas das emoções..." "...expressa sem dúvida todas as nossas emoções..." "...demonstra sentimentos, emoções..." "...demonstramos emoções que trazem embotadas as afetividades." As emoções foram estudadas por SILVA10 descrevendo sete emoções consideradas puras: alegria, raiva, nojo, medo, tristeza, surpresa, desprezo, por meio das configurações faciais e de arranjos de sinais, principalmente, na testa, olhos e boca. Como a face é a parte mais exposta do corpo humano, e é onde as emoções são principalmente demonstradas, as enfermeiras precisam estar atentas às alterações que ocorrem no rosto dos pacientes. Podem sugerir indícios de emoções não expressas verbalmente, permitindo o cuidado individualizado e holístico. 3 IMPORTÂNCIA A importância da linguagem corporal foi ressaltada por algumas enfermeiras como essencial nas relações interpessoais, assim como a necessidade de ser compreendida e valorizada porque "proporciona evolução nas relações": "...É preciso valorizá-la, observá-la e utilizá-la." "...É fundamental no processo de comunicação." "...É essencial na comunicação!!!" "...a interpretação desses gestos é muito rica..." "...influencia muito no processo de comunicação." Como profissionais em constante interação com outras pessoas, devemos nos lembrar das diferentes crenças, valores e culturas que permeiam estas relações e estar conscientes da influência que sofremos e exercemos, mutuamente, através da linguagem corporal. No estudo de SILVA11 foi evidenciado o pouco conhecimento que as enfermeiras têm sobre comunicação não-verbal. Essa mesma autora, em 199613, sugere que o conhecimento do não-verbal pode favorecer a percepção das enfermeiras quanto aos sentimentos, emoções, dúvidas e dificuldades não verbalizadas pelo paciente. Além disso, potencializa a habilidade de comunicação deste profissional, pois "todo ser humano precisa aprender a lidar consigo mesmo e com os outros". Esta consciência é fundamental, principalmente se lembrarmos da função educadora da enfermeira, como motivadora de mudanças de comportamentos nos aspectos de saúde. Quando nos conhecemos e percebemos que podemos ser afetados pelo comportamento do outro, compreendemos porque o paciente pode reagir de diferentes maneiras a um mesmo estímulo. 4 Significado As enfermeiras relataram o que, para elas, representa a linguagem corporal - uma valoração subjetiva do que significa expressar-se através do corpo. Um dos pontos ressaltados foi que o corpo é veículo das emoções e sentimentos puros, nem sempre conscientes, que exprimem a essência do ser: "...o corpo "fala"..." "... Linguagem da alma, do sentimento puro e limpo ... que encerram muitas conotações sociais, culturais, o viver o dia-a-dia de cada um, e a demonstração de amor em geral e outros sentimentos." "...O corpo tem sua linguagem própria..." "...O corpo é a expressão concreta de sua essência, emoções e pensamentos... é a expressão real, pura das nossas emoções." "...é a linguagem que podemos considerar verdadeira por não termos controle consciente sobre a mesma." Percebemos ainda, que emergiu do relato "os outros conhecem melhor nossa linguagem corporal do que nós mesmos", uma reflexão sobre a pouca consciência que temos sobre a nossa linguagem corporal. É importante estarmos atentas às reações que provocamos nos outros para que possamos caminhar em direção ao auto-conhecimento. De acordo com STEFANELLI14 "o homem age com base na significação que os fatos têm para ele ... a significação é conseqüência da interação social que o homem experimenta com seus semelhantes ...e é manipulada e modificada por meio de um processo interpretativo". Baseadas nestes pressupostos e nos relatos das enfermeiras, podemos inferir que o conteúdo apresentado anteriormente na disciplina influenciou na interpretação e valorização da linguagem corporal, o que possivelmente determinará modificação nas suas atuações profissionais e relações interpessoais. 5 - Formas de manifestação Dentre as possibilidades de formas de manifestação da linguagem corporal relatadas, aparece com maior freqüência a intenção consciente e/ou inconsciente de expressar-se através do corpo. CORRAZE4 afirma que "no que concerne à intenção consciente, percebe-se que o homem, nas circunstâncias habituais da vida, tem muito pouco domínio sobre as suas comunicações não-verbais". Refere, ainda, que temos pouca consciência dos gestos que utilizamos, não estando atentas à forma como os fazemos. "...podem ser conscientes e inconscientes..." "...conscientes ou inconscientes." "...intencionalmente ou não." "...controlável ou não." "...voluntários e involuntários, conscientes e inconscientes." "...de forma consciente ou não; através de nossos gestos, posturas corporais." "...conscientes ou não." O estudo de BIRDWHISTELL2 concluiu que num nível abaixo da consciência ocorre parte da comunicação humana, local onde é indireta a importância das palavras. Os relatos destacaram também, que a comunicação corporal se dá continuamente e que o contexto em que ocorre deve ser considerado: "...manifesta-se continuamente em nosso existir, e de acordo com o contexto em que vivemos." "...que pode ser consciente ou não, que envolve nossos gestos, posturas, emoções e sentimentos em determinado contexto..." "...o movimento deve ser visto no todo do corpo." "...o tempo todo, com as pessoas que nos cercam..." "...nosso corpo manifesta durante todo período...mesmo quando estamos de olhos fechados conseguimos passar uma mensagem para alguém." É importante lembrar aqui que em seu estudo BIRDWHISTELL2 estabeleceu, dentre seus pressupostos básicos, que o significado atribuído ao movimento ou expressão corporal é fornecido pelo contexto. Outro ponto salientado pelas enfermeiras como elementos utilizados para manifestar a linguagem corporal, foram os gestos, movimentos, posturas e sinais faciais. "...são movimentos realizados durante a fala ou um gesto." "...através dos movimentos posturas e gestos do corpo..." "...através de movimentos..." "...engloba todas as manifestações do movimento corpóreo... facial e sinais..." "...gestos, dança, movimentos de caminhar e acomodar-se, o simples movimento de olhos..." "...através da mímica facial..." "...através do rosto, do olhar, do sorriso, dos gestos das nossas mãos, pernas e postura corporal". Estes relatos estão de acordo com as descrições da literatura sobre como a linguagem corporal se manifesta4,5,13,14. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da categorização foi possível evidenciar que a linguagem corporal é uma forma complexa de interação interpessoal, da qual temos pouca consciência, ocorrendo por vezes, à margem do nosso controle. Tem como função expressar sentimentos, emoções, reações e transmitir mensagens. Manifesta-se de forma natural, intuitiva e continuamente, mas é influenciada pelo contexto e pelas diferentes culturas. Esta visão do grupo demonstrou uma consonância com a literatura, evidenciando que estão sensibilizadas e mais receptivas ao aprendizado da comunicação. Isto não pode ser generalizado, pois os relatos surgiram no âmbito restrito da disciplina, além disto, a linguagem corporal ainda não é um tema muito discutido na formação profissional. A formação acadêmica tende a fazer com que o profissional de enfermagem busque controlar a expressão de seus sentimentos e emoções, de forma a não interferir no seu desempenho cotidiano. Porém, a convivência diária com situações de dor, morte, mutilações entre outras, não só são desgastantes como geram conflitos diários, justificados apenas por uma tentativa de "controle" que excede os limites pessoais e profissionais. Entretanto, esta mesma formação enfatiza a atenção às necessidades psicossociais dos pacientes. Questionamos se um indivíduo que necessita suprimir os próprios sentimentos e emoções, não se torna, com o passar do tempo, insensível à percepção das manifestações não-verbais expressas por aqueles sob seus cuidados. Poderíamos dizer, então, que os sentimentos e emoções tanto do paciente, quanto da enfermeira, não estão sendo adequadamente valorizados durante a interação. A trajetória em direção à consciência da importância da linguagem corporal pode modificar este cenário, tornando possível transformar as interações em situações de "troca", que venham a ser enriquecedoras para os envolvidos no processo de comunicação. Entendemos que a busca de uma "praxis" reflexiva é que resgata e valoriza a enfermagem na construção de seu conhecimento. Assim, a comunicação é um dos instrumentos que deve ser utilizado pela enfermeira, a fim de ampliar sua capacidade de perceber as mensagens implícitas ou explícitas, que permeiam a relação enfermeira-paciente e são fundamentais para a assistência de enfermagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. BERELSON, B. Content analysis. In: LINDSEY, G.(org.) Handbook of social psychology. Massachusetts: Addison-Wesley, 1951. v. 1. p. 489. 02. BIRDWHISTELL, R.L. Kinesics and context: essays on body motion communication. 4.ed. Philadelphia: UPP (University of Pensylvania Press), 1985. 03. CONTANDRIOPOULOS, A.P. et al. Saber preparar uma pesquisa: definição, estrutura, financiamento. 2. ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Hucitec Abrasco, 1997. 04. CORRAZE, J. As comunicações não-verbais. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 05. DAVIS, F. A comunicação não-verbal. 6. ed. São Paulo: Summus, 1979. 06. EKMAN, P. Darwin and facial expression: a century of research in review. New York: Academic Press, 1973. Cap. 4, p. 169-221: cross-cultural studies of facial expression. 07.GAIARSA, J.A. A estátua e a bailarina. 3. ed. São Paulo: Ícone, 1995. 08. KNAPP, M.L. La comunicación no verbal: el cuerpo y el entorno. Barcelona: Paidós, 1980. 09. ROSEMBERG, F. Da intimidade aos quiprocós: uma discussão em torno da análise de conteúdo. Cad. CERU, São Paulo, n. 16, p. 70-5, novembro 1981. 10. SILVA, A.A. Julgamento de expressões faciais de emoções: fidedignidade, erros mais freqüentes e treinamento. São Paulo, 1987. 260 p. Tese (Doutorado) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. 11. SILVA, M.J.P. A percepção das enfermeiras sobre a comunicação não-verbal dos pacientes. São Paulo, 1989. 113p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. 12. Construção e validação de um programa sobre comunicação não-verbal para enfermeiros. São Paulo, 1993. 108p. Tese (Doutorado) Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. 13. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde. 2. ed. São Paulo: Gente, 1996. 14. STEFANELLI, M.C. Comunicação com o paciente: teoria e ensino. São Paulo: Robe, 1993. 15. STONE, P.J.; HOLSTI, O. Content analysis. In: LINDSEY, G.(org.) Handbook of social psychology. Massachusetts: Addison-Wesley, 1968. v. 2. p. 30. 16. VIEIRA, S.; HOSSNE, W.S. Pesquisa médica: a ética e a metodologia. São Paulo: Pioneira, 1998. Recebido em: 16.10.1998 Aprovado em: 4.2.2000 Enfermeira. Mestranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein; 2 Enfermeira. Doutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás; 3 Enfermeira. Doutoranda do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. Pesquisadora Científica I do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia; 4 Enfermeira. Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo 1 © 2007 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010411692000000400008&script=sci_arttext&tlng=pt Comunicar-se com o paciente sedado: vivência de quem cuida1 Communicating with the sedated patient: experience of the caretakers Comunicarse con el paciente sedado: vivencia de quien cuida Gabriela Rodrigues ZinnI; Maria Júlia Paes da SilvaII; Sandra Cristina Ribeiro TellesIII Enfermeira Assistencial da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário de São Paulo, E-mail: [email protected] II Professor Livre Docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Email: [email protected] III Enfermeira Chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário de São Paulo, E-mail: [email protected] I RESUMO Como interagir com pacientes sedados aparentemente incapazes de se expressar? A partir desse questionamento decidimos pela realização de estudo qualitativo, norteado pela vertente da fenomenologia, com o objetivo de compreender o comunicar-se com o paciente sedado, a partir da perspectiva das enfermeiras que cuidam desses pacientes. Foram realizadas 10 entrevistas individuais com enfermeiras intensivistas de um Hospital Escola de São Paulo e, após a análise dos dados, desvelou-se quatro categorias temáticas: comunicação com o paciente sedado x grau de sedação; comunicação com o paciente sedado x capacidade de percepção atribuída; valorização da comunicação com o paciente sedado; formas de comunicação com o paciente sedado. Concluiu-se, então, que a comunicação com o paciente sedado existe e que ocorre em diferentes momentos e de formas distintas, através do verbal e do nãoverbal. Descritores: comunicação, inconsciência, unidades de terapia intensiva ABSTRACT How can we interact with sedated patients who are seemingly unable to express themselves? On the basis of these questions, we chose to realize a qualitative phenomenological study aimed at comprehending communication with the sedated patient from the perspective of the nurses who take care of those patients. Ten individual interviews were realized with intensive nurses from a Hospital School in São Paulo. After data analysis, four general thematic categories were revealed: communication with sedated patient x sedation degree; communication with sedated patient x attributed perception capacity; valuation of communication with sedated patient; forms of communication with the sedated patient. This research concluded that the communication with the sedated patient exists and occurs at different moments and in different ways through verbal and non-verbal communication. Descriptors: communication, unconsciousness, intensive care units RESUMEN Cómo interactuar con pacientes sedados e aparentemente incapaces de expresarse? A partir de esta interrogante, decidimos realizar un estudio cualitativo, orientado por la vertiente de la fenomenología, con el objetivo de comprender "el comunicarse con el paciente sedado", a partir de la perspectiva de enfermeras que cuidan de estos pacientes. Se realizaron 10 entrevistas individuales con enfermeras intensivistas de un hospital docente de São Paulo y después del análisis de los datos, se descubrieron cuatro temas generales: comunicación con el paciente sedado x grado de la sedación; comunicación con el paciente sedado x capacidad de la opinión atribuida; valorización del comunicarse con el paciente sedado; formas de comunicación con el paciente sedado. Se concluye entonces que la comunicación con el paciente sedado existe y que esta ocurre en diferentes momentos y de diversas formas, a través de lo verbal y no verbal. Descriptores: comunicación, inconsciencia, unidades de terapia intensiva INTRODUÇÃO A Enfermagem é a arte e a ciência do cuidar, cuidar de pessoas! E para que isso seja viável é necessário um processo de interação entre quem cuida e quem é cuidado, é necessária troca de informações e de sentimentos entre essas pessoas. Refletindo sobre essa afirmação e transpondo-a para a realidade de uma unidade de terapia intensiva (UTI), onde encontramos muitos pacientes com alteração em seu nível de consciência, chegamos ao seguinte questionamento: "Como interagir com pacientes sedados, aparentemente incapazes de se expressar?" Sabemos que a comunicação destaca-se como o principal instrumento para que a interação e a troca aconteçam e, conseqüentemente, o processo de cuidar, no seu sentido mais amplo, tenha espaço para acontecer; afinal, "os componentes da comunicação formam o clima e a nutrição para a compreensão"(1). Mas o que é comunicação? Etimologicamente, a palavra comunicar origina-se do latim communicare que significa "pôr em comum"(1). A comunicação interpessoal pode ser definida como um conjunto de movimentos integrados, que calibra, regula, mantém e, por isso, torna possível a relação entre os homens(2). Essa comunicação pode ser dividida em verbal (associada às palavras expressas por meio da fala ou da escrita) e em não-verbal (desenvolvida através de gestos, silêncio, expressões faciais, postura corporal, entre outros)(3). Destacamos que as pesquisas acerca da interação com pacientes nas UTIs abordam, majoritariamente, a comunicação com pacientes que estão conscientes. Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estudos sobre formas de transmissão de mensagens através da comunicação não-verbal, uma vez que nesse ambiente há prevalência de pacientes com sua capacidade de expressão verbal afetada (ex.: entubação orotraqueal, traqueostomia)(4-5). No entanto, este trabalho pretende abordar a comunicação com pacientes sedados que, conseqüentemente, se encontram com seu nível de consciência alterado. Ressaltamos que consciência pode ser definida como "atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade" (6), é o "conhecimento imediato da sua própria atividade psíquica"(6). Dentro de um contexto reflexivo, a compreensão mais profunda sobre a consciência humana e o papel da mente no processo de re-equilíbrio vital pode minimizar a ansiedade dos profissionais e estender as intervenções para além do cuidado físico e do controle técnico dos monitores, almejando atingir as demais dimensões humanas, potencializando-as. Como vem sendo preconizado nos últimos anos, devemos compreender/cuidar do ser humano holisticamente, buscando atender todas as suas necessidades as quais formam uma unidade, um ser biológico, social, psicológico e espiritual(7). O comprometimento de algumas funções cerebrais e sensoriais não implica necessariamente na inexistência perceptual; a diferença está na possibilidade de expressão do que é percebido(7). Relacionando a reflexão anterior com a comunicação não-verbal, no caso, o toque, estudos com pacientes internados em unidades de terapia intensiva mostram que o toque de familiares, enfermeiros e médicos pode alterar o ritmo cardíaco do paciente, o qual chega a diminuir, quando os enfermeiros seguram suas mãos(8). Uma reflexão histórica sobre como o corpo e o toque são percebidos ressalta a possibilidade do mundo da tecnologia avançada substituir esse instrumento próprio do ser humano. "O afago, o aperto de mão, oferecendo apoio e suporte, ou mesmo o olhar carinhoso e amigo parece não ser mais necessário. A máquina passa a realizar o cuidado e a cuidadora a ocupar-se, absorvendo-se e concentrando-se no manuseio da mesma, por vezes esquecendo o ser humano a ela conectado"(9). Na comunicação há o envolvimento do comportamento recíproco entre as pessoas que estão se relacionando, o que significa que não existe um fluxo de comportamento numa só direção(1). Destaca-se a afirmação que não há como não nos comunicarmos(10), com ou sem intenção, sempre há a transmissão de mensagens uma vez estabelecida a interação. Partindo-se dessa premissa, uma vez existindo a comunicação com o paciente sedado, cabe compreender como a enfermeira expressa sua percepção na abordagem verbal ou não-verbal. Destacamos a relevância de uma compreensão do comunicar-se com o paciente sedado a partir da vivência de quem cuida desses pacientes, as enfermeiras intensivistas, além disso, uma vez levantada a existência dessa comunicação, desvelar como ela ocorre. A comunicação é parte do tratamento do paciente e ficar conversando com ele, muitas vezes, é o próprio remédio. (Rebecca Bebb) METODOLOGIA Tendo como objetivos a compreensão do comunicar-se com o paciente sedado, através da vivência/experiência de enfermeiras que cuidam desses pacientes e, uma vez levantada sua existência, desvelar como essa comunicação ocorre, a pesquisa qualitativa na vertente fenomenológica, na modalidade da estrutura do fenômeno situado, mostrou-se a mais adequada. A região de inquérito foi a Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Escola da cidade de São Paulo. A população constituiu-se de 10 enfermeiras que trabalham na unidade em que foi realizada a pesquisa e que concordaram em participar. Esse número não foi pré-determinado, pois o encerramento das entrevistas ocorreu a partir do momento em que foi constatada a invariância do fenômeno(11). Operacionalização Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizado o estudo, uma das pesquisadoras abordou as enfermeiras durante o mês de novembro de 2001, esclarecendo-as sobre os objetivos do estudo, a voluntariedade de participação e a garantia do anonimato, verbalmente e em forma de documento (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido). Após os esclarecimentos, verificou-se o interesse dos sujeitos em participar e, os que concordaram, assinaram o Termo de Consentimento, iniciando-se, dessa forma, a coleta de dados. A obtenção dos discursos Os discursos foram obtidos através de entrevistas individuais, as quais foram gravadas em fita cassete, mediante o consentimento dos entrevistados. As questões norteadoras da entrevista foram: Como é para você comunicar-se com um paciente sedado? Diante das respostas, nos casos em que o entrevistado levantou a existência de comunicação, foi feito o seguinte questionamento: Como acontece essa comunicação? Após as entrevistas, as falas foram transcritas e iniciou-se a análise dos discursos obtidos. O momento da análise Seguindo o referencial metodológico adotado(11), a análise seguiu os momentos apresentados a seguir: 1. O sentido do todo (compreensão da linguagem do sujeito): neste momento houve um "mergulho" no sentido global dos discursos através da leitura; 2. Discriminação das unidades de significado: em cada discurso transcrito foram grifados e numerados os trechos que possibilitavam a percepção da essência do fenômeno; 3. Transformação das expressões cotidianas na linguagem do pesquisador: essa transformação é necessária porque "as descrições ingênuas feitas pelos sujeitos expressam, de maneira oculta, realidades múltiplas, as quais o pesquisador deseja elucidar os aspectos psicológicos em profundidade adequada para o acontecimento" (11). 4. Síntese das unidades de significado transformadas em proposições: as unidades de significado foram agrupadas e divididas em temas gerais a partir das convergências e divergências presentes nos discursos. COMPREENDENDO O FENÔMENO A partir da análise dos dados desvelamos quatro categorias temáticas: 1. Comunicação com o paciente sedado x grau de sedação Diante dos discursos obtidos, destaca-se a relação existente entre o grau de sedação em que o paciente se encontra e o estabelecimento da comunicação enfermeiropaciente. De acordo com a quantidade de droga sedativa administrada e a forma como o paciente responde a essa sedação, há ou não a comunicação. ... é difícil porque... depende da sedação... tem hora que (o paciente) te responde, tem hora que não. Algumas enfermeiras relatam que não há comunicação com o paciente que se encontra em um grau de sedação profundo, uma vez que não existe resposta aos estímulos. Outras relatam que, nessa situação, a comunicação é dificultada. Quando a sedação tá muito alta... não tem como você se comunicar. ... se ele estiver sedado eficazmente, a minha condição de estar me relacionando com ele é muito pequena. Por outro lado, quando o paciente encontra-se em um estado de sedação superficial, existe a possibilidade de estabelecer uma comunicação, mesmo que seja parcial ou prejudicada. Quando a sedação estivesse ineficaz... ele conseguiria me responder... existiria uma comunicação parcial. Fica claro, em alguns discursos, a dissociação entre a dose do fármaco administrado para a sedação e o grau de sedação em que o paciente se encontra, pois, com a sedação padrão que a gente usa, com 30ml/h ele tá entendendo o que você tá falando... e tem pacientes que com 5ml/h ficam totalmente entregues. Outro ponto destacado em alguns discursos é o fato da sedação elevada ser supostamente melhor para o paciente que está na UTI já que ... o paciente só suporta mesmo porque está sedado, uma vez que o tratamento na UTI é, na maioria das vezes, invasivo, agressivo e até doloroso. ... dependendo do estado do paciente é importante que ele esteja bem sedado. Esse fato é reforçado por um estudo no qual se destaca a vivência na UTI, descrita pelos pacientes, como uma experiência de solidão e desamparo, onde eles se sentem perdidos, controlados (por máquinas) e inseguros diante da incerteza de seus destinos. Eles encontram-se desconfortáveis fisicamente e inseguros emocionalmente, resultando em reações que variam do silêncio ao choro e à agitação(12). A discussão sobre esse assunto ocorre como contraponto diante da impossibilidade de comunicar-se com o paciente sedado, pois ... embora você perca em troca com ele, e que é superimportante... eu acho que nesse momento ainda é melhor ele não sentir dor (estando sedado). Lembramos que as indicações sugeridas para a sedação são: aliviar a ansiedade e o medo, controlar estados confusionais agudos, facilitar o sono, diminuir o metabolismo, facilitar a realização de procedimentos e facilitar a ventilação mecânica (13-14). Também relativo ao grau de sedação, a comunicação, nesse contexto, aparece como instrumento de mensuração da eficácia e profundidade da sedação, ou seja, da forma como o paciente está respondendo às drogas que estão sendo administradas, destacando que a escala de Ramsey é a mais utilizada para avaliar o grau de sedação do paciente(13). ... é muito importante (a comunicação) até pra... fazer essa medida da escala de Ramsey. Encontramos, portanto, dentro desse tema, a comunicação com o paciente sedado como algo dependente da resposta enviada pela pessoa que se encontra sob sedação. 2. Comunicação com o paciente sedado x capacidade de percepção atribuída A reflexão acerca da percepção por parte do paciente sedado é levantada constantemente. ... eu acredito que ele está ouvindo, eu acho que ele está sentindo.... ... na verdade ele tá sentindo que tá sendo manipulado. Em um dos discursos, a dificuldade em comunicar-se com o paciente sedado está baseada, principalmente, na dúvida acerca da percepção do indivíduo. ... eu não sei, se mesmo sedado, ele vai tá ouvindo, ele vai tá sentindo, ou não... Uma das enfermeiras lembra que a audição é um dos últimos sentidos a perder, porém existe o questionamento sobre até que ponto ele tá entendendo. Contrapondo-se ao primeiro tema, citado anteriormente, ressaltamos que 50% das enfermeiras entrevistadas estabelecem algum tipo de comunicação com o paciente sedado independentemente do grau da sedação, ou seja, independente da obtenção de algum tipo de resposta. Em um dos discursos, a enfermeira refere que, apesar de sentir falta de contactuar com o paciente, ou seja, de obter uma resposta, ela sempre conversa com ele e chama-o pelo nome. Quando as enfermeiras afirmam não ter resposta do paciente sedado profundamente, elas abordam a questão da ausência de expressão do paciente, entretanto, devemos lembrar a dicotomia existente entre percepção e expressão do que é compreendido. O comprometimento de funções cerebrais e sentidos não implicam, necessariamente, na inexistência perceptual(7). "Reconhecer os sentimentos do doente é fundamental para o enfermeiro, pois é através dessa compreensão que ele percebe as necessidades reais do paciente e pode realizar um plano de cuidados sistematizado, considerando a pessoa como um todo, e desenvolvendo uma postura empática"(2). 3. Valorização da comunição com o paciente sedado Através dos discursos, algumas atribuições foram consideradas sobre comunicar-se com o paciente sedado, dentre elas destacam-se aquelas mencionadas a seguir. Primeiramente, a aproximação que a comunicação estabelece entre o cuidador e o paciente. Lembrando que a ética está sempre associada à presença, que é um dos componentes mais importantes do cuidado humano. Na verdade, "o cuidado humano, pelas suas próprias características, é considerado a própria ética da enfermagem" (9). Entretanto, houve grande evolução técnica no que diz respeito aos enfermeiros e profissionais da saúde, porém, como técnica não significa ética, nem sempre se consegue transpor o discurso de humanidade nas pequenas coisas(2). Outra atribuição destacada sobre o comunicar-se com o paciente sedado é que esse ato torna-o mais calmo. Somando-se a isso, estabelecer essa comunicação é importante porque possibilita uma troca com o paciente; o enfermeiro passa a ter maior possibilidade de perceber o que ele está sentindo; permite a mensuração do grau de sedação; além de ser um passo anterior à invasão da privacidade desse indivíduo que está com sua capacidade de expressão afetada e em quem o enfermeiro realiza, além do banho, muitos outros procedimentos que invadem sua individualidade. Por último, a partir dos discursos, também é possível afirmar que a comunicação com o paciente sedado é necessária, é função do enfermeiro, é algo que o diferencia como profissional e, algumas vezes, é um ato condicionado, sem reflexão. Somando-se aos valores atribuídos à comunicação com o paciente sedado, obtivemos relatos acerca de fatores que dificultam o estabelecimento dessa comunicação, por exemplo, ...com o tempo (a gente) acaba criando uma certa barreira... conforme a coisa vai ficando meio que corrida, a gente vai ficando um pouco mais frio também.... Nesse caso, a rotina, a escassez de tempo, e a falta de reflexão desencadeiam essa dificuldade. ... você não estar totalmente presente (com o paciente) é muito frustrante. A falta de estrutura da unidade, entendida como fator facilitador para o estabelecimento de comunicação, também é citada nos discursos. Uma pesquisa revela que a UTI, por ser um local que enfatiza os recursos materiais e a tecnologia, contribui para comportamentos automatizados, onde o diálogo e a reflexão crítica não encontram espaço, inclusive pelas situações contínuas de emergência, pela gravidade dos pacientes e pela dinâmica acelerada do serviço. Diante disso, percebese que as "atividades-meios" acabam transformadas em "atividades-fins", desviando o foco da atenção que deveria estar no paciente(12). 4. Formas de comunicação com o paciente sedado Com exceção de apenas um discurso, todos abordaram formas distintas de se comunicar com o paciente sedado. A comunicação verbal é citada com freqüência, porém, o não-verbal também é destacado: ... tô conversando sempre com o paciente mesmo que ele esteja arresponsivo. (a comunicação ocorre)... só por mímica, expressões faciais... ouvir o sim ou não com a cabeça... perceber pelo grau de agitação do doente... ...quando dá pra você se comunicar com ele é através de gestos, escrita... ... eu já gosto mesmo de, de me comunicar com o paciente, tocar, conversar... dar atenção. (a comunicação ocorre através) do toque, da conversa e até brincando... chamar pelo nome é tão gostoso, tão aconchegante... ... eu dei feliz Ano Novo para toooodos os pacientes, tavam todos eles sedados... são tal horas, tá começando o ano tal... que o senhor ou a senhora saia bem daqui... ... a gente fala... a gente toca.... ... (o paciente se expressa) através de gesto, de sinal ou, responder ao estímulo... Destacamos que a comunicação pode ser concebida como um sistema de múltiplos canais, em que o ator social participa em todos os momentos, desejando ou não, por seus gestos, olhares, silêncio e até na sua ausência (2). Diante desses relatos, observamos que, apesar de algumas enfermeiras acreditarem na existência da comunicação independente do grau de sedação, e outras, considerarem esse fator nos diferentes momentos em que é estabelecida a comunicação, essa ocorre através do verbal e do não-verbal (expressões faciais e corporais, toque, brincadeiras). Destaca-se ainda que, na maior parte das vezes, os pacientes não se manifestam claramente. SÍNTESE A análise dos discursos e a obtenção dos quatro temas gerais contidos nas descrições proporcionaram a compreensão do fenômeno comunicar-se com o paciente sedado, a partir da vivência e experiência de enfermeiras intensivistas, sob duas perspectivas: - a primeira definindo o fenômeno em função do grau de sedação, onde metade dos sujeitos acreditam que comunicação e grau de sedação sejam processos interdependentes; os demais acreditam tratar-se de fenômenos independentes; - a segunda revela essa comunicação como algo dependente da capacidade de percepção e/ou expressão por parte do paciente, independente do grau de sedação. Essas duas perspectivas de perceber o fenômeno, entretanto, convergem a partir do momento em que 100% dos discursos obtidos revelaram a existência da comunicação com o paciente sedado, mesmo que em momentos diferentes e de formas distintas. Diante dessa revelação, foi destacado, também, que se comunicar com o paciente sedado é um fenômeno difícil, seja pelo grau de sedação, pela falta de tempo, de reflexão e de estrutura da unidade; seja pela dúvida acerca da percepção do paciente sedado diante da mensagem recebida. Em relação a essa percepção por parte do paciente, destaca-se a crença e, algumas vezes, a dúvida acerca da audição e da sensibilidade do paciente que está sedado. O comunicar-se com o paciente sedado foi desvelado, de modo geral, como um fenômeno que: - aproxima o cuidador do paciente; - é importante por proporcionar uma troca entre ambos, aumentando a percepção sobre o que o paciente está sentindo; - é importante por ser um passo anterior à invasão da privacidade do paciente; - é um instrumento de mensuração da profundidade da sedação; - é necessário; - acalma o paciente; - é função do enfermeiro; - diferencia o profissional; - algumas vezes, ocorre como um ato condicionado, sem reflexão. Seguindo os objetivos deste estudo, foi desvelado, ainda, como ocorre a comunicação com o paciente sedado. Essa acontece, sob a perspectiva da enfermeira, através da verbalização, do toque, da atenção e das brincadeiras; e, sob a perspectiva do paciente, através da escrita (pacientes com sedação superficial) e de expressões faciais e corporais, entretanto, na maioria das vezes não há manifestação por parte do paciente, a não ser pelo silêncio verbal e corporal. É relevante uma discussão sobre a compreensão que as enfermeiras possuem do que vem a ser comunicação. De acordo com os discursos, algumas enfermeiras afirmam não haver comunicação com o paciente sedado profundamente, pois não existe resposta. Nesse sentido, a comunicação é compreendida como uma "via de duas mãos", na qual uma informação é enviada e dela espera-se a obtenção de um retorno. Porém, as enfermeiras que estabelecem a comunicação independente do grau de sedação, aparentemente, também consideram a possibilidade da comunicação existir como uma "via de mão única", na qual o que importa é a tentativa de transmitir uma mensagem, ou até obter um retorno, porém não imediato, como é expressado no seguinte discurso ...eu acho que ele tá sentindo e que ele vai perceber o contato que você teve com ele quando ele estiver acordado. Que o homem seja capaz de considerar-se a si mesmo é o grande prodígio da natureza, pois ele não consegue conceber o que é seu corpo e muito menos o que é seu espírito e, finalmente, como o corpo pode se unir ao espírito. Este é o cume de sua dificuldade e, no entanto, é a essência do seu ser. (Pascal) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Mendes IAC. Enfoque humanístico à comunicação em enfermagem. São Paulo (SP): Sarvier;1994. 2. Silva MJP. Percebendo o ser humano além da doença - o não-verbal detectado pelo enfermeiro. Nursing 2001; 41(4):14-20. 3. 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Recebido em: 19.2.2002 Aprovado em: 21.3.2003 1 Trabalho atribuído ao Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e ao Departamento de Enfermagem do Hospital Universitário de São Paulo © 2007 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010411692003000300010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt http://www.fen.ufg.br/revista/revista6_2/pdf/R4_comunica.pdf