a história dos correspondentes brasileiros de guerra e sua

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A HISTÓRIA DOS CORRESPONDENTES BRASILEIROS DE GUERRA
E SUA RELAÇÃO COM O PODER ESTATAL E MILITAR
Adriana Kuhn (Mestranda em Comunicação da PUC-RS)1
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende fazer um levantamento da história dos correspondentes de guerra
brasileiros, especialmente gaúchos, e sua relação com o poder militar e governamental. O
objetivo deste estudo é levantar as origens dessa prática e verificar se, diante da presença do
exército e de governantes estatais, esses profissionais tiveram dificuldades e/ou impedimentos
no trabalho de cobertura de guerra.
Para tanto, teremos como objeto de estudo o jornalista gaúcho Humberto Trezzi.
Reconhecido nacionalmente, Trezzi atua há 20 anos como repórter e trabalha há 14 anos no
jornal Zero Hora. Neste período, cobriu grandes acontecimentos jornalísticos da segunda
metade do século XX: esteve em Angola, em 1996, para a cobertura do cessar-fogo da guerra
civil; em 2003, acompanhou as operações anti-guerrilha na Colômbia; e, em 2004, esteve com
soldados brasileiros em uma missão de paz no Timor Leste. Participou, também como
enviado especial, de coberturas no Paraguai, Uruguai, México e Equador, entre outros países.
A escolha desse profissional como objeto de estudo deste trabalho se deu,
principalmente, por sua forte influência na imprensa gaúcha. Trezzi já ganhou 23 prêmios de
jornalismo, dentre eles, o Prêmio Esso para a região sul. Atualmente, trabalha como repórter
das editorias de geral e polícia da Zero Hora.
Diante do breve resumo da trajetória deste profissional, é possível justificar a
importância dos estudos acerca dos correspondentes de guerra brasileiros. O assunto merece
pesquisa diante da pouca bibliografia nacional. Atualmente, as obras disponíveis abordam o
tema sob um ponto de vista único, como um diário de campo de determinada cobertura de
guerra no exterior. Além disso, levantar a história desses jornalistas e sua prática profissional,
principalmente diante das forças civil e militar, poderá contribuir com o resgate de mais um
ponto do passado do jornalismo internacional brasileiro.
Os correspondentes de guerra ou enviados especiais de guerra2, em geral, são aqueles
jornalistas com prestígio dentro das empresas de comunicação. São profissionais enviados
1
Especialista em Jornalismo de Conflitos pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, e mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
especialmente de seu país de origem ao local do conflito, com a meta de relatar os
acontecimentos da forma mais objetiva e imparcial possível, garantindo a compreensão do
fato ao leitor, ouvinte ou telespectador. Porém, ao desembarcarem em territórios de guerra,
esses profissionais se debatem com poderes estatais e militares, os quais, muitas vezes,
exercem forte influência sobre o trabalho jornalístico.
O exemplo mais recente dessa manipulação informativa está na Guerra do Iraque, em
2003. Para estar no front do conflito, o Pentágono enviou aos meios de comunicação de todo
o mundo um programa para a cobertura de guerra, baseado no embedding. Os jornalistas que
pretendiam trabalhar desde o front deveriam seguir uma série de regras, entre elas, não
informar sobre operações em curso, sobre a efetividade do inimigo nem sobre a identidade
dos prisioneiros. Além disso, os profissionais da imprensa alistados deveriam viajar nos
carros militares com os soldados. Por outro lado, o governo iraquiano também garantiu
impedimentos à imprensa: para estar no país, as empresas jornalísticas tinham que pagar
grandes quantias pelos direitos de cobertura, o que influenciou na pouca presença de
jornalistas brasileiros e latino-americanos no local.
O Iraque é apenas o episódio mais recente, já que as coberturas de guerra vêm sendo
marcadas por fortes influências, estas também relacionadas aos avanços tecnológicos.
Decifrar até que ponto isso vem sendo um obstáculo e/ou um impedimento ao trabalho do
correspondente de guerra brasileiro no decorrer da história é o principal ponto de discussão
deste estudo.
1. O correspondente de guerra e o jornalismo internacional
O primeiro correspondente de guerra nos moldes como conhecemos hoje surgiu em
1854, na Guerra da Criméia (coalizão formada por Reino Unido, França, Sardenha (Itália) e
Império Turco-Otomano que lutou contra as pretensões expansionistas da Rússia). Trata-se do
irlandês William Howard Russel, na época repórter do The Times, de Londres. Russel ficou
conhecido por sua narrativa sobre o avanço da carga da Brigada Ligeira britânica sobre os
oponentes durante a batalha.
Esse tipo de relato teve origem, mesmo que com outras características, ainda antes de
Russel, na época do comércio de especiarias, no século XIII. Entre as primeiras obras de
sucesso está Viagens de Marco Polo, que trata do relato do jovem aventureiro chamado
2 Considera-se como guerra, segundo definição encontrada no Dicionário Aurélio: 1- Luta
armada entre nações ou partidos; conflitos; 2- Expedição militar; campanha; 3- A arte militar; 4Oposição, hostilidade.
Marco Polo (1254-1324), pertencente à família Polo, de Veneza, que teria atravessado a Ásia,
através da Mongólia, a serviço do imperador Kublai-Khan. (HOHLFELDT, 2001, p. 85).
Essa prática, desde sua origem, também servia como uma notícia mais aprofundada de
um lugar distante e, geralmente, desconhecido para o leitor. Atualmente, esses relatos
continuam comuns entre os correspondentes de guerra brasileiros. Ao retornar ao Brasil,
muitos jornalistas publicam obras sobre o trabalho no front, ao mesmo estilo narrativo de
Marco Polo, no século XIII.
Como escreveu James Tobin, milhares de jornalistas já trabalharam em zonas de guerra
– alguns, no entanto, foram além, e conseguiram criar, a partir de sua experiência única, obras
notáveis, inaugurando uma tradição, um gênero. Livros nos quais o testemunho pessoal se
mistura à discussão de questões vitais como a censura, a propaganda e a relação do repórter
com o poder (FEITH in ANDERSON, 2004, p. IX).
Além da característica comum de publicar diários de campo, é possível perceber outros
diferenciais em um enviado especial de guerra: geralmente, é um jornalista com prestígio
dentro da empresa de comunicação. São conhecidos como os grandes repórteres, porque
devem ser capazes de ver a guerra como ela é e comunicar isso da forma mais objetiva
possível, apesar das restrições muitas vezes impostas.
O papel do correspondente de guerra também é oriundo do que chamamos de jornalismo
internacional. Apesar de muitos atribuírem a origem dessa prática à ampliação da área
geográfica de interesse e cobertura dos periódicos impressos de Londres, no século XIX,
podemos considerar que ela é ainda mais antiga. Trata-se do século XVI, quando o banqueiro
francês Jacob Függer von der Lilie criou a newsletter com o objetivo de receber de seus
agentes informações que tivessem alguma utilidade para os negócios.
Essas notícias e análises eram consolidadas e redistribuídas dentro da própria rede de
agentes da casa bancária. Digamos, para simplificar, que ali estava de forma inequívoca o
embrião do jornalismo econômico e político, voltado para assuntos internacionais (NATALI,
2004, p. 21).
Já no Brasil, o noticiário internacional esteve ausente nas primeiras décadas da prática
jornalística. Natali (2004) atribuiu a isso dois motivos: o primeiro está atrelado ao enorme
atraso com que as notícias chegavam no país, já que vinham de navio e, segundo, pelo fato de
as publicações nacionais terem que competir com periódicos importados, já que as oligarquias
eram bilíngües, tendo fácil acesso aos noticiários estrangeiros.
Assim, os primeiros indícios do jornalismo internacional no Brasil são de 1836, quando
começou a ser veiculado o jornal Gazeta Universal, em Pernambuco. O periódico publicava
em primeira mão as notícias que chegavam com os navios do exterior. Isso porque o trajeto
das embarcações que vinham da Europa previa o primeiro aporte em Recife antes de seguir
viagem ao Rio de Janeiro e São Paulo.
A partir daí, a história do noticiário internacional brasileiro foi marcada por importantes
fases. Entre o final do século XIX e início do século XX, por exemplo, surgiram no país 17
jornais destinados a comunidades de imigrantes. Nessa época, os jornais brasileiros também
recebiam artigos enviados eventualmente por diplomatas em missão no exterior.
Com o começo da Primeira Guerra Mundial, o jornalismo internacional no Brasil
ganhou nova força: as agências de notícias. Segundo Garambone (2003), as principais
agências que abasteciam os periódicos nacionais naquele período, principalmente no eixo Rio
- São Paulo, são a Havas e a Americana. Além das agências, os grandes jornais instalam
escritórios (hoje conhecidos como sucursais) em cidades como Nova Iorque, Paris, Londres,
Buenos Aires e Lisboa.
Uma das maiores inovações brasileiras do século XX em termos de jornalismo
internacional brasileiro se deu na Segunda Guerra Mundial. O conflito contou com a presença
de jornalistas brasileiros, como Joel Silveira, enviado dos Diários Associados a pedido de
Assis Chateaubriand, e Rubem Braga, correspondente do Diário Carioca.
A ditadura militar no Brasil também trouxe novidades ao noticiário internacional. Isso
porque as pautas censuradas em território brasileiro eram abordadas via editoria de exterior.
Com pautas tão amplas e de certo modo as únicas a levantar essas
questões nas redações brasileiras, as editorias de Política
internacional despertavam durante o regime militar um interesse
inédito junto ao cidadão-leitor. Isso ocorreu sobretudo durante os
chamados “anos de chumbo” do governo Médici (NATALI, 2004, p.
50)
Com isso, ganharam força também os correspondentes internacionais. Na década de 70,
os grandes jornais brasileiros mantinham no exterior várias equipes de profissionais. Com a
crise brasileira da dívida externa, no início dos anos 80, e também com o avanço da
tecnologia e a chegada da Internet, o noticiário internacional passou a ser produzido, em
grande escala, dentro das próprias redações. Dessa forma, são poucas as empresas brasileiras
de comunicação que ainda mantêm profissionais no exterior, sendo ainda mais raras aquelas
que enviam um jornalista para a cobertura de uma guerra.
1.1 No Rio Grande do Sul
A história do jornalismo internacional e dos enviados especiais de guerra no Rio Grande
do Sul praticamente seguiu os mesmos rumos nacionais. As raízes da imprensa gaúcha, no
século XIX, estão ligadas ao conceito de jornalismo político-partidário, quando, segundo
Rüdiger (1998) prevalecia a figura do escritor público, que não se limitava a exercer a função
de jornalista, mas também atuava como a fonte de conhecimento e instrução do povo.
Assim, foi neste cenário de interesses políticos que os pioneiros do jornalismo riograndense tiveram moldados seus perfis: eram donos de tipografias, que reuniam em si a
função de proprietário e diretor de jornais.
A trajetória de vida de alguns desses homens resume bem a natureza
e as características do jornalismo do século passado. Claude
Dubreuil, compositor de nacionalidade francesa, introduziu a arte
tipográfica na Província, em 1827. Logo, montou seu próprio
negócio, ligando-se sucessivamente às diversas facções políticas em
luta, às vésperas da Revolução Farroupilha. Entre seus vários jornais,
destacou-se o Sentinela do Sul, publicado em Porto Alegre entre 1831
e 1836. (RÜDIGER, 1998, p. 20)
A carreira desses primeiros homens ligados à imprensa não constituía coisa rara para a
época. Sem residência fixa e dependentes de ligação com a práxis política, esses profissionais
souberam utilizar essas demandas para desenvolver seu negócio de publicação de jornais e
periódicos, apesar da inexistência de um conceito de jornalismo nos moldes como
conhecemos hoje.
A imprensa gaúcha concebeu logo de início o noticiário internacional. Com uma escassa
ou até inexistente redação de matérias sobre a vida da comunidade, os primeiros periódicos do
Estado aguardavam a chegada de notícias através dos navios que atracavam no porto de Rio
Grande, de forma similar ao que vinha sendo praticado pelo jornal Gazeta Universal, em
Pernambuco, raiz do noticiário internacional brasileiro.
O século XIX também registrou os primeiros indícios da prática de correspondentes de
guerra no Rio Grande do Sul. O tipógrafo Izidoro P. de Oliveira, fundador de diversos jornais
em Pelotas e Bagé, através do exército, se envolveu no front de combate da Guerra do
Paraguai (1815 – 1914) de onde enviava informações para os veículos do Estado.
Nas primeiras décadas do século passado, a imprensa gaúcha deu inicio a segunda fase
de sua história, agora dominada pelos conceitos de jornalismo informativo e indústria cultural.
Não mais voltado ao mundo político, a característica da imprensa agora está entendida na
divulgação profissional e verídica do acontecimento e no seguimento de regras de mercado,
sendo os jornais estruturados verdadeiramente como empresas.
A partir daí, surgiram diversos veículos de comunicação, a exemplo dos jornais Correio
do Povo, em 1895, Diário de Notícias, em 1930, e Zero Hora, em 1964. Além disso, o
surgimento do rádio e da televisão também fez com que os gaúchos trouxessem ao Estado os
novos meios de comunicação, propiciando a inauguração de diferentes empresas no ramo.
Assim como em âmbito nacional, a imprensa gaúcha do século XX também vivenciou a
modernização das práticas jornalísticas, inclusive em relação ao noticiário internacional. As
empresas locais passaram a utilizar também as agências de notícias, bem como a enviar
repórteres para coberturas de acontecimentos no exterior, o que inclui reportagens de guerra.
Ainda que menos tradicional do que no eixo Rio-São Paulo, a prática dos veículos
gaúchos de envio de repórteres ao exterior teve forte influência na história da imprensa do
Estado. Como correspondente dos jornais da Cia. Jornalística Caldas Jr., o jornalista Flávio
Alcaraz Gomes, por exemplo, esteve no front da Guerra dos Seis Dias, na Guerra do Vietña e
nas barricadas da revolta dos estudantes em maio de 1968, em Paris. Além de Flávio Alcaraz
e Humberto Trezzi, objeto de estudo deste trabalho, podemos listar outros profissionais
gaúchos que atuaram nessa função, como Danilo Ucha e Marcos Losekan.
2. O cara a cara com o poder estatal e militar
Além dos tradicionais obstáculos enfrentados no dia-a-dia de um profissional do
jornalismo, como confiabilidade de fontes e recolhimento de informações pertinentes, a
cobertura de uma guerra pode contar com um desafio a mais: a influência dos poderes estatal
e militar dos países em conflito durante a produção da reportagem.
A influência desses personagens no trabalho jornalístico de cobertura de guerra é antiga,
e vem apenas acompanhando os avanços tecnológicos que alteraram radicalmente a forma
como as guerras são veiculadas. O irlandês William Howard Russel, pioneiro no trabalho de
correspondente de guerra em nível mundial, já sentiu a pressão dos poderes militar e civil na
então Guerra da Criméia, em 1845, quando atuava como repórter do The Times, de Londres.
Mais tarde, já na Primeira Guerra Mundial, o governo britânico baixou decretos para impor
censura à imprensa, e o exército delegou o tenente coronel Ernest Swinton como repórter
oficial com o título de “testemunha ocular” (FONTENELLE, 2004, p.22).
Segundo Fontenelle (2004), as chamadas técnicas de propaganda oficial foram
ganhando espaço, sendo fortemente ampliadas na Segunda Guerra Mundial. Já na Guerra do
Vietña (1959-1975), a situação se inverteu e o controle da mídia passou a ser principal
preocupação. Isso porque os Estados Unidos atribuíram sua derrota ao trabalho da imprensa.
Já na Guerra das Malvinas (1982), os profissionais foram submetidos a fortes restrições
quanto ao que poderia ser veiculado. Ainda mais intenso, o controle sobre os jornalistas ficou
conhecido como “Operação Mordaça no Deserto” na Guerra do Golfo (1991).
A situação não foi diferente na última e recente guerra do Iraque (2003). O destaque
ficou por conta da figura do jornalista embedded, ou seja, aquele que aceitou se submeter a
uma série de normas estabelecidas pelo exército americano para cobertura do conflito
(ARBEX, 2003, p. 9). Os impedimentos ao trabalho da mídia também ficaram claros no lado
iraquiano: eram altas as quantias que os jornalistas deveriam pagar pelos direitos de cobrir o
conflito.
Todas essas pressões ainda são acompanhadas pelas evoluções tecnológicas, que vêm
obrigando os profissionais a um esforço ainda maior. Com a chegada da Internet, a exigência
para que as matérias sejam enviadas rapidamente aumentou consideravelmente.
A quantidade de notícias no ar aumentou maciçamente. Mas o
número de jornalistas na cobertura de notícias quentes não
acompanhou esse crescimento. Na prática, isso quer dizer que o
tempo que os repórteres têm para investigar e pesquisar suas matérias
antes de escrevê-las diminuiu dramaticamente (GIBB in
GOYZUETA & OGIER, 2003, p. 44).
Além da rapidez provocada pela chegada da Internet, a evolução tecnológica permitiu a
instantaneidade, com as chamadas coberturas “ao vivo” dos acontecimentos. Com isso,
podemos dizer que os obstáculos enfrentados pelos correspondentes de guerra diante da
presença estatal e militar são contínuos e sofrem alterações no decorrer dos anos conforme os
avanços da tecnologia. Mas será que enviados especiais de guerra definem esse cenário como
um impedimento ao trabalho de reportar a realidade de um conflito?
Além do aporte teórico já apresentado para atender a esse questionamento, contamos
com a colaboração do jornalista gaúcho Humberto Trezzi, que já atuou como enviado especial
de guerra em diversos países, com destaque para a cobertura do cessar-fogo da guerra civil em
Angola, as operações anti-guerrilha na Colômbia e a missão de paz no Timor Leste.
Em Angola, em 1996, Trezzi acompanhou uma missão do exército brasileiro que
intervinha em nome da Organização das Nações Unidas (ONU) para separar combatentes do
governo e da guerrilha. Nesta cobertura, que resultou em uma série de cinco dias de
reportagens, o jornalista conviveu com soldados governamentais e guerrilheiros. Na
Colômbia, em 2003, Trezzi revela ter conseguido, após muita insistência, acompanhar uma
operação do exército contra a guerrilha denominada Forças Revolucionárias da Colômbia
(Farc). O enviado acompanhou os soldados em um blackhawk, helicóptero americano de
última geração, e passou dois dias no local de combate acompanhando as patrulhas na selva.
Em Timor Leste, em 2004, Trezzi também esteve com patrulhas do exército brasileiro e
revela ter presenciado os esforços da ONU para ajudar a reconstruir o país.
Mesmo constantemente acompanhado por militares nos locais de cobertura de conflitos,
o jornalista ressalta não ter sido submetido a qualquer censura, seja militar ou civil. “Isso
porque escrevi na volta”, justifica ele, com exceção da cobertura de Angola, na qual as
matérias foram enviadas do exterior, via Internet, a partir do navio onde estava hospedado.
Para Trezzi, os militares foram bem abertos, já que permitiram acesso, nos três casos,
aos locais dos acontecimentos. No caso de Angola, porém, a exigência era que os jornalistas
andassem com o exército, como embedded. Na Colômbia, Trezzi também acompanhou as
tropas durante a cobertura do episódio, mas esteve hospedado em uma pousada e não teve
qualquer tipo segurança adicional enquanto esteve afastado dos soldados. Em Timor Leste,
também esteve hospedado em hotel de forma particular.
CONCLUSÃO
Ao confrontar as referências teóricas com o trabalho prático específico do
correspondente de guerra Humberto Trezzi foi possível constatar duas visões distintas em
relação à presença de forças militares e governamentais durante a atuação jornalística de
cobertura de conflito no decorrer da história do jornalismo internacional brasileiro. Isso
porque, apesar da clara existência de mecanismos para o controle da mídia por parte de
estrategistas envolvidos nos diferentes conflitos, a prática do jornalista não chega a admitir
isso como um impedimento e/ou obstáculo na atividade de reportar uma guerra.
Trezzi, em depoimento dado por e-mail à autora deste estudo, revelou ter contado com a
companhia de militares durante a cobertura de alguns episódios em países como Angola,
Colômbia e Timor Leste, mas que isso não se transformou em qualquer tipo de censura ao seu
trabalho. Ressaltar que a redação das matérias tenha se dado em território nacional ou distante
do exército talvez tenha sido a justificativa utilizada por ele como forma de escapar de algum
tipo de proibição.
Com isso, é possível concluir que a manipulação de estrategistas em coberturas de
guerra nasceu com o trabalho de correspondente internacional e que sempre acompanha as
coberturas da mídia no decorrer da história, sofrendo apenas alterações conforme os avanços
da tecnologia. Porém, a partir desse breve depoimento do jornalista Humberto Trezzi,
podemos considerar que, mesmo com a presença das forças militares e governamentais, ele
não acredita haver qualquer impedimento no trabalho. Ou seja, estar sempre ao lado de
soldados em um local de conflito, seja ou não como embedded, não influencia em uma
cobertura de guerra.
A conclusão deste trabalho serviu como um importante incentivo para o seguimento de
uma pesquisa sobre o tema, que será apresentada e defendida no programa de pós-graduação
em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O
estudo terá como objetivo fazer um levantamento histórico dos correspondentes brasileiros de
guerra, verificando se durante sua atuação, acreditam ter sofrido algum tipo de influência por
parte dos poderes estatais e militares envolvidos no episódio.
Isso porque é interessante verificar que, mesmo acompanhados pelo exército e
enxergando a guerra a partir dos olhos deles, enviados não consideram isso como um
obstáculo à tentativa de objetividade e de veracidade jornalística em uma cobertura de guerra.
A importância dessa pesquisa se justifica também pela inexistência de um documento que
reúna os nomes desses brasileiros que estiveram em locais de conflito no exterior enviando
reportagens ao país. Trata-se de um resgate de mais um capítulo de jornalismo internacional
brasileiro.
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