Terra verde e agradável por David Barrett* Decoy (Engodo), 2001, é uma série de animações digitais curtas apresentadas em telas de plasma que foram penduradas na parede como pinturas. Cada uma das seqüências mostra uma fotografia de uma paisagem idílica da Inglaterra que sucumbe a efeitos digitais. Elementos gerados por computador aparecem em cena, às vezes encobertos por uma névoa artificial, às vezes de maneira simplesmente “inesperada”: lagos que se transformam em campos; fileiras de árvores que brotam e passam a existir; um carvalho que desaparece e é substituído por uma versão composta apenas pelo wireframe que “cresce” em seu lugar. As fotografias que Jane Prophet usa como ponto de partida foram tiradas do arquivo do National Trust, uma organização sem fins lucrativos pela conservação do patrimônio histórico que protege edifícios, jardins e paisagens de interesse especial na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. Portanto, as fotografias mostram paisagens que a cultura inglesa contemporânea considera e promove como seu ambiente natural ideal. Assim sendo, podemos supor que as animações tratam de paisagens naturais que são contaminadas por uma artificialidade intrusa. No entanto, tal ponto de vista pressupõe que as fotografias originais mostram cenas “selvagens” e “naturais”. De fato, as fotografias do National Trust foram tiradas de lugares especificamente designados para se observar paisagens que, na verdade, foram construídas. Sim, “construídas”. Essas paisagens não são de maneira alguma naturais; de fato, são jardins decorativos. Não são formalmente decorativos, na tradição de Versalhes, mas fazem parte de uma tendência do Século 18 conhecida como “Landscape Movement” (Movimento da Paisagem). Seguidores desta, como os paisagistas Humphry Repton e Lancelot “Capability” Brown, empenharam-se em transformar as terras produtivas ou os jardins formais de seus clientes em paisagens informais que pudessem oferecer vistas naturais. Essas vistas imitavam as técnicas de composição usadas nas grandes pinturas de paisagem do século 17, como as dos artistas franceses Claude Lorrain e Nicolas Poussin que, nesta época, estavam sendo trazidas por membros da aristocracia britânica que faziam o Grand Tour da Europa Ocidental. As paisagens idealizadas resultantes eram criadas por meio de reformas verdadeiramente exorbitantes. Jardins formais, árvores e edifícios eram impiedosamente destruídos, vilarejos inteiros eram demolidos e reconstruídos fora do campo de visão, dezenas de milhares de árvores eram plantadas para esconder terras vizinhas, lagos artificiais eram construídos, as encostas dos morros eram cortadas; tudo isso em busca de vistas agradáveis. Ao dedicar extensos pedaços de terra para fins estéticos ao invés de produtivos, os proprietários ostentavam sua riqueza de modo espetacular; possuíam toda essa terra que poderia gerar renda, mas optavam por não torná-la produtiva. Tratava-se de uma decisão consciente para mostrar a terra como algo “natural” ao invés de formal ou agrícola, o que não significa que a terra era menos cuidadosamente cultivada. E ainda assim, com o tempo, essas paisagens construídas foram aceitas como emblemáticas da paisagem inglesa, ao ponto em que as fotografias do National Trust se tornaram representativas da visão popular da paisagem natural inglesa. Prophet aborda essa visão popular ao sobrepor modelos wireframe sobre essas fotografias: as animações preenchem os lagos artificiais e fazem brotar árvores na paisagem digitalmente restaurada. Os modelos wireframe digitais são normalmente utilizados na criação da estrutura de um objeto antes de se adicionar as texturas da superfície, portanto o uso que Prophet faz desta técnica implica que ela está desenterrando as estruturas anteriores – as vistas anteriores – que existiam antes dos jardineiros que se supunham deuses chegarem para transformar a paisagem. Enquanto Decoy trata de paisagens construídas que se organizam de acordo com princípios estéticos e de ostentação de riqueza, o foco da série Blot (Mancha), de 2003, são as paisagens construídas que resultam de considerações industriais. A metalúrgica Corus, com uma milha de extensão em Port Talbot, País de Gales, por exemplo, é vista do outro lado de um grande lago que é na verdade mais uma faceta da estrutura da usina, assim como os grupos de chaminés e as fundições. O lago é uma construção artificial cujo propósito é resfriar a tubulação que passa sob sua superfície. Similarmente, o vasto parque industrial no Lac des Arcs, no Canadá, foi fotografado por Prophet da margem oposta de seu lago congelado. Estas são as instalações da usina de Lafarge Exshaw, uma pedreira de calcário que tritura as Montanhas Rochosas para extrair o cal usado na produção de concreto. Tanto em Blot como em Decoy a seleção das vistas a serem trabalhadas é tão importante quanto os wireframes adicionados a elas; são essas vistas que emprestam muito do sentido ao trabalho, são cenas carregadas de significado. Enquanto ambos os trabalhos funcionam de maneira similar, a série Blot sugere um passo à frente de Decoy. O termo “mancha” se refere à frase “uma mancha na paisagem”, como se os locais estivessem de certo modo desfigurando a paisagem “natural”, mas também se refere ao popular teste da mancha de Rorschach usado por psiquiatras. Esta referência sugere que a experiência que temos das vistas é de alguma forma relativa: um certo componente do ato de olhar envolve enxergar a própria mente. Isto não apenas nos faz questionar nossas próprias respostas ao olhar essas paisagens, como também enfatiza o quanto nossa experiência do ambiente se baseia em fatores internos, particulares. E se, até certo ponto, nós enxergamos o que queremos ver, então nossos sentidos podem ser enganados mais facilmente. É com isso que contam a simulação e a representação. Prophet se interessa por simulações da natureza e, em particular, por abstrações matemáticas que imitam processos naturais (o que aparece com mais clareza em TechnoSphere [TecnoEsfera], 1995, um trabalho digital de grandes dimensões). Recentemente, ela tem estado envolvida em uma investigação em particular, como em Decoy e Blot, que é o modelo matemático do crescimento das árvores. Partindo desta pesquisa, seguiu-se uma investigação sobre o quão convincentes outras formas de modelagem podem ser, resultando no trabalho Model Landscapes (Paisagens Modelo), de 2005. Aqui, em uma série de prateleiras, são apresentadas árvores modelo construídas com materiais diversos: uma construída com fio metálico; uma reprodução em baixa resolução de um livro sobre Capability Brown; uma produzida enviando-se modelos em 3D gerados pelo computador para uma máquina que produz protótipos rápidos; uma recortada das páginas de um livro teórico; uma feita de esqueletos de folhas naturais. Há uma pequena câmera instalada em cada prateleira que aponta para as árvores e que transmite as imagens ao vivo para um monitor de LCD. As imagens resultantes, altamente mediadas, parecem paisagens mais ou menos convincentes. A questão é que, como espectadores, podemos nos convencer de que essas paisagens são de certo modo reais, principalmente quando a experiência que temos de paisagens físicas são filtradas pelas visões insidiosas de uma natureza idílica, intocada que armazenamos como memórias culturais. Até mesmo Oscar Wilde entendia isso. Em Decadência da Mentira, de 1891, ele descreveu maliciosamente como a natureza imita a arte ao produzir efeitos que percebemos apenas porque já os vimos em pinturas. Essas imagens de uma consciência cultural coletiva contaminam qualquer chance que possamos ter de experimentar a definição de sublime de Arthur Schopenhauer: apreender a natureza verdadeiramente selvagem, não civilizada e descobrir que somos subordinados a ela. A natureza não é sempre natural. Esta é a verdade central que Prophet explora em seu trabalho. A natureza, como os ocidentais a experimentam, é construída. A paisagem é determinada tanto pela intervenção humana quanto pelas forças naturais. As vistas que admiramos com tanta freqüência são vestígios do poder social ou econômico e, por mais que sejam admiradas, também podem ser lidas e compreendidas. Com tanta história por trás desta questão, ela é ainda mais urgente hoje, com o desenvolvimento da tecnologia dos computadores e os avanços na modelagem de paisagens virtuais. É possível produzir mundos imersivos convincentes combinando programas de modelagem em 3D desenvolvidos pela pesquisa de simulação de vôos militares com a geometria fractal da Teoria do Caos e, em seguida, utilizar a Internet para conectá-los a usuários distantes. Isto faz com que a questão de o quão real é uma paisagem – e qual o significado disto – seja extremamente significativa. Enquanto escrevo este texto, há mais de 12 milhões de assinantes ativos de Jogos Online para Múltiplos Jogadores, e metade destes participam de um jogo em particular. Isso significa que 6 milhões de pessoas habitam um único mundo virtual regularmente, com uma população do mesmo tamanho, por exemplo, que a da Suíça, Israel ou Paraguai. Enquanto os críticos desses mundos apontam para o fato de que eles são artificiais e que sua exploração não produz nada mais que “descobertas” pré-fabricadas, Prophet deixa claro que o mesmo pode ser aplicado ao mundo real. Suas escavações sublinham o fato de que muitas paisagens são efetivamente parques temáticos onde os visitantes são levados, quase que sobre trilhos, através de uma série de pontos de vista fixos planejados que privilegiam o espectador e implicam no controle sobre o mundo visível. A apresentação dessas paisagens como idílios naturais pela indústria da nostalgia é minada pelas investigações minuciosas de Prophet, ao deixar claro que, longe de ser uma terra simples, verde e agradável, a paisagem é um espaço construído, discursivo, cujo sentido deve ser conquistado. * David Barrett é artista, escritor e parceiro na fundação da revista de arte Royal Jelly Factory.