comunicação não-verbal: reflexões acerca da linguagem corporal

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COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL: REFLEXÕES ACERCA DA
LINGUAGEM CORPORAL
Lúcia Marta Giunta da Silva1
Virginia Visconde Brasil2
Heloísa Cristina Quatrini Carvalho Passos Guimarães3
Beatriz Helena Ramos de Almeida Savonitti1
Maria Júlia Paes da Silva4
Buscamos com este estudo refletir sobre a importância da linguagem corporal, através da
identificação do que um grupo de enfermeiras pós-graduandas, sabiam sobre o assunto.
Analisamos o conteúdo dos relatos de onde emergiram cinco categorias: conceito, função,
importância, significado e formas de manifestação da linguagem corporal. A linguagem
corporal foi valorizada pelo grupo como uma forma complexa de interação interpessoal da
qual temos pouca consciência, ocorrendo por vezes à margem do nosso controle. Tem por
função expressar sentimentos, emoções e transmitir mensagens, cujos significados são
influenciados pelo contexto. O conhecimento da linguagem corporal amplia nossa
percepção profissional e é mais um instrumento para melhorar a qualidade da assistência
de enfermagem.
UNITERMOS: comunicação não-verbal, linguagem corporal, enfermagem, cinésica
NON-VERBAL COMMUNICATION: REFLECTIONS ON BODY LANGUAGE
The present study aimed to reflect on the importance of body language through the
identification of what a graduate nursing group knew about this topic. We analyzed the
contents of reports from which five categories emerged: concept, function, importance,
meaning and forms of body language manifestation. The group valued body language as a
complex way of interpersonal interaction that sometimes occurs out of our control and of
which we have little conscience. It has the function of expressing feelings, emotions and
transmitting messages whose meanings are influenced by context. Body language
knowledge increases our professional perception and it is one more instrument to improve
nursing assistance quality.
KEY WORDS: non-verbal communication, body language, nursing, kinesics
COMUNICACIÓN NO VERBAL: REFLECCIONES ACERCA DEL LENGUAJE CORPORAL
Buscamos con este estudio reflexionar sobre la importancia del lenguaje corporal, a través
de la identificación de un grupo de enfermeras, estudiantes de pos-grado, si saben sobre
dicho asunto. Analizando el contenido de los relatos, de donde surgieron cinco categorías:
concepto, función, importancia, significado y formas de manifestación del lenguaje corporal.
El lenguaje corporal fue valorizado por el grupo, como una forma compleja de interacción
inter-personal, de la cual tenemos poca conciencia, ocurriendo algunas veces al margen de
nuestro control. Tiene por función expresar sentimientos, emociones y transmitir mensajes,
cuyo significado es influenciado por el contexto. El reconocimiento del lenguaje corporal
amplía nuestra percepción profesional y es un instrumento más para mejorar la calidad de
la asistencia de enfermería.
TÉRMINOS CLAVES: comunicación no verbal, lenguaje corporal, enfermería, cinésica
INTRODUÇÃO
A comunicação é um processo de interação no qual compartilhamos mensagens, idéias,
sentimentos e emoções, podendo influenciar o comportamento das pessoas que, por sua
vez, reagirão a partir de suas crenças, valores, história de vida e cultura.
No cotidiano profissional a enfermeira utiliza a comunicação para o desempenho de suas
diversas atividades. Dentre estas, a sua função como educadora e prestadora de cuidados,
bem como, ser elo de ligação entre a equipe multiprofissional e os diferentes serviços de
cuidado indireto, exige da enfermeira um maior domínio da habilidade de comunicar-se.
Assim, o uso consciente da comunicação tende a facilitar o alcance dos objetivos da
assistência de enfermagem14.
Por considerarmos estas afirmativas essenciais para o aprimoramento de nossa
competência profissional e como integrantes do Programa de Pós-Graduação da Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), participamos da disciplina
"Comunicação na saúde do adulto: interação da linguagem verbal e do não verbal nas
relações interpessoais", durante a qual nos foi solicitada a apresentação de um seminário
sobre "Cinésica: a linguagem do corpo".
As discussões realizadas para a elaboração do referido seminário nos levaram a refletir
sobre a importância da linguagem corporal e seus efeitos na relação enfermeira-paciente
uma vez que, através dela, são transmitidas inúmeras mensagens nem sempre conscientes
e/ou manifestas (validadas) verbalmente.
A comunicação pode ser realizada de forma verbal e/ou não-verbal. A comunicação verbal
exterioriza o ser social e a não-verbal o ser psicológico, sendo sua principal função a
demonstração dos sentimentos12.
Em geral, é atribuída maior relevância à comunicação verbal expressa pela linguagem
falada ou escrita; entretanto, o homo sapiens sempre se comunicou mesmo que através de
grunhidos e gesticulações. BIRDWHISTELL2 considera que "apenas 35% do significado
social de qualquer interação corresponde às palavras pronunciadas, pois o homem é um ser
multissensorial que, de vez em quando, verbaliza".
A comunicação não-verbal exerce fascínio sobre a humanidade desde seus primórdios, pois
envolve todas as manifestações de comportamento não expressas por palavras, como os
gestos, expressões faciais, orientações do corpo, as posturas, a relação de distância entre
os indivíduos e, ainda, organização dos objetos no espaço. Pode ser observada na pintura,
literatura, escultura, entre outras formas de expressão humana. Está presente no nosso
dia-a-dia mas, muitas vezes, não temos consciência de sua ocorrência e, nem mesmo, de
como acontece4,5,13,14.
A comunicação não-verbal, entendida como ações ou processos que têm significado para as
pessoas, exceto a expressão verbal, é classificada por KNAPP8 em: paralinguagem
(modalidades da voz), proxêmica (uso do espaço pelo homem), tacêsica (linguagem do
toque), características físicas (forma e aparência do corpo), fatores do meio ambiente
(disposição dos objetos no espaço) e cinésica (linguagem do corpo).
Considerando que a capacidade de ouvir e compreender o outro inclui não apenas a fala,
mas também as expressões e manifestações corporais como elementos fundamentais no
processo de comunicação, a Cinésica, ou seja, o estudo da linguagem corporal, assume um
papel importante na decodificação das mensagens recebidas durante as interações
profissionais ou pessoais.
A cinésica, também denominada cinética, foco central deste trabalho, foi estudada por
BIRDWHISTELL2, antropólogo pioneiro em tentar compreender a linguagem do corpo. Ele se
dedicou ao estudo dos movimentos corporais e não identificou qualquer expressão facial,
atitude ou posição do corpo que tivesse o mesmo significado nas diversas sociedades.
Considera que não há gestos ou movimentos corporais que possam ser considerados como
símbolos universais e, que toda cultura tem seu repertório gestual.
Este mesmo autor estabeleceu alguns pressupostos para melhor compreensão da cinésica:
1) o contexto fornece o significado ao movimento ou expressão corporal; 2) a cultura
padroniza a postura corporal, o movimento e expressão facial; 3) o comportamento dos
membros de um grupo é influenciado pelas suas próprias atividades corporais e fonéticas;
4) os comportamentos têm significados culturalmente reconhecidos e validados. Ele sugere
que "enquanto o comportamento do movimento corporal é baseado na estrutura fisiológica,
os aspectos comunicativos deste comportamento são padronizados pela experiência social e
cultural. O significado de tal comportamento não é tão simples que possa ser colocado num
glossário de gestos" e, só pode ser percebido a partir de um exame das estruturas
padronizadas do sistema de movimentos corporais, de como se manifesta numa situação
social particular.
Assim sendo, podemos dizer então que apenas o movimento do corpo não traduz o
significado da mensagem, havendo necessidade de inseri-lo num contexto, permitindo que
um mesmo gesto tenha diferentes significados nas diversas sociedades. Entretanto,
segundo DAVIS5, há uma polêmica entre os pesquisadores de expressões faciais sobre a
existência ou não de gestos universais.
Em contraposição ao que foi defendido por BIRDWHISTELL2, os estudos de EKMANN6
comparando culturas defendem a existência de gestos que podem ser descritos como
universais. Seu principal argumento é um trabalho realizado com crianças portadoras de
cegueira congênita, que adotam expressões típicas de raiva, medo, tristeza, alegria,
mesmo sem poder imitar quem as rodeia. Contudo, esse mesmo autor sugere que em toda
cultura há "regras demonstrativas", que determinam a adequação das expressões em
diferentes situações. Cada cultura, além de regras próprias dispõe de estilos faciais
próprios.
Os gestos são compreendidos de diversas formas nas diferentes culturas. Só existe um
gesto semelhante em qualquer lugar do mundo - o sorriso5, muito embora essa semelhança
não deva ser entendida como uma expressão invariável de prazer ou alegria, uma vez que
seu significado difere de cultura para cultura e, ainda, conforme o contexto da situação,
pode significar surpresa, prazer, desaprovação, ironia, superioridade, desprezo,
agressividade, maldade, entre outros.
Como podemos observar, a linguagem do corpo diz muitas coisas tanto para nós quanto
para aqueles que nos rodeiam. O corpo é, antes de tudo, um centro de informações e,
segundo GAIARSA7 "aquilo que de mim eu menos conheço é o meu principal veículo de
comunicação". Este mesmo autor sugere que um "observador atento consegue ver no outro
quase tudo aquilo que o outro está escondendo - conscientemente ou não. Assim tudo
aquilo que não é dito pela palavra pode ser encontrado no tom de voz, na expressão do
rosto, na forma do gesto ou na atitude do indivíduo".
Muitas vezes ocorrem situações nas quais o profissional procura controlar suas expressões
faciais na tentativa de amenizar, disfarçar ou neutralizar um sentimento, a fim de não
interferir na relação terapêutica.
A esse respeito EKMAN6 desenvolveu um estudo com estudantes de enfermagem
solicitando-lhes que, após assistirem um filme com cenas desagradáveis, descrevessemnas como se fossem agradáveis. Seu objetivo foi identificar quais os sinais do rosto e/ou
movimento do corpo indicavam que o estudante mentia. Seus resultados mostraram que é
possível fingir uma expressão alegre, zangada ou triste, porém, a dificuldade está em fazer
esta expressão surgir de uma hora para outra, mantê-la ou mesmo escondê-la.
Da mesma forma a habilidade em realizar uma leitura consciente dos diferentes gestos,
pode ser obtida com treinamento e tende a facilitar o reconhecimento de um sentimento ou
emoção, ainda que sutilmente expressos.
Embora não seja nossa pretensão esgotar o assunto, esperamos que as reflexões deste
estudo destaquem a importância do conhecimento sobre linguagem corporal, por meio da
identificação do que enfermeiras pós-graduandas conhecem a esse respeito. Estas reflexões
poderão favorecer a ampliação da nossa percepção profissional, sendo mais um elemento
para melhorar a qualidade da assistência de enfermagem. À medida que refletimos sobre o
nosso fazer buscamos a excelência do cuidado, da nossa prática profissional, da
competência para o cuidado. Os reflexos do cuidado enquanto responsabilidade da
enfermeira exigem um controle dessa qualidade, o que envolve também uma avaliação de
como a nossa linguagem corporal pode estar influenciando no resultado desse cuidado.
METODOLOGIA
A estratégia utilizada para desenvolver este estudo foi solicitar às vinte alunas presentes à
apresentação do seminário sobre Cinésica, que respondessem a uma pergunta por escrito,
antes da exposição teórica do conteúdo.
Esclarecemos que era nosso objetivo refletir sobre a linguagem corporal e pedimos
permissão para que suas respostas fizessem parte dessa reflexão, esclarecendo que não
havia necessidade de identificação pessoal. Obtivemos seu consentimento oral e todas as
alunas responderam à pergunta, caracterizando o "consentimento esclarecido"16 ou
"claramente expresso"3 do grupo.
A pergunta feita às pós-graduandas foi: "O que sabe sobre linguagem corporal?"
As respostas foram escritas pelos próprios sujeitos em fichas posteriormente analisadas
pelas autoras.
Vale a pena ressaltar que o assunto já havia sido abordado de forma genérica em aulas
anteriores sobre comunicação não-verbal.
A análise foi realizada visando identificar a presença de características expressas no relato
dos sujeitos, tendo em vista o objetivo do estudo. Desta forma foi possível, após várias
leituras, "fazer inferências através da identificação sistemática e objetiva de características
especificadas no interior do texto"15, explicando o processo de opinião de forma mais clara
e objetiva, ou seja, atribuindo significados diversos que permitiram outra leitura da
mensagem, aquela determinada pelo objeto de estudo1,9.
O conteúdo dos relatos foi codificado em categorias, que são abstrações dos fenômenos
observados nos dados. Para operacionalizá-las, selecionamos partes que melhor
representavam os fatos.
As categorias emergiram dos relatos e os dados foram agrupados por similaridade em:
Conceito, Função, Importância, Significado e Formas de Manifestação da linguagem
corporal.
Os relatos foram apresentados nos resultados na forma em que foram registrados nas
fichas pelas enfermeiras, aparecendo em destaque e entre aspas.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
As categorias identificadas foram:
1  Conceito
Foi possível identificar no relato das enfermeiras, uma tentativa de conceituar a linguagem
corporal. Foram apontados o conjunto de expressões e movimentos do corpo como uma
forma complexa de comunicar-se, de interagir e de manifestar sentimentos, vontades,
emoções, de exteriorizar conteúdos internos:
"... conjunto de expressões do corpo... meio de comunicação mais efetivo..."
"... é a mensagem do corpo durante a comunicação... é todo gesto expresso pelo ser
humano ..."
"... o conjunto dos gestos, expressões do corpo..."
" São expressões, manifestações externas, corporais dos conteúdos internos..."
" São as expressões do corpo. O movimento que se faz palavra para aqueles que estão
envolvidos na comunicação."
"... é um veículo através do qual nos comunicamos..."
"... significado do movimento, a expressão corporal..."
" Todas as manifestações através do corpo..."
" É a forma não-verbal de manifestarmos nossos sentimentos, emoções, vontades..."
" É uma forma complexa de linguagem não-verbal..."
"... é a forma do corpo expressar o que sente, pensa e/ou age ... `ECOAR'..."
"... expressão do nosso corpo..."
A literatura não conceitua especificamente a linguagem corporal. Os conceitos encontrados
são amplos e dizem respeito à comunicação não-verbal de modo geral.
CORRAZE4 lembra que "quando se mostra a existência de formas universais nas mensagens
não-verbais, não se pode deixar de pensar que a cinética só estuda uma parte delas". Isto
é, para compreender o processo de comunicação não-verbal, é necessário muito mais do
que apenas a linguagem do corpo. Há que se considerar o tom da voz, o espaço utilizado
pelo homem, o toque e os fatores do meio ambiente; todos eles inseridos em um
determinado contexto. O significado atribuído vai depender de todos estes elementos
interrelacionados.
Chamou nossa atenção o relato: "é o movimento que se faz palavra...". Talvez, ele encerre
a essência da linguagem corporal, assinalando que o corpo se comunica mesmo destituído
do verbo.
2 - Função
A função da linguagem corporal foi identificada pelas enfermeiras como uma forma de
expressar através do corpo emoções, sentimentos, reações e de transmitir mensagens
como expressam os relatos abaixo:
"...para comunicar-se com o meio..."
"...Transmite mensagens, emoções..."
"...demonstrar sua emoção, reação diante de uma situação."
"...se expressar, expressar muitas das emoções ... expressar os sentimentos."
"...expressam `milhões' de coisas, de acordo com o contexto, cultura etc..."
"...complementa a comunicação verbal...movimento corpóreo, que tentam expressar e ter
algum significado."
"...expressam ou comunicam..."
"...traduz algo a ser comunicado...proporciona evolução nas relações."
"...transmitindo ou decodifindo alguma mensagem ..."
Um dos pressupostos básicos para compreensão da cinésica, segundo BIRDWHISTELL2, é
que "determinado comportamento, ou seja, a atividade corporal visível, encerra
significados socialmente reconhecidos e válidos. Os sinais identificados pela pessoa são
igualmente captados por seu grupo". Isto pode ser observado no seguinte relato:
"Observando as pessoas podemos deduzir pelo modo de vestir, andar, falar, a postura, se
estão ou são, alegres, tristes, cansadas, ativas, adinâmicas."
Muitas vezes, a comunicação não-verbal modifica o significado da verbal, ou seja, a
mensagem verbal é contraditória ao que é expresso pela comunicação não-verbal entre os
indivíduos.
SILVA13 considera o rosto como o melhor "mentiroso" não-verbal. Ele é a parte do corpo
que as pessoas mais tentam controlar, o que é possível conseguir através de treino. Alguns
relatos demonstram essa afirmativa:
"... mesmo que utilizemos palavras muitas vezes que não condizem com o que realmente
pensamos, a feição do rosto, gestos, movimentos podem muitas vezes mostrar o oposto."
"... expressar muitas vezes mais do que a gente consegue expressar através das palavras."
Podemos afirmar também, que é imperiosa no profissional, a habilidade em perceber
manifestações não-verbais no comportamento dos pacientes, que muitas vezes negam o
verbal.
É interessante observar como várias enfermeiras citaram as emoções em seus relatos:
"... Transmite...emoções..."
"...se expressar, expressar muitas das emoções..."
"...expressa sem dúvida todas as nossas emoções..."
"...demonstra sentimentos, emoções..."
"...demonstramos emoções que trazem embotadas as afetividades."
As emoções foram estudadas por SILVA10 descrevendo sete emoções consideradas puras:
alegria, raiva, nojo, medo, tristeza, surpresa, desprezo, por meio das configurações faciais
e de arranjos de sinais, principalmente, na testa, olhos e boca. Como a face é a parte mais
exposta do corpo humano, e é onde as emoções são principalmente demonstradas, as
enfermeiras precisam estar atentas às alterações que ocorrem no rosto dos pacientes.
Podem sugerir indícios de emoções não expressas verbalmente, permitindo o cuidado
individualizado e holístico.
3  IMPORTÂNCIA
A importância da linguagem corporal foi ressaltada por algumas enfermeiras como
essencial nas relações interpessoais, assim como a necessidade de ser compreendida e
valorizada porque "proporciona evolução nas relações":
"...É preciso valorizá-la, observá-la e utilizá-la."
"...É fundamental no processo de comunicação."
"...É essencial na comunicação!!!"
"...a interpretação desses gestos é muito rica..."
"...influencia muito no processo de comunicação."
Como profissionais em constante interação com outras pessoas, devemos nos lembrar das
diferentes crenças, valores e culturas que permeiam estas relações e estar conscientes da
influência que sofremos e exercemos, mutuamente, através da linguagem corporal.
No estudo de SILVA11 foi evidenciado o pouco conhecimento que as enfermeiras têm sobre
comunicação não-verbal. Essa mesma autora, em 199613, sugere que o conhecimento do
não-verbal pode favorecer a percepção das enfermeiras quanto aos sentimentos, emoções,
dúvidas e dificuldades não verbalizadas pelo paciente. Além disso, potencializa a habilidade
de comunicação deste profissional, pois "todo ser humano precisa aprender a lidar consigo
mesmo e com os outros".
Esta consciência é fundamental, principalmente se lembrarmos da função educadora da
enfermeira, como motivadora de mudanças de comportamentos nos aspectos de saúde.
Quando nos conhecemos e percebemos que podemos ser afetados pelo comportamento do
outro, compreendemos porque o paciente pode reagir de diferentes maneiras a um mesmo
estímulo.
4  Significado
As enfermeiras relataram o que, para elas, representa a linguagem corporal - uma
valoração subjetiva do que significa expressar-se através do corpo.
Um dos pontos ressaltados foi que o corpo é veículo das emoções e sentimentos puros,
nem sempre conscientes, que exprimem a essência do ser:
"...o corpo "fala"..."
"... Linguagem da alma, do sentimento puro e limpo ... que encerram muitas conotações
sociais, culturais, o viver o dia-a-dia de cada um, e a demonstração de amor em geral e
outros sentimentos."
"...O corpo tem sua linguagem própria..."
"...O corpo é a expressão concreta de sua essência, emoções e pensamentos... é a
expressão real, pura das nossas emoções."
"...é a linguagem que podemos considerar verdadeira por não termos controle consciente
sobre a mesma."
Percebemos ainda, que emergiu do relato "os outros conhecem melhor nossa linguagem
corporal do que nós mesmos", uma reflexão sobre a pouca consciência que temos sobre a
nossa linguagem corporal. É importante estarmos atentas às reações que provocamos nos
outros para que possamos caminhar em direção ao auto-conhecimento.
De acordo com STEFANELLI14 "o homem age com base na significação que os fatos têm
para ele ... a significação é conseqüência da interação social que o homem experimenta
com seus semelhantes ...e é manipulada e modificada por meio de um processo
interpretativo".
Baseadas nestes pressupostos e nos relatos das enfermeiras, podemos inferir que o
conteúdo apresentado anteriormente na disciplina influenciou na interpretação e
valorização da linguagem corporal, o que possivelmente determinará modificação nas suas
atuações profissionais e relações interpessoais.
5 - Formas de manifestação
Dentre as possibilidades de formas de manifestação da linguagem corporal relatadas,
aparece com maior freqüência a intenção consciente e/ou inconsciente de expressar-se
através do corpo.
CORRAZE4 afirma que "no que concerne à intenção consciente, percebe-se que o homem,
nas circunstâncias habituais da vida, tem muito pouco domínio sobre as suas comunicações
não-verbais". Refere, ainda, que temos pouca consciência dos gestos que utilizamos, não
estando atentas à forma como os fazemos.
"...podem ser conscientes e inconscientes..."
"...conscientes ou inconscientes."
"...intencionalmente ou não."
"...controlável ou não."
"...voluntários e involuntários, conscientes e inconscientes."
"...de forma consciente ou não; através de nossos gestos, posturas corporais."
"...conscientes ou não."
O estudo de BIRDWHISTELL2 concluiu que num nível abaixo da consciência ocorre parte da
comunicação humana, local onde é indireta a importância das palavras.
Os relatos destacaram também, que a comunicação corporal se dá continuamente e que o
contexto em que ocorre deve ser considerado:
"...manifesta-se continuamente em nosso existir, e de acordo com o contexto em que
vivemos."
"...que pode ser consciente ou não, que envolve nossos gestos, posturas, emoções e
sentimentos em determinado contexto..."
"...o movimento deve ser visto no todo do corpo."
"...o tempo todo, com as pessoas que nos cercam..."
"...nosso corpo manifesta durante todo período...mesmo quando estamos de olhos
fechados conseguimos passar uma mensagem para alguém."
É importante lembrar aqui que em seu estudo BIRDWHISTELL2 estabeleceu, dentre seus
pressupostos básicos, que o significado atribuído ao movimento ou expressão corporal é
fornecido pelo contexto.
Outro ponto salientado pelas enfermeiras como elementos utilizados para manifestar a
linguagem corporal, foram os gestos, movimentos, posturas e sinais faciais.
"...são movimentos realizados durante a fala ou um gesto."
"...através dos movimentos posturas e gestos do corpo..."
"...através de movimentos..."
"...engloba todas as manifestações do movimento corpóreo... facial e sinais..."
"...gestos, dança, movimentos de caminhar e acomodar-se, o simples movimento de
olhos..."
"...através da mímica facial..."
"...através do rosto, do olhar, do sorriso, dos gestos das nossas mãos, pernas e postura
corporal".
Estes relatos estão de acordo com as descrições da literatura sobre como a linguagem
corporal se manifesta4,5,13,14.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da categorização foi possível evidenciar que a linguagem corporal é uma forma
complexa de interação interpessoal, da qual temos pouca consciência, ocorrendo por vezes,
à margem do nosso controle.
Tem como função expressar sentimentos, emoções, reações e transmitir mensagens.
Manifesta-se de forma natural, intuitiva e continuamente, mas é influenciada pelo contexto
e pelas diferentes culturas.
Esta visão do grupo demonstrou uma consonância com a literatura, evidenciando que estão
sensibilizadas e mais receptivas ao aprendizado da comunicação. Isto não pode ser
generalizado, pois os relatos surgiram no âmbito restrito da disciplina, além disto, a
linguagem corporal ainda não é um tema muito discutido na formação profissional.
A formação acadêmica tende a fazer com que o profissional de enfermagem busque
controlar a expressão de seus sentimentos e emoções, de forma a não interferir no seu
desempenho cotidiano. Porém, a convivência diária com situações de dor, morte,
mutilações entre outras, não só são desgastantes como geram conflitos diários, justificados
apenas por uma tentativa de "controle" que excede os limites pessoais e profissionais.
Entretanto, esta mesma formação enfatiza a atenção às necessidades psicossociais dos
pacientes. Questionamos se um indivíduo que necessita suprimir os próprios sentimentos e
emoções, não se torna, com o passar do tempo, insensível à percepção das manifestações
não-verbais expressas por aqueles sob seus cuidados. Poderíamos dizer, então, que os
sentimentos e emoções tanto do paciente, quanto da enfermeira, não estão sendo
adequadamente valorizados durante a interação.
A trajetória em direção à consciência da importância da linguagem corporal pode modificar
este cenário, tornando possível transformar as interações em situações de "troca", que
venham a ser enriquecedoras para os envolvidos no processo de comunicação.
Entendemos que a busca de uma "praxis" reflexiva é que resgata e valoriza a enfermagem
na construção de seu conhecimento. Assim, a comunicação é um dos instrumentos que
deve ser utilizado pela enfermeira, a fim de ampliar sua capacidade de perceber as
mensagens implícitas ou explícitas, que permeiam a relação enfermeira-paciente e são
fundamentais para a assistência de enfermagem.
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Pioneira, 1998.
Recebido em: 16.10.1998
Aprovado em: 4.2.2000
Enfermeira. Mestranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professor
Assistente da Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein; 2 Enfermeira.
Doutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professor Assistente
da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás; 3 Enfermeira. Doutoranda
do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. Pesquisadora
Científica I do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia; 4 Enfermeira. Professor Doutor do
Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade
de São Paulo
1
© 2007 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010411692000000400008&script=sci_arttext&tlng=pt
Comunicar-se com o paciente sedado: vivência de quem
cuida1
Communicating with the sedated patient: experience of the
caretakers
Comunicarse con el paciente sedado: vivencia de quien cuida
Gabriela Rodrigues ZinnI; Maria Júlia Paes da SilvaII; Sandra Cristina Ribeiro
TellesIII
Enfermeira Assistencial da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário de
São Paulo, E-mail: [email protected]
II
Professor Livre Docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Email: [email protected]
III
Enfermeira Chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário de São
Paulo, E-mail: [email protected]
I
RESUMO
Como interagir com pacientes sedados aparentemente incapazes de se expressar? A
partir desse questionamento decidimos pela realização de estudo qualitativo, norteado
pela vertente da fenomenologia, com o objetivo de compreender o comunicar-se com o
paciente sedado, a partir da perspectiva das enfermeiras que cuidam desses pacientes.
Foram realizadas 10 entrevistas individuais com enfermeiras intensivistas de um
Hospital Escola de São Paulo e, após a análise dos dados, desvelou-se quatro
categorias temáticas: comunicação com o paciente sedado x grau de sedação;
comunicação com o paciente sedado x capacidade de percepção atribuída; valorização
da comunicação com o paciente sedado; formas de comunicação com o paciente
sedado. Concluiu-se, então, que a comunicação com o paciente sedado existe e que
ocorre em diferentes momentos e de formas distintas, através do verbal e do nãoverbal.
Descritores: comunicação, inconsciência, unidades de terapia intensiva
ABSTRACT
How can we interact with sedated patients who are seemingly unable to express
themselves? On the basis of these questions, we chose to realize a qualitative
phenomenological study aimed at comprehending communication with the sedated
patient from the perspective of the nurses who take care of those patients. Ten
individual interviews were realized with intensive nurses from a Hospital School in São
Paulo. After data analysis, four general thematic categories were revealed:
communication with sedated patient x sedation degree; communication with sedated
patient x attributed perception capacity; valuation of communication with sedated
patient; forms of communication with the sedated patient. This research concluded
that the communication with the sedated patient exists and occurs at different
moments and in different ways through verbal and non-verbal communication.
Descriptors: communication, unconsciousness, intensive care units
RESUMEN
Cómo interactuar con pacientes sedados e aparentemente incapaces de expresarse? A
partir de esta interrogante, decidimos realizar un estudio cualitativo, orientado por la
vertiente de la fenomenología, con el objetivo de comprender "el comunicarse con el
paciente sedado", a partir de la perspectiva de enfermeras que cuidan de estos
pacientes. Se realizaron 10 entrevistas individuales con enfermeras intensivistas de un
hospital docente de São Paulo y después del análisis de los datos, se descubrieron
cuatro temas generales: comunicación con el paciente sedado x grado de la sedación;
comunicación con el paciente sedado x capacidad de la opinión atribuida; valorización
del comunicarse con el paciente sedado; formas de comunicación con el paciente
sedado. Se concluye entonces que la comunicación con el paciente sedado existe y que
esta ocurre en diferentes momentos y de diversas formas, a través de lo verbal y no
verbal.
Descriptores: comunicación, inconsciencia, unidades de terapia intensiva
INTRODUÇÃO
A Enfermagem é a arte e a ciência do cuidar, cuidar de pessoas! E para que isso seja
viável é necessário um processo de interação entre quem cuida e quem é cuidado, é
necessária troca de informações e de sentimentos entre essas pessoas.
Refletindo sobre essa afirmação e transpondo-a para a realidade de uma unidade de
terapia intensiva (UTI), onde encontramos muitos pacientes com alteração em seu
nível de consciência, chegamos ao seguinte questionamento: "Como interagir com
pacientes sedados, aparentemente incapazes de se expressar?"
Sabemos que a comunicação destaca-se como o principal instrumento para que a
interação e a troca aconteçam e, conseqüentemente, o processo de cuidar, no seu
sentido mais amplo, tenha espaço para acontecer; afinal, "os componentes da
comunicação formam o clima e a nutrição para a compreensão"(1).
Mas o que é comunicação? Etimologicamente, a palavra comunicar origina-se do latim
communicare que significa "pôr em comum"(1). A comunicação interpessoal pode ser
definida como um conjunto de movimentos integrados, que calibra, regula, mantém e,
por isso, torna possível a relação entre os homens(2). Essa comunicação pode ser
dividida em verbal (associada às palavras expressas por meio da fala ou da escrita) e
em não-verbal (desenvolvida através de gestos, silêncio, expressões faciais, postura
corporal, entre outros)(3).
Destacamos que as pesquisas acerca da interação com pacientes nas UTIs abordam,
majoritariamente, a comunicação com pacientes que estão conscientes. Nesse sentido,
encontram-se, por exemplo, estudos sobre formas de transmissão de mensagens
através da comunicação não-verbal, uma vez que nesse ambiente há prevalência de
pacientes com sua capacidade de expressão verbal afetada (ex.: entubação
orotraqueal, traqueostomia)(4-5).
No entanto, este trabalho pretende abordar a comunicação com pacientes sedados
que, conseqüentemente, se encontram com seu nível de consciência alterado.
Ressaltamos que consciência pode ser definida como "atributo pelo qual o homem
pode conhecer e julgar sua própria realidade" (6), é o "conhecimento imediato da sua
própria atividade psíquica"(6).
Dentro de um contexto reflexivo, a compreensão mais profunda sobre a consciência
humana e o papel da mente no processo de re-equilíbrio vital pode minimizar a
ansiedade dos profissionais e estender as intervenções para além do cuidado físico e
do controle técnico dos monitores, almejando atingir as demais dimensões humanas,
potencializando-as. Como vem sendo preconizado nos últimos anos, devemos
compreender/cuidar do ser humano holisticamente, buscando atender todas as suas
necessidades as quais formam uma unidade, um ser biológico, social, psicológico e
espiritual(7).
O comprometimento de algumas funções cerebrais e sensoriais não implica
necessariamente na inexistência perceptual; a diferença está na possibilidade de
expressão do que é percebido(7).
Relacionando a reflexão anterior com a comunicação não-verbal, no caso, o toque,
estudos com pacientes internados em unidades de terapia intensiva mostram que o
toque de familiares, enfermeiros e médicos pode alterar o ritmo cardíaco do paciente,
o qual chega a diminuir, quando os enfermeiros seguram suas mãos(8).
Uma reflexão histórica sobre como o corpo e o toque são percebidos ressalta a
possibilidade do mundo da tecnologia avançada substituir esse instrumento próprio do
ser humano. "O afago, o aperto de mão, oferecendo apoio e suporte, ou mesmo o
olhar carinhoso e amigo parece não ser mais necessário. A máquina passa a realizar o
cuidado e a cuidadora a ocupar-se, absorvendo-se e concentrando-se no manuseio da
mesma, por vezes esquecendo o ser humano a ela conectado"(9).
Na comunicação há o envolvimento do comportamento recíproco entre as pessoas que
estão se relacionando, o que significa que não existe um fluxo de comportamento
numa só direção(1). Destaca-se a afirmação que não há como não nos
comunicarmos(10), com ou sem intenção, sempre há a transmissão de mensagens uma
vez estabelecida a interação.
Partindo-se dessa premissa, uma vez existindo a comunicação com o paciente sedado,
cabe compreender como a enfermeira expressa sua percepção na abordagem verbal
ou não-verbal. Destacamos a relevância de uma compreensão do comunicar-se com o
paciente sedado a partir da vivência de quem cuida desses pacientes, as enfermeiras
intensivistas, além disso, uma vez levantada a existência dessa comunicação, desvelar
como ela ocorre.
A comunicação é parte do tratamento do paciente e ficar conversando com ele, muitas
vezes, é o próprio remédio.
(Rebecca Bebb)
METODOLOGIA
Tendo como objetivos a compreensão do comunicar-se com o paciente sedado, através
da vivência/experiência de enfermeiras que cuidam desses pacientes e, uma vez
levantada sua existência, desvelar como essa comunicação ocorre, a pesquisa
qualitativa na vertente fenomenológica, na modalidade da estrutura do fenômeno
situado, mostrou-se a mais adequada.
A região de inquérito foi a Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Escola da
cidade de São Paulo. A população constituiu-se de 10 enfermeiras que trabalham na
unidade em que foi realizada a pesquisa e que concordaram em participar. Esse
número não foi pré-determinado, pois o encerramento das entrevistas ocorreu a partir
do momento em que foi constatada a invariância do fenômeno(11).
Operacionalização
Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi
realizado o estudo, uma das pesquisadoras abordou as enfermeiras durante o mês de
novembro de 2001, esclarecendo-as sobre os objetivos do estudo, a voluntariedade de
participação e a garantia do anonimato, verbalmente e em forma de documento
(Termo de Consentimento Livre e Esclarecido). Após os esclarecimentos, verificou-se o
interesse dos sujeitos em participar e, os que concordaram, assinaram o Termo de
Consentimento, iniciando-se, dessa forma, a coleta de dados.
A obtenção dos discursos
Os discursos foram obtidos através de entrevistas individuais, as quais foram gravadas
em fita cassete, mediante o consentimento dos entrevistados. As questões norteadoras
da entrevista foram: Como é para você comunicar-se com um paciente sedado? Diante
das respostas, nos casos em que o entrevistado levantou a existência de comunicação,
foi feito o seguinte questionamento: Como acontece essa comunicação? Após as
entrevistas, as falas foram transcritas e iniciou-se a análise dos discursos obtidos.
O momento da análise
Seguindo o referencial metodológico adotado(11), a análise seguiu os momentos
apresentados a seguir:
1. O sentido do todo (compreensão da linguagem do sujeito): neste momento houve
um "mergulho" no sentido global dos discursos através da leitura;
2. Discriminação das unidades de significado: em cada discurso transcrito foram
grifados e numerados os trechos que possibilitavam a percepção da essência do
fenômeno;
3. Transformação das expressões cotidianas na linguagem do pesquisador: essa
transformação é necessária porque "as descrições ingênuas feitas pelos sujeitos
expressam, de maneira oculta, realidades múltiplas, as quais o pesquisador deseja
elucidar os aspectos psicológicos em profundidade adequada para o acontecimento" (11).
4. Síntese das unidades de significado transformadas em proposições: as unidades de
significado foram agrupadas e divididas em temas gerais a partir das convergências e
divergências presentes nos discursos.
COMPREENDENDO O FENÔMENO
A partir da análise dos dados desvelamos quatro categorias temáticas:
1. Comunicação com o paciente sedado x grau de sedação
Diante dos discursos obtidos, destaca-se a relação existente entre o grau de sedação
em que o paciente se encontra e o estabelecimento da comunicação enfermeiropaciente. De acordo com a quantidade de droga sedativa administrada e a forma como
o paciente responde a essa sedação, há ou não a comunicação.
... é difícil porque... depende da sedação... tem hora que (o paciente) te responde,
tem hora que não.
Algumas enfermeiras relatam que não há comunicação com o paciente que se encontra
em um grau de sedação profundo, uma vez que não existe resposta aos estímulos.
Outras relatam que, nessa situação, a comunicação é dificultada.
Quando a sedação tá muito alta... não tem como você se comunicar.
... se ele estiver sedado eficazmente, a minha condição de estar me relacionando com
ele é muito pequena.
Por outro lado, quando o paciente encontra-se em um estado de sedação superficial,
existe a possibilidade de estabelecer uma comunicação, mesmo que seja parcial ou
prejudicada.
Quando a sedação estivesse ineficaz... ele conseguiria me responder... existiria uma
comunicação parcial.
Fica claro, em alguns discursos, a dissociação entre a dose do fármaco administrado
para a sedação e o grau de sedação em que o paciente se encontra, pois, com a
sedação padrão que a gente usa, com 30ml/h ele tá entendendo o que você tá
falando... e tem pacientes que com 5ml/h ficam totalmente entregues.
Outro ponto destacado em alguns discursos é o fato da sedação elevada ser
supostamente melhor para o paciente que está na UTI já que ... o paciente só suporta
mesmo porque está sedado, uma vez que o tratamento na UTI é, na maioria das
vezes, invasivo, agressivo e até doloroso.
... dependendo do estado do paciente é importante que ele esteja bem sedado.
Esse fato é reforçado por um estudo no qual se destaca a vivência na UTI, descrita
pelos pacientes, como uma experiência de solidão e desamparo, onde eles se sentem
perdidos, controlados (por máquinas) e inseguros diante da incerteza de seus destinos.
Eles encontram-se desconfortáveis fisicamente e inseguros emocionalmente,
resultando em reações que variam do silêncio ao choro e à agitação(12).
A discussão sobre esse assunto ocorre como contraponto diante da impossibilidade de
comunicar-se com o paciente sedado, pois ... embora você perca em troca com ele, e
que é superimportante... eu acho que nesse momento ainda é melhor ele não sentir
dor (estando sedado).
Lembramos que as indicações sugeridas para a sedação são: aliviar a ansiedade e o
medo, controlar estados confusionais agudos, facilitar o sono, diminuir o metabolismo,
facilitar a realização de procedimentos e facilitar a ventilação mecânica (13-14).
Também relativo ao grau de sedação, a comunicação, nesse contexto, aparece como
instrumento de mensuração da eficácia e profundidade da sedação, ou seja, da forma
como o paciente está respondendo às drogas que estão sendo administradas,
destacando que a escala de Ramsey é a mais utilizada para avaliar o grau de sedação
do paciente(13).
... é muito importante (a comunicação) até pra... fazer essa medida da escala de
Ramsey.
Encontramos, portanto, dentro desse tema, a comunicação com o paciente sedado
como algo dependente da resposta enviada pela pessoa que se encontra sob sedação.
2. Comunicação com o paciente sedado x capacidade de percepção atribuída
A reflexão acerca da percepção por parte do paciente sedado é levantada
constantemente.
... eu acredito que ele está ouvindo, eu acho que ele está sentindo....
... na verdade ele tá sentindo que tá sendo manipulado.
Em um dos discursos, a dificuldade em comunicar-se com o paciente sedado está
baseada, principalmente, na dúvida acerca da percepção do indivíduo.
... eu não sei, se mesmo sedado, ele vai tá ouvindo, ele vai tá sentindo, ou não...
Uma das enfermeiras lembra que a audição é um dos últimos sentidos a perder, porém
existe o questionamento sobre até que ponto ele tá entendendo.
Contrapondo-se ao primeiro tema, citado anteriormente, ressaltamos que 50% das
enfermeiras entrevistadas estabelecem algum tipo de comunicação com o paciente
sedado independentemente do grau da sedação, ou seja, independente da obtenção de
algum tipo de resposta.
Em um dos discursos, a enfermeira refere que, apesar de sentir falta de contactuar
com o paciente, ou seja, de obter uma resposta, ela sempre conversa com ele e
chama-o pelo nome.
Quando as enfermeiras afirmam não ter resposta do paciente sedado profundamente,
elas abordam a questão da ausência de expressão do paciente, entretanto, devemos
lembrar a dicotomia existente entre percepção e expressão do que é compreendido. O
comprometimento de funções cerebrais e sentidos não implicam, necessariamente, na
inexistência perceptual(7).
"Reconhecer os sentimentos do doente é fundamental para o enfermeiro, pois é
através dessa compreensão que ele percebe as necessidades reais do paciente e pode
realizar um plano de cuidados sistematizado, considerando a pessoa como um todo, e
desenvolvendo uma postura empática"(2).
3. Valorização da comunição com o paciente sedado
Através dos discursos, algumas atribuições foram consideradas sobre comunicar-se
com o paciente sedado, dentre elas destacam-se aquelas mencionadas a seguir.
Primeiramente, a aproximação que a comunicação estabelece entre o cuidador e o
paciente. Lembrando que a ética está sempre associada à presença, que é um dos
componentes mais importantes do cuidado humano. Na verdade, "o cuidado humano,
pelas suas próprias características, é considerado a própria ética da enfermagem" (9).
Entretanto, houve grande evolução técnica no que diz respeito aos enfermeiros e
profissionais da saúde, porém, como técnica não significa ética, nem sempre se
consegue transpor o discurso de humanidade nas pequenas coisas(2).
Outra atribuição destacada sobre o comunicar-se com o paciente sedado é que esse
ato torna-o mais calmo. Somando-se a isso, estabelecer essa comunicação é
importante porque possibilita uma troca com o paciente; o enfermeiro passa a ter
maior possibilidade de perceber o que ele está sentindo; permite a mensuração do
grau de sedação; além de ser um passo anterior à invasão da privacidade desse
indivíduo que está com sua capacidade de expressão afetada e em quem o enfermeiro
realiza, além do banho, muitos outros procedimentos que invadem sua individualidade.
Por último, a partir dos discursos, também é possível afirmar que a comunicação com
o paciente sedado é necessária, é função do enfermeiro, é algo que o diferencia como
profissional e, algumas vezes, é um ato condicionado, sem reflexão.
Somando-se aos valores atribuídos à comunicação com o paciente sedado, obtivemos
relatos acerca de fatores que dificultam o estabelecimento dessa comunicação, por
exemplo, ...com o tempo (a gente) acaba criando uma certa barreira... conforme a
coisa vai ficando meio que corrida, a gente vai ficando um pouco mais frio também....
Nesse caso, a rotina, a escassez de tempo, e a falta de reflexão desencadeiam essa
dificuldade.
... você não estar totalmente presente (com o paciente) é muito frustrante.
A falta de estrutura da unidade, entendida como fator facilitador para o
estabelecimento de comunicação, também é citada nos discursos.
Uma pesquisa revela que a UTI, por ser um local que enfatiza os recursos materiais e a
tecnologia, contribui para comportamentos automatizados, onde o diálogo e a reflexão
crítica não encontram espaço, inclusive pelas situações contínuas de emergência, pela
gravidade dos pacientes e pela dinâmica acelerada do serviço. Diante disso, percebese que as "atividades-meios" acabam transformadas em "atividades-fins", desviando o
foco da atenção que deveria estar no paciente(12).
4. Formas de comunicação com o paciente sedado
Com exceção de apenas um discurso, todos abordaram formas distintas de se
comunicar com o paciente sedado. A comunicação verbal é citada com freqüência,
porém, o não-verbal também é destacado:
... tô conversando sempre com o paciente mesmo que ele esteja arresponsivo.
(a comunicação ocorre)... só por mímica, expressões faciais... ouvir o sim ou não com
a cabeça... perceber pelo grau de agitação do doente...
...quando dá pra você se comunicar com ele é através de gestos, escrita...
... eu já gosto mesmo de, de me comunicar com o paciente, tocar, conversar... dar
atenção.
(a comunicação ocorre através) do toque, da conversa e até brincando...
chamar pelo nome é tão gostoso, tão aconchegante...
... eu dei feliz Ano Novo para toooodos os pacientes, tavam todos eles sedados... são
tal horas, tá começando o ano tal... que o senhor ou a senhora saia bem daqui...
... a gente fala... a gente toca....
... (o paciente se expressa) através de gesto, de sinal ou, responder ao estímulo...
Destacamos que a comunicação pode ser concebida como um sistema de múltiplos
canais, em que o ator social participa em todos os momentos, desejando ou não, por
seus gestos, olhares, silêncio e até na sua ausência (2).
Diante desses relatos, observamos que, apesar de algumas enfermeiras acreditarem
na existência da comunicação independente do grau de sedação, e outras,
considerarem esse fator nos diferentes momentos em que é estabelecida a
comunicação, essa ocorre através do verbal e do não-verbal (expressões faciais e
corporais, toque, brincadeiras). Destaca-se ainda que, na maior parte das vezes, os
pacientes não se manifestam claramente.
SÍNTESE
A análise dos discursos e a obtenção dos quatro temas gerais contidos nas descrições
proporcionaram a compreensão do fenômeno comunicar-se com o paciente sedado, a
partir da vivência e experiência de enfermeiras intensivistas, sob duas perspectivas:
- a primeira definindo o fenômeno em função do grau de sedação, onde metade dos
sujeitos acreditam que comunicação e grau de sedação sejam processos
interdependentes; os demais acreditam tratar-se de fenômenos independentes;
- a segunda revela essa comunicação como algo dependente da capacidade de
percepção e/ou expressão por parte do paciente, independente do grau de sedação.
Essas duas perspectivas de perceber o fenômeno, entretanto, convergem a partir do
momento em que 100% dos discursos obtidos revelaram a existência da comunicação
com o paciente sedado, mesmo que em momentos diferentes e de formas distintas.
Diante dessa revelação, foi destacado, também, que se comunicar com o paciente
sedado é um fenômeno difícil, seja pelo grau de sedação, pela falta de tempo, de
reflexão e de estrutura da unidade; seja pela dúvida acerca da percepção do paciente
sedado diante da mensagem recebida. Em relação a essa percepção por parte do
paciente, destaca-se a crença e, algumas vezes, a dúvida acerca da audição e da
sensibilidade do paciente que está sedado.
O comunicar-se com o paciente sedado foi desvelado, de modo geral, como um
fenômeno que:
- aproxima o cuidador do paciente;
- é importante por proporcionar uma troca entre ambos, aumentando a percepção
sobre o que o paciente está sentindo;
- é importante por ser um passo anterior à invasão da privacidade do paciente;
- é um instrumento de mensuração da profundidade da sedação;
- é necessário;
- acalma o paciente;
- é função do enfermeiro;
- diferencia o profissional;
- algumas vezes, ocorre como um ato condicionado, sem reflexão.
Seguindo os objetivos deste estudo, foi desvelado, ainda, como ocorre a comunicação
com o paciente sedado. Essa acontece, sob a perspectiva da enfermeira, através da
verbalização, do toque, da atenção e das brincadeiras; e, sob a perspectiva do
paciente, através da escrita (pacientes com sedação superficial) e de expressões
faciais e corporais, entretanto, na maioria das vezes não há manifestação por parte do
paciente, a não ser pelo silêncio verbal e corporal.
É relevante uma discussão sobre a compreensão que as enfermeiras possuem do que
vem a ser comunicação. De acordo com os discursos, algumas enfermeiras afirmam
não haver comunicação com o paciente sedado profundamente, pois não existe
resposta. Nesse sentido, a comunicação é compreendida como uma "via de duas
mãos", na qual uma informação é enviada e dela espera-se a obtenção de um retorno.
Porém, as enfermeiras que estabelecem a comunicação independente do grau de
sedação, aparentemente, também consideram a possibilidade da comunicação existir
como uma "via de mão única", na qual o que importa é a tentativa de transmitir uma
mensagem, ou até obter um retorno, porém não imediato, como é expressado no
seguinte discurso ...eu acho que ele tá sentindo e que ele vai perceber o contato que
você teve com ele quando ele estiver acordado.
Que o homem seja capaz de considerar-se a si mesmo é o grande prodígio da
natureza, pois ele não consegue conceber o que é seu corpo e muito menos o que é
seu espírito e, finalmente, como o corpo pode se unir ao espírito. Este é o cume de sua
dificuldade e, no entanto, é a essência do seu ser.
(Pascal)
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Recebido em: 19.2.2002
Aprovado em: 21.3.2003
1 Trabalho atribuído ao Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo e ao Departamento de Enfermagem do
Hospital Universitário de São Paulo
© 2007 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010411692003000300010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
http://www.fen.ufg.br/revista/revista6_2/pdf/R4_comunica.pdf
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