Uma história do negro nos EUA e no Brasil Fui buscar um artigo escrito em 1994 sobre o livro, “Escravidão e relações raciais no Brasil e nos EUA”, de Carl Degler, ainda embalado pelas comemorações da semana da consciência negra. Direto ao assunto. O autor mostra que o tráfico de negros terminou em 1808 nos EUA, no Brasil só em 1851, apesar de lei que o proibia desde 1831. Essa questão do tráfico é fundamental para entender a história do negro aqui e lá. Se havia mais tráfico era mais fácil comprar o negro do que criá-lo. Um negro estava pago com um ano de serviços. Os restantes sete ou oito anos que trabalhava era só lucro para seu dono. Ficava muito mais em conta comprá-lo do que criá-lo até os 16 anos quando ele pegava firme no batente. Nos EUA, como o tráfico havia sido abolido e obedecido, eles procuravam cuidar mais do negro do que no Brasil. A mortalidade infantil entre os negros nos EUA era também menor por que não havia mais tráfico. No Brasil a mortalidade era enorme. Lá, depois do tráfico, o número de escravos até aumentou. Aqui, sem o tráfico e sem cuidar dos filhos, o número caiu. Nos EUA os donos de escravos procuravam casar os negros, com isso diminuía às fugas e rebeliões. Aqui se tinha mais fugas por causa do tráfico e de quase nenhum cuidado com a família. Com tráfico havia sempre a chegada de novos grupos, falando línguas diferentes e tentando a liberdade. Lá, sem tráfico e com o núcleo familiar estabelecido, a acomodação social foi maior. Outro fator contra as fugas era o intenso frio nos EUA. O autor mostra que no Brasil houve mais maus tratos aos escravos do que nos EUA também por causa do tráfico. Com menos escravos chegando, aquele país procurava-se tratá-los um pouco melhor do que no Brasil. Ele considera também como maus tratos libertar os negros quando eles ficavam velhos ou doentes, como ocorria no Brasil. O autor alega que por fatores econômicos, no Brasil houve até mais “libertações” que nos EUA. Diz que quando a economia aqui ia mal era melhor libertar o negro. Como a economia lá era mais estável o caminho era mantê-lo. Os dois lados exploravam o negro de acordo com as peculiaridades de cada país, claro. Degler diz que a lei no Brasil proibia o casamento entre brancos e negros. Fatos locais alteram isso com a benevolência da Igreja Católica. O número de mulheres brancas no Brasil era pequeno. O homem branco se entrelaçou mais com as mulheres negras. Nos EUA a colonização foi feita em torno da família. Quem foi para lá levou mulheres e filhos. O autor mostra os casos da Jamaica e Bermudas em que lá, com poucas mulheres brancas, os ingleses fizeram a mesma coisa que os portugueses fizeram no Brasil. O autor dá como exemplo também o caso da colonização portuguesa no Rio Grande do Sul por portugueses da ilha dos Açores com suas famílias. Não houve, nesse caso, a miscigenação que o Brasil conhece. Não concorda também o autor que os portugueses gostavam de mulheres negras por causa da dominação moura na Península Ibérica ou porque muitos deles fora amamentado por negras. Tudo, pare ele, foi a falta de mulheres brancas. Degler mostra ainda como era mais submissa a mulher portuguesa em comparação com as inglesas. A miscigenação se espalhou pelo Brasil. Aqui está a maior diferença entre os negros nos dois países. O Brasil incentiva o embranquecimento, nos EUA o mulato é negro. O mulato é aceito, o negro não. O embranquecimento faz a ascensão social. É a maneira brasileira de o negro ser absorvido. O mulato impediu uma tensão racial maior no Brasil. Uma conseqüência negativa disso para o movimento negro no Brasil é que por causa daquela diluição as associações de negros são mais fracas. Nos EUA todos jogam juntos na mesma direção. O autor dizia em 1971 que o negro tinha mais condições de crescimento nos EUA que no Brasil e cita os motivos. Acertou. O livro de Degler recebeu nos EUA três premiações literárias: o Pulitzer de história, o Bancroft e o Albert J. Beveridge. Me encabula como até hoje um trabalho desses não foi traduzido para o português. Alfredo da Mota Menezes escreve em A Gazeta. E-mail : [email protected] Novembro 2007