Anatomia aplicada à reconstrução facial

Propaganda
Anatomia aplicada à reconstrução facial
No plano funcional poderemos distinguir dois sectores ao nível da estrutura cervicofacial.
- O sector craniano e centro-facial dinamizado pelos músculos cutâneos em que, a forte
aderência à derme suprajacente permite a mímica e a expressividade do rosto.
Este sector pode ser dividido em cinco regiões: a região fronto-temporal, as regiões
orbito-palpebrais, a região nasal mediana e a região buco-mentoniana.
- O sector cervico-facial engloba as bochechas e o pescoço. Este sector é revestido na
sua face profunda por um plano músculo-aponevrótico que inclui o SMAS (Sistema
músculo aponevrótico superficial e o platisma.
Estruturas anatómicas
Pele
A pele da face, para além de assegurar uma função de protecção às estruturas que
recobre, desempenha um papel na dinâmica muscular do rosto. A pele está exposta aos
traumatismos, em particular nas zonas mais salientes como a pirâmide nasal, o mento,
as regiões genianas e a fronte. Nestas zonas a pele é mais espessa e resistente.
A pele apresenta uma camada superficial epidérmica que assenta sobre um tecido de
sustentação dérmico onde se encontram os vasos e os nervos cutâneos.
Este revestimento cutâneo facial vai, ao longo da vida, perdendo as suas qualidades
elásticas e vão aparecendo rugas que permitem ao cirurgião dissimular muitas das
cicatrizes. O conhecimento das linhas de tensão cutânea ou linhas de Langer é
indispensável para minimizar as consequências estéticas da cirurgia.
Músculos cutâneos
Os músculos cutâneos são aplanados, finos e mal limitados. O seu desenvolvimento
varia de pessoa para pessoa. Possuem três características comuns principais: todos eles
possuem uma inserção cutânea móvel e uma inserção fixa, seja óssea seja a um
ligamento, uma cartilagem ou uma fascia. Todos eles são inervados pelo nervo facial. A
maior parte deles dispõem-se em torno de orifícios naturais, sendo assim, constritores
ou dilatadores. Em função da sua forma e da sua acção, distinguem-se os músculos
orbiculares, os músculos radiários e os músculos planos ou chatos.
Músculos orbiculares
São músculos circulares, que funcionam como esfíncteres dos principais orifícios da
face permitindo a sua oclusão.
Músculos radiários
São perpendiculares aos anteriores e permitem, seja a abertura dos orifícios (músculos
dilatadores), seja a alteração da forma do orifício.
- Músculos com acção sobre a fenda palpebral. À volta da fenda palpebral, cobertos
pelos músculos orbiculares das pálpebras, encontram-se o músculo corregedor do
supracílio e o músculo abaixador do supracílio. O primeiro termina na pele, na
porção média do supracílio. A sua contracção enruga a porção medial do supracílio. O
segundo termina na pele da porção medial do supracílio, baixando-a.
- Músculos com acção sobre as narinas. À volta das narinas encontram-se, o músculo
abaixador do septo nasal, o músculo nasal, e a porção nasal do músculo elevador da
asa do nariz e do lábio superior.
- Músculos com acção sobre a fenda oral. Distinguem-se os músculos profundos e os
músculos superficiais, cujas fibras se vão interpenetrar com as do músculo orbicular
dos lábios.
Entre os músculos profundos descrevemos o bucinador e o elevador do ângulo da
boca.
Entre os músculos superficiais, referem-se, superficialmente às comissuras labiais, o
músculo elevador da asa do nariz e do lábio superior, o músculo elevador do lábio
superior, e os músculos pequeno e grande zigomático. Profundamente às comissuras
labiais, descrevem-se o músculo, abaixador do ângulo da boca e o músculo
mentoniano.
Músculos extrínsecos do pavilhão auricular. À volta do pavilhão auricular descrevem-se
os músculos extrínsecos, nomeadamente os músculos auricular superior, anterior e
posterior. Estes músculos são residuais na espécie Humana.
Músculos chatos
Neste grupo distinguem-se, o músculo procerus (piramidal do nariz) e o músculo
occipito-frontal, ao nível do couro cabeludo. Este último músculo é um músculo
digástrico, com duas porções carnudas, occipital e frontal, unidas por uma porção
intermédia, aponevrótica, a galea aponevrótica ou aponevrose epicraniana.
Vascularização da face
A irrigação arterial e a drenagem venosa da face é particularmente rica e apresenta
muitas anastomoses.
Vascularização arterial
Baseia-se num sistema principal e superficial formado a partir de ramos da artéria
carótida externa e num sistema profundo, formado a partir de ramos da artéria carótida
interna.
Artéria facial
Este vaso é responsável pela vascularização dos dois terços inferiores da face. Ao longo
do seu trajecto, contorna a face externa da mandíbula e percorre o sulco naso-geniano
até alcançar o canto interno do olho onde se anastomosa com o sistema da carótida
interna através da artéria angular do olho, ramo da artéria oftálmica. Durante o seu
trajecto a facial emite ramos labiais e alares que se anastomosam na linha média com o
sistema arterial contra-lateral.
Artéria temporal superficial
È um dos dois ramos terminais da artéria carótida externa. Percorre a zona adiante do
tragus, após o que ascende verticalmente cruzando a arcada zigomática. A nível
variável, divide-se num ramo anterior ou temporo-frontal e num ramo posterior ou
temporo-parietal.
Dá como ramos colaterais:
- A artéria transversa da face, por baixo da arcada zigomática
- A artéria zigomato-malar, por cima da arcada zigomática e que entra na constituição
do círculo arterial peri-orbitário
- A artéria temporal profunda média, para o músculo temporal
- As artérias auriculares anteriores para o lóbulo, para o tragus e para a raiz do helix
A artéria temporal superficial anastomosa-se com o sistema da artéria carótida interna
através das artérias supra-orbitárias e supra-trocleares. Anastomosa-se ainda com a
artéria carótida externa contra-lateral através das artérias occipital e auricular posterior,
e ainda com a artéria facial ao nível do masseter e da região geniana.
Artéria maxilar
Tem um papel na vascularização da região geniana através da artéria bucal, que se
localiza sobre a face lateral do músculo bucinador, e através da artéria infra-orbitária
que emerge pelo buraco infra-orbitário.
Ramos da artéria oftálmica
A artéria oftálmica, ramo da carótida interna, participa na vascularização da face através
dos seguintes ramos: artéria supra-orbitária, artéria supra-troclear e artéria do dorso
nasal. Estas artérias anastomosam-se entre elas e com a artéria angular da face, ramo
terminal da artéria facial.
Drenagem Venosa
Existem quatro sistemas de drenagem venosa, todos eles ricamente anastomosados entre
si.
- O sistema occipito-auricular posterior e temporal superficial que drenam para a veia
jugular externa
- O sistema da veia facial que drena para a veia jugular interna por intermédio do tronco
tiro-linguo-facial
- O sistema labial inferior termina na veia jugular anterior
Drenagem linfática cervico-facial
Os grupos ganglionares estão organizados em dois sistemas
- Um primeiro localizado num plano horizontal, que se designa por círculo ganglionar
pericervical (Poirier e Cuneo)
- Um segundo sistema, vertical, que ocupa a região Antero-lateral do pescoço e que
assegura a drenagem em direcção à base do pescoço
Círculo ganglionar pericervical
É constituído de cada lado por seis grupos ganglionares, que são, de trás para a frente, o
grupo occipital, o grupo mastoideu, o grupo parotidiano, o grupo submandibular, o
grupo geniano ou facial e o grupo submentoniano.
Colectores linfáticos cervicais e profundos
Após o colar pericervical, a linfa drena para as cadeias ganglionares cervicais
profundas. Estas dividem-se em três grupos principais:
- A cadeia jugular interna ou jugulo-carotídea que é a principal via de drenagem dos
grupos retro auricular, parotidiano, facial, submandibular, e submentoniano. O gânglio
subdigástrico ou gânglio de Küttner é o principal confluente.
- A cadeia do nervo espinhal (acessório espinhal), que drena os grupos occipital e
retroauricular e que se estendo ao longo do ramo externo do nervo espinhal (acessório
espinhal).
- A cadeia cervical transversa que une as cadeias precedentes.
Inervação da face
Inervação motora (nervo facial)
A porção extra craniana do nervo facial divide-se durante o seu trajecto intraparotídeo
para dar os seus ramos terminais. Classicamente descrevem-se dois ramos, o temporofacial e o cevico-facial. Estes dois ramos dividem-se de seguida em cinco ramos que se
destinam aos músculos da mímica, que alcançam pela sua face profunda.
Ramo cervical
Cruza o bordo posterior do ângulo da mandíbula e alcança o músculo platisma pela sua
face profunda.
Ramo lábio-mentoniano
Segue de forma variável o bordo inferior da mandíbula, cruza a face externa da artéria
facial, após o que se torna mais superficial. Existem pelo menos três ramos de divisão
que se dirigem aos músculos pela sua face profunda (músculo mentoniano, músculo
abaixador da comissura labial, músculo depressor do lábio inferior). Destes ramos, o
mais importante é sempre o mais inferior. Estes ramos têm uma distribuição de tipo
terminal pelo que a sua secção implica uma paralisia definitiva.
Ramo bucal
Divide-se num ramo superior que inerva o músculo bucinador pela sua face superficial e
os músculos do lábio superior e do nariz, e um ramo inferior que se destina ao músculo
orbicular dos lábios. Estes dois ramos anastomosam-se entre eles e com o ramo
zigomático formando o plexo geniano.
Ramo zigomático
Vai dar três tipos de ramos, palpebrais superiores, palpebrais inferiores e infra-orbitários
para a inervação dos músculos da fenda palpebral.
Ramo temporo-frontal
Vai cruzar a face superficial da arcada zigomática, após se ter dividido, cerca de um a
dois centímetros adiante do tragus. Localiza-se de seguida na fascia temporo-parietal,
em localização subcutânea. Nesta zona acompanha o trajecto do ramo terminal anterior
da artéria temporal superficial. Inerva o músculo auricular anterior e o ventre frontal do
músculo occipito-frontal.
Inervação sensitiva
A inervação sensitiva da face é assegurada pelos três ramos do nervo trigémio.
- O nervo oftálmico, por intermédio dos nervos supra-orbitário e supra-troclear, para a
região temporo-frontal, pálpebra superior, glabela e dorso nasal.
- O nervo maxilar, por intermédio do nervo infra-orbitário, para a pálpebra inferior, a
asa do nariz, a região geniana e o lábio superior.
- O nervo mandibular, por intermédio do nervo dentário inferior, dá origem ao nervo
mentoniano que emerge do canal dentário pelo orifício mentoniano. Origina ramos
destinados À pele da região geniana, do mento e do lábio inferior.
O nervo grande auricular, que pertence ao plexo cervical superficial, acompanha a veia
jugular externa e percorre a face externa do músculo esterno-cleido-mastoideu e inerva
o lóbulo da orelha, a região retroauricular e uma parte da bochecha adiante do tragus.
Subunidades estéticas da face
A segmentação da face em sub unidades estéticas corresponde a uma necessidade
técnica das artes plásticas em geral e da cirurgia reconstrutiva em particular.
O conhecimento destas sub unidades é absolutamente necessário para permitir
minimizar as alterações estéticas das cicatrizes.
Associadas à ptose dos tegumentos provocada pela gravidade, as rugas de expressão
segmentam a face.
O envelhecimento conduz a uma segmentação estática da face. A perda de elasticidade
da derme e a involução trófica osteo-muscular combinam-se para inverter a relação
entre continente e conteúdo. Forma-se assim um excesso de pele não elástica que
facilita a cobertura das perdas de substância pelos retalhos locais. A pouca tensão das
suturas previne a formação de cicatrizes hipertróficas.
Pelo contrário, no indivíduo jovem, a pele elástica, recentemente expandida pelo
crescimento das estruturas por ela envolvidas, tende a ser suturada sob tensão.
A reflexão da luz, a textura e o brilho da pele, são noções de cosmética, dependentes
desta concepção dinâmica e evolutiva das sub unidades estéticas e constituem um pano
de fundo para a expressividade da face.
O olhar, o articulado dentário, o sorriso, a expressividade dos supracílios são os
elementos mais significativos na função da comunicação.
A cirurgia da face deverá assim, ser, sempre que possível, conservadora da função e
reprodutora da morfologia.
Estudo analítico
Fronte
A sub unidade frontal é caracterizada pela sua homogeneidade em termos de reflexão da
luz, devido à sua convexidade e pela sua altura. As dimensões e a convexidade do
rectângulo frontal são condicionadas pela morfologia geral da caixa craniana, a linha de
implantação capilar, a saliência das arcadas supraciliares e pela pneumatização dos seios
frontais.
O envelhecimento da fronte é condicionado pelo aparecimento de rugas permanentes
horizontais, ligadas À contracção do músculo frontal, antagonista do músculo orbicular
das pálpebras. Na linha média estas linhas entrecruzam-se com as rugas provocadas pela
contracção do músculo corregedor do supracílio. A contracção e a retracção do músculo
frontal tendem a reduzir a altura frontal aparente. Este efeito é no entanto
contrabalançado pela ptose das sobrancelhas e pelo recuo da linha de implantação
capilar. Assim a fronte perde, com o avançar da idade, a sua homogeneidade.
No sentido transversal, a sub unidade temporal é limitada adiante pela línea temporalis,
em baixo pela arcada zigomática, em cima e atrás pela linha de inserção capilar. Uma
esqueletização da fossa temporal e o recuo da linha de implantação capilar contribuem
para a autonomização desta subunidade funcional com ao avançar da idade. Esta
subunidade é cruzada pela artéria temporal superficial, visível particularmente no idoso.
Subunidade estética nasal
A pirâmide nasal representa a subunidade estética facial mais complexa, por ser uma
unidade tridimensional, e devido à sua heterogeneidade morfo-anatómica.
As sub unidades nasais são baseadas na reflexão da luz e deverão, na medida do
possível, ser reconstruídas no seu conjunto. A textura da derme, diferente em cada sub
unidade nasal, condiciona a especificidade morfológica de cada uma delas. O dorso
nasal é recoberto por uma pele fina que fica em tensão pela presença de uma cifose da
aresta da pirâmide nasal. Na raiz da pirâmide nasal existe um excesso de pele espessa
que constitui uma reserva que permite cobrir perdas de substância. A ponta do nariz é
coberta por pele espessa rica em glândulas sebáceas.
A definição morfológica da ponta nasal é a resultante da inter relação entre as crus
laterais das cartilagens alares e a pele. A infraponta nasal é caracterizada por uma
junção entre as crus mediais e intermédias das cartilagens alares e o revestimento
cutâneo. A columela é a zona mais difícil de reproduzir, tanto funcional como
morfologicamente.
Subunidade infraorbitária
È constituída pelo conjunto da gordura que ocupa o interior da bochecha, recoberto por
uma pele espessa, praticamente sem folículos pilosos, laxa, e que recobre um platisma
deiscente e os múscuos zigomáticos.
Com o avançar da idade a ptose desta subunidade faz aparecer o rebordo orbitário
inferior, ósseo, em cima e aprofunda o sulco naso-geniano em baixo, definindo assim
uma segmentação vertical do andar médio da face em três zonas, que de cima para baixo
são: a unidade palpebral inferior, a zona da gordura jugal, o filtrum lateral.
Sub unidade lábio e filtrum
Embora constituída por revestimentos cutâneos com características diferentes, esta
unidade é determinada pelos músculos orbiculares dos lábios que lhe dão a sua
mobilidade e a elasticidade peri-oral. Estas características permitem que se possam fazer
excisão de quantidade significativa de lábio e que se proceda ao encerramento directo,
sem tensão excessiva.
A involução desta subunidade é caracterizada pelo aparecimento de rugas radiárias
devido à retrusão sagital secundária e à reabsorção das cristas alveolares dentárias.
Mento
Esta subunidade, também designada como, mento/ângulo cervico-mentoniano é
determinada essencialmente pela projecção mandibular.
A ptose involutiva do platisma, associada à sua retracção, abre o ângulo cervicomentoniano.
Subunidade malar (zigomática)
Esta subunidade é caracterizada por uma relativa inércia dinâmica. Tem um volume
muito variável segundo as etnias. A involução desta zona é caracterizada por uma
reabsorção óssea e por um apagamento da convexidade malar, ligada a uma ptose do
músculo orbicular das pálpebras, constituindo as fossetas malares.
Subunidade subzigomática e prémandibular
Representa uma superfície plana que tem um papel secundário na mímica. A sua ptose
involutiva é responsável pela esqueletização do relevo zigomático. Nos indivíduos que
tenham uma hipertrofia parotidiana ou um excesso de gordura nesta zona apresentam
um rosto com aspecto piriforme.
Mascara facial
Esta subunidade é constituída pelos anexos oculares e as sobrancelhas que são
responsáveis pela maior expressividade da mímica facial. O envelhecimento desta área é
caracterizado por uma esqueletização da órbita. Associa-se ainda uma blefarocalasis,
uma ptose da unidade palpebral inferior, provocando uma exposição da esclerótica. O
envelhecimento do supracílio é caracterizado por uma queda dos pelos da cauda (porção
lateral) das sobrancelhas.
Download