Antífona

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A coragem do jovem Einstein
As primeiras décadas do século XX foram marcadas por uma profunda revisão de
nossos conceitos relativos à natureza física do mundo. Primeiro, a teoria da
relatividade de Einstein reformulou a concepção de espaço e de tempo, mostrando
como as definições então aceitas eram limitadas. Segundo a física newtoniana, o
espaço e o tempo eram entidades absolutas, independentes do estado de
movimento do observador. Einstein mostrou que existe uma inter-relação entre
espaço e tempo, que são mais apropriadamente tratados como uma entidade única,
o espaço-tempo quadridimensional – quatro dimensões: três para o espaço e uma
para o tempo.
Essa unificação do espaço com o tempo leva a conseqüências que contrariam nosso
bom senso. Por exemplo, Einstein mostrou que objetos em movimento têm suas
dimensões contraídas na direção do movimento – a contração espacial – e que
relógios em movimento batem mais devagar – a dilatação temporal. Nós não
vemos esses efeitos, pois eles só são perceptíveis quando os movimentos ocorrem
a velocidades próximas à da luz – 300 mil quilômetros por segundo. Uma das
conseqüências da teoria da relatividade é que nós vivemos em uma realidade
aproximada, newtoniana, que esconde toda uma outra realidade relativística, onde
comprimentos e intervalos temporais são sujeitos a mudanças.
Mas a teoria da relatividade não foi a única a expandir as fronteiras de nossa
realidade física. Uma outra revolução conceitual ocorreu quase que ao lado da que
houve na compreensão da estrutura do espaço-tempo causada pela relatividade: a
revolução em nossa compreensão da física do muito pequeno, a física quântica.
Mesmo com a invenção do microscópio tendo, desde o final do século XVII,
revelado um mundo diferente do nosso, povoado por células etc., este era ainda
um mundo que seguia as leis newtonianas de movimento. Mas experiências no
século XIX obtiveram resultados inexplicáveis pela física clássica. A explicação
desses resultados experimentais forçou um realinhamento conceitual da física que
pegou a maioria dos físicos de surpresa. A palavra forçou é mesmo muito
adequada.
Tudo começou quando o físico alemão Max Planck sugeriu, em 1900, que átomos
não recebiam nem emitiam energia continuamente, mas em pequenos pacotes, ou
quanta. Essa idéia era perturbadora; até então, a energia era tratada como uma
quantidade contínua. Planck tentou, durante anos, explicar sua idéia de forma
clássica, isto é, mostrar que a descontinuidade da energia era conseqüência de
conceitos determinísticos baseados na física newtoniana. Mas seus esforços foram
em vão: a interação entre átomos e radiação era mesmo efetuada por meio de
pequenos pacotes de energia e seus múltiplos, da mesma forma que transações
monetárias são feitas em termos de centavos e seus múltiplos. O centavo é o
quantum monetário.
As idéias de Planck inspiraram o então jovem Einstein a pensar mais
profundamente sobre a natureza da radiação eletromagnética, cuja porção visível
nos é familiar em forma de luz. No mesmo ano em que ele propôs a teoria da
relatividade especial – 1905 –, Einstein publicou um artigo em que indica que a
própria luz tem um comportamento dual, atuando ora como onda, conforme era
aceito na época, ora como partícula. Como prova de sua conjectura, Einstein
explicou um resultado experimental conhecido como efeito fotoelétrico, pelo qual a
radiação ultravioleta pode remover elétrons de uma placa metálica eletricamente
neutra, tornando-a carregada. O Prêmio Nobel que ele ganhou em 1921 não foi
pela teoria da relatividade, mas pelo efeito fotoelétrico. Ambas as idéias
demonstram a coragem intelectual do jovem Einstein que, aos 26 anos, lançou as
1
sementes das duas grandes revoluções da física deste século. E essas não foram as
únicas duas sementes que o jovem Einstein plantou então...
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor do livro A dança do Universo.
Fonte
GLEISER, Marcelo. A coragem do jovem Einstein. Folha de São Paulo, São Paulo, 11
abr.
1999.
Especial
para
a
Folha,
p.
5-12.
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