CARAVANA CANTO DAS LETRAS “Literatura é a imortalidade da fala" August Schlegel I – JUSTIFICATIVA: A Caravana Canto das Letras surgiu da inquietação de se criar um projeto de estímulo à leitura em que o público-alvo fosse envolvido por atividades lúdicas e se tornasse protagonista. Que fosse arrebatado pela arte e se sentisse movido a pegar o livro, tornando-se um agente ativo e multiplicador da cadeia da leitura. Quando idealizamos o projeto, tínhamos em mãos os resultados da terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo instituto Pró-Livro (2012), que nos levava a refletir sobre novas formas de despertar nos brasileiros o gosto pela leitura. Segundo esse estudo, o índice de penetração de leitores oscilou negativamente 5% em relação à última tomada de 2007, passando de 55% para 50% em quase todo o país. A exceção era a região Nordeste, que se manteve estável porque aumentou a massa de estudantes em sala de aula. A leitura, portanto, estava atrelada ao exercício pedagógico, o que não garantiria uma continuidade de hábito, como era percebido nas outras quatro regiões. Vencedor da Bolsa Funarte de Circulação Literária, o projeto Caravana Canto das Letras partiu então para quatro cidades do Nordeste (escolhemos essa região por essa contradição apontada na pesquisa): Canavieiras e Ilhéus (BA); Itapipoca e Sobral (CE). Em comum, todos esses munícipios estavam mapeados pelo projeto Territórios da Cidadania, como baixo índice de leitura. Partimos com a premissa de que não bastava abrir novas bibliotecas e ter os livros nas estantes. Era preciso criar mecanismos que atraísse o futuro leitor. E essa era a nossa nobre missão. Tínhamos como núcleo-base o espetáculo Canto das Letras, iniciado em Brasília, em 2008, numa primeira fase dedicada às crônicas, e executado, até hoje, no Auditório da TV Câmara, com transmissão nacional. Trata-se de uma divertida associação de textos literários com a obra musical de um escritor e um compositor, ambos convidados e presentes no palco. Num formato de talk-show, o mestre de cerimônias, o ator Jones de Abreu, entrevista e lê dramaticamente textos (com recursos teatrais), intercalando com as falas dos convidados e as canções interpretadas ao vivo. O que promove uma condição favorável para fazer despertar a motivação de quem assiste ao programa (estudantes de escolas públicas são levados pela TV Câmara), pois o contato direto com o artista e sua obra consiste num forte elemento para transformar o cidadão comum num buscador de cultura e leitor em potencial. Desenvolvido num formato híbrido, de cruzamento de linguagens artísticas, o projeto insere-se nos critérios de desenvolvimento de ações de estímulo à leitura à medida que tem essa preocupação de enriquecer culturalmente a plateia, instigada a ouvir textos sob o testemunho do próprio criador ou de convidados, permeadas por canções e informações. Resolvemos então realizar o espetáculo Canto das Letras em cada cidade visitada, convidando escritores e músicos locais, reforçando assim a ideia de pertencimento à plateia, que aprecia criadores que estão pisando no mesmo território. O espetáculo, no entanto, fecharia uma vivência de sete dias naquela cidade, encorpando-se com série de atividades que comungam com sua natureza de formação de leitores. Assim, o Canto das Letras virou Caravana, levando para a estrada o escopo de três oficinas, com um objetivo de criar um sarau feito e administrado pelos próprios alunos. A ideia ainda foi reforçada com ações como o Livro Galopante e as Caminhadas Poéticas. As oficinas e as ações propostas visavam criar relações afetivas entre o ato de ler e a população. Ao final, o projeto quis entrelaçar moradores ao objetivo de manter essas atividades em regime contínuo, com a criação de um sarau mensal, gestado e pensado por eles. Todos os oficineiros eram integrantes do coletivo Criaturas Alaranjadas Cia. de Teatro. Sérgio Maggio (Escrita criativa), Jones de Abreu (Leituras dramatizadas) e Rose Costa (Contação de histórias). O músico Alex Souza foi convidado para fomentar as caminhadas poéticas e reforçar o espetáculo Canto das Letras. Antes de pegar a estrada, foi feita série de parcerias com as prefeituras que nos cederam espaços para as oficinas e para a realização do sarau e do espetáculo Canto das Letras. A Caravana chegava e espalhava livros pelas cidades. Na segundafeira, ao amanhecer, 50 livros, embalados afetivamente para presente, eram colocados em locais estratégicos da cidade, como praças, portas de igrejas, parques e escolas. Em todas as obras literárias, havia um pedido especial para que aquela pessoa lesse e, depois, passasse de mão em mão. A ação lúdica foi noticiada pela imprensa local e se espalhou a ponto de pessoas procurarem os integrantes para ganhar livro. Em Canavieiras, a poeta Ely Carvalho inspirou-se e compôs um poema: “Canavieiras, num dia lindo/ Manhã/ Praça da Bandeira/ Burburinhos.../ Salve a Caravana Canto das Letras/ Num banco da praça, “ele”, o livro, embalado de presente...” Nessa mesma segunda, três oficinas foram abertas à comunidade movimentando um núcleo de produção, que vai se comunicar diariamente com a cidade por meio do sarau e de caminhadas poéticas. As oficinas de Contação de histórias, Escrita criativa e Leitura dramática (14 horas de atividade por oficina) tinha duplo objetivo: capacitar os participantes em cada uma dessas atividades e propor a criação e gestão de um sarau, que seria aberto à comunidade e administrado por esse grupo, com o desejo de seguir periodicamente mesmo depois da partida do projeto. Conjugadas, essas oficinas integraram os alunos durante a semana com as caminhadas poéticas, que, de terça a quinta, durante a ocupação da cidade, fez rotas culturais, recitando poemas, interpretando canções, declamando textos diversos e convidando a população para participar tanto do sarau (na sexta-feira), quanto do espetáculo canto das letras (no sábado). Em cada cidade, o sarau foi batizado com nome dado pela maioria dos participantes, escolhido entre três por uma votação popular no dia da realização do evento. A produção do Canto das Letras também negociou com as secretarias de Cultura e/ou de Educação o apoio oficial para dar continuidade a esse evento, de forma que entre no calendário cultural da cidade. II - OBJETIVOS: I - Estimular à leitura a partir de projeto híbrido que mistura linguagens teatral, musical e literária, com entrada franca e amplo acesso cultural, que faz itinerância por Ilhéus e Canavieiras (BA), Sobral e Itapipoca (CE). II - Contribuir para a formação de plateia de formação eclética em sessões gratuitas. III – Apresentar ao público a singularidade de escritores e compositores brasileiros, destacando o criador de obras literárias e musicais, levando-o ao palco para falar do processo de feitura da literatura e da música; IV - Atingir Perfil De Público Eclético, Que Tem Interesse Imediato Pela Leitura De Textos, Por Meio De Três Oficinas Ligadas À Escrita E À Leitura; V- Atrair o espectador que busca um programa de entretenimento e informação; VI - Propor junções estéticas entre campos artísticos distintos, estabelecendo uma correlação que amplia a percepção do espectador que verá um espetáculo de forte estímulo sensorial e informativo. VIII- Criar sarau que será gestado pela própria comunidade; XIX- Envolver a cidade com o ato da leitura, por meio de diversas ações conjugadas com parceiros da cidade, levando estudantes de escolas públicas para assistir ao sarau e ao canto das letras. III – METODOLOGIA: Com uma composição híbrida e dialogando com várias vertentes da arte, Caravana Canto das Letras tem como metodologia a criação de recursos lúdicos para que sejam vencidas as barreiras do “não gostar de ler”. É possível por meio das atividades oferecidas estimular potencialidades e aumentar o sentimento de pertencimento dos participantes à cidade por meio da escrita e da leitura. Partimos da ideia do Teatro Oprimido, de Augusto Boal, que torna todo cidadão um potencial ator e atuante, protagonista no teatro do mundo. Assim, as oficinas, além de compartilhar técnicas, tiveram como base os jogos de potencialização para atores e não-atores de Augusto Boal. A Caminhada Poética foi a primeira forma de colocar esse ator no palco do mundo, rua, e foi fundamental para leva-lo a assumir a ideia do sarau. Todos os textos criados tinham a busca de alusão territorial para que cada participante contasse as suas narrativas. A criação concreta do sarau foi esse espaço de experimentação e de exercício de convivência e integração. Por meio da articulação de oficinas, formação e identificação de líderes e de junção com poder público e sociedade civil, o projeto viabilizou as ferramentas para se criar um sarau, com formato estético desenvolvido pelos artistas visitantes em parceria com os oficineiros Para compor o acervo de 200 livros na ação Livro Galopante, o projeto firmou parcerias com editoras visando, sobretudo, um painel eclético de livros literárias um universo amplo de ficção e não-ficção. Não houve distribuição de obras didáticas, científicas, religiosas e de autoajuda. IV – RESULTADOS: A execução do projeto de circulação literária Caravana Cantos das Letras foi um exercício de aprendizagem e troca para os artistas integrantes do coletivo Criaturas Alaranjadas Cia. de Teatro, os agentes públicos, os participantes das atividades pedagógicas e os espectadores. Sob o mote de estímulo à leitura, vivenciamos um projeto que nos permitiu um intenso sistema de troca de conhecimento. As oficinas trouxeram o entendimento de que era preciso antes de tudo tornar cada um dos integrantes em protagonista. Essa percepção foi imediata pelo perfil de público atraído nas cidades. Com nível superior e integrado à cadeia de formação de jovens (na educação, cultura e assistência social), Essa plateia especial de aprendizes precisava se sentir autônoma para poder se tornar multiplicadora do desejo de ler, de buscar conhecimento. Assim, misturando diversas técnicas, os oficineiros colocaram o participante no centro da criação. O que facilitou a culminância dos saraus, todos originais e movidos pelo pertencimento. Buscamos referências regionais e estimulamos que as narrativas da cidade fossem contadas em histórias originais e criadas coletivamente. Isso ocorreu nas oficinas de escrita criativa, que resgatou, por exemplo, a importância da fantasia e da regionalidade das lendas, e na de contação de histórias, na qual os participantes foram estimulados a contar casos da comunidade. Na oficina de leitura dramática, foi dada a liberdade para que cada participante trouxesse textos afetivos, próprios e de criadores da cidade. Assim, durante uma semana, por meio de jogos de criação e técnicas teatrais para não-atores, como a do sistema do teatro do oprimido, de augusto boal, esse exercício intenso jorrou naturalmente para a confluência dos saraus, batizados pelos coletivos. Esse conceito foi tão forte que o espetáculo canto das letras, que teria uma participação mais fechada entre os integrantes do grupo, foi naturalmente abrindo o palco para os artistas locais. De ilhéus a Itapipoca, a natureza desse programa se alterou para abrigar essa demanda de criadores de cada cidade. Enquanto essa vertente de formação do projeto aprofundou o sentimento de pertencimento desses multiplicadores, o livro galopante e as caminhadas poéticas levaram à população a visibilidade sobre a mensagem de estímulo à Caravana Canto das Letras, que envolveu público superior a cinco mil pessoas nas quatro cidades visitadas.