O SIGNIFICADO ATRIBUÍDO AO ENSINO MÉDIO1 POR ALUNOS DO 3O ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA PERIFERIA DE SÃO PAULO Rafael Conde Barbosa1, Vera Maria Nigro de Souza Placco1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil) [email protected], [email protected] 1 Resumo Este trabalho é um desdobramento de uma pesquisa de mestrado que buscou verificar qual o significado que o jovem atribui ao ensino médio. Adotando como foco uma escola pública da periferia de São Paulo e as relações entre o ensino médio e o jovem que a frequenta aplicou-se um questionário para 117 alunos dos períodos matutino e noturno do 3o ano do ensino médio. Considerando a indefinição a que este nível de ensino está exposto é importante que se conheça, do ponto de vista de seu publico, qual o valor desta instituição pública para eles pensando na elaboração de um projeto de vida. Dar voz ao aluno que a frequenta é buscar pistas para compreender esta relação e também pensar estratégias de ensino que tenham relação com as reais necessidades dos jovens. Para analisar as falas do alunos foram utilizados estudos da Fundação Perseu Abramo (2008), Sposito (2008), Fundação Victor Civita (2009) e autores contemporâneos que estudam aspectos ligados a juventude e a escola pública. Para os jovens desta pesquisa a escola, especificamente o ensino médio, figura como um espaço de convivência, troca de experiências, local de aprendizagem. Porém eles indicam a desvinculação do ensino as reais necessidades que encontram no seu cotidiano, despreparo dos docentes para abordar temas da atualidade e principalmente falta de diálogo entre os atores que atuam no espaço escolar, especificamente entre alunos e professores. Palavras-chave: ensino médio, juventude, educação básica. Abstract Interviewing high school students in a public school of São Paulo, we could verify the meanings these students attribute to Elementary and High School. All students of a São Paulo public High School Third Year were interviewed and Education Official documents were analyzed. Official legislation says that High School must prepare students for University and future entry into the labor market. At the vocational course, in turn, is given the specific task of preparing for labor market. Finding a job appears as one of the concerns of these young people finishing high school and those students, recognizing the precarious education received at school, seek other places for training. Considering the apparent lack of articulation between official legislation and the current reality, the students see in work and in other educational spaces, the possibility to supplement the education received at school and opportunities to obtain professional qualifications to provide access to the labor market. Keywords: High School, Young People, Work 1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa com jovens alunos do Ensino Médio é decorrente de uma pesquisa realizada na minha graduação em Pedagogia no ano de 2008 com alunos participantes de cursos profissionalizantes em ONGs (Organização não governamental). Naquele momento procurei conhecer qual o significado que os jovens atribuíam a esses cursos. Os alunos tinham idade entre 15 e 17 anos e pude identificar, com as seis entrevistas realizadas em duas ONGs, que para estes jovens o curso lhes proporcionaria as condições necessárias para a disputa de uma vaga no mercado de trabalho. No mestrado tive como objetivo identificar o significado atribuído à Escola e ao Ensino Médio por alunos de uma escola da periferia da zona sul do município de São Paulo que cursam o terceiro ano do Ensino Médio – última etapa da Educação Básica. Buscou-se identificar como os jovens elaboram seus projetos de vida, relacionando a educação recebida às exigências impostas pelo mercado de trabalho e demais práticas cotidianas. Como é comum que alguns alunos, mesmo estando na Educação Básica tenham mais de 18 anos, e nesta pesquisa alguns participantes têm mais de 21 anos, optou-se por usar o termo jovem e não adolescente. Esta escolha deveu-se ao fato de que de acordo com o E.C.A. (Estatuto da Criança e do Adolescente) adolescente é todo sujeito entre 12 e 18 anos completos (ECA, 2008). Após definir quem seriam os sujeitos da pesquisa, verificou-se que a literatura atual apresenta dados que indicam a falta de articulação entre o modo como a escola prepara suas ações para o jovem e como este se relaciona com o espaço escolar, não valorizando seus projetos de vida e consequentemente não adequando seu currículo as necessidades indicadas por seus alunos. Estudos realizados com jovens do terceiro ano do Ensino Médio indicam que os jovens, muitas vezes, identificam-se mais com o aprendizado oferecido por meio do trabalho do que com o recebido na escola (SOUZA, 2003). A escolha por alunos do Ensino Médio foi proposital. Considerando que, somente no ano de 2009, este nível de ensino se integra oficialmente à Educação Básica, a grande maioria dos brasileiros que concluiu o Ensino Médio, até a presente data (2009), passou três anos por uma etapa escolar que, de certa forma, desconhecia as reais necessidades de seu público. Até o ano de 2008, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) tinha, em sua redação, no Título III, Artigo 4o: “O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: inciso II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio”. Esta redação, no ano de 2009, foi alterada para “II – universalização do ensino médio gratuito. Redação dada pela Lei no 12.061, de 2009”, o que quer dizer que, agora, o Ensino Médio deve ser universalizado e gratuito a todos (LDB nº 9.394, 2010). Como é comum a ideia de que leis alteram a realidade como num passe de mágica. Agora já não se trata mais de discutir a obrigatoriedade e universalização deste nível de ensino e o problema além de não estar resolvido, está longe de obter/construir consenso sobre a especificidade do Ensino Médio. Considerando que a dualidade, preparar para o mercado de trabalho ou para o ingresso no ensino superior, não é resolvida, e muito menos há clareza sobre a quem a escola serve, é válido dizer que não se pode homogeneizar o que não é homogêneo. Os alunos possuem diferentes necessidades e provem de realidades particulares. Antes de leis que surgem como salvadoras, os profissionais da educação deveriam conhecer de fato os sujeitos com os quais interagem e buscar pistas, nas falas daqueles que dialogam da forma que sabem (muitas vezes de forma violenta), e este movimento nem sempre é bem interpretado ou tido como correto pelos adultos que julgam apenas as suas atitudes como corretas e dignas de serem aprendidas. 2. ENSINO MÉDIO E JUVENTUDE Esta pesquisa investigou as relações estabelecidas pelos jovens com a instituição escolar e com o mercado de trabalho, em diálogo com as pesquisas desenvolvidas por SPOSITO (2005) e BRANCO (2005). Estes autores ofereceram contribuições para a compreensão do significado atribuído pelos jovens à escola, de modo a estabelecer comparações entre a visão do jovem adolescente, participante desta pesquisa, e dados da literatura. A análise dos dados toma como fundamentos um conjunto de trabalhos que se concentraram nas questões concernentes à constituição do Ensino Médio e as relações que os jovens mantêm com a escola e com outros espaços sociais. Pensando a relação do jovem com a escola/Ensino Médio Kuenzer (2009) afirma que para os jovens da periferia, a educação teria por objetivo prepará-los para o trabalho, sendo necessário, para tanto, que eles conseguissem ler, contar e escrever. Em momento algum se desejava que estes jovens tivessem muita instrução, uma vez que isto poderia levá-los à revolta com a sua condição social. Diversos autores iluminaram o estudo e a análise da influência das políticas públicas educacionais na preparação dos estudantes para o ingresso no mercado de trabalho. Acácia Kuenzer (2009) indicou a necessidade de se pensarem propostas para o Ensino Médio que se articulem com a vida dos jovens trabalhadores oriundos das periferias, propondo que os jovens tenham direito a fazer suas escolhas e que estas não tenham como critério, e condição única, a origem social. Observar como os jovens se relacionam com a escola atual – que, de certa forma, age como se ele fosse o mesmo de quarenta anos atrás – possibilita a elaboração de um currículo adequado as necessidades de seus alunos e entender o jovem como alguém imaturo e irresponsável é deixar de dar voz a alguém que normalmente já não tem voz ativa para dizer o que pensa. Documentos oficiais como, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, o P.D.E. (Plano de Desenvolvimento da Educação) (2010) e textos elaborados por especialistas indicam que o Ensino Médio deve preparar o jovem para o mercado de trabalho e permitir a sua continuidade nos estudos em nível superior. Mesmo reconhecendo a função conferida ao Ensino Médio, Kuenzer (2009) indica que o maior desafio a ser enfrentado pelo Ensino Médio é conseguir articular de maneira eficiente estas duas dimensões: continuidade dos estudos e ingresso no mercado de trabalho. Para Souza (2003), a leitura de documentos oficiais, como o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que versam sobre as diretrizes a serem seguidas nas escolas de todo o País, indicam que os objetivos declarados nos documentos nem sempre coincidem com as reais necessidades dos jovens e, além disso, as Leis não têm o efeito de alterar e produzir automaticamente uma realidade. Kuenzer (2009), assim como Souza (2003), indica que a educação de nível médio, além de não ser acessível a todos e não preparar o jovem das camadas populares para o prosseguimento do estudo em nível superior, somente será eficaz ao proporcionar a todos uma participação social e política. Outro problema do Ensino Médio é a sua democratização, independentemente de classe social. Para Kuenzer (2009) faz-se necessário pensar a escola pública do ponto de vista das necessidades daqueles que vivem do trabalho, no caso desta pesquisa os jovens oriundos da periferia do município de São Paulo. Pensando no sujeito que frequenta o Ensino Médio, jovem/adolescente, é importante que se compreenda a adolescência como uma construção social (AGUIAR, BOCK & OZELLA, 2001), e que esta figura como fase de transição entre a infância e a vida adulta. A Psicologia da Educação ofereceu contribuições para a compreensão do significado atribuído pelos jovens à escola, de modo a estabelecer comparações entre a visão do adolescente, participante desta pesquisa, e dados da literatura. A análise dos dados tomou como fundamentos um conjunto de trabalhos que se concentraram nas questões concernentes à constituição do Ensino Médio e as relações que os jovens mantêm com a escola e com outros espaços sociais. 3. METODOLOGIA A escola na qual foi aplicado o questionário situa-se na periferia da zona sul do município de São Paulo e possui sete turmas de terceiros anos do Ensino Médio, sendo que duas turmas eram do período matutino e cinco do período noturno. A decisão de aplicar o questionário aos estudantes desta escola, que foi denominada escola “Sul 1”, foi determinada com base nos seguintes critérios: possuir, a escola, o ensino de nível médio, público e regular; haver facilidade de acesso, por parte do pesquisador, aos gestores e o consentimento dos mesmos para a realização da pesquisa; estar a escola localizada em um bairro de periferia; haver a possibilidade de ter uma conversa prévia com os alunos para verificar se eles gostariam de participar, espontaneamente, da pesquisa. Participaram da pesquisa 49 alunos do período matutino e 68 do período noturno, na faixa etária de 15 a 52 anos (duas alunas, uma com 36 e a outra com 52 anos, estavam matriculadas no ensino médio regular. Não figurou como objetivo compreender o movimento que possibilitou o ingresso no ensino regular da Educação Básica e a razão ou razões que não as conduziram para a Educação de Jovens e Adultos - E.J.A.). O critério para participação da pesquisa era a de que o jovem fosse aluno regular do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública. Para conhecer o significado atribuído à Escola e ao Ensino Médio o instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário composto por 21 questões, seis perguntas abertas e 15 fechadas. As perguntas fechadas buscaram verificar a faixa etária dos estudantes, o número de pessoas com as quais residem, a renda familiar e a situação atual de trabalho. As perguntas abertas, por sua vez, giraram em torno da relação do jovem com a escola e o Ensino Médio, do significado atribuído ao trabalho e aos cursos profissionalizantes, das expectativas em relação ao futuro (após a conclusão do Ensino Médio). Após o preenchimento dos questionários, os dados foram organizados do seguinte modo para proceder com a análise de conteúdo: inicialmente foram agrupados por sala e separados por período, em seguida as respostas foram digitadas em uma planilha eletrônica, tendo sido atribuído a cada estudante um nome fictício. As respostas foram lidas, buscando-se as semelhanças e diferenças entre os referidos períodos. Verificadas as diferenças e semelhanças nas respostas, elaboraram-se os seguintes eixos orientadores da pesquisa: ESCOLA/ENSINO MÉDIO, TRABALHO E CURSO PROFISSIONALIZANTE. 4. RESULTADOS DA PESQUISA Tomando como referência o sujeito que fala nesta pesquisa, o jovem estudante do Ensino Médio, é interessante que se diga que a sociedade atribui um valor positivo ao encerramento da formação básica e os jovens, prestes a ingressar no mercado de trabalho, percebem a necessidade de concluir o Ensino Médio para que possam estar capacitados para a realização de algumas atividades profissionais. Entre os 117 alunos participantes desta pesquisa, no período matutino dos 49 jovens, 14 exerciam algum tipo de atividade remunerada e no período noturno dos 68 alunos, 42 estavam trabalhando. Como todos os jovens, trabalhadores ou não, possuem em comum o fato de serem estudantes, Bettiol (2009) afirma que não é comum que se questione a função do Ensino Fundamental I e que ao Ensino Médio sejam conferidas duas atribuições distintas, preparação para o trabalho e continuação dos estudos em nível superior. Portanto, o Ensino Médio deve desenvolver competências que possibilitem a socialização do conhecimento visando o ingresso deste jovem no mercado de trabalho e a sua vivência em outros espaços sociais. Identificou-se que para alguns jovens o Ensino Médio figura como etapa obrigatória, porém necessária para se estar de acordo com o que a sociedade exige e para conseguir alcançar outros objetivos como, por exemplo, ingressar na faculdade. A partir das falas dos alunos, verificou-se que o ingresso no mercado de trabalho aparece como uma das preocupações centrais para os jovens que concluem o Ensino Médio. Para os alunos e alunas participantes desta pesquisa, o trabalho figura como possibilidade de alcançar um futuro melhor, auxiliar os pais com as despesas domésticas e adquirir os bens materiais (roupas, equipamentos eletrônicos) e serviços (frequentar cinema, barzinho) que consideram importantes e aos quais atribuem um valor positivo. O jovem, ao contrário da imagem estereotipada construída pelo senso comum demonstra conhecer seus deveres e responsabilidades, explicitando, por exemplo, que sabe o que pode fazer para auxiliar seus familiares e para alcançar conquistas pessoais. Estes jovens na medida em que reconhecem a precariedade do ensino recebido buscam outros espaços de formação – cursos profissionalizantes. Os jovens destacam que veem no curso profissionalizante possibilidades de ascensão social e econômica e que esperam obter uma ampliação das oportunidades de inserção no mercado de trabalho, bem como aceitação e reconhecimento da sociedade, melhoria das condições de vida, crescimento profissional e ampliação dos horizontes pessoais. Como na sua grande maioria estes jovens são oriundos das classes mais pauperizadas da sociedade, Kuenzer (2009) indica que eles se veem obrigados a usufruir uma educação fragmentada e desvinculada das suas necessidades reais e imediatas. Esta autora afirma ainda que para as empresas basta que a escola ofereça uma educação que permita ao jovem adquirir um conhecimento que o permita ler, contar e escrever. Mesmo que a escola, aparentemente, não ofereça condições para que esse jovem estudante do Ensino Médio da rede pública lute por melhores ocupações no mercado de trabalho, estes alunos indicam que fora a necessidade de trabalhar para conseguir melhores condições de vida, o espaço do trabalho figura como um local de aprendizagem, assim como a escola e os cursos profissionalizantes. Alguns alunos (12) e alunas (10), trabalhadores, dos períodos matutino e noturno, afirmam que o trabalho é um espaço que além de conhecimento e renda faz com que eles se sintam com mais responsabilidade. As falas destes jovens revelam que os espaços de formação vão além do ambiente escolar, local tido como privilegiado para ensiná-los um repertório que lhes possibilite continuar os estudos em nível superior e ingressar no mercado de trabalho. Dos 117 alunos participantes da pesquisa, 88 alunos ao concluírem o Ensino Médio desejam continuar estudando e 71 alunos ao concluírem o curso profissionalizante desejam um ingresso imediato no mercado de trabalho, não necessariamente eles indicam que pretendem realizar as duas atividades simultaneamente, porém reconhecem que para continuarem estudando precisarão pagar e indicam que o dinheiro para a execução de tal projeto virá do seu próprio trabalho. O trabalho bem como os cursos profissionalizantes são vistos como espaços que oferecem habilidades e competências não oferecidos pela escola. Esse resultado nos leva a pensar que, para o jovem, a escola é reconhecida como um espaço que tem como principal função a preparação para o prosseguimento dos estudos em nível superior ou em cursos técnicos e profissionalizantes. Ao curso profissionalizante, por sua vez, é conferida a função específica de preparação para o mercado de trabalho. O trabalho foi indicado pelos jovens participantes da pesquisa como forma de garantir renda para auxiliar sua família, adquirir os bens que desejam e ingressar no ensino superior da rede privada. Estes alunos da rede pública reconhecem que o ensino oferecido pela escola na Educação Básica é insuficiente para prepará-los para o ingresso no mercado de trabalho ou no ensino superior. Quando se referem especificamente a escola, eles indicam que a instituição escolar figura como um espaço importante e necessário para a construção de um futuro melhor. Reconhecem a escola como um espaço que possibilita a convivência entre diferentes pessoas e interesses e isso figura como forma de aprendizagem quando tem que aprender a negociar seus interesses com os outros, sejam esses outros professores ou colegas. Estes alunos, contrariando o senso comum que afirma serem os jovens pessoas despreocupadas e alheias dos problemas que os cercam, demonstram consciência das dificuldades vividas na escola e explicitam suas preocupações quando dizem que esperam que o modo como os conteúdos são trabalhados pelos professores seja modificado. Para esses jovens é necessário que exista um diálogo entre a escola e outros espaços sociais entre eles o mercado de trabalho. Figura como função da escola a preparação do jovem para sua futura inserção no mercado de trabalho. Pereira (2003) e Kuenzer (1991) afirmam que a escola deveria transmitir uma base de conhecimentos gerais e valores que permitissem ao jovem compreender o mundo no qual ele está inserido. Kuenzer (1991) indica que causa estranheza que a escola, especificamente o Ensino Médio se atribua como função preparar o jovem para o mercado de trabalho. Ela questiona como a escola pode preparar o jovem para o mundo do trabalho se, esta instituição, demonstra desconhecer as necessidades deste público. Esta autora explica que as empresas não dependem da escola para compor seus quadros. Espera-se que este jovem saiba contar, ler e escrever e o resto da aprendizagem o mercado de trabalho fará, adequando o futuro trabalhador as suas necessidades. Como forma de preparação e complementação a educação recebida na escola, os jovens que possuem melhores condições financeiras, após a conclusão da Educação Básica, buscam cursinhos para se prepararem para o vestibular, ou cursos profissionalizantes para adquirirem habilidades, de escrita e comunicação oral, não ensinadas satisfatoriamente pela escola (FUNDAÇÃO VICTOR CIVITA, 2009). Mesmo que para as empresas a escola não precise se preocupar em preparar o jovem para ocupar uma posição no mercado de trabalho, para os alunos participantes desta pesquisa, poder concluir o Ensino Médio facilita a aquisição de um emprego. O término do Ensino Médio confere um certo status aqueles que conseguiram concluí-lo. O fato deste grau de ensino ser gratuito, e desde 2009 obrigatório, é, ou deveria ser, a garantia para muitos jovens de que esta é uma etapa que pode ser concluída diferente do ensino superior que, para muitos jovens da rede pública de ensino, será realizado na rede privada. 5. CONSIDERAÇÕES GERAIS Procurar dar voz ao estudante do Ensino Médio da rede pública da periferia do município de São Paulo foi proposital, dado que são poucos os estudos que procuram identificar os significados atribuídos a Escola e ao Ensino Médio. Como está explicitado nos documentos oficiais, L.D.B. 9394/96 e o P.D.E. - 2007 (2010), que compete ao Ensino Médio a preparação do estudante para o ingresso no mercado de trabalho e a continuação dos estudos em nível superior, a fala dos estudantes indica que a Escola/Ensino Médio é um local de aprendizagem e espaço de convívio com outros jovens. Merece destaque o pouco valor atribuído, pelos profissionais da educação, as relações que os jovens estabelecem com seus colegas. Fica a dúvida se esta relação não poderia ser melhor aproveitada pelos docentes, pensando-se no desenvolvimento de habilidades que demandam parceria e estímulo para um trabalho mais colaborativo e menos competitivo. Para os alunos desta pesquisa a escola deve oferecer um conteúdo que esteja vinculado as suas reais necessidades e que permita o prosseguimento dos estudos, seja em um curso técnico ou no ensino superior. Estes estudantes, da rede pública, indicam que o conteúdo oferecido não possibilita o ingresso em instituições de ensino superior públicas. Ao constatarem essa deficiência, eles afirmam que para continuar estudando terão que ingressar primeiramente no mercado de trabalho pois, seus pais ou responsáveis, não poderão arcar com os custos do ensino na rede privada. Pela fala dos estudantes participantes desta pesquisa identificou-se que a escola não oferece um conteúdo vinculado as necessidades dos jovens e, que ela tão pouco parece conhecer as exigências do mercado de trabalho e, no entanto, ela se atribui a função de preparar os seus alunos para o ingresso no mercado de trabalho. Para atenderem as imposições que eles, estudantes, identificam para o ingresso no mercado de trabalho, os jovens buscam outros espaços de formação como por exemplo, os cursos profissionalizantes. A educação que se espera que a escola ofereça aos jovens é aquela na qual, uma base sólida de educação geral permitirá que se desenvolva um sujeito consciente e ativo dentro do processo produtivo. Deseja-se que esse novo(a) aluno(a)/trabalhador(a) seja capaz de dar respostas rápidas e originais para os problemas que venham a se interpor entre ele e os seus objetivos, destacando-se, por exemplo, o desejo de um melhor posicionamento profissional (KUENZER, 2009). De acordo com o parecer 15/98 do C.N.E. (Conselho Nacional de Educação), espera-se que a educação, especialmente a de nível médio, venha contribuir para a aprendizagem de competências gerais, possibilitando a formação de pessoas mais autônomas em suas escolhas e, consequentemente, mais preparadas para lidar com as constantes transformações que se operam todos os dias no mercado de trabalho. Essa educação deve ser pensada, considerando-se uma superação social e uma mudança no interior da escola que, aparentemente, age como segregadora entre aqueles que terão acesso a um ensino propedêutico e, consequentemente, serão formados para dar prosseguimento aos estudos em nível superior e aqueles que receberão uma educação básica, com vista à rápida e direta inserção no mercado de trabalho. A busca de outros espaços de formação como, por exemplo, os cursos profissionalizantes é justificada, muitas vezes, pela necessidade de qualificação profissional por meio do aprendizado de conteúdos não contemplados pelo currículo escolar. Os jovens, ao conferirem aos cursos profissionalizantes a função específica de qualificação para o mercado de trabalho, parecem indicar que a escola/Ensino Médio possui uma função particular, diferente daquela que está prevista nos documentos oficiais, nos quais se afirma que a escola deve preparar para o prosseguimento dos estudos em nível superior e para o ingresso no mercado de trabalho. Para estes alunos, trabalhadores ou não, o fato de terem realizado um curso profissionalizante os destaca de outros candidatos no momento de uma entrevista em um processo seletivo. Seria interessante que se pensasse qual o efeito da articulação entre a educação propedêutica oferecida pela escola pública e a educação profissionalizante, ainda mais em um momento como o que vive a cidade de São Paulo, quando foi aprovada a Resolução S.E. (Secretária da Educação) no.47, de 12 de Julho de 2011, que promove a unificação do Ensino Médio com os Cursos Profissionalizantes para os estudantes da rede pública (é importante ressaltar que essa unificação não é algo oferecido a todos os estudantes). A busca por uma inserção no mercado de trabalho é algo que está atrelado à sua história de vida e este jovem fará suas escolhas buscando atender às suas necessidades e às de sua família, uma vez que as decisões que vier a tomar estarão atreladas às suas condições socioeconômicas. Verifica-se que algumas dificuldades, como, por exemplo, ingressar no mercado de trabalho, estão presentes na vida de alunos de outros países da América Latina. Uma pesquisa realizada por Fanfani (2010), no Ensino Médio de escolas argentinas, nos mostra que ali, também, as ações dos jovens são orientadas em função das necessidades presentes no seu cotidiano. O jovem das camadas mais empobrecidas não possui um futuro pré-definido, como os jovens das classes mais abastadas da sociedade, e o trabalho, sendo algo que deverá suprir as necessidades imediatas destes jovens e de suas famílias, não está mais garantido pelo acesso à educação e nem pela conclusão do Ensino Médio. Como afirma Fanfani (2010), para o jovem pobre, muitas vezes, não é garantido nem um trabalho decente para que possa alcançar seus objetivos. Para o jovem das camadas mais pauperizadas da sociedade, ingressar no mercado de trabalho, como foi indicado pela Fundação Perseu Abramo (BRANCO; GUIMARÃES; SPOSITO, 2008), é mais do que simplesmente adquirir relativa independência financeira de seus pais; é a possibilidade de compartilhar responsabilidades e, de certa forma, conquistar um respeito, muitas vezes conferido apenas aos adultos. O jovem busca um espaço no qual ele se sinta respeitado em suas opiniões e ações, uma vez que ele já não é mais tratado como criança, e nem ainda como um adulto. Mesmo reconhecendo que o trabalho pode atrapalhar o desempenho escolar destes jovens, eles ressaltam a importância do trabalho para poder arcar com as suas despesas e auxiliar a sua família, complementando a renda familiar. Este jovem, muitas vezes, precisará ingressar no mercado de trabalho logo após a conclusão do Ensino Médio ou até mesmo, dependendo da situação financeira de sua família, enquanto o estiver cursando (CNE, 15/98). A pesquisadora Kuenzer (2000) alerta que querer promover uma educação que emancipe o sujeito e lhe possibilite crescer social e profissionalmente vai além da garantia de acesso ao Ensino Médio a todos os alunos que terminam o Ensino Fundamental. Essa escola deve oferecer e garantir a todos os alunos, independente da classe social a que pertençam, “espaços físicos adequados, bibliotecas, laboratórios, equipamentos, e, principalmente, professores concursados e capacitados” (p.25). A escola, como espaço de convívio, como foi indicado pelos jovens participantes desta pesquisa, poderia ser um espaço aberto ao diálogo entre pessoas com histórias de vida e objetivos diferentes. Este diálogo entre professor e aluno deveria promover o desenvolvimento de seus usuários, que são alunos com histórias de vida constituídas e que vêm de cursos profissionalizantes ou não, que passam o dia inteiro, muitas vezes, trabalhando e que possuem perguntas que a escola muitas vezes desconhece, simplesmente, por negar voz a quem tem muito a dizer. NOTAS 1 – O termo Ensino Médio designa a última etapa da Educação Básica, gratuita e obrigatória no Brasil. Em Portugal este mesmo nível de ensino chama-se Ensino Secundário. 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