Antífona

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Sabe a física? Esquece
O menor caminho entre dois pontos nem sempre é uma linha reta e o mundo que
vemos em três dimensões tem, na verdade, quatro. Em 1916, quando fez essas
afirmações em sua Teoria Geral da Relatividade, Albert Einstein abalou, a um só
tempo, consagradas leis da física, estabelecidas mais de dois séculos antes por
Isaac Newton, e o senso comum, que nos dizia exatamente o contrário. Fez, assim,
a revolução que mudaria completamente nossa maneira de encarar o mundo e a
nós mesmos e que começara onze anos antes, ao publicar a Teoria Especial da
Relatividade, uma versão inicial e menos complexa do trabalho de 1916. Nela,
mostrava os primeiros sinais de que o universo não era o que parecia ser. Agora,
ao ampliar e generalizar sua teoria, indicava o caminho para compreendermos
melhor o novo mundo que se descortinava.
O modo newtoniano de olhar o mundo pregava que toda matéria no universo
obedecia a uma série de leis, as mais importantes das quais eram a da mecânica e
a da gravidade. A primeira mostra como uma força afeta um corpo e como a
velocidade desse corpo cresce no tempo conforme a força aplicada. A segunda diz
que todos os corpos atraem outros corpos, com uma força chamada gravidade, que
depende da massa de cada um. Newton também achava que os raios de luz se
movem sempre em linha reta através do espaço, e que este é plano. Acreditava
igualmente que o espaço e o tempo podiam ser medidos com absoluta precisão,
bastando para isso instrumentos de medição suficientemente poderosos. Ele
chamava essas medições precisas de espaço absoluto e tempo absoluto.
No começo do século, Einstein, um jovem judeu nascido em Ulm, na Alemanha, em
1879, e formado em ciências em Zurique, na Suíça, se dividia entre um burocrático
emprego num escritório de patentes em Berna e uma intensa atividade de reflexão
sobre os fundamentos teóricos da física e sobre as principais questões que
intrigavam os físicos de então. Entre elas, a velocidade e a natureza da luz.
Intuitivo e atrevido, remexeu os conceitos estabelecidos, até que, finalmente, em
1905, publicou seus primeiros documentos científicos.
Num deles, afirmava que a luz é formada de partículas, os fótons, e que sua
velocidade é a maior existente na natureza – nada pode viajar mais depressa do
que a luz. Em outro, conseqüência direta do anterior e intitulado Sobre a
eletrodinâmica dos corpos em movimento, avisou que as idéias do velho Newton
sobre o tempo e o espaço absolutos estavam erradas. A determinação do local onde
ocorre um fenômeno tem que levar em conta o observador, porque o tempo e o
espaço são relativos, disse ele. O tempo passa diferentemente para cada indivíduo,
dependendo da velocidade em que este se encontra. Dessa maneira, Einstein
inaugurava a teoria conhecida como da Relatividade Especial. Mais tarde esse tipo
de idéia levaria à estranha constatação de que, se um astronauta estiver fazendo
uma viagem espacial a uma velocidade próxima à da luz, o tempo para ele passará
mais lentamente do que para quem ficou na Terra. Ao fim da viagem, ele estará
mais jovem do que alguém com a mesma idade que tenha deixado aqui.
Eram noções muito esquisitas e complexas para serem entendidas logo de início.
Mas Einstein persistiu na mesma trilha, buscando generalizar a aplicação de suas
teses. A Relatividade Especial aplicava-se apenas a corpos em movimento relativo
entre si em velocidades constantes – isto é, não aceleradas. Era preciso examinar a
situação muito mais complicada e comum em que os corpos estão em movimento
relativo entre si, mas acelerado. Como ocorre quando um corpo cai por força da
gravidade. Einstein enfrentou esses problemas na década seguinte, enquanto
trocava o escritório de patentes por uma cadeira de professor, primeiro em
Zurique, depois em Praga, mais tarde em Berlim, onde viu desmoronar seu
casamento de 13 anos com Mileva Maric, mãe de seus dois filhos, Eduard e Hans
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Albert. Tantas mudanças e dificuldades não o impediram de, em 1916, completar e
divulgar o que ficaria conhecido como a Teoria Geral da Relatividade.
Newton havia ensinado que as interações entre os corpos são o resultado das
forças gravitacionais: a Terra orbita em torno do Sol porque é puxada pela força da
gravidade do astro-rei. Einstein não concordou: os raios – ou partículas – de luz, e
os corpos em geral, atravessam o espaço pelo caminho mais curto, dizia ele, e esse
caminho não é uma linha reta como acreditavam os newtonianos. O espaço é curvo
e não plano, argumentava. A diferença não aparece quando se trata de distâncias
terrestres, para as quais a física newtoniana dá perfeitamente conta do recado. Mas
é significativa quando passamos para as distâncias astronômicas. A Terra orbita em
torno do Sol não por efeito da gravidade, mas porque esse é o menor caminho
através do espaço curvo. E o espaço é curvo, afirmou, porque é deformado pela
presença de uma grande massa, como a do Sol e de outros corpos semelhantes.
Na verdade, é a distorção do espaço provocada pela matéria que ocasiona o que
aprendemos com Newton a chamar de gravidade. Tanto que uma das primeiras
evidências da validade da relatividade geral foi sua utilização para determinar com
precisão a órbita de Mercúrio. Calculado pela gravitação newtoniana, o valor era
pequeno demais.
Entusiasmado, Einstein aventurou-se ainda mais. As interações entre os corpos
resultam numa influência sobre a geometria do espaço-tempo, disse ele. Introduziu
assim a noção de espaço quadridimensional, uma abstração matemática que inclui
as três dimensões do espaço pensadas pelo grego Euclides – o ponto, a linha, o
plano – e uma quarta e inesperada dimensão: o tempo.
Alguns cientistas animaram-se com as ousadias daquele jovem professor e
esperaram por uma oportunidade de testar suas idéias. Se suas teses estivessem
corretas, os raios de luz de estrelas distantes deveriam se curvar ao passar pelo
Sol. Isso levaria os observadores na Terra a acreditar que as estrelas haviam se
movimentado. Em 1919, uma equipe de cientistas europeus reuniu-se na cidade
brasileira de Sobral, no Ceará, para observar um eclipse solar. Eles fotografaram
certas estrelas que, graças ao eclipse, se tornaram visíveis durante o dia. Quando
examinaram as fotos, descobriram que as estrelas não estavam no ponto em que
deveriam estar. Parecia que haviam pulado de um lugar para outro – exatamente
como Einstein havia previsto. Estava, assim, confirmada a Teoria Geral da
Relatividade.
Einstein tornou-se instantaneamente um fenômeno de mídia. Percorreu o mundo
dando conferências – inclusive o Brasil, onde esteve duas vezes na década de 20;
foi capa de revistas; ganhou o Prêmio Nobel de Física de 1921; era centro e tema
de conversa nos salões mundanos. Humilde e bem-humorado, não se furtava a
buscar maneiras sempre mais simplificadas de explicar o produto de sua mente
genial aos menos dotados intelectualmente. Numa entrevista saiu-se com esta:
Quando você está namorando uma mulher bonita, uma hora parece um segundo.
Quando você se senta numa brasa viva, um segundo parece uma hora. Isso é
relatividade.
Usou o prestígio e o poder obtidos para ajudar causas humanitárias, principalmente
o pacifismo e o sionismo. Apesar dos problemas de saúde que o afligiam desde
1917 – e que o levaram a usar os serviços de uma enfermeira, Elsa Lowenthal, com
quem se casaria em 1919 – enfrentou corajosamente a ascensão do nazismo na
Alemanha. Judeu, colocou-se claramente ao lado dos judeus alemães e tornou-se
ele mesmo um perseguido. Ameaçado de morte quando Hitler tomou o poder,
deixou Berlim e foi para os Estados Unidos, instalando-se na Universidade de
Princeton, onde ficaria até o fim da vida. Lá, diante da eclosão da Segunda Guerra
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e da ameaça que os nazistas representavam para a humanidade, renunciou sua
posição pacifista e enviou uma carta ao Governo americano pedindo a construção
da bomba atômica. Temia que os alemães a fizessem primeiro. Depois da guerra,
participou ativamente da campanha internacional pelo desarmamento.
Suas idéias científicas passaram a ser aplicadas em muitas descobertas sobre a
natureza e em inúmeras ferramentas empregadas pelo homem para nela interferir.
Contribuíram indiretamente para o desenvolvimento de armas nucleares e da
energia nuclear. Modernos aceleradores de partículas, construídos a partir de
princípios relativísticos, fornecem uma formidável quantidade de conhecimento
sobre as partículas subatômicas e são empregados no desenvolvimento de novos
materiais e medicamentos. A cosmologia baseada na relatividade fez revelações de
grande impacto: os buracos-negros, os quasares, o universo em expansão, o Big
Bang. As aplicações aparecem sempre nos reinos do infinitamente grande – o
espaço – e do infinitamente pequeno – o átomo –, aqueles que a física newtoniana,
clássica, não foi capaz de explicar.
Até o fim da vida, Einstein lutou para generalizar ainda mais sua teoria. Seu último
esforço foi a teoria do campo unificado, uma tentativa de encontrar uma só
explicação para todas as forças físicas que hoje se sabe que regem a natureza – a
gravidade, o eletromagnetismo e as forças forte e fraca do interior do átomo.
Buscou essa explicação na modificação da geometria do espaço-tempo, mas não foi
inteiramente bem-sucedido. Muitos ainda trabalham nessa direção.
Ao modificar nossa percepção da natureza, a Teoria Geral da Relatividade
inevitavelmente extrapolou o campo da ciência e penetrou em múltiplos domínios
do conhecimento humano, suscitando interpretações filosóficas e alterando de
modo radical nossa visão de mundo. Seu autor foi talvez o exemplo mais perfeito
de atividade científica casada com atividade política, embora ele mesmo
privilegiasse a primeira: A política é para o presente, mas uma equação é para a
eternidade.
Albert Einstein morreu aos 76 anos, em 18 de abril de 1955. A notícia apareceu em
manchete nos jornais do mundo inteiro: morria um dos maiores homens do século
XX.
TEREZINHA COSTA é jornalista.
Fonte
COSTA, Terezinha. Sabe a física? Esquece. O Globo, Rio de Janeiro, n. 3, 1999.
Globo 2000, p. 154-5.
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