General Figueiredo

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Sayad, João. “General Figueiredo”. São Paulo: Folha de São Paulo, 8 de maio de 2000.
FSP 8-5-00
General Figueiredo
JOÃO SAYAD
Vamos completar um mês de protestos, manifestações e greves. Não é fácil resolver as questões
importantes do país.
Têm renda média mensal de R$ 2.000 por mês 16 milhões de pessoas; 80 milhões de pessoas têm
renda média de R$ 100 por mês. As classes A, B, C e D, com as quais convivemos diariamente,
representam pequeno número de brasileiros. Os 50% mais pobres são conhecidos apenas à
distância, por ouvir falar ou ver em filmes.
São dois países. Os sociólogos brasileiros já discutiram muito sobre como o país pobre resulta do
rico. Agora, o país rico já não precisa do pobre.
Apenas tem medo.
A situação piorou. O total de desempregados passou de 9% para 19% entre 1989 e 1999, ou seja, de
6 milhões para 12 milhões de pessoas. Se contarmos com os dependentes, são pelo menos 36
milhões de brasileiros.
Metade da cidade de São Paulo é composta de habitações precárias ou clandestinas, chamadas
favelas. No Rio, é a mesma coisa. A situação não é diferente em outras cidades brasileiras, grandes
e pequenas.
É surpreendente que tenhamos conseguido sobreviver como país democrático durante tantos
períodos -e sem inflação nos últimos seis anos. Ditadura, inflação e violência não são fatos notáveis
em um país como este.
A incerteza é grande: não temos modelos a seguir.
Se tivermos boa vontade, essa insegurança sobre a melhor solução poderia até ser a explicação para
o comportamento dos neoliberais, que abraçam, cheios de ansiedade, soluções simples, míticas e
negativas: não fazer nada, aguardar que o mercado resolva tudo isso. Outras vezes fogem do
problema argumentando que o desemprego é inevitável, pois também cresceu na Europa, nos
Estados Unidos e no mundo inteiro, até com a adoção de novas tecnologias. Não é inevitável, nem
lá nem aqui. Lá, novas tecnologias poderiam ter se traduzido em salários maiores e crescimento
mais rápido, em vez de juros altos e desemprego.
Aqui, o desemprego é diferente. É combinação sedimentar de várias camadas de desempregados. A
camada mais antiga e maior é composta de gente que nunca recebeu salário
mínimo e nunca trabalhou em tempo integral. É o desemprego estrutural, muito anterior às novas
tecnologias e à globalização. Apesar de antigo, os números do desemprego estrutural dobraram nos
últimos dez anos, quando a taxa de crescimento da economia se reduziu drasticamente.
Sobre essa camada de desempregados, existe outra, de trabalhadores que perderam emprego mais
recentemente e continuam procurando trabalho. São ex-operários industriais, funcionários do
comércio e do setor público. São 6 milhões de pessoas das quais dependem, em termos econômicos,
pelo menos 12 milhões de brasileiros.
Sempre tivemos desempregados na classe média, que chamávamos de agregados no século passado.
Hoje, temos uma novidade: desempregados recentes, provenientes da classe média, com alta
escolaridade e experiência profissional. Além dessas diferenças, o desempregado brasileiro é
totalmente desamparado.
Poucos são cobertos por seguro-desemprego -de curta duração e valor reduzido-, na comparação
com os Estados Unidos e com a Europa. Tem acesso menor e mais difícil a serviços públicos de
qualidade inferior. Nem o desemprego é inevitável ou "natural" nem o problema é de falta de
educação. A taxa de desemprego é maior entre pessoas com mais de nove anos de escolaridade.
Educação não aumenta o emprego.
No curto prazo, não podemos ser exigentes -crescer é a única solução. Se voltássemos a crescer
mais rapidamente, conseguiríamos reduzir parcela importante de todos os tipos de desempregados
mencionados acima. Com mais calma, a integração de milhões de brasileiros não pode se basear em
consumo de bens duráveis, parques temáticos, redes de informação e corte no fornecimento de bens
públicos. Nos anos 70, períodos de rápido crescimento agravaram a desigualdade.
A construção civil e os investimentos em obras públicas, cuja urgência salta aos olhos de todos,
conseguiriam bons resultados para o desemprego e até reduziriam o chamado "custo Brasil".
Finalmente, em um país com 160 milhões de habitantes e tanta heterogeneidade, é preciso
experimentar, tentar novas soluções em educação, saúde, construção habitacional, crédito popular e
combate à violência. Não é suficiente afirmar que existem desperdícios nos programas sociais.
Também existem desperdícios inaceitáveis, erros e corrupção no setor privado. É preciso gastar
nessas áreas como este e outros governos têm gastado em outras áreas.
Problemas conhecidos há muito tempo não geram crises. A crise do México veio da "descoberta" de
que o equilíbrio fiscal não é solução e da revolta de Chiapas. A crise do Sudeste Asiático veio da
"descoberta" de que muitos daqueles países não eram o que a propaganda anunciava.
Crises são descobertas que renovam a agenda de problemas. Vamos descobrir que o general
Figueiredo tinha razão: a economia vai bem, o povo vai mal.
------------------------------------------------------------------------------João Sayad, 53, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e exministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de "Que País é Este?" (editora Revan);
escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: [email protected]
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