PRESS RELEASE Cientistas descobrem que a extinção das aves pode afetar a evolução das plantas Um grupo de cientistas da UNESP (Universidade Estadual Paulista), USP (Universidade de São Paulo), UFG (Universidade Federal de Goiás) e pesquisadores da Espanha e México acabam de publicar um artigo na revista Science mostrando que a extinção local das aves pode influenciar a evolução das plantas. Há algum tempo se sabe que as aves possuem um papel importante para as plantas, seja polinizando suas flores ou comendo os frutos e dispersando as suas sementes. A extinção das aves pode, portanto, ter efeitos sobre a ecologia das plantas que dependem de aves para se reproduzirem. Porém, nunca havia sido demonstrado que a extinção das aves grandes pelo homem, como os tucanos, pode mudar a evolução das plantas. O grupo de pesquisadores estudou detalhadamente a ecologia da palmeira conhecida como palmito juçara (Euterpe edulis) em 22 áreas na Mata Atlântica. O palmito juçara é bem conhecido por produzir o palmito, muito consumido na culinária brasileira e por isso hoje ameaçado de extinção. Na Mata Atlântica, o juçara é uma importante fonte alimentar para mais de 50 espécies de aves, como papagaios, sabiás, jacús, arapongas e tucanos. Os pesquisadores notaram que em locais onde os tucanos haviam sido extintos há mais de 50 anos pela caça ou desmatamento, as palmeiras juçaras produziam frutos pequenos, enquanto em florestas conservadas e com tucanos as palmeiras possuíam frutos de tamanhos mais variados, apresentando desde frutos pequenos a grandes. “Muitas aves grandes que consomem frutos são caçadas ou não sobrevivem ao desmatamento e a redução da floresta” relata o doutor Mauro Galetti, o coordenador da pesquisa. Por meio de análises genéticas e ecológicas os pesquisadores encontraram que, em locais onde as aves grandes foram extintas pelo homem, somente as aves pequenas como os sabiás dispersam as sementes da juçara. Como os sabiás possuem boca pequena, eles não conseguem comer e dispersar os frutos grandes que caem embaixo da palmeira e não geram novas plantas. Dessa forma, na ausência de aves grandes, apenas as sementes pequenas acabam gerando novas plantas e ao longo do tempo apenas sementes pequenas serão encontradas na natureza. “As pessoas acreditavam que a seleção natural demonstrada por Charles Darwin há mais de 100 anos atrás levava anos para ocorrer, mas nossos dados mostram que o impacto humano, causando a extinção de aves grandes, seja por caça ou desmatamento, seleciona rapidamente as plantas com sementes pequenas” explica Galetti. A redução no tamanho das sementes nas populações de plantas pode trazer conseqüências negativas para as plantas, pois sementes pequenas sofrem maior mortalidade devido ao dessecamento. “Como as previsões climáticas futuras sugerem períodos mais secos e mais severos em decorrência das mudanças climáticas, as sementes pequenas provavelmente não germinarão” completa Galetti. “Esse trabalho mostra que a integridade da floresta é importante para manter os grandes dispersores de sementes. Os tucanos são importantíssimos para as plantas, porque além deles dispersarem muitas sementes, eles estão entre as poucas aves que comem sementes grandes. Com a extinção dessas aves, muitas espécies de plantas podem estar sofrendo a mesma coisa do palmito juçara” explica Mauro Galetti, docente do Departamento de Ecologia da UNESP. Seleção Natural Rápida: As aves pequenas como os sabías não conseguem engolir e dispersar sementes grandes (como o sabiá-una). Já as aves grandes, como os araçaris e tucanos, desempenham um papel importante na dispersão de sementes das plantas, principalmente das sementes grandes. Florestas sem tucanos tendem a perder sementes grandes com o tempo. Sementes pequenas são mais vulneráveis do dessecamento e podem não resistir a mudanças climáticas previstas pelos cientistas. ^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^ Functional Extinction of Birds Drives Rapid Evolutionary Changes in Seed Size. O que vocês descobriram? Quando falamos de biodiversidade, nos referimos normalmente ao número de espécies que podemos encontrar em uma área determinada. No entanto, estas espécies tem funções ecológicas que são fundamentais para o funcionamento do ecossistema. Se as espécies são extintas, é perdido também o papel ecológico que elas desempenham, e esta é uma forma de extinção que passa despercebida. Nós documentamos os efeitos da extinção funcional de grandes animais frugívoros na Mata Atlântica do Sudeste do Brasil, um dos “hotspots” de biodiversidade do planeta e também um dos mais ameaçados. Nossos resultados mostraram que a perda de grandes aves frugívoras, como tucanos e arapongas, acarreta na redução do tamanho das sementes de uma palmeira endêmica, que é uma espécie chave nas florestas Atlântica. Nós estudamos 22 populações desta palmeira ao longo da costa sudeste do Brasil. Nas áreas defaunadas, que persistem como fragmentos desde muitas décadas, os tamanhos das sementes são consistentemente menores que os das áreas bem conservadas, e isso tem consequências negativas para a regeneração florestal. O menor tamanho das sementes nos fragmentos não é explicado por outras variações ambientais ou geográficas, e é apenas atribuído a defaunação. Por que isso é importante? Nosso estudo é um experimento natural conduzido em áreas fragmentadas. A fragmentação mais intensiva da Mata Atlântica iniciou em 1800 com o desenvolvimento dos cultivos de café, cana-de-açúcar e exploração madeireira. Atualmente restam apenas 12% da cobertura original do bioma, e mais de 80% dos remanescentes florestais são pequenos demais para manterem grandes aves frugívoras. Nesses fragmentos não sobrevivem os grandes animais frugívoros, como antas, macacos, tucanos, pavós, arapongas, etc. Nosso estudo mostra que a extinção de animais tem provocado mudanças evolutivas muito rápidas nas características da planta (tamanho da semente), que é muito importante para sua regeneração natural. Sementes de tamanho pequeno implicam em mais perdas nas etapas tardias da demografia das palmeiras e maiores perda por dessecação, com a qual pode resultar no menor potencial da resposta evolutiva às mudanças climáticas. Qual método foi utilizado? Nós combinamos uma série de técnicas de diferentes disciplinas, que incluem: estudos em campo com amostragem de um grande número de palmeiras nas 22 populações estudadas; censos e observações de animais frugívoros- tanto direta como com câmeras automáticas- e experimentos de campo com germinação de sementes e estudo das plântulas. Além disso, usamos marcadores genéticos de DNA com as palmeiras para estimar o fluxo gênico e isolamento, modelos de genética quantitativa para estimar a intensidade da seleção sobre os traços das sementes, e modelos teóricos de coalescência, para inferir o tempo de isolamento das populações. Isso foi combinado com análises estatísticas que incorporaram as variáveis climáticas e ambientais das áreas estudadas. Quais são as implicações? Nosso trabalho apontou uma das únicas evidências de que a mudança evolutiva pode acontecer em populações naturais em tempo curto, como consequências diretas das mudanças induzidas por ação humana. No nosso caso, a perda de hábitat e a defaunação na Mata Atlantica tem causado extinção funcional de várias espécies de grandes animais frugívoros. Essas espécies mantêm uma interação ecológica de mutualismo com as plantas, já que usam seus frutos para sua alimentação e dispersam as sementes, garantindo a regeneração natural da floresta. Infelizmente, os efeitos que documentamos no nosso trabalho não refletem uma situação isolada. O rápido avanço da defaunação de grandes vertebrados está causando, muito provavelmente, mudanças sem precedentes nas trajetórias evolutivas e na composição de muitas áreas tropicais. Quais conclusões gerais foram retiradas? A perda de hábitat e a extinção de espécies por ação do homem acarretou mudanças drásticas na composição e estrutura dos ecossistemas. Isso leva a perda de funções chave nos ecossistemas que podem determinar mudanças evolutivas muito mais rápidas do que prevíamos. Nosso trabalho ressalta a importância de identificar funções chave e poder diagnosticar rapidamente situações de colapso funcional dos ecossistemas. 1 Mauro Galetti, Roger Guevara, Marina C. Côrtes, Rodrigo Fadini, Sandro Von Matter, Abraão B. Leite, Fábio Labecca, Thiago Ribeiro, Carolina S. Carvalho, Rosane G. Collevatti, Mathias M. Pires, Paulo R. Guimarães Jr., Pedro H. Brancalion, Milton C. Ribeiro, and Pedro Jordano. 2013. Functional Extinction of Birds Drives Rapid Evolutionary Changes in Seed Size. Science. DOI: ***.