A crise petrolífera mundial

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Ueki, Shigeaki. “A crise petrolífera mundial”. São Paulo: Folha de São Paulo, 05 de outubro de 2000.
A crise petrolífera mundial
SHIGEAKI UEKI
O governo Clinton decidiu disponibilizar 30 milhões de barris do seu estoque estratégico no mercado
norte-americano para evitar um aumento maior no mercado futuro do petróleo, que na semana passada
tinha alcançado US$ 37,80 para o WTI, isto é, mais do que o dobro do preço vigente em 1997/99.
Para o Brasil é importantíssimo não somente entender a crise, mas tomar medidas que neutralizem os seus
efeitos danosos para a nossa economia, pois ainda dependemos da importação de cerca de 30% do
petróleo e gás natural que consumimos diariamente.
Os 30 milhões de barris disponibilizados pelo governo norte-americano representam menos de dez horas
do consumo mundial -ou menos de dois dias do consumo norte-americano. A excessiva dependência
energética de hidrocarbonetos, petróleo e gás natural, apesar de os países desenvolvidos haverem
diminuído o consumo diante do crescimento da economia, vai sempre ameaçar a estabilidade da economia
mundial e afetar de forma mais contundente os países menos desenvolvidos, como o Brasil, que, para cada
ganho adicional de sua economia, necessitará de mais energia do que os países desenvolvidos. Assim, o
consumo mundial de petróleo e gás natural tem crescido muito no Brasil e em outros países emergentes.
Em outras palavras, a atual crise afeta muito mais o Brasil do que os Estados Unidos, a União Européia e
o Japão.
As duas crises anteriores tinham, além dos componentes típicos do mercado, dois aspectos de suma
importância. O primeiro era o aspecto político resultante da Guerra Fria, o conflito entre Israel e os países
árabes no Oriente Médio, onde está a maior reserva de petróleo e gás natural do mundo. Felizmente o
mundo bipolarizado, sob a liderança de duas potências nucleares, não existe mais. Os últimos países
comunistas, como China, Cuba e Coréia do Norte, estão adotando o capitalismo com grande entusiasmo e
estão, certamente, acompanhando o mercado futuro do petróleo com a mesma aflição que nós, pois esses
últimos países socialistas são importadores líquidos de petróleo. Portanto não há mais o componente
político na atual crise.
O segundo aspecto foi a crise financeira internacional de 1970/73, que levou os países da Opep
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em conjunto, à elevação dos "posted price" do
petróleo, que serviam de base para a cobrança dos impostos ("government take"), ao que se seguiu a
criação e o fortalecimento do eurodólar, o fim da conversibilidade do dólar em ouro ("Nixon Shock") e o
aumento inusitado da liquidez internacional, causando inflação. A crise financeira mundial, associada à
crise política, acabou provocando uma elevação do preço do petróleo e do gás natural em níveis jamais
esperados pelo mercado em 1973/74. Se analisarmos o quadro de 1979/1980, quando ocorreu o segundo
choque e o preço subiu a US$ 42 da época, podemos verificar que tivemos um cenário muito semelhante
ao de 1973.
Hoje, felizmente, não vivemos uma crise financeira. As taxas de juros em dólar estão em nível civilizado.
Vale lembrar que, no início dos anos 80, a taxa de juros do Federal Reserve (Banco Central dos EUA)
alcançou 20% ao ano. Levou quase todos os países devedores à inadimplência. Mas, se não temos os
componentes políticos e financeiros das duas crises anteriores, por que em menos de um ano dobraram os
preços? Os preços do petróleo e do gás natural antes da crise de 1973/74 eram mais estáveis. O mercado
era mais ou menos controlado pelas grandes empresas globais, as chamadas "sete irmãs". Com as duas
crises, além das sete irmãs e empresas estatais dos países exportadores e importadores, novas empresas
independentes foram constituídas. Além disso foi criado o mercado futuro, no qual bancos, grandes casas
de comércio, fundos de pensão, companhias de seguros e pessoas físicas adoram ter posições compradas e
vendidas de petróleo, gasolina, diesel, soja, milho etc.
Esse mercado hoje é muitas vezes maior do que o mercado físico. É um mercado altamente especulativo.
Basta dizer que US$ 1 de aumento nos preços de petróleo e gás natural significa transferência da ordem de
US$ 27 bilhões por ano no mercado físico. Com um aumento médio de US$ 10, como estamos tendo, a
cifra alcança US$ 270 bilhões dos compradores aos vendedores.
Imaginem a quanto monta no mercado de papéis. Daí a razão da atual elevação de preço ter um destaque
maior nas páginas financeiras. Ousaria até dizer que a atual crise vem mais do mercado financeiro que da
Opep ou das grandes empresas de petróleo. Se aceitarmos o princípio de que a especulação é necessária
para manter a liquidez do mercado e que sempre a realidade do mercado físico é que acaba prevalecendo
no mercado futuro e de papéis, então, nós importadores ficaremos cada vez mais dependentes da Opep.
Pois hoje, diferentemente de ontem, a Opep, com profissionais formados nas melhores universidades
norte-americanas e européias e com o olho no mercado futuro, orientará as suas ações cada vez mais
competentemente. Vai ganhar não somente na alta, mas também na baixa.
Temos de conviver com uma alta volatilidade. Para o nosso país, passou a ser muito mais importante
acelerar os projetos a fim de diminuir a nossa dependência externa. Gerar energia elétrica com
hidrocarboneto importado vai afetar negativamente o nosso balanço comercial. Além da busca e da
produção de hidrocarbonetos em nosso país, se pretendemos ser um país desenvolvido, temos de revigorar
o plano de álcool, consumir mais carvão mineral nacional, hidroeletricidade, utilizar energia nuclear,
como os países desenvolvidos, energia eólica, solar etc. Todas as fontes que, em última análise,
proporcionem economia de divisas. A legislação tributária deve ser revigorada como instrumento de
política econômica para estimular o consumo de fontes energéticas de origem nacional.
Não devemos esquecer que, em nosso país, o consumo de energia ainda é baixo devido ao insatisfatório
nível de desenvolvimento. Para atender à demanda projetada para o ano 2010 no Brasil, temos de dobrar a
oferta de energéticos. É um grande desafio para os responsáveis pelo setor.
------------------------------Shigeaki Ueki, 65, é vice-presidente da Comercial Yamamoto Ltda. Foi diretor
comercial e financeiro da Petrobras (governo Médici), ministro das Minas e
Energia (governo Geisel) e presidente da Petrobras (governo Figueiredo).
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