República e isonomia – licitação e sua inexigibilidade na contratação de serviços advocatícios pelo Poder Público. EDUARDO MARTINES JÚNIOR Promotor de Justiça designado na 4ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Ciências Econômicas e em Ciências Jurídicas, Mestre e doutorando em Direito do Estado pela PUC/SP. Conselheiro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. Professor de Direito Constitucional e Fundamentos do Direito Público na PUC/SP e da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Princípios: 2.1 Princípios político-constitucionais; 2.2. Princípios jurídico-constitucionais – 3. Princípio republicano e isonomia: 3.1 A República; 3.2. Isonomia: 3.2.1. Igualdade na lei e perante a lei; 3.2.2. O critério de Celso Antônio; 3.3 Princípio da impessoalidade na Administração Pública e licitação; 3.3.1. Licitação - 4. Normas de ordem pública - 5. Dispensa e inexigibilidade de licitação: 5.1. Serviços técnicos profissionais especializados; 5.2. Singularidade do objeto; 5.3. Notória especialização; 5.4. Providências formais posteriores - 6. A contratação direta de serviços advocatícios e precedentes - 7. A desobediência à Lei de Licitações. 8. Conclusão - Referências bibliográficas. 1. Introdução A primeira palavra do artigo 1º da Constituição Federal, não por acaso, é República, abrindo o Título I que trata dos Princípios Fundamentais ou, por outra, os alicerces sobre os quais edificado o Estado brasileiro. O significado jurídico da República vai muito além do que aparenta, pois, muito mais que dar a forma do Estado, contrapondo-o à monarquia, implica no reconhecimento de que as diferenças existentes entre os indivíduos, não pode traduzir castas, privilégios ou tratamentos diferenciados. A adoção da res publica leva ao princípio da isonomia, expressamente adotado como direito fundamental do ser humano, preconizado no caput do artigo 5º da Constituição Federal, também não sem uma razão. Esse relevante princípio por nós adotado, está reafirmado em distintas passagens do texto constitucional, como se houvesse necessidade de insistir de outras maneiras e por distintos institutos, que os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente, na medida em que se desigualam. A leitura atenta da Constituição Federal leva à conclusão, segundo a qual o constituinte parecia imbuído do propósito de marcar indelevelmente que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, como se a adoção do princípio republicano já não fosse o bastante. De toda forma, é disposição expressa do artigo 37 da Constituição Federal a impessoalidade na Administração Pública, direta e indireta, e de qualquer dos Poderes das pessoas políticas, restando ainda fixado o princípio da acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas a todos os brasileiros que preencham os requisitos da lei, princípio da investidura em cargo ou emprego público apenas mediante concurso e princípio da licitação. 2 Em relação a este, o inciso XXI do artigo 37 da Lei Maior estabelece a obrigatoriedade de realização de certame licitatório, realizado de tal modo que assegure igualdade de condições a todos os participantes, ressalvados, todavia, os casos especificados na legislação. Uma leitura menos profunda, ou descolada do conjunto constitucional, poderia levar ao equivocado entendimento segundo o qual, a legislação ordinária poderia excepcionar a seu bem prazer o princípio da licitação, tão cuidadosamente traçado pelo constituinte, chegando ao preciosismo de afirmar ser o próprio texto do inciso XXI, que inicia com “ressalvados os casos especificados na legislação...”. Óbvio, nos parece, que essa leitura levada ao extremo, implicaria em negar o princípio da impessoalidade determinado no caput do artigo 37, o princípio da isonomia inscrito no artigo 5º e, por fim, e mais relevante, negaria o próprio princípio republicano fixado no artigo 1º do Texto Maior. A legislação ordinária atinente às licitações e contratos administrativos – Lei Federal nº 8.666/93 – de fato, estabelece a dispensa e a inexigibilidade de licitação em alguns casos. O exame dos artigos 24 e 25, dentre outros, não deixa margem a dúvida, tudo revelando que as ressalvas mencionadas no Texto Maior foram efetivamente feitas. Ocorre que o legislador não excepcionou as situações que livremente escolheu, senão apenas e tão-somente aqueles casos em que a licitação se mostra desnecessária ou logicamente inviável. Na realidade, o constituinte não deu ao legislador ordinário uma “carta-branca” a lhe permitir escolha aleatória. Antes, as ressalvas mencionadas no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal só podem ser compreendidas como aquelas que respeitem os princípios da impessoalidade, da isonomia e o republicano. Pois bem. Se nem mesmo o legislador poderia excepcionar o princípio da licitação, exceto, é óbvio, nas hipóteses mencionadas, menos ainda o administrador público o pode, obrigado que é a aplicar a lei por força da própria Constituição. Nesse contexto é que inserimos o tema de fundo deste trabalho, nos propondo a enfrentar a espinhosa questão da contratação direta de serviços de advogados pelo Poder Público, é dizer, com base na inexigibilidade de licitação, calcada, sobretudo, na notória especialização. Sobre esse tema a jurisprudência e a doutrina não encontraram pacificação, encontrando-se decisões e lições em ambos os sentidos, no que, de certo modo, estariam realmente corretas, na medida em que, adiantamos, não é possível concluir no sentido da possibilidade ou da negativa dela, sem o exame do caso concreto. Essa a razão pela qual procuramos partir do estudo da significação da República, passando pela isonomia, impessoalidade e licitação, para somente depois ingressarmos no exame da Lei de Licitações (nos tópicos ligados ao tema), procurando desenvolver uma base jurídica mínima, necessária ao estudo de qualquer caso concreto que se apresente. Notamos, todavia, que a despeito de não ser possível concluir pela possibilidade ou impossibilidade das contratações referidas, julgadores e doutrinadores tem adotado soluções apriorísticas, num ou noutro sentido, independentemente da hipótese examinada, nos parecendo isso bastante equivocado. Por outra parte, a advocacia1 não pode se deixar levar pelo caminho fácil do privilégio, tão combatido pela classe dos advogados, máxime agora que elevada à relevante condição de função essencial à Justiça e indispensável à administração dela, por obra do mesmo constituinte que exigiu respeito à igualdade e estabeleceu como um dos objetivos 1 A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo teve indeferido pedido de admissão nos autos da AC nº 070.764.5/1-00 – 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, mantida pelo desprovimento do Agravo Regimental interposto, ficando assentado que não há interesse jurídico da Instituição em hipótese na qual sociedade de advogados foi contratada diretamente por Prefeitura Municipal, com inexigibilidade de licitação, e que está sendo por isso demandada em sede de ação civil pública. 3 fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Com o devido respeito, não vislumbramos nenhuma razão para que o Poder Público deixe de observar o princípio republicano, o princípio da isonomia, o princípio da impessoalidade na Administração Pública e, finalmente, o princípio da obrigatoriedade da licitação, na contratação de serviços de advocacia, porquanto está rigidamente jungido a eles (princípios), seja qual for a natureza dos serviços, exceto se, presentes os requisitos da lei, ressalva normativa determinada na própria Constituição Federal e não no desejo de alguns. Os serviços de advocacia (e os advogados) devem ser iguais a todos, na lei e perante a lei. 2. Princípios A compreensão do conteúdo jurídico dos princípios é condição sine qua non para o entendimento do Direito, pois este é constituído na forma de sistema, “um conjunto bem estruturado de disposições que, interligando-se por coordenação e subordinação, ocupam, cada qual, um lugar próprio no ordenamento jurídico. É precisamente sob este imenso arcabouço, onde sobrelevam os princípios, que as normas jurídicas devem ser consideradas.”2 Os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se.3 Não se pode falar em princípios sem referência ao conceito de Celso Antônio, segundo o qual: “Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (...) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. (...) Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada”.4 Os princípios não se encontram apenas na Constituição Federal, estando por toda a pirâmide jurídica, por isso se podendo falar em princípios constitucionais, legais e infralegais.5 Parece-nos claro, todavia, que os princípios constitucionais têm maior relevância sobre os demais, pairando acima deles e ditando o norte da boa interpretação. A distinção não pára aí, porque mesmo entre os princípios constitucionais encontramos uns mais relevantes que outros,6 ainda que tenham berço na mesma Lei Maior. Não se trata dos chamados princípios explícitos e implícitos, pois em relação a estes, o importante é saber se estão ou não presentes na Constituição. Isso verificado, o jurista utilizarse-á do “instrumental teórico que a Ciência do Direito coloca à sua disposição”7 para discerni-lo, dependendo da abrangência de cada um. Dessa maneira, pouco importa se estão explicitados ou apenas decorrem do todo representado pela Constituição. Retomando, falávamos sim, sobre os princípios político-constitucionais vis-à-vis os princípios jurídicoconstitucionais, na dicção de Canotilho, como se verá. 2 Carrazza. R.A., Curso de direito constitucional tributário, p. 33. 3 Sundfeld, C.A., Fundamentos de direito público, p. 143. 4 Mello, C.A.B., Elementos de direito administrativo, p.230. 5 Carrazza, R.A., op. cit., p. 33. 6 Não se trata de hierarquizar normas constitucionais, conscientes da advertência de Thomas Cooley (In: O controle da constitucionalidade das leis, p. 58). Todavia, é certo que algumas disposições, embora constitucionais, certamente encerram menor relevância que outras. Tome-se o exemplo do § 2º do Art. 242 em comparação com a norma do inciso III do Art. 1º da Constituição Federal. 7 Carrazza, R.A., op. cit. p. 32. 4 2.1 Princípios político-constitucionais José Afonso da Silva,8 com base nas lições de Canotilho, divide os princípios constitucionais em duas categorias: os político-constitucionais e os jurídico-constitucionais. Diz ele que os princípios político-constitucionais são fundamentais decisões políticas da nação ou, no dizer de Canotilho: “Nestes princípios se condensam as opções políticas nucleares e se reflecte a ideologia inspiradora da constituição. Expressando as concepções políticas triunfantes ou dominantes numa assembléia constituinte, os princípios políticoconstitucionais são o cerne político de uma constituição política (...).”9 É nessa categoria de princípios que se encontram os princípios republicano, da federação, do Estado democrático de direito, da separação de poderes, o princípio da dignidade da pessoa humana, do pluralismo político, dentre outros estabelecidos nos artigos 1° a 4° da Constituição Federal, sob o título de Princípios Fundamentais. Muito embora não possa servir como critério de identificação, a simples colocação desses princípios já nos primeiros artigos, abrindo o Texto, indica a importância que o constituinte a eles atribuiu, dedicando o Título I à fixação das decisões políticas fundamentais da República Federativa do Brasil. Os princípios fundamentais ali dispostos sobrepairam por todo o ordenamento jurídico, direcionando a interpretação das demais normas constitucionais e infraconstitucionais. 2.2. Princípios jurídico-constitucionais Uma segunda categoria é referida por José Afonso, a dos princípios jurídicoconstitucionais, possuidores de caráter geral, informando toda a ordem jurídica pátria. Ainda segundo ele, não raro decorrem dos princípios fundamentais acima referidos.10 Na precisa lição de Canotilho, esses “princípios constitucionais impositivos subsumem-se todos os princípios que, sobretudo no âmbito da constituição dirigente, impõem aos órgãos do estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. São, portanto, princípios dinâmicos, prospectivamente orientados.”11 Em relação à nossa Carta Política, poderiam ser citados como exemplos os princípios da legalidade, da isonomia, da proteção social aos trabalhadores, proteção à família, da autonomia municipal, do devido processo legal, do juiz natural, dentre outros, explícitos ou implícitos. Com isso, possível afirmar que os princípios político-constitucionais, encerram maior importância no mundo jurídico que os princípios jurídico-constitucionais. O princípio republicano ou o federativo ou o da separação dos poderes, dos artigos 1° e 2°, respectivamente, têm maior relevância que o princípio da proteção à família, por exemplo, embora todos tenham assento constitucional. Os primeiros, todavia, revelam decisões políticas fundamentais do Estado, impondo observância mais acurada na aplicação. Afirmado isso, podemos avançar considerando os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal e que se relacionam com o tema proposto. 3. Princípio republicano e isonomia 3.1 A República 8 Silva, J.A. Curso de direito constitucional positivo, p. 94. 9 Canotilho, J.J.G., Direito constitucional, p. 172. 10 Silva, J.A., op. cit., p. 95. 11 Canotilho, J.J.G., op. cit. p. 173. 5 Falamos da importância dos princípios e, fundados em Roque Carrazza,12 afirmamos serem eles a pedra angular da juntura de um sistema ou, no dizer de Celso Antônio, princípio, por definição, é o mandamento nuclear de um sistema ou seu alicerce.13 Um verdadeiro alicerce ou pedra angular do sistema jurídico por nós adotado, é o princípio republicano, pois, “como princípio fundamental e básico, informador de todo o nosso sistema jurídico, a idéia de república domina não só a legislação, como o próprio Texto Magno, de modo inexorável, penetrando todos os seus institutos e esparramando seus efeitos sobre seus mais modestos escaninhos ou recônditos meandros.”14 Estabelecido no artigo 1º da Constituição Federal, o princípio republicano informa todo o sistema, decorrendo dele, dentre outros, o princípio da igualdade ou da isonomia, conforme ensina Roque Carrazza, para enfatizarmos desde logo, o caminho que pretendemos trilhar. Regime republicano é tipo de governo, fundado na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade.15 Diferentemente das monarquias, nas quais o poder político é exercido em nome próprio e, via de regra, é detido por alguém que o conquista com base na hereditariedade, ou as ditaduras, nas quais o uso da força das armas permite a alguém, ou um grupo, exercer o poder, na república o exercício é conferido a alguém ou um grupo, que o faz em nome daquele que o elegeu, tratando-se, pois, de mera representação políticojurídica. Esse é o mandamento do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal.16 Ainda a respeito dos elementos da definição de República, avulta a responsabilidade do governante. É que eles respondem pessoalmente pelas decisões que tomarem, quer no campo político – pelo instituto do impeachment17 – quer sob o ponto de vista civil.18 Aliás, república é essencialmente ligada à responsabilidade, como ensina Ataliba: “A simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial. Regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem pelos seus atos. Todos são, assim, responsáveis. Michel Temer afirma: ‘Aquele que exerce função política responde pelos seus atos. É responsável perante o povo, porque o agente público está cuidando da res publica. A responsabilidade é corolário do regime republicano’ (Elementos de Direito Constitucional, p. 184).”19 A responsabilização do governante (e também de seus agentes), está ligado ao exercício do poder por representação do verdadeiro detentor dele – o povo – nos termos da Constituição Federal (parágrafo único do artigo 1º). O governante nada mais é que mandatário do povo e, bem por isso, deve exercer seu mister estritamente dentro daquilo que estabelecido, no caso, pela própria Constituição e pelas leis. 3.2. Isonomia 12 Carrazza. R.A. Curso de direito constitucional tributário, p. 30. 13 Bandeira de Mello. C.A. Elementos de direito administrativo, p. 230. 14 Ataliba. G. República e Constituição, p. 32. 15 Carrazza. R.A. Curso de direito constitucional tributário, p. 44. 16 Art. 1º (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 17 Art. 86 da Constituição Federal em relação ao Presidente da República 18 Art. 37, parágrafo 6º, in fine, da Constituição Federal. 19 Ataliba. G. República e constituição, p. 38. 6 República vem de res publica, ou coisa do povo, de todos igualmente e para todos da mesma forma. Daí se afirmar que do princípio republicano nasce a isonomia e a igualdade de todos perante o Estado, desdobrando-se esta em outros princípios. O princípio republicano, ainda com base nas lições de Carrazza, impede distinções entre nobres e plebeus, ricos e pobres, poderosos e humildes. A isonomia está na expressão “fundado na igualdade formal das pessoas”, porque todos são iguais perante a lei e na lei, sem distinção de qualquer natureza. Quanto à Lei Maior brasileira, está esse princípio estabelecido expressamente no caput do artigo 5º, mas não só, pois, na realidade, a isonomia vem desdobrada em outras passagens, como se se estivesse enfatizando a importância do princípio. Assim é que, além da disposição mencionada, encontramos logo no inciso I daquele artigo, norma segundo a qual homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; ou que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção política. Também está proibida, a título de exemplos, a diferenciação de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, proibição de discriminação de salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência, igualdade de tratamento entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso,20 dentre outros. Ainda, igualdade como princípio vem repetida no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, vedando tratamento desigual de contribuintes em situação equivalente.21 Note-se que, a rigor, tais disposições são até redundantes, na medida em que o princípio republicano e depois, o próprio princípio da igualdade enunciado expressamente no caput do artigo 5º da Constituição Federal, bastariam. Todavia, essa ênfase deixa ainda mais claro o norte que o constituinte pretendeu dar ao legislador e ao aplicador da lei, no que pertine ao tratamento isonômico a ser dispensado a todos os indivíduos. Além dessas disposições, outras existem com o mesmo caráter, como o princípio da impessoalidade do caput do artigo 37, se referindo à isonomia aplicada à Administração Pública. Depois, no mesmo artigo encontraremos o princípio da acessibilidade a cargos ou funções públicas mediante concurso (inc. II) e o princípio da licitação, expressamente fixado no inciso XXI, sobre o qual trataremos de forma mais detalhada. 3.2.1. Igualdade na lei e perante a lei Tratar do princípio da isonomia leva à distinção entre a igualdade perante a lei e a igualdade na lei. A doutrina brasileira faz essa distinção, como em Celso de Mello, ao afirmar que a igualdade perante a lei traduz exigência endereçada aos Poderes Executivo e Judiciário, relativamente à lei já elaborada, e que na sua aplicação não poderá utilizar critérios discriminatórios. Por outro lado, a igualdade na lei é exigência destinada ao legislador, pois em sua elaboração, não poderá nela incluir qualquer fator de discriminação.22 Trataram do tema Ataliba,23 Dallari,24 Ferreira Filho25 e Celso Bastos.26 José Afonso critica a distinção dizendo que a igualdade perante a lei “corresponde à obrigação de aplicar as normas 20 Art. 7º, incisos XXX, XXXI e XXXIV da Constituição Federal. 21 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 22 Mello Filho. J.C. Constituição federal anotada, p. 427. 23 Ataliba. G. República e constituição, p. 136. 24 Dallari. D.A. Elementos de teoria geral do Estado, p. 267. 25 Ferreira Filho. M.G. Curso de direito constitucional, p. 242 e seguintes. 26 Bastos. C.R. Curso de direito constitucional, p. 166. 7 jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que elas estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação... ”.27 Segue dizendo que a igualdade perante a lei é uma exigência feita somente àqueles que aplicam as normas aos casos concretos. Relativamente à igualdade na lei “exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição”.28 Finalizando, afirma que essa exigência é dirigida tanto aos que criam as normas jurídicas, como àqueles que as aplicam nos casos concretos. Na verdade, diz José Afonso, essa distinção é desnecessária entre nós, porque tanto a doutrina como a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei.29 Essa doutrina estrangeira referida por José Afonso, realmente distingue a igualdade perante a lei e na lei. Kelsen, depois de afirmar que a regra segundo a qual os iguais devem ser tratados de maneira igual, e os que são desiguais devem ter tratamento desigual, diz que isso decorre menos de uma exigência da justiça, mas muito mais em face da lógica;30 conclui ser esta a igualdade perante a lei, distinta da igualdade na lei. Diz: “a igualdade perante a lei pode existir mesmo quando não exista qualquer igualdade na lei, quer dizer, quando a lei não prescreva qualquer tratamento igualitário”.31 E, arrematando continua: “Com efeito, a chamada 'igualdade' perante a lei não significa qualquer outra coisa que não seja a aplicação legal, isto é, correcta, da lei, mesmo que ela não prescreva um tratamento igualitário mas um tratamento desigual”.32 Para Kelsen, a igualdade na lei somente pode ser garantida se a Constituição, relativamente às diferenças entre os indivíduos, determinar que diploma legal algum poderá fazer acepção a tais distinções, sob pena de inconstitucionalidade, “quer dizer: que as leis em que forem feitas tais distinções poderão ser anuladas como inconstitucionais”.33 Rivero, na obra Les libertés publiques, dedica uma seção ao estudo dos temas maiores da Declaração dos Direitos do Homem, tratando nela da igualdade (parágrafo 4 da Seção III, Capítulo Primeiro da Primeira Parte). Afirma que esse princípio embasa o direito público francês, dando a tônica de seu significado, segundo ele, traduzindo-se em igualdade diante da lei e diante dos cargos públicos, com igual possibilidade de acesso a eles.34 Em nosso direito, essa tradução estaria na igualdade perante a lei e no princípio previsto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Ainda entre os franceses,35 Duguit ensina que a igualdade é regra de direito público positivo, impositiva ao legislador no sentido de ser inconstitucional toda lei que violentar tal princípio. Diz que esse princípio significa que todos os homens são igualmente protegidos pela lei, não numa perspectiva aritmética mas sim proporcionalmente, jamais pretendendo estabelecer uma igualdade matemática entre os homens, que em realidade significaria desigualdade.36 27 Silva. J.A. Curso de direito constitucional positivo, p.210. 28 Ibidem, mesma página. 29 Ibidem, mesma página. 30 Kelsen. H. A Justiça e o direito natural, p. 73. 31 Ibidem, p. 78. 32 Ibidem, p. 79. 33 Idem, Teoria pura do direito, p. 154. 34 Rivero. J. Les libertés publiques, p. 41. 35 Também trataram do tema igualdade Emmanuel Joseph Sieyès. In: A constituinte burguesa – Que é o Terceiro Estado?, p. 80 e seguintes e, Montesquieu. In: O espírito das leis, nos Livros quinto e sexto. 36 Duguit. L. Traité de droit constitutionnel, v. III, p. 593. 8 Por seu turno, Canotilho37 se refere à igualdade na aplicação do direito e igualdade quanto à criação do direito, de forma muito próxima às expressões consagradas na doutrina nacional, assemelhando-se à igualdade perante e na lei, respectivamente. O mais importante na lição de Canotilho, contudo, são as respostas que ele mesmo oferece para a pergunta: “Mas o que significa 'criação de direito igual’?”.38 É dizer: qual o significado da igualdade perante a lei? Afirma que a resposta desdobra-se na compreensão da criação de direito igual como princípio da universalidade ou princípio da justiça pessoal. O significado é de igualdade em sentido formal, acabando por “se traduzir num simples princípio de prevalência da lei em face da jurisdição e da administração”.39 Referindo-se ao artigo 13º, 1. da Constituição Portuguesa,40 continua o raciocínio ao tratar da criação de direito igual como exigência de igualdade material através da lei, devendo tratar-se por “igual o que é igual e desigualmente o que é desigual”.41 Segue dizendo que essa afirmativa, todavia, não resolve a questão porquanto a igualdade justa pressupõe um juízo e um critério de valoração. Essa, em verdade, é a grande questão que se coloca em relação à isonomia, pois é necessário encontrar um critério jurídico que permita identificar, em cada específica situação, se o princípio da igualdade está ou não preservado. 3.2.2. O critério de Celso Antônio Essa questão tem sido estudada por grandes juristas e todos confessam as dificuldades encontradas. Como falávamos no item anterior, Canotilho pergunta o que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de maneira igualmente justa? E mais: qual o critério de valoração para a relação de igualdade? Sugere que para alguns a resposta estaria na proibição do arbítrio, é dizer, verifica-se a observância do princípio da igualdade na hipótese em que indivíduos ou situações não são arbitrariamente tratados como desiguais. Por outra: a igualdade é violada quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. Todavia, entende insuficiente a utilização desse princípio limite, se não se utilizar critérios permitidores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esse critério material objetivo pode ser assim sintetizado: “existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”.42 Com base nessas lições podemos dizer que o importante para compreender o significado da isonomia, é verificar a relatividade de conceitos de igualdade e desigualdade, devendo-se aferi-las em cada caso concreto. É possível, v.g., que alguém seja igual ao outro em relação ao sexo, mas absolutamente diferente em relação à riqueza. Por outro lado, dois indivíduos abastados podem ter iguais patrimônios, mas serem desiguais quanto ao sexo. Assim, por exemplo, não seria possível dizer que uma regra de concurso que só admita candidatas mulheres afronta o princípio da isonomia, se o intuito é preencher vagas de carcereiras em presídio feminino. Em outro caso, “a igualdade formal deve ser quebrada diante de situações que, logicamente, autorizem tal ruptura. Assim, é razoável entender-se 37 Canotilho. J.J.G. Direito constitucional, p. 563. 38 Ibidem, mesma página. 39 Ibidem, p. 564. 40 Artigo 13. (Princípio da igualdade) 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica ou condição social. 41 Ibidem, mesma página. 42 Canotilho. J.J.G. Direito constitucional, p. 565. 9 que a pessoa portadora de deficiência tem, pela sua própria condição, direito à quebra da igualdade, em situações das quais participe com pessoas sem deficiência.”43 Todavia, como afirma Celso Bastos “...o cerne do problema remanesce irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem são os desiguais”,44 fazendo necessário o uso de um critério de diferenciação. Também fizeram essa pergunta Canotilho45 e, entre nós, Celso Antônio,46 que estabeleceu um critério para reconhecer as situações em que se verifique a quebra da isonomia, apresentando-o sob a forma de três questões: “a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.”47 A primeira questão do critério, segundo Celso Antônio, diz respeito com o elemento tomado como fator de desigualação, impondo à norma dois requisitos a saber: “...a lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser colhido pelo regime peculiar;...” além de “...o traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para assujeitá-las a regimes diferentes.”48 A segunda questão, por outro lado, é considerada como o ponto nodular para a verificação do atendimento ao princípio da isonomia por determinada regra. Esse ponto está na “existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”.49 De fato, ao homem médio soa fácil e de certa forma, até independentemente de aprofundados conhecimentos da Ciência do Direito, o reconhecimento da necessária correlação lógica entre o fator de discrímen e a própria discriminação. Para se saber se há ofensa à isonomia, basta perquirir se o fator diferencial eleito para discriminar, guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão com o benefício ou, com a inserção ou afastamento do ônus impingido. Para melhor compreensão, Celso Antônio traz o exemplo de hipotética lei que autorizasse servidores gordos a afastaremse sem prejuízo da remuneração, para assistir congresso religioso, vedando aos magros o mesmo tratamento. Continua dizendo que superficial exame revela que a compleição física não poderia ser eleita como critério diferenciador, para o tratamento jurídico adotado em razão da utilização dele. Isso porque é inadmissível que a obesidade, ou a esbeltez, seja tomado como critério discriminatório a tratar diferentemente os servidores, com o fim de ser autorizada a participação, ou não, em congresso religioso. Todavia, segue ele dizendo, seria esse critério tolerável se somente os esbeltos pudessem exercer, no serviço militar, “funções que reclamem presença imponente”.50 Para rematar a idéia, Celso Antônio resume essa 43 Araújo. L.A.D. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, p. 52. 44 Bastos. C.R. Curso de direito constitucional, p. 167. 45 Canotilho. J.J.G. Direito constitucional, p. 564. 46 Bandeira de Mello. C.A. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 11. 47 Ibidem, p. 21. Ressaltamos que na página 41 dessa obra, o mesmo tema é tratado de forma mais explicativa pelo autor, que desdobrou a primeira questão, restando quatro elementos a saber: “(a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público”. 48 Ibidem, p. 23. 49 Bandeira de Mello. C.A. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 38. 50 Ibidem, mesma página. 10 fundamental questão dizendo: “é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arrendamento do gravame imposto.”51 Por fim, relativamente à terceira questão Celso Antônio afirma que “... as vantagens calçadas em alguma peculiaridade distintiva hão de ser conferidas prestigiando situações conotadas positivamente ou, quando menos, compatíveis com os interesses acolhidos no sistema constitucional”.52 Por outras palavras, deve estar de acordo com aquilo que prestigia o aparato normativo, sobretudo a Constituição Federal. Esse critério é, reconhecidamente, o mais apropriado para verificação da presença – ou não – da isonomia em determinado caso concreto. Faremos o exame da questão proposta – inexigibilidade de licitação para contratação de advogados pelo Estado – mais adiante. 3.3 Princípio da impessoalidade na Administração Pública e licitação O princípio republicano, fundamental decisão política do constituinte, a impor regime de não diferenciação entre indivíduos, de exercício do poder por representação e com responsabilização dos governantes, induz desdobramentos vários como vimos e, inclusive, especificamente à própria Administração Pública. A igualdade formal entre os indivíduos leva à isonomia, princípio que se espraia por todo o texto constitucional não se limitando ao caput do artigo 5º, pois, desta, partem outras disposições. A impessoalidade é uma dessas formas, embora possa ser considerada desnecessária sua menção na Lei Maior, chegando a causar espécie a Celso Bastos: “É de certa forma surpreendente a inclusão da impessoalidade no rol dos princípios informadores da Administração. Isso porque é difícil configurar a sua autonomia em face de outros princípios, tais como o da finalidade, o da igualdade e mesmo da própria legalidade.”53 Sem embargo e entendendo-o como relevante desdobramento do princípio republicano e da isonomia, a impessoalidade está prevista como princípio expresso da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, como afirmado no caput do artigo 37 da Constituição Federal. “Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia.”54 Segundo José Afonso, o princípio da impessoalidade significa que os atos e provimentos administrativos devem ser imputáveis ao órgão ou entidade administrativa a que pertence o servidor que o praticou, e nunca ao próprio agente da Administração, pois ele apenas manifesta formalmente a vontade estatal. Os atos, pois, são da entidade em nome de quem ele as produziu.55 A partir disso podemos afirmar que a Administração Pública, e de resto, o Estado como um todo, deve ser tomada como um ente sem vontade pessoal, tendo aqueles que ocupam cargos ou funções, se pautar em condutas desprovidas de interesses, que não apenas os públicos. Ninguém pode ocupar cargos ou funções na Administração e gerir a 51 Ibidem, mesma página. 52 Ibidem, p. 42. 53 Bastos. C. R. Curso de direito administrativo, p. 55. 54 Bandeira de Mello. C.A. Curso de direito administrativo, p. 58. 55 Silva. J.A. Curso de direito constitucional positivo, p. 615. 11 res, que é pública, como se sua fosse. Ensina Benoit: “Com esse regime, todos os indivíduos são tratados da mesma maneira aos olhos dos serviços públicos. Existe igualdade diante dos serviços públicos como existe igualdade diante da lei, sendo que a primeira não é nada além do que um aspecto da segunda, visto que é a lei que rege os serviços públicos. Não existe então nenhum favor ou vantagens possíveis. O regime de prestação de serviços públicos é o mesmo para todos.”56(tradução livre nossa) Em lição sempre atualizada, Hely afirma que o princípio da impessoalidade “...nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.”57 No mesmo sentido de Hely está Morais,58 merecendo ser ressaltada a advertência de Celso Bastos: “o campo por excelência em que medra o atentado à impessoalidade é o da discricionariedade. Aqui, ao moldar o seu comportamento, cabe a prática da escolha de um ato que melhor atenda à finalidade legal. Nesta ocasião é que o administrador pode ser tentado a substituir o interesse coletivo por considerações de ordem pessoal (favorecimento ou perseguição) (...) O primado da lei cede diante da conveniência do administrador.”59 O princípio da impessoalidade, em resumo, veda o tratamento desigual de administrados em semelhante situação. Ainda, impede o administrador – seja de que nível hierárquico for e de qualquer dos Poderes – utilizar critérios pessoais para conceder qualquer benefício, privilégio, concessão, proibição ou discriminação. 3.3.1. Licitação O princípio da licitação, igualmente, é desdobramento da impessoalidade, sendo este, por sua vez, decorrente da isonomia60 e do princípio republicano. A impessoalidade também se desdobra no princípio da acessibilidade a cargos e funções públicas por concurso ou na proibição da publicidade estatal caracterizadora de promoção pessoal da autoridade. Esse o ensinamento de Carlos Ary: “Além de, como se viu, o princípio da isonomia interditar ao legislador a enunciação de discriminações específicas, está na base de inúmeros institutos e regras de direito público. São exemplos a exigência de licitação para contratação, pelo Estado, de particulares (CF, art. 37, XXI); a obrigatoriedade do concurso público (...).” 61 A licitação, dada sua relevância, vem expressamente estabelecida no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, revelando a preocupação do constituinte em mostrar que a regra é a realização de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, para todas as contratações da Administração Pública, podendo, contudo, haver exceções, nos termos da lei, que deve dar execução e estar adequada ao prescrito na norma superior. Ensina Canotilho: “O ‘pensamento de execução’ considera que, em termos gerais, a posição da lei relativamente à constituição não é diferente da relação hierárquico-normativa entre a lei e o acto administrativo, executor da mesma. Conseqüentemente, tal como a discricionariedade administrativa é a execução de uma norma legal, também a discricionariedade legislativa se 56 Benoit. F.P. Le droit administratif français, p. 837. 57 Meirelles. H.L. Direito administrativo brasileiro, p. 85. 58 Morais. A. Direito constitucional administrativo, p. 100. 59 Bastos. C.R. Curso de direito administrativo, p. 56. 60 Sundfeld. C.A. Licitação e contrato administrativo de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94, p. 40. 61 Sundfeld. C.A. Fundamentos de direito público, p. 171. 12 circunscreve a um problema de execução, pelo legislador, dos preceitos mais ou menos detalhados da lei constitucional.”62 A norma referida é a Lei de Licitações – nº 8.666/93 – substituidora do Decreto-lei nº 2.300/86. Esse texto foi severamente criticado por Carlos Ary no prefácio de seu “Licitação e contrato administrativo” – não sem razão – mas, de toda forma, é essa a lei que temos. Nessa obra a licitação é conceituada como “o procedimento administrativo destinado à escolha de pessoa a ser contratada pela Administração ou a ser beneficiada por ato administrativo singular, no qual são assegurados tanto o direito dos interessados à disputa como a seleção do beneficiário mais adequado ao interesse público.”63 Bielsa conceitua a licitação como sendo “...un procedimiento legal y técnico que permite a la Administración pública conocer quiénes pueden – en mejores condiciones de idoneidad y conveniencia – prestar servicios públicos o realizar obras.”64 Semelhante é o conceito de Hely,65 para quem a licitação “é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse.” Pode-se dizer também que a licitação “...é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessárias ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.”66 Outros autores trataram de conceituar a licitação, a exemplo de Celso Bastos,67 Moraes,68 Justen Filho,69 Figueiredo,70 todos em sentido bastante parecido. “En suma: la licitación es un requisito legal respecto de los contratos administrativos, instituido por motivos de conveniencia y de moralidad administrativa. La falta de licitación, si ella es obligatoria, determina la nulidad del acto, pues la licitación es esencial. En tal caso - es decir, de omisión – la Administración pública no tiene que demandar la anulación de contratos realizados sin licitación previa, puesto que se parte del supuesto de que no hay contrato.”71 A obrigação de licitar está determinada na Constituição Federal e a Lei 8.666/93 estabelece no artigo 1º que os três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estão submetidos ao seu regime, incluindo ainda os órgãos da administração indireta, como os fundos especiais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas. Em seguida, a Lei de Licitações expressa a finalidade do instituto, deixando claro que a obediência ao princípio da isonomia e a vantajosidade da proposta estão no seu âmago, além da obrigação de se adequar aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos demais que lhes são correlatos. Essas disposições poderiam ser consideradas desnecessárias, já que a observância aos princípios mencionados advém do regime constitucional por nós adotado. Todavia, estamos com Justen Filho72 que enxerga excepcional relevância ao dispositivo, pois 62 Canotilho. J.J.G. Constituição dirigente e vinculação do legislador, p. 216. 63 Sundfeld. C.A. Licitação e contrato administrativo de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94, p. 15. 64 Bielsa. R. Derecho administrativo, p. 167. 65 Meirelles. H.L. Direito administrativo brasileiro, p. 247 e Licitação e contrato administrativo, p. 17. 66 Bandeira de Mello. C.A., op. cit. P. 265. 67 Curso de direito administrativo, p. 173. 68 Direito constitucional administrativo, p. 164. 69 Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 18. 70 Direitos dos licitantes, p. 15 e Curso de direito administrativo, p. 301. 71 Bielsa. R. Derecho administrativo, p. 171. 72 Op. cit. p. 24. 13 consagra – expressamente – os princípios norteadores da licitação, devendo os agentes públicos, se por mais não fosse, se pautarem por eles na atividade administrativa específica. Desse modo, não basta o mero cumprimento burocrático das normas impostas pela Lei nº 8.666/93, devendo o agente buscar o atendimento aos princípios norteadores da licitação. À expressa determinação de observância dos princípios mencionados, adere o fato da Lei de Licitações ser norma de direito público, não tolerando desvios ao alvitre de quem quer que seja, devendo ser aplicada de modo que o interesse público de ter um procedimento licitatório de acordo com o previamente estabelecido, seja sempre resguardado. Desse modo, mesmo que em um ou outro caso, fosse possível contratar diretamente a preço mais vantajoso, imprescindível realizar o processo licitatório, pois assegurar a isonomia, impessoalidade ou a moralidade administrativa, é, sem nenhuma dúvida, o interesse público maior a ser resguardado. Essa observação se torna necessária porque alguns críticos da licitação (via de regra, agentes políticos ou servidores provenientes da chamada iniciativa privada), enxergam nela um obstáculo à melhor condução da Administração. A natureza da Lei de Licitações, todavia, impede o afastamento de sua aplicação, por se tratar de norma de ordem pública, como veremos. 4. Normas de ordem pública É muito comum vermos e ouvirmos a afirmação segundo a qual, as disposições legais de ordem pública, sejam elas atinentes ao processo (legislativo, administrativo ou judicial) ou relativas à Administração Pública de forma mais ampla, devem ser rigorosamente obedecidas. Todavia, o contrário também é verdadeiro, se encontrando aqui ou acolá um burocrata ou mesmo um operador do Direito, defender a inaplicabilidade em um ou outro caso, porque naquela específica situação, significaria caminho mais tormentoso para alcançar o objetivo. A exata compreensão da natureza das normas de ordem pública, exige volta à discussão sobre a atividade estatal e seu regime, claramente ligados ao direito público. Antes, porém, necessário lembrar a advertência de Carlos Ary: “...o que define a incidência de um ou outro ramo jurídico é a atividade, não a pessoa envolvida. O direito público não é o direito do Estado, aplicável exclusivamente às relações das quais participem as entidades governamentais. Também o direito privado não é o conjunto de normas incidentes apenas e sempre nos vínculos travados entre particulares. O público é o direito das atividades estatais, enquanto o privado é o direito das atividades dos particulares.”73 Com seu reconhecido poder de síntese, diz Carlos Ary74 que a vida social – conjunto de atividades desenvolvidas em uma sociedade – vem formada pelos dois setores mencionados, perfeitamente delimitados pela Constituição Federal, a saber: o estatal e o privado, acrescentando que este é o reservado aos particulares: “as atribuídas a eles pela Constituição como um direito subjetivo e as que, não tendo sido reservadas ao Estado, lhes são facultadas.” Daí a assertiva de todos conhecida, segundo a qual, pelo menos em tese, os particulares podem realizar todas as ações cuja exclusividade não tenha sido dada ao Estado, significando esta uma proibição da atuação privada. Isso, todavia, não esgota o rol de possibilidades de ação dos indivíduos, cabendo lembrar dos direitos fundamentais fixados no artigo 5º da Constituição Federal (direitos de locomoção, de trabalho, de manifestação de pensamento, etc). 73 Sundfeld. C.A. Fundamentos de direito público, p. 76. 74 Ibidem, p. 77. 14 E se o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não veda, de forma contrária se desenvolve a atividade estatal, pois ele - o Estado - só pode fazer aquilo que a ordem jurídica lhe atribui e da forma como atribuída, ficando vedado fazer aquilo que a Constituição Federal ou as leis não lhe autorizem expressamente. Esse o valo que separa as atividades estatais das privadas. Dentre o rol de atividades estatais, como dissemos, determinadas na Constituição Federal ou em leis, estão aquelas atinentes à tutela social, objetivando o controle da vida em sociedade, inclusive utilizando o poder de coerção para impor um comportamento ao indivíduo de modo que não prejudique os interesses da coletividade. A mais importante atividade estatal é, sem dúvida, a edição de leis, de molde a regular o exercício de direitos e o cumprimento de deveres, tanto pelos particulares quanto pelo próprio Estado, que a elas se sujeita, caracterizando-se assim o Estado de Direito. Também a tarefa de executar as leis se reveste de fundamental importância, pois é aí que o Estado, pelo Poder Executivo, acaba por gerir o dia-a-dia dos indivíduos. Na execução das leis aprovados no Parlamento, o governante não o faz em nome próprio, senão por delegação ou como mandatário do povo, como já afirmamos. Na aplicação dessas leis deve haver rigor quanto ao que foi prescrito, a forma e os limites. Assim, “cuando una ley dispone que las concesiones, por ejemplo, deben realizarse previa licitación y ésta no se cumple hay exceso de poder o de mandato, y en cualquier momento puede demandarse su nulidad. Se trata de grandes princípios aplicados también em el derecho público por nuestros más altos tribunales.”75 A Lei nº 8.666/93, se por mais não fosse, traz expressa disposição quanto à natureza dos contratos administrativos dela decorrentes, inclusive com preceito separado para aqueles decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação.76 Seguindo a linha de raciocínio estabelecida, a atividade jurisdicional é outra espécie do gênero atividade estatal, compreendendo a atuação do Judiciário na solução de conflitos, na defesa de direitos, controle da constitucionalidade das leis, imposição de sanções, seja com privação da liberdade ou da propriedade e, finalmente, execução de suas próprias decisões. Importa é que a atividade judicial “é desenvolvida sempre para aplicação de normas jurídicas superiores, no que se assemelha à administrativa.”77 A atividade legislativa, administrativa ou judicial se faz por fatos ou atos jurídicos, caracterizando-se este como uma prescrição, uma norma destinada a regular comportamentos humanos. Releva é que o ato jurídico (lei, ato administrativo ou sentença) reflete sempre uma declaração destinada a reger comportamentos, se regulando por um cabedal de princípios e regras próprias desse ramo do direito – o público – e que diferem de maneira aguda daqueles que delineiam a produção de atos privados (contratos, v.g.). É em Carlos Ary, uma vez mais, que nos apoiamos: “Os atos jurídicos devem ser produzidos com observância da norma superior. Isso não impede, contudo, o surgimento de atos inválidos (leis inconstitucionais, sentenças e atos administrativos ilegais). Embora inválidos, acabam sendo aplicados e produzindo efeitos. Para retira-los do mundo jurídico, desfazendo os efeitos produzidos, o Ordenamento prevê formas adequadas para sua invalidação (também chamada de anulação).”78 Repisando a diferenciação entre a produção de atos jurídicos regidos pelo direito privado e público, possível afirmar que a lei – de modo geral – não determina o modo, o 75 Bielsa. R. Derecho administrativo, p. 168. 76 Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. (...) § 2º Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta. 77 Sundfeld. C.A. Fundamentos de direito público, p. 77. 78 Op. cit. p. 88. 15 procedimento pelo qual os atos privados são produzidos, permitindo aos indivíduos que contratem livremente. Esse afastamento da lei quanto ao proceder só vigora, contudo, enquanto as vontades estão se formando, podendo cada um escolher, por exemplo, o que comprar, onde comprar, de que forma comprar; cada um podendo escolher livremente o caminho a percorrer. No que diz respeito ao direito público, exatamente o contrário se verifica. No Estado de Direito, como se disse, tanto os particulares quanto o próprio Estado ficam obrigados às normas produzidas, impondo que as funções estatais (legislativa, administrativa e judicial) sejam exercidas com observância a um processo detalhadamente regulado a priori. O processo é o modo pelo qual o Estado cumpre suas funções, em qualquer de suas espécies. É curial que a produção de leis se faça em estrita obediência ao processo legislativo, cabendo eventual mandado de segurança caso isso não se verifique (MS 22.972DF, rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça de 02/02/98; MS 23.914-DF, rel. Min. Maurício Correa, Diário da Justiça de 24/08/01; AGRMS 22.629-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 26/09/97). Relativamente ao processo administrativo, igualmente se afirma que deve obedecer ao devido processo legal, sob pena de nulidade. São, por outro lado, inúmeros os exemplos de decisões judiciais, tanto dos Tribunais regionais quanto no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo, enfatizando a necessidade de obediência ao processo. No caso do processo administrativo, por ser demasiadamente conhecida a posição jurisprudencial, deixamos de citar algum julgado em especial, enfatizando, contudo, que a licitação – ou inexigibilidade dela – se resume num processo, por tudo devendo ser observado o prescrito na lei de regência, não só quanto à subsunção dos fatos (presença da singularidade e notória especialização), quanto às providências de ordem formal. No âmbito da função judicial não é diferente. Com efeito, a título exemplificativo, o processo – inserido no contexto do direito público – deve obedecer aos princípios próprios, à Constituição Federal e se realizar dentro daquilo que prescrito em lei, justamente como determinado, é dizer, sem espaço para inovações ou supressões de mandamentos. Isso porque a decisão política de estabelecer a regra já foi tomada por quem de direito – o Legislativo – cabendo ao Judiciário a tarefa de aplicar a norma por ocasião do exercício da sua função. “Importante perceber a razão da exigência de que os atos estatais sejam fruto de processo. Os agentes públicos exercitam poderes em nome de finalidade que lhes é estranha; desempenham função. Função é o poder outorgado a alguém para o obrigatório atingimento de bem jurídico disposto na norma. (...) O legislador, o juiz, o administrador, não dispõem de poderes para realizar seus próprios interesses ou vontades.”79 Em conclusão, mister afirmar que a formação da vontade do Estado é distinta da formação do querer dos particulares. A do Estado é submetida à normas e se dá pelo processo, pouco importando a vontade do agente, mas sim a vontade da lei, obrigando à estrita obediência daquilo que foi previamente definido como o caminho a trilhar, na busca da realização da função jurisdicional. Sabido, ainda, que os princípios fixados na Constituição Federal relativos à Administração Pública, não se limitam ao Executivo, mas se aplicam a todo o Estado. No artigo 37 está claramente estabelecido o princípio da legalidade, devendo qualquer agente do Estado pautar-se pela estrita observância dos comandos normativos, sob pena de infringir tão importante princípio. Esse o corolário de tudo quanto foi afirmado acima: na formação da vontade do Estado, não pode o agente fazer da maneira como entender mais correta, mas somente obedecer àquilo que disposto na lei, pressupondo-se que o legislador, ao editar a norma, já previu a melhor forma de atuação e a adotou. Ainda que em determinado caso 79 Ibidem, p. 92. 16 concreto, face às suas peculiaridades, uma melhor solução tenha sido aventada, não pode o agente estatal deixar de cumprir a lei, pois ele (agente) atua em nome da sociedade e por expressa autorização da Constituição Federal e das leis, que não lhe autorizam a procurar um melhor caminho que não o da própria norma, mas tão somente se pautar pelo comando legal. 5. Dispensa e inexigibilidade de licitação A realização de licitação é obrigatória e está determinada pela Constituição Federal80 e Lei nº 8.666/93. 81 Todavia, há hipóteses nas quais o procedimento licitatório é dispensável e, em outras, inexigível. O artigo 24 da lei de regência elenca as hipóteses nas quais a licitação é dispensável, exigindo apenas a comunicação à autoridade superior, assim mesmo ressalvando os casos nos quais os valores são inferiores a um patamar e nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem, para os quais não há obrigatoriedade de comunicação imediata. De todo modo, a providência é exigida justamente porque a regra geral da realização de licitação foi excepcionada, impondo maior controle. As hipóteses descritas no artigo 24 da Lei nº 8.666/93 são exaustivas e estão em função da economicidade, em função da pessoa, da ineficácia ou desnecessidade do próprio certame ou de acordo internacional, impondo a dispensa. Já a inexigibilidade tem fundamento diverso – a inviabilidade da licitação – conforme reza o artigo 25 da Lei de Licitações,82 cabendo ressaltar que nos fixaremos naquilo que ligado – diretamente – com o tema proposto. Assim, a licitação é inexigível para a contração de serviços técnicos, desde que estejam entre os enumerados no artigo 13 do mesmo diploma,83 condicionando-o, todavia, à dois outros requisitos: a natureza singular e a notória especialização. Até aqui, possível dizer que a inexigibilidade de licitação não fica ao talante do administrador, somente sendo aplicável naqueles casos em que o certame é impossível ou quando não, desnecessário, por razões de ordem lógica. Esse o significado da lei: “quando houver inviabilidade de competição.” Por outro lado, viu-se que a lei também exige, naquilo 80 Art. 37. (...) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 81 Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. 82 Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (...) II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. § 1º.. Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. § 2º.. Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. 83 Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: (...) II – pareceres, perícias e avaliações em geral; III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; (...) V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; 17 que relacionado ao tema proposto, a presença de três requisitos a saber: I) os serviços técnicos sejam os enumerados no artigo 13; II) que tenham natureza singular e; III) que o contratado detenha notória especialização. Um outro aspecto a ser explora em relação à dispensa ou inexigibilidade de licitação, é a eventual afronta ao princípio da isonomia, tendo em conta que, de toda forma, o contratado está recebendo um tratamento diferenciado por parte do Estado-contratante. Necessário verificar, em primeiro lugar, se a própria Lei de Licitações, nesse particular, é inconstitucional por não se adequar ao caput do artigo 5º e ao artigo 37, ambos da Constituição Federal, relativamente à igualdade na lei. Para examinarmos essa questão, cabível e recomendável a utilização do critério de Celso Antônio, já mencionado neste trabalho. Realizado o exercício, será verificado que o elemento tomado como fator de desigualação – a inviabilidade ou desnecessariedade da realização da licitação – está perfeitamente adequado à desigualação determinada na lei, estando sim em consonância com os interesses absorvidos no sistema constitucional, permitindo concluir que não há ofensa à Constituição Federal, antes, pelo contrário, a lei confere tratamento desigual aos que desiguais são, na medida de suas desigualdades. Pensamos, todavia, que o problema não reside na igualdade na lei, mas sim, perante a lei. A eventual ofensa ao princípio da isonomia ocorrerá no momento da escolha do profissional a ser contratado, obviamente se não atendidos os requisitos legais, como se verá. 5.1. Serviços técnicos profissionais especializados É relevante ressaltar desde logo, que o conceito de “serviços técnicos profissionais especializados” pode gerar dúvida quanto ao seu alcance. Todavia, o tema proposto se encerra na contratação de advogados, quer para exarar parecer quer para patrocínio de defesas, judicial ou administrativa, ou ainda prestar assessoria ou consultoria técnicas, conforme rezam os incisos II, III e V do artigo 13, limitando a discussão, pois, nos termos do artigo 1º e seus incisos da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), as atividades mencionadas são privativas de advocacia. Daí não ingressarmos, deliberadamente, na discussão sobre o significado da expressão “serviços técnicos profissionais especializados” em relação aos demais itens referidos nos incisos do artigo 13 da Lei de Licitações. Todavia, mesmo no que diz respeito às atividades privativas de advogados, mister relacioná-las com os serviços técnicos profissionais especializados de que fala a lei. Para Hely, referindo-se ao artigo 12 do Decretolei nº 2.300/86, então lei de regência das licitações e contratos, os “serviços técnicos profissionais especializados, no consenso doutrinário, são os prestados por quem, além da habilitação técnica e profissional – exigida para os serviços técnicos profissionais em geral – aprofundou-se nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento.”84 Justem Filho expressa posicionamento um tanto diverso, já sobre o artigo 13 da Lei nº 8.666/93: “O art. 13 não conceituou ‘serviços técnico profissional especializado’, optando por fornecer um elenco de situações. A conceituação de um certo serviço como técnico importa investigação extranormativa. A lei não pode (nem o quis, no caso) definir o que seria ‘técnico’, pois somente as ciências poderiam fazê-lo. Seria improfícua e inconveniente a opção legislativa de substituir-se ao conhecimento científico, pretendendo definir exaustivamente a natureza dos serviços técnicos.”85 A par dessa afirmação, adverte o autor em seguida, que não se trata, todavia, de livre escolha do administrador sobre o que seria ou não um serviço técnico, 84 Meirelles. H.L. Licitação e contrato administrativo, p. 105. 85 Justen Filho. M. Comentários á lei de licitações e contratos administrativos, p. 75. 18 devendo ele examinar a sua natureza e contemplá-lo com aquilo que diz as ciências, aquilatando se se configura como tal. Pois bem. Partindo da conceituação legal de serviço como sendo toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnicoprofissionais, nos exatos termos do inciso II do artigo 6º da Lei nº 8.666/93 (grifamos), necessário buscar o significado de serviços técnicos profissionais especializados, à evidência distintos daqueles referidos na conceituação geral mencionada, por conta da deliberada inclusão do vocábulo especializados. Uma vez mais nos socorremos de Justen Filho,86 que conceitua “serviço técnico” para acrescentar o vocábulo “profissional” e depois o “especializado”. Diz o autor que serviço técnico é aquele assim qualificável segundo o conhecimento técnico-científico, caracterizando-se por envolverem a aplicação de rigorosa metodologia ou formal procedimento para atingir determinado fim. Segue dizendo que essa técnica permite aplicações práticas para uma teoria, obtendo-se alteração no universo circundante, atingindo o resultado preordenado que perseguia. Afirma ainda que as ciências é que dirão se um serviço é técnico. Num passo seguinte, diz que serviço técnico profissional é aquele constituidor do objeto de uma determinada profissão, caracterizando-se quando uma atividade apresentar um objeto próprio e se desenvolver segundo regras inconfundíveis. E mais, diz que “há profissionalidade quando o serviço adquire uma identidade própria que o torna distinto frente outras espécies de atuação humana, exigindo uma habilitação específica para sua prestação.”87 Finalmente, como exige a lei, os serviços técnicos profissionais precisam ser especializados, entendida esta como a capacitação para exercício de uma atividade com habilidades não disponíveis para qualquer profissional, senão para aquele que possui capacitação mais elevada que a comum ou usual; ou aquela produzida pelo domínio de uma restrita área, com aprofundamento que vai além do conhecimento médio.88 Anotamos que ao conceito esposado, deve ser acrescentado que o “especializado” denota ser serviço, cujo nível de complexidade é mais elevado que o normal, pelas dificuldades que apresenta, razão pela qual se exige profissional gabaritado para enfrentá-lo e solucioná-lo a contento. Mas uma observação é fundamental: o serviço técnico profissional especializado é que é mais complexo, nenhuma relação guardando com o prestador desse mesmo serviço. Uma coisa é o serviço técnico profissional especializado e sua complexidade; outra, bem distinta, é o prestador do serviço e sua capacidade para executá-lo. Com se afirmou, a própria Lei de Licitações tratou de elencar um rol que considera serviços técnicos profissionais especializados, incluindo assessorias ou consultorias técnicas, auditorias financeiras ou tributárias (inciso III) e patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas (inciso V). Portanto, a lei afirmou que esses serviços envolvem a aplicação de rigorosa metodologia (técnicos); possuem identidade própria que os torna distintos em relação a outras espécies de atuação humana, exigindo habilitação específica para sua prestação (profissional); e exigem capacitação para o exercício com habilidades não disponíveis para a média dos profissionais, exigindo o domínio de uma área restrita do conhecimento, com aprofundamento que ultrapassa o conhecimento normal. O artigo 13 da Lei nº 8.666/93 é expresso ao considerar como serviços técnicos profissionais especializados aqueles constantes do seu rol, que, com Justen Filho,89 é exemplificativo, pese embora entendermos que a norma 86 Ibidem, p. 76. 87 Ibidem, mesma página. 88 Justen Filho. M. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 76. 89 Ibidem, p. 77. 19 não definiu o que vem a ser os tais serviços, mas simplesmente considerou para os seus próprios fins os trabalhos a eles relativos. Importa é que esses serviços, por presunção legal, são considerados técnicos – profissionais – especializados, denotando complexidade ab initio, é dizer, neles residentes. De toda forma, esses são serviços (em sentido lato) passíveis de, em tese, contratação direta ou para os quais é inexigível a licitação, isso não bastando, todavia, porque esse dispositivo somente pode ser lido com toda a norma do artigo 25 da mesma Lei de Licitações, é dizer, dele (serviço) se exige a natureza singular e do prestador contratado a notória especialização, indissociavelmente. Com isso, muito embora a lei fale em patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, v.g., mister que tenham a característica da singularidade, ou seja, devem ser diferenciadas, além de o prestador do serviço deter notória especialização. Convém notar que as conseqüências jurídicas da consideração legal não param na possibilidade, ao menos em tese, de contratação direta. O parágrafo 1º do artigo 13 já traz importante determinação ao agente público, no sentido de haver preferência para realização de certame na modalidade concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração, nos casos de contratação de prestação dos serviços técnicos profissionais especializados. Nos parece que o legislador previu a dificuldade de confrontação de preços de honorários, v.g., caso fosse a contratação de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas antecedida de licitação, p. ex., na modalidade concorrência. Além disso, aplicável no que couber, é necessário que o autor intelectual do serviço técnico profissional especializado ceda os direitos patrimoniais a ele relativo, nos termos do parágrafo 2º do mesmo artigo 13, combinado com o artigo 111 da Lei de Licitações. Por fim, obrigação imposta às empresas que se disponham a contratar a prestação desses especiais serviços, descrita no parágrafo 3º, será posteriormente examinada. De toda forma, importante ressaltar que tais empresas podem ser, à evidência, a sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, disciplinada no artigo 15 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. 5.2. Singularidade do objeto Segundo o inciso II do artigo 25 da Lei de Licitações, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição e, em especial, para a contratação de serviços técnicos enumerados no artigo 13 do diploma legal, desde que sejam de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização. Por ora, examinemos a expressão “de natureza singular”, somando-o à inviabilidade de competição e aos serviços técnicos enumerados no artigo 13, em continuidade na busca de solução para o problema colocado. Segundo o Aurélio90 singularidade é qualidade do que é singular e, por seu turno, singular é o pertencente ou relativo a um; único, particular, individual; que não é vulgar; especial, raro, extraordinário; diferente, distinto, notável. Diz-se do número que se aplica a um só sujeito. A palavra singularidade é ligada a particular ou individual; algo raro ou extraordinário. Para o direito singular “não somente traduz a idéia do que é simples, unitário; mas, conduz a idéia de tudo que se distingue ou se individualiza de per si, mesmo que seja resultante de uma composição. (...) Em distinguindo ou qualificando a Lei, ou o Direito, possui sentido de especial, ou particular. Direito singular é o que é especial, ou particular a certa classe, ou a certas coisas.”91 Também aqui, a singularidade diz respeito àquilo que é especial ou que se distingue. 90 Ferreira. A.B.H. Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1591. 91 Silva. D.P. Vocabulário jurídico, vol. IV, p. 240. 20 Rigolin assim se posiciona: “Natureza singular de um serviço, um trabalho, uma obra autoral, uma qualquer produção, é a característica de personalismo inconfundível que possua; é a qualidade autoral que a distingue de qualquer outra; é a sua feição própria, particular, peculiar, dada por uma e apenas uma pessoa – física ou jurídica -, impossível de substituição pelo serviço de outra pessoa. É o serviço assinalado pelo cunho ou a chancela pessoal de alguém, marcado pelo seu timbre inconfundível, dotado, por isso, de características que lhe emprestem natureza de singularidade, de inconfundibilidade com outro serviço de quem quer que seja.”92 De outro lado, Lúcia Valle Figueiredo93 explica a singularidade do objeto com exemplos, situando-a, primeiramente, como relacionada ao fator pessoal, de modo a impedir a confrontação entre o trabalho de um artista e de outro. Segue se reportando à singularidade do objeto na hipótese de se ligar às suas próprias peculiaridades e não as de seu executor, caso típico, diz a autora, de um imóvel destinado ao serviço público. Termina exemplificando com um parecer de Direito, em relação ao qual, igualmente, haveria impossibilidade de confrontação dos trabalhos de juristas. Carlos Ary,94 fundado em Celso Antônio, em relação aos serviços diz que são singulares, tornando inviável a licitação nas seguintes hipóteses: “a) sua prestação é monopolizada, seja por determinação normativa (ex.: o serviço público de Correios e Telégrafos), seja por razões de fato (ex.: serviço cuja prestação depende da titularidade de direito autoral); b) caracterizando-se como serviço técnico profissional especializado (produções intelectuais, científicas, etc.) ou como produção artística, deva, necessariamente, trazer a marca pessoal de seu executor.”95 Seguindo, no que diz respeito aos serviços técnicos afirma: “Porém, não basta dado serviço enquadrar-se no conceito de técnico profissional especializado para ensejar a inexigibilidade de licitação. Necessário tratar-se, diz o art. 25-II, de ‘serviço de natureza singular’. Se o serviço, embora encaixando-se entre os mencionados no art. 13, não for singular (é dizer: não demandar um cunho pessoal, que o individualize absolutamente) deverá ser contratado por licitação...”96 Celso Antônio ensina a respeito dos serviços singulares (aqueles que nos interessam), que são os que “se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais isolada ou conjuntamente – por equipe – sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suportada.”97 Para nós, a singularidade do objeto mencionada no inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93, não pode ser vista senão pelo ângulo intrínseco, é dizer, pelas características e qualidades que lhe são próprias – do objeto – afastando da análise as qualidades pessoais do prestador do serviço, estas consideradas em outras circunstâncias, conforme se demonstrará. O artigo 25 declara ser inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição e, em especial, menciona três ordens de circunstâncias, tratando de bens, serviços e pessoas. A primeira delas (inc. I) diz respeito à aquisição de bens (materiais, equipamentos ou gêneros) que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo. É evidente que a licitação é inviável nesse caso, ante a ausência de qualquer possibilidade de confrontação de ofertas. Todavia, a lei impõe o modo como se faz o reconhecimento da exclusividade, vedando a preferência por uma marca. 92 Rigolin. I.B. Manual prático das licitações: Lei n. 8.666/93, p. 120. 93 Figueiredo. L.V. Direitos dos licitantes, p. 26. 94 Sundfeld. C.A. Licitação e contrato administrativo de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94, p. 44. 95 Ibidem, p. 45. 96 Ibidem, mesma página. 97 Mello. C.A.B. Curso de direito administrativo, p. 276. 21 Depois de tratar da aquisição de bens, o inciso II fala na contratação de serviços técnicos – não todos, só os enumerados no art. 13 – impondo ainda que possuam uma qualificação: a natureza singular. Esse vocábulo está intimamente ligado ao serviço técnico, é dizer, é ele que precisa ter natureza singular, pouco importando nesse momento, quem seja o prestador do serviço. A colocação gramatical na forma de aposto leva à essa interpretação, dado que é essa a sua função na oração. O aposto acrescenta algo ou explica aquilo que vem imediatamente antes. Não há sentido, data venia, na afirmação segundo a qual o qualificativo “natureza singular” guarda relação com o prestador do serviço, cujas qualidades serão exigidas em seguida pela letra da lei. A natureza singular é o requisito objetivo imposto pela lei e a subjetividade está em relação ao prestador dos serviços, de quem se exige, seja qual for o serviço técnico de natureza singular, a notória especialização (que será examinada no tópico seguinte). A natureza singular do serviço técnico, e não do prestador, insistimos, é que é exigida pela lei, isso podendo ser afirmado pela simples leitura do inciso II do artigo 25. E nem poderia ser diferente, pois, como afirmamos, outra importante exigência se faz, de natureza subjetiva ou relativa às qualidades do prestador dos serviços, a de que tenha notória especialização. Além dessas, e como terceira situação a ensejar a inexigibilidade de licitação, trata o inciso III do artigo 25 da lei de regência, reportando-se às contratações de profissionais de qualquer setor artístico, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Nesse caso, a qualidade pessoal do contratado é que é fundamental, pois é ela que autoriza a inexigibilidade de licitação. Note-se, e isso é fundamental, a lei exige apenas que o profissional do setor artístico seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública, nada falando sobre a natureza do trabalho que fará. Nem poderia ser diferente, pois a contratação de um pintor famoso, um cantor, um bailarino, um comediante, enfim, esses sim valem por suas próprias características (pessoais), bem por isso inviabilizando o certame. Como comparar o trabalho de dois pintores famosos? Ou dois cantores para animação de festa popular? Diferente; bem diferente, é a contratação de serviços técnicos profissionais especializados com inexigibilidade de licitação, pois o fundamento somente poderá ser o do inciso II do artigo 25 e nunca o inciso III. Infelizmente, têm ocorrido equívocos na interpretação do dispositivo, levando à conclusão de que a singularidade do objeto estaria na qualidade da pessoa do prestador do serviço. Entendemos inadmissível isso, porquanto não encontramos nenhuma função para o vocábulo “de natureza singular” se não em relação ao próprio serviço técnico. Note-se que se fosse o prestador do serviço que, por suas qualidades intelectuais, desse a conotação de singularidade ao objeto, todo e qualquer serviço técnico por ele prestado seria singular. E chegaríamos ao absurdo de estarmos frente à singularidade determinada por mais de um prestador do serviço e, via de conseqüência, duas ou mais “singularidades”, o que contraria o próprio termo. Singular é o exclusivo, extraordinário, o diferente, o único. Poderíamos estar frente à situação igualmente absurda, na qual existente a singularidade do objeto se o prestador do serviço for um famoso e competente intelectual detentor de notória especialização, mas não existir se o prestador do serviço for um profissional habilitado, mas que não detenha a qualidade de notória especialização. Isso encontra óbice na lógica porque um mesmo serviço técnico não pode ser singular para um profissional e não ser para outro! O serviço técnico tem ou não natureza singular; é ou não individual, único, particular; não podendo ser para um e não sê-lo para outro profissional. Daí afirmarmos que a natureza singular referida pela lei está ligada ao próprio serviço técnico, independentemente de quem o preste. Todavia, se o serviço é técnico e está dentre os enumerados no artigo 13, além de possuir a natureza singular, inexigível será a licitação, se o prestador possuir notória especialização. Seria possível afirmar que defesa judicial da administração pública, numa ação de reparação de danos causados por um seu motorista, 22 condutor de veículo em serviço, possui natureza singular? A resposta é negativa, dado que ações como essa fazem parte do dia-a-dia de qualquer procuradoria da menor Prefeitura. E a defesa da administração numa ação na qual servidor cobra diferença de pagamento de vencimentos? E a cobrança de obrigações tributárias não adimplidas, com ou sem possibilidade de propositura da ação de execução fiscal? Em nenhum desses casos, igualmente, nos parece que a resposta deva ser negativa, pela razão desse tipo de ações ou atividades fazer parte do conjunto corriqueiro referido, e para as quais um procurador sem grande experiência poderia patrocinar a contento o interesse público envolvido. Algo mudaria se fosse contratado grande jurista de renome nacional para defender essa Prefeitura? Ou para propor uma simples ação de execução fiscal? Nada mudaria na natureza do serviço, que não tinha e nem passou a ter natureza singular, pelo fato do ilustre profissional ter assumido o patrocínio. Por outro lado, e se dois Estados da Federação estivessem litigando pela divisa entre eles, com repercussões sobre a exata localização de uma plataforma de extração de petróleo no mar, com as sabidas conseqüências econômico-financeiras? Nesse caso, difícil dizer que situação como essa seria corriqueira. Talvez, nunca tenha ocorrido e não mais ocorra entre aquelas pessoas. Essa individualidade, excepcionalidade ou exclusividade, é que permite dizer que presente está a natureza singular. Outros exemplos poderiam ser dados, como na área da engenharia: o gerenciamento da construção de uma pequena ponte, serviço técnico enumerado no inciso IV do artigo 13 da Lei de Licitações, é tarefa comezinha em qualquer Prefeitura, fazendo parte do dia-a-dia do setor de engenharia por não demandar maiores conhecimentos para tanto. Certamente ninguém ousaria dizer que esse serviço técnico, embora constante do artigo 13, possui natureza singular. Mas, e o gerenciamento da construção da Ponte RioNiterói? À evidência que ambos os serviços são técnicos, o último possuindo natureza singular e o primeiro não, independentemente de quem seja contratado para executá-lo. Aliás, em nenhum dos dois casos há impedimento dos serviços serem prestados por engenheiros pertencentes ao quadro próprio de servidores de Prefeitura, Secretaria ou Ministério, ou ainda de autarquias ou empresas públicas encarregadas legalmente dessa função, ainda que houvesse a necessidade de contratação de novos profissionais, à evidência, por concurso público. A diferença é que o primeiro dos serviços é corriqueiro, enquanto o segundo é único. Desse modo, a discussão sobre a natureza singular do serviço técnico, se coloca muito antes de ser aventada a possibilidade de contratação de profissional não pertencente aos quadros do serviço público para realizá-lo. Há um hiato entre o momento de constatação da natureza singular do serviço técnico e a – eventual – contratação de profissional para executá-lo. São, portanto, distintos e inconfundíveis, podendo ou não ocorrer a contratação de profissional, dependendo das circunstâncias. Somente depois de vencida essa etapa é que se pode falar na notória especialização, essa sim sempre atinente ao prestador (ou prestadores) do serviço. Desse tema passaremos a tratar. 5.3. Notória especialização Vimos que o artigo 25, inciso II da Lei nº 8.666/93, prevê a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos (do artigo 13), de natureza singular, desde que com profissionais ou empresas de notória especialização, vedando, contudo, para os serviços de publicidade e divulgação, assim afastando - expressamente - a inexigibilidade para a sua contratação. Também é a própria Lei de Licitações, no parágrafo 1º do mesmo artigo 25, que diz aquilo que deve ser considerado como notória especialização, impedindo o agente público, seja quem for, de criar suas próprias exigências, para mais ou para menos. O rol de requisitos é meramente exemplificativo, podendo isso se afirmar pois fechado com a usual 23 fórmula do “...ou de outros requisitos...”, impondo ao aplicador da lei, no campo administrativo ou jurisdicional, mais a observância do sentido da norma, que a fria letra da lei. Isso contudo, como veremos, não permite ao aplicador afastar-se da disposição, que por sua relevância, merece ser transcrito, in verbis: § 1º. Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. A lei adjetivou a especialização com a notória, exigindo assim, um plus do profissional contratado (ou da empresa, inclusive pelos profissionais que a compõe). Note-se que ao tratarmos do serviço profissional técnico especializado, afirmamos que, de maneira geral, especializado é aquele complexo serviço, dentre outras considerações. Segundo o artigo 25 da lei, exige-se que o contratado seja especializado, é dizer, tenha gabarito para enfrentar e solucionar a contento o desafio colocado. Especialista, segundo o Aurélio, é a pessoa que se consagra com particular interesse e cuidado a certo estudo ou ainda, pessoa que se dedica a um ramo de sua profissão; pessoa que tem habilidade ou prática especial em determinada coisa, ou, conhecedor, perito.98 Exige-se, na dicção da lei, que o profissional especialista seja notoriamente especializado, trazendo a norma, de forma expressa e em interpretação autêntica, aquilo que considera notoriamente especializado. Releva notar que a lei parte daquilo que é do conhecimento geral, de todos, pelo menos no campo de sua especialização, não se exigindo, contudo, que o seja do público de maneira generalizada. De fato, o conhecimento exigido em relação a um determinado profissional do Direito, v.g., deve ser, no mínimo, nesse campo do saber, nenhuma relevância tendo o fato de não ser ele conhecido entre os engenheiros ou médicos. Fala a lei em notória, impondo ao intérprete a tarefa de atribuir um significado ao vocábulo. Notório, segundo o Aurélio, é o conhecido de todos, público, manifesto. Exemplifica: professor de notório saber.99 Sob o aspecto jurídico, notório, que vem do latim notorius, de noscere (saber, conhecer), “...é o que é sabido ou conhecido pelo público. É o que é do conhecimento de todos ou de conhecimento generalizado. E por ser de conhecimento público, de conhecimento geral, exprime sempre o que se tem como certo e verdadeiro, não precisando de ser provado, porque já preexistente por si mesmo.”100 A lei processual também tratou do que é notório, eximindo as partes do dever de provar os fatos notórios, conforme determina o inciso I do artigo 334 do Código de Processo Civil, justamente porque de todos conhecido. Nessa seara, ensina Carnelli, contudo, que “a notoriedade, adverte-o CALAMANDREI, é um ‘conceito essencialmente relativo’. O fato notório não tem que sê-lo, forçosamente, a todos os homens ‘sem limitação de tempo e espaço’. A sua importância qualitativa não depende, também, do maior ou menor número de pessoas que compõe o núcleo social. O que define e caracteriza o fato notório e, qual se tem repisado, o valor demonstrativo de ‘pacífica e desinteressada certeza’ que o conhecimento adquire em seu meio...”101 98 Ferreira. A. B.H. Novo dicionário da língua portuguesa, p. 701. 99 Ferreira. A. B.H. Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1201. 100 Silva. D.P. Vocabulário jurídico, p. 254. 101 Carnelli. L. O fato notório, p. 211. 24 Mas a lei não se contenta com o conceito102 detido pelo profissional ou empresa, de todos conhecido; exige que esse conceito seja decorrente de desempenho anterior, afastando desde logo os iniciantes ou aprendizes, e exigindo experiências passadas. Continua o exemplificativo rol falando de estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, tudo de modo a permitir inferência que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. É possível afirmar, então, que a lei exige do profissional contratado (ou empresa), seja não só especializado, mas que essa especialização seja notória, de todos conhecida, exigindo, ainda, a norma, que essa notória especialização seja decorrente de seu conceito no campo de sua especialidade, este em função de desempenho anterior, estudos, publicações, organização, etc, tudo de molde a permitir uma inferência: a de que seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado á plena satisfação do objeto do contrato. Por outras palavras, a lei exige que para o reconhecimento da notória especialização, é mister que o conceito do profissional no seu campo de especialidade seja tão patente, em função das atividades (lato sensu) desenvolvidas, que permita concluir ser o seu trabalho essencial, indispensável ou fundamental, e além disso, indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. Quer a lei que sobre a capacidade do contratado, a julgar pelo seu passado profissional, seja fundamental e indiscutivelmente a mais adequada para aquele determinado objeto contratual. Portanto, parece-nos claro que essa é uma discussão que se coloca antes da contratação e independe do efetivo resultado do trabalho, caso seja ele contratado. As qualidades exigidas do profissional, para que se possa dizer que detém notória especialização, devem ser colocadas a priori, de modo que dúvida alguma paire sobre a superior capacidade do contratado, naquela certa especialidade. Não fala a lei em profissional que amealhou conhecimentos substanciosos, mas gerais sobre um campo do saber. Refere-se sim à especialização conseguida ao longo do tempo e comprovada da forma que ela própria determina. Essa exigência afasta, logicamente, aqueles que não atuaram (ou pouco atuaram) na área para a qual se pretende a contração sem licitação, sendo possível afirmar que a tal especialização diz respeito à especialidade profissional, como por exemplo nas Ciências Médicas, cuja regulamentação se faz pela Lei nº 6.932/81. Essa norma regulamenta a chamada residência médica, uma das espécies de pós-graduação (anteriormente denominada lato sensu), conferindo o título de especialista. A anterior lei que tratava da residência médica havia sido regulamentada pelo Decreto nº 80.281, de 05 de setembro de 1977 e este, modificado por sucessivos decretos posteriores, continua regulamentado o tema, trazendo em seu primeiro artigo as preferenciais áreas de especialização na Medicina, mencionando a Clínica Médica, Cirurgia Geral, Pediatria, Obstetrícia e Ginecologia, e Medicina Preventiva e Social. Hoje, outras áreas são oferecidas, como a Anestesiologia, Cirurgia Plástica, a Reumatologia, a Cardiologia, chegando à Medicina Nuclear. Em relação à Engenharia, podese exemplificar com a Civil, Elétrica, de Produção, Eletrônica, Engenharia Naval, havendo inclusive obrigatoriedade do profissional anotar a responsabilidade técnica formalmente, aceita apenas no campo de sua especialidade.103 A Engenharia de Segurança no Trabalho, por sua vez, é especialidade regida pela Lei nº 7.410/85. No campo do Direito, embora não exista lei expressa, se fala na especialidade em Tributário, Civil, Constitucional, Penal, Processual Civil Processual Penal, Administrativo, 102 Conceito, segundo o Aurélio (op. cit. p. 445), é pensamento, idéia, opinião; é apreciação, julgamento, avaliação ou opinião; ou ainda, pode ser reputação ou fama. 103 Conforme a Lei nº 5.194/66, a qual prevê inclusive a possibilidade de registro temporário de engenheiros estrangeiros, no caso de “escassez de profissionais de determinada especialidade...”, conforme a alínea “c” do Art. 2º. 25 Internacional, dentre outros, correspondendo aos ramos do Direito e às disciplinas profissionalizantes expressadas no inciso II do artigo 6º da Portaria MEC nº 1886/94, de 30 de dezembro de 1994, publicada no DO de 04 de janeiro de 1995, até hoje a norma regulamentadora dos cursos de Direito no Brasil. A lei processual civil em vigor também fala na especialidade do perito na matéria sobre a qual opinará, cuja comprovação se dará mediante certidão do órgão profissional em que estiverem inscritos, nos termos do § 2º do artigo 145 do Código de Processo Civil. Por tudo isso, nos parece claro que a lei permite a inexigibilidade de licitação em determinado caso, mas o conjunto de requisitos indica ser absoluta exceção, de resto, de maneira consentânea com os princípios antes mencionados. O atendimento às exigências legais é fundamental, pois essa norma excepciona a regra geral, impondo interpretação sempre restritiva, como sói acontecer em todos os demais casos excepcionais. Com efeito. A inexigibilidade de licitação destoa de mandamentos constitucionais e legais, fazendo com que o aplicador da lei evite sua utilização ao máximo, reservando-a àquelas excepcionais situações nas quais a licitação se revela inviável mesmo. As contratações diretas, pela natureza excepcional de que se revestem, impõe ainda outras providências que veremos. 5.4. Providências formais posteriores É incontestável o caráter excepcional da inexigibilidade de licitação, como vimos. Isso também se comprova por disposições legais complementares aos artigos 24 e 25, além dos parágrafos 2º e 4º do artigo 17 da Lei de Licitações, se tratando de medidas justificadoras das exceções. Já o artigo 26 da lei de regência impõe a obrigatoriedade de comunicação da dispensa ou inexigibilidade de licitação, em três dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, esta em cinco dias, ditando isso tudo ser condição para eficácia dos atos. O legislador, atento à excepcionalidade da situação, determinou que o superior hierárquico da autoridade que decidiu pela dispensa ou inexigibilidade de licitação, deva ser comunicado do ato e o ratifique, publicando tudo na imprensa oficial. Tal comunicação deverá ser instruída com elementos que caracterizem a situação emergencial, a razão da escolha de determinado fornecedor ou executante e a justificativa do preço, tudo conforme os incisos I a III do parágrafo único do artigo 26 da Lei de Licitações. Esses elementos são, em verdade, a motivação do ato administrativo, como, de resto, devem ser todos os atos da administração e também do Judiciário, inclusive ao decidir matéria administrativa, em atendimento ao artigo 93, incisos IX e X da Constituição Federal. Importa é que essa comunicação é condição para eficácia dos atos administrativos praticados, é dizer, sem que tenha sido realizada, com a ratificação pela autoridade superior e publicação na imprensa oficial, nenhum ato subseqüente poderá ser realizado. Essa disposição, por outro lado, acaba por imputar responsabilidade direta à autoridade superior, fazendo-o igualmente responsável pela estrita observância da lei. Essa condição de eficácia do ato administrativo que dispensou ou inexigiu a licitação, não é única no Direito, bastando lembrar que até mesmo na atividade jurisdicional o agente político é obrigado a submeter sua decisão ao superior, no caso o Tribunal competente, como no duplo grau de jurisdição previsto no artigo 475, incisos I e II do Código de Processo Civil, aplicáveis às hipóteses nas quais a sentença tenha sido proferida contra os entes federados ou que tenha julgado procedentes os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. O chamado reexame necessário visa, grosso modo, resguardar o interesse público, não se contentado a lei com apenas a sentença judicial. Também podem ser citados os casos de sentença concessiva de habeas corpus e da que absolver sumariamente o réu no rito do júri, como determina os incisos I e II do artigo 574 do Código de Processo Penal. 26 Pensamos que, se na hipótese de uma sentença contrária à União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, a título de exemplo, o juiz está obrigado a submeter sua decisão à superior instância, como condição de validade da decisão, muito mais relevância tem a comunicação à autoridade superior prevista no artigo 26 da Lei nº 8.666/93, porquanto indisputável que o servidor público responsável pela decisão, no mais das vezes, sequer agente político é, sendo mero executor de ordens superiores. As contratações diretas, via de regra, ficam a cargo dos servidores subalternos e, insistimos, o caráter de absoluta excepcionalidade da dispensa ou inexigibilidade de licitação, impõe efetivo controle por parte da administração superior, inclusive com necessidade de ratificação do ato por esta, e a conseqüente co-responsabilidade. Por fim, uma palavra sobre o contrato administrativo. Embora até desnecessário, o legislador expressamente dispôs no parágrafo 2º do artigo 54 da lei de regência, que os contratos decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação, devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta. À evidência que nesses casos não se fala em licitação – propriamente dita – e muito menos em edital, todavia, os princípios elencados no artigo 3º da Lei nº 8.666/93, encontram aplicação na hipótese, sobretudo a finalidade da licitação e o modo como será processada e julgada. O princípio da motivação do ato administrativo, dentre outros, igualmente, tem obrigatória aplicação. Por derradeiro, o inciso XI do artigo 55 da norma referida, manda inserir cláusula estabelecendo a vinculação ao termo que dispensou ou inexigiu a licitação. 6. A contratação direta de serviços advocatícios e precedentes Sem descurar que engenheiros, médicos, ou consultorias técnico-contábeis ou administrativas, em tese poderiam ser diretamente contratados para prestar serviços ao Estado, com base na inexigibilidade de licitação, nos propusemos a examinar a específica hipótese de contratação de advogados (ou sociedades deles), para prestação de serviços próprios. Essas contratações vem sendo objeto de questionamentos nas Cortes de Contas e no Judiciário, tanto pelo Ministério Público (por ações civis públicas por ato de improbidade administrativa), como também por cidadãos utilizando a ação popular. Todavia, a jurisprudência não se firmou num ou noutro sentido, inclusive a administrativa, pois decisões existem de Tribunais de Contas, de Estados ou da União, em ambos os sentidos. Pensamos ser compreensível essa dissonância por inerente à natureza da questão tratada. É que, conquanto não se possa afirmar, a priori, ser ilegal a contratação direta de advogados pelo Estado, com inexigibilidade de licitação, não se pode, da mesma forma, dizer que sejam sempre possíveis. Explicamos. Os serviços advocatícios são passíveis, em tese, de contratação direta, mas desde que a hipótese se amolde aos requisitos da Lei nº 8.666/93 – à evidência – em tudo aquilo que por ela exigido. Coerente com o defendido neste trabalho, já tivemos oportunidade de sustentar a possibilidade, atuando pelo Ministério Público de 2ª instância, nos autos da AC nº 207.349.5/0-00, da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, dentre outros. Trava-se da contratação de sociedade de advogados notoriamente especializados em Direito Bancário, para ajuizamento de ações de repetição de indébito por pagamento de juros excessivos em operações de antecipação de receita orçamentária (ARO), providência adotada por recomendação do Egrégio Tribunal de Contas. Bem examinada a hipótese, se verificou a presença da singularidade do objeto e a notória especialização da sociedade de advogados contratada. Assim como nesse, em outro seria possível a contratação direta, desde que o Poder Público envolvido possa verificar que os serviços enfocados são técnico-profissional-especializados, igualmente presente a singularidade do objeto. Isso 27 verificado, possível passar à etapa seguinte, de identificação de profissional que detenha notória especialização, a tudo se seguindo a comunicação da autoridade superior que, em ratificando o processo, dará publicidade, permitindo a eficácia desejada, máxime a própria contratação, obviamente observando-se o § 2º do artigo 54 e o inciso XI do artigo 55, ambos da lei de regência. Como dissemos, para nós, a comunicação e ratificação tem o efeito da homologação e adjudicação previstas no inciso VI do artigo 43 da mesma lei. Não há possibilidade de contratação antes da adjudicação, igualmente não se podendo falar em contratação sem a ratificação e publicação, no caso de inexigibilidade de licitação. É necessário enfatizar a relevância da singularidade do objeto, sobretudo porque em se tratando de serviços de advocacia, nem sempre ela estará presente, sendo comumente desprezada. Em parecer de Mirto Fraga, datado de 26.06.95, publicado na RDA 201/283, a Consultoria da União assim se posicionou: “Empresa Estatal - Advogado – Licitação. Admissível a contratação de serviços particulares de advocacia com inexigibilidade de licitação quando o serviço for de natureza singular. Se o serviço não for singular, a contratação deve ser precedida de pré-qualificação com adjudicação equalitária entre os advogados pré-selecionados.” Nem poderia ser outro o entendimento, pois, se ausente a singularidade do objeto, vedada está a contratação direta, sem licitação. Também Geraldo Ataliba teve oportunidade de responder consulta sobre o tema específico, exarando parecer que foi juntado aos autos da Apelação Cível nº 165.432.5/4-00, da Colenda 3ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual são citadas lições de eméritos juristas sobre a possibilidade de contratação de advogados sob o pálio da inexigibilidade de licitação. Citou-se Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antonio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles e Lúcia Valle Figueiredo, expondo seu pensamento: “Assim, consultoria jurídica e auditorias contábeis poderiam, em princípio, ser contratadas sem licitação, caso tratassem de serviços singulares, desempenhados por profissionais de notória especialização. O mesmo não se pode dizer, todavia, de consultorias jurídicas e auditorias contábeis de caráter permanente. De fato, na contratação de um jurista, ou de um auditor contábil para tais serviços, ainda que profissionais de notória especialização, descaracterizado estaria o pressuposto do serviço singular (único). Em uma consultoria jurídica permanente, o serviço a ser realizado conteria também serviços não singulares, serviços esses comuns, rotineiros. Serviços permanentes excluem a conotação de serviço singular. Exige-se, pois, licitação para a contratação de tais serviços.” Do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, dentre outros julgados, pode-se citar a AC 156.748.5/5-00, julgado na 3ª Câmara de Direito Público, relatado pelo Desembargador Laerte Sampaio. Por maioria de votos foi reconhecida a ilegalidade da contratação de serviços advocatícios com base na inexigibilidade de licitação. Em seguida, tanto o Ministério Público quanto os requeridos na ação civil pública, impugnaram o acórdão pela via dos embargos infringentes, ambos rejeitados. A questão da singularidade do objeto (além da notória especialização) como autorizador da inexigibilidade de licitação, foi apreciada na Apelação Cível APC 38.192/95DF, julgado em 13/05/96, relatado pela Desembargadora Lia Fanuck, da 5ª Turma Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, publicado no Diário da Justiça da União de 07 de agosto de 1996, página 13.118, Seção 3, cuja ementa está assim redigida: “Ação popular – Contrato advocatício celebrado sem prévia licitação. Ausência de pressupostos autorizadores da sua dispensa ou inexigibilidade – Natureza dos serviços contratados não marcada pela singularidade ou notória especialização. Demandas trabalhistas rotineiras – Relativas a reposições salariais decorrentes dos sucessivos planos econômicos – Temática de domínio comum. Configurada lesão aos cofres públicos e à 28 moralidade administrativa. Recurso provido – Condenações dos responsáveis e beneficiários do ato anulado ao pagamento das perdas e danos.” O v.Acórdão afirma: “A atuação profissional requisitada não se revestia de natureza singular, nem considerados os serviços, em si, nem considerados os prestadores, de quem não se requeria notória especialização, visto tratar-se de demandas plúrimas, com temática rotineira, ou seja, cobrança de reposição salarial, em face das perdas sofridas pelos servidores públicos, a cada e sucessivo plano econômico.” Nos parece que a questão foi bem examinada e apreendido o ponto fulcral, é dizer, as defesas nas demandas judiciais para as quais foi contratado advogado, sem licitação, não se revestia da singularidade necessária. Também o Superior Tribunal de Justiça debateu o tema, no RMS 5.532/PR, relatado pelo Min. Peçanha Martins, publicado no DJ de 23 de abril de 2001, p. 123, do qual se extrai: “por outro lado, não convencem os argumentos expendidos pelo recorrente quanto à singularidade dos serviços profissionais a serem executados, nem que não pudessem ser atendidos pelos integrantes do serviço jurídico da APPA.” Nesse caso, o Tribunal de Contas do Paraná impugnou a contratação de advogado trabalhista por órgão público, para acompanhar processos em curso no Tribunal Regional do Trabalho. O administrador público cujo ato foi impugnado, impetrou mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça do Paraná, tendo sido denegada a ordem. Recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e teve improvido seu Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Desse aresto se extrai: “Sem qualquer demérito para os ilustres advogados que militam na Justiça do Trabalho, não exige o requisito da ‘singularidade’, capaz de justificar a dispensa da licitação, o acompanhamento de processos na segunda instância cujo avultado número denuncia disputas corriqueiras da relação de emprego. É certo que naquela Corte ocorrem casos intrincados a demandar um serviço mais aprimorado e por quem posso desenvolve-lo com ‘singularidade’ não me parecendo, porém, que sejam na quantidade afirmada pelo impetrante.” Conquanto se note posição diversa da nossa em relação à singularidade, é certo que os serviços para os quais contratado o advogado, não se revestiam da característica autorizadora da inexigibilidade de licitação. Na realidade, difícil sustentar que defesas rotineiras em processos judiciais ou administrativos, possam se caracterizar como singulares, ainda que traduzam grandes dificuldades para o profissional, pois não é esta (a dificuldade) que dá nota à singularidade como já dissemos. Singular, para lembrarmos, é o que não se repete. À evidência que a dificuldade da demanda pode indicar ser prudente a contratação de profissional mais qualificado. A Administração Pública, concluindo por não dispor de profissionais do Direito à altura que se faz necessário, sem dúvida pode decidir pela contratação de profissional gabaritado, ao menos em princípio. Não pode, todavia, deixar de promover a necessária licitação. O mesmo ocorre em relação às chamadas consultorias, pelas quais determinado advogado, ou sociedade deles, é contratado para se manifestar em relação aos mais variados temas jurídicos, presentes ou futuros. Óbvio, nos parece, que jamais se poderá detectar aí a singularidade do objeto, simplesmente porque não se sabe qual ou quais temas serão apreciados pelo consultor. Nesses casos, da mesma forma, não está vedada, em princípio, a contratação de profissionais gabaritados para fazer frente à demanda; proibida está, por imperativo constitucional e legal, a contratação direta, com base na inexigibilidade de licitação. Por outro lado, a presença do requisito da singularidade do objeto não autoriza, por si só, a inexigibilidade de licitação na contratação. É mister, como se viu, a notória especialização do contratado, podendo ser chamado de requisito subjetivo, trazendo dificuldades de toda ordem, a começar pela resistência dos próprios profissionais advogados em se exporem às licitações. Essa dificuldade (pelo menos essa) não existe entre os engenheiros ou arquitetos, habituados a participarem de licitações públicas, expondo sua 29 qualificação, seus projetos e trabalhos anteriores ao cotejo da Administração. A notória especialização, como se viu, tem na lei de regência o caminho a ser trilhado e dele não pode se desviar, sob pena de arbítrio não tolerado. Com efeito, o § 1º do Art. 25 da Lei nº 8.666/93 elenca uma série de requisitos, a começar pelo conceito do prestador do serviço, passando pelo histórico profissional, tudo devendo desaguar na inferência de ser aquele trabalho essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. Bem verdade que o rol justificador do conceito é meramente exemplificativo, contudo, suficiente para excluir o reconhecimento da notória especialização de profissionais ou sociedade de advogados que, efetivamente, não possam encerrar eventuais especulações sobre a essencialidade e indiscutibilidade da adequação mencionada pela norma. Importa que esse tipo de contratação deve, sempre, ser excepcional, como adverte Lúcia Valle Figueiredo: “Ao abordarmos o segundo problema, verificamos, de logo, que a notória especialização deve servir, apenas, às contratações excepcionais, como exceção a uma regra e, mais do que isto, como exceção a um princípio.”104 Pensamos que contratar profissional do Direito que não preencha os requisitos da notória especialização, como exige a lei, ou profissional que detenha essa qualidade, mas que seja contratado para prestação de serviços cujo objeto não atende à exigência da singularidade, por certo estaria em desacordo não só com a lei de regência, como também a própria Constituição Federal, que determina a realização de licitação, além de obrigar à observância dos princípios da impessoalidade e da igualdade. Também aqui, presente se mostra ao aplicador da lei concretizar o critério produzido por Celso Antônio, permitindo aquilatar, no caso concreto, se o elemento tomado como fator de desigualação daquele profissional vis-à-vis os demais advogados ou sociedade deles, guarda uma correlação lógica com o tratamento jurídico diferenciado. Por fim, deve ser verificado se o tratamento diferenciado está em consonância com os interesses absorvidos no sistema constitucional. Merece ainda ser relembrada a lição de Canotilho mencionada no item 3.2.2: “existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável.” Se mostra prudente realizar a análise em cada caso concreto, de modo a aferir se há ou não ofensa ao princípio da igualdade. Em vista da dificuldade de caracterização, tanto da singularidade do objeto quanto da notória especialização do prestador, a lei tratou de indicar ao administrador público a providência que atende aos ditames constitucionais, sendo ainda a mais razoável sob o aspecto prático. Trata-se da realização da licitação na modalidade de concurso, na forma do § 4º e inc. IV do Art. 22 da Lei nº 8.666/93, indicada no § 1º do Art. 13. Com efeito, estabelecendo-se a remuneração a priori, venceria aquele que oferecer a melhor proposta de trabalho técnico, bem assim a melhor qualificação profissional. No conjunto oferecido, a título meramente exemplificativo, poderiam figurar, dentre outros, a titulação do profissional (ou profissionais componentes da sociedade de advogados), inclusive pós-graduação, trabalhos acadêmicos, publicações, anteriores trabalhos técnicos correlatos, experiência anterior na área, permitindo ao administrador escolher aquele que melhor se amolda às necessidades. Essa solução traria ainda, o benefício de não expor os advogados à possibilidade de aviltamento de honorários, tão combatida pela Ordem dos Advogados do Brasil, embora deva ser ressaltado, data venia, que o Art. 41 do Código de Ética e Disciplina da OAB de modo algum, impede a participação desses profissionais em licitação. De resto, não poderia mesmo uma regulamentação interna da OAB, que sequer lei é, sobrepor-se à Constituição Federal determinadora da realização de licitação. 104 In RDP nºs. 43-44, p. 110. 30 Não obstante tudo isso, não se pode deixar de enfatizar que a contratação direta de advogados, baseada na inexigibilidade de licitação, em tese será possível, desde que presentes – todas – as exigências da lei de regência. Tudo verificado e justificado (sempre a priori, como determina o Art. 26), deve o administrador comunicar a autoridade superior em três dias, para ratificação e publicação na imprensa oficial, como condição para eficácia dos atos, é dizer, possibilidade de continuidade do processo, se observando, ademais, as exigências contidas nos incisos I a III do parágrafo único do artigo 26 da Lei nº 8.666/93. Como se vê, a inexigibilidade de licitação na contração de advogados pelo Poder Público é, certamente, exceção à regra, exigindo especial cuidado por parte do administrador. 7. A desobediência à Lei de Licitações Depois de fixados os conceitos de trabalho técnico especializado, singularidade do objeto e notória especialização, partiremos para um tópico que tem gerado tanta controvérsia quanto os primeiros. Trata-se da desobediência aos comandos legais da Lei de Licitações relativas à contratação direta, caso não estejam presentes os requisitos legais. Poderíamos falar da atuação das Cortes de Contas, do Ministério Público e também do cidadão, estes últimos levando a questão à apreciação do Poder Judiciário, quer pela ação civil pública por ato de improbidade administrativa, quer pela ação popular. Todavia, focalizaremos apenas naquilo que disciplinado na Lei nº 8.666/93, coerente com a proposta inicial do trabalho. Em primeiro lugar está a regra fixada no artigo 49 e seus parágrafos da Lei de Licitação. Diz a lei que a autoridade competente para a aprovação do procedimento, de ofício ou por provocação de terceiros, deverá anulá-lo por ilegalidade, mediante parecer escrito e fundamentado. Por outro lado, o parágrafo 3º assegura o contraditório e a ampla defesa, dizendo ainda o parágrafo seguinte que o estabelecido neste artigo (o 49) e seus parágrafos, se aplica aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de licitação. Todas essas regras devem ser interpretadas em conjunto com o artigo 26 caput, in fine, pois ali está determinada a comunicação à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, em cinco dias, tudo como condição para eficácia dos atos. Ora, se a ratificação é exigida como condição de eficácia dos atos (dispensa ou inexigibilidade de licitação), óbvio, nos parece, que o contrato não poderá ser firmado antes da ratificação, não se exigindo nesse momento, o contraditório e a ampla defesa, pois não há contrato administrativo firmado, como afirmamos em tópico anterior. Todavia, se firmado o contrato, permanece a obrigatoriedade de anulação, no caso de constatada ilegalidade, respeitando o contraditório e ampla defesa, como quer a lei no parágrafo 3º do artigo 49 da Lei nº 8.666/93. De toda forma, importa é que a autoridade administrativa tem o dever de anular a licitação, de ofício ou por provocação, não só em razão do determinado na lei, mas também porque as Súmulas 346105 e 473,106 ambas do Supremo Tribunal Federal, assim determinam. Além disso, a própria Constituição Federal impõe essa providência, na medida em que prevê a aplicação do princípio da legalidade a toda Administração Pública, direta e indireta, e dos três Poderes. Também vimos que a Lei nº 8.666/93, norma de ordem pública que é, exige integral e obrigatória aplicação, não podendo a agente se desviar de seus comandos, sob pena de nulidade do ato praticado em desacordo com a regra prescrita. De elevada importância para o tema, é o disposto no parágrafo 1º do artigo 49 da Lei de Licitações, prescrevendo que a anulação do procedimento licitatório por motivo de 105 STF – Súmula 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. 106 STF – Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos a apreciação judicial. 31 ilegalidade não gera obrigação de indenizar, mas, de toda forma, ressalvando o disposto no parágrafo único do artigo 59 da mesma lei, cabendo ressaltar que no caso de anulação da licitação, induzida estará a do contrato administrativo, como quer o parágrafo 2º do mesmo artigo. Bielsa vai além: “La falta de licitación, si ella es obligatoria, determina la nulidad del acto, pues la licitación es esencial. En tal caso - es decir, de omisión – la Administración pública no tiene que demandar la anulación de contratos realizados sin licitación previa, puesto que se parte del supuesto de que no hay contrato.”107 Além de tudo isso, como se o legislador necessitasse enfatizar o que já era suficientemente claro, dispôs no artigo 59 da lei de regência que a declaração de nulidade do contrato administrativo, opera retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que ele, de ordinário, deveria produzir, além de desconstituir os já praticados. Com isso, nos parece que em nenhuma hipótese poderá ser realizado qualquer pagamento por serviços prestados, caso a licitação tenha sido anulada por ilegalidade, ou ainda, caso o contrato venha ser declarado nulo. Tal disposição, nas hipóteses de contratação direta de serviços de advogados, com base na inexigibilidade de licitação, é mera ênfase ao estabelecido no artigo 49 da Lei nº 8.666/93. Todavia, caso os serviços tenham sido prestados e não seja imputada co-responsabilidade pela ilegalidade, deverá a Administração indenizar o contratado, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. Tal hipótese, contudo, se nos afigura de difícil ocorrência, na medida em que tanto a Lei de Ação Popular108 (Lei nº 4.717/65) quanto a Lei do Enriquecimento Ilícito109 (Lei nº 8.429/92), prevêem que o beneficiário ou aqueles que concorram para a prática do ato ilegal, serão responsabilizados. Dessa maneira, por força da lei, será o contratado responsabilizado, ao menos como beneficiário, impossibilitando qualquer pagamento pelos serviços prestados, obviamente, na hipótese da contratação direta não ter obedecido aos requisitos da lei. Cabe ressaltar que a jurisprudência corrobora esse entendimento. Do Supremo Tribunal Federal podemos citar o RE 160381-3 e seus embargos de declaração, tratando-se de caso no qual houve contratação direta de empresa de consultoria, inexigindo-se a licitação. Alegou-se que não haveria lesividade porquanto os serviços foram efetivamente prestados, mas o v.Acórdão aponta: “Assim, os Embargantes, data venia, postulam ‘a superação da contradição existente neste acórdão embargado para declarar a inexistência de prova da lesividade, ou então que a lesividade poderá ocorrer futuramente’(folha 2.195). Conforme depreende-se da ementa do acórdão embargado, na maioria das vezes a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado. Assim o é quando dá-se a contratação, por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido procedido da necessária justificativa. Embora a Turma não tenha conhecido do extraordinário, deixou assentada a referida tese, ou seja, a que admite a lesividade tendo em conta a própria ilegalidade...” Outro julgado aborda o tema, tratando-se do CRLC nº 70003832169-2002/Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. É desse aresto: “Não se pode, portanto, como tem sido sustentado em alguns processos, dizer que não havendo prejuízo algum ao erário municipal, não há o que indenizar, e isso descaracteriza a própria ilicitude. Primeiro, se à exclusão da improbidade basta a inexistência de prejuízo ao erário, consagrada estará a fórmula de como fazer para as contratações diretas, pondo-se de lado a Lei e a Constituição, transformando as obras públicas numa ‘ação entre amigos’. Dizer que a inexistência de prejuízo ao erário descaracteriza a improbidade, é tese que serve àqueles que na teoria 107 Bielsa. R. Derecho administrativo, p. 171. 108 Art. 6º. A ação será proposta contra as pessoas (...), e contra os beneficiários diretos do mesmo. 109 As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. 32 combatem a impunidade, mas só para fins de prosa, uma vez que na prática vivem abraçados a ela, com a farsa de que corrupto é sempre o outro.” Tratava-se de caso de contratação direta com dispensa de licitação, ainda, sem observância do procedimento previsto no artigo 26 e seu parágrafo único da Lei nº 8.666/93. Por fim, mas não menos importante, é a sanção penal expressa para o caso de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais, ou ainda, a inobservância das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, atingindo ainda aquele que, comprovadamente, tenha concorrido para a consumação da ilegalidade ou tenha se beneficiado, conforme reza o artigo 89 e seu parágrafo único da Lei nº 8.666/93, prevendo penas de detenção, de 3 a 5 anos e multa, muito graves, sem dúvida, mas que demonstram o cuidado do legislador no tratamento da dispensa e inexigibilidade de licitação. Essas disposições não afastam as sanções próprias previstas na Lei nº 8.429/92, igualmente graves, mas de natureza civil, por tudo se podendo afirmar que a realização de licitação é a regra, sendo a dispensa e a inexigibilidade absoluta exceção, devendo assim ser focalizada pelo prudente administrador público. 8. Conclusão Ao final das considerações a que nos propusemos, sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, possível elencar alguns pontos julgados relevantes, a começar pelos princípios e sua relevância na pirâmide normativa. São as idéias centrais de um sistema, dando-lhe sentido lógico, harmonioso, racional e permitindo a compreensão de seu particular modo de organização. Na esteira de Canotilho, pode-se falar em princípios político-constitucionais, se traduzindo nas fundamentais decisões políticas da nação, ou ainda, opções políticas nucleares, refletindo a ideologia inspiradora da Constituição. Fala-se, ainda, em princípios jurídicoconstitucionais, possuindo caráter geral e informador de toda a ordem jurídica pátria, decorrendo dos princípios político-constitucionais. Dentre os princípios político-constitucionais de nossa Lei Maior está o republicano. A República é tipo de governo fundado na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo, transitório e com responsabilidade. República vem de res publica ou coisa do povo: de todos e igualmente para todos. Dela decorre a isonomia, segundo a qual todos são iguais perante a lei e na lei, sem distinção de qualquer natureza. Esse princípio não se limita ao caput do artigo 5º, estando repetida em outras disposições da Constituição Federal, a exemplo do Art. 150, inciso II, além do artigo 37, ao se referir aos princípios da legalidade, impessoalidade e licitação, dentre outros. As normas de ordem públicas impõem à Administração Pública o dever de rigorosa obediência às suas prescrições. Tais normas se aplicam aos processos de formação da vontade do Estado, não podendo o agente impor a sua vontade, senão a da lei, em estrita obediência, pressupondo-se que o legislador, por ocasião da elaboração da lei, já previu a melhor forma de atuação e a adotou. A Lei nº 8.666/93, de regência das licitações e contratos administrativos, é norma de ordem pública, tanto pelo conteúdo de suas disposições, quanto por sua própria letra, conforme dispõe o artigo 54. O princípio da licitação é cogente, devendo o certame ser realizado sempre, como determina a Constituição Federal e a própria lei de regência. Todavia, como prevê a Lei Maior, há casos em que a licitação pode/deve ser dispensada e outros em que ela é inviável, se tratando das hipóteses de inexigibilidade de licitação, previstos nos artigos 24 e 25 da Lei nº 8.666/93. 33 Os serviços de advocacia são considerados pela lei como “serviços técnicos profissionais especializados”, constituindo-se este no primeiro requisito para a contratação direta, com base na inexigibilidade de licitação. Segundo a lei, tais serviços envolvem a aplicação de rigorosa metodologia e, via de conseqüência, podem ser chamados de técnicos; possuem identidade própria que os torna distintos em relação a outras espécies de atuação do ser humano, exigindo habilitação específica para a sua prestação, advindo daí o qualificativo de profissional; além disso, exigem capacitação para o exercício com habilidades não disponíveis para a média das pessoas, exigindo o domínio de uma área restrita do conhecimento, com aprofundamento que ultrapassa o conhecimento mediano. A presunção legal implica reconhecer que há uma complexidade neles residentes, isso ocorrendo com qualquer serviço de advocacia, independentemente do caso concreto. No que diz respeito à singularidade do objeto, possível afirmar que se trata de um dos requisitos da inexigibilidade de licitação. Singularidade quer dizer particular ou individual, algo raro ou extraordinário. Traduz idéia daquilo que se distingue ou se individualiza de per si, é o especial ou o particular a certa classe ou a certas coisas. A singularidade de que trata a lei, somente pode ser vista por seu ângulo intrínseco, ou por outras palavras, pelas características e qualidades que lhe são próprias (do objeto), de imediato afastando as qualidades pessoais do prestador de serviço. Na verdade, singular é o objeto, jamais o prestador do serviço. As qualidades pessoais – tão somente – são consideradas pelo legislador, apenas no caso de contratação de profissionais de qualquer setor artístico, dos quais se exige apenas que sejam consagrados pela crítica especializada ou pelo público, como dispõe o inciso III do artigo 25. Já o inciso II do mesmo artigo 25 declara ser inexigível a licitação para a contratação dos serviços técnicos enumerados no artigo 13 da Lei de Licitações, mas exige que o objeto tenha natureza singular, pouco importando, até esse momento, quem será o prestador do serviço. Assim, enfatizamos, não há se falar em “singularidade do prestador do serviço”, senão na singularidade do objeto. Nesse sentido, a singularidade constitui-se em requisito objetivo da inexigibilidade de licitação, ao lado dos serviços técnicos enumerados no artigo 13, nos quais se subsumem os serviços advocatícios. A notória especialização, por seu turno, é o requisito subjetivo da inexigibilidade de licitação, é dizer, se liga ao prestador do serviço. É prevista como exigência no inciso II do artigo 25 da Lei de Licitações, trazendo aquilo que deve ser considerado como notória especialização, em rol exemplificativo, no parágrafo 1º do mesmo artigo. Especialista é a pessoa que se dedica a um ramo de sua profissão; ou pessoa que tem habilidade ou prática especial em determinada coisa, ou ainda, conhecedor ou perito. Notório, por outro lado, é o de conhecimento de todos, o público ou o manifesto. Em razão de notório ser tomado como aquilo que é do conhecimento público ou de todos, traduz o que se tem como certo e verdadeiro, prescindindo de ser provado. A lei processual também trata do fato notório, eximindo as partes do dever de provar. Na Lei de Licitações, a notória especialização encontra um limite à conclusão do aplicador da norma, na medida em que relaciona o conceito detido pelo profissional ou empresa, à inferência de que seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. Com isso, o fato do profissional possuir um ótimo conceito no campo de sua especialidade, por si só, não implica dizer que possua notória especialização de que fala a lei, pois essa é apenas a primeira parte da exigência legal, devendo isso resultar na essencialidade e indiscutibilidade referidas. Cumpre ressaltar que ao teor do diploma legal de regência, não se pode falar em reconhecimento da notória especialização, em função da probabilidade de sucesso na realização do trabalho ou, muito menos, confiança do agente contratador no contratado. A notória especialização é requisito subjetivo que se coloca a priori, como essencial para a satisfação do objeto contratado, de modo que nenhuma dúvida deva pairar quanto à capacidade do profissional levar a bom termo a incumbência. A especialização mencionada na 34 lei diz respeito à especialidade profissional, observada nas Ciências Médicas, nas Jurídicas e nas Engenharias, a título exemplificativo. Também a lei processual trata da especialidade do perito na matéria sobre a qual opinará, tudo comprovado por certidão ou documento hábil. Enfatizando o caráter excepcional da dispensa e da inexigibilidade de licitação, o legislador determinou providências administrativas próprias, como a obrigatoriedade da comunicação à autoridade superior, ratificação e publicação na imprensa oficial, como condição de eficácia dos atos anteriores, a exemplo do reexame necessário das “sentenças contra a Fazenda Pública”. Assim, se esta depende de reexame para ter eficácia, mais ainda se exige da decisão administrativa que inexigiu a licitação na contratação de serviços de advocacia, parecendo um contra-senso impor mais rigor ao processo judicial que ao administrativo. Depois da ratificação e publicação – não antes – poder-se-ia contratar, com cláusula de vinculação ao termo que inexigiu a licitação. Na realidade, a conclusão mais importante é que a contratação direta de serviços advocatícios, é dizer, inexigindo-se a licitação, é possível, ao menos em tese, desde que o caso concreto assim o permita. Para tanto, mister a verificação da presença da singularidade do objeto e a notória especialização do escolhido, sempre de acordo com as graves exigências da Lei de Licitações, por tudo mostrando que a regra é a realização de certame, sendo absoluta exceção a dispensa ou inexigibilidade da licitação. No caso de contratação de serviços de advocacia, conforme recomenda a Lei nº 8.666/93, deve ser realizada licitação na modalidade de concurso, com a vantagem de não causar o aviltamento de honorários combatido pela Ordem dos Advogados do Brasil. Por fim, no que diz respeito às conseqüências do desatendimento das prescrições específicas da Lei nº 8.666/93, se afirma que a Administração Pública tem o dever de anular o contrato e os atos anteriores, operando-se retroativamente de modo a impedir os efeitos jurídicos que ele, de ordinário, deveria produzir, desconstituindo os já produzidos, inclusive o pagamento do contratado, podendo haver indenização pelos serviços até então prestados, se não existir culpa deste. A previsão de figura penal específica para a indevida dispensa ou inexigibilidade de licitação, com penas graves, inclusive, associada ao disposto na Lei nº 8.429/92 sobre o assunto, uma vez mais ressalta o caráter de exceção da dispensa e da inexigibilidade de licitação, podendo ser utilizados, mas sempre dentro dos estreitos limites legais. Referências bibliográficas ARAÚJO, L.A.D. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília: Corde, 1994. ATALIBA, G. 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