Venham ver Lisboa a arder Os Four Horsemen regressaram a

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Venham ver Lisboa a arder
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Os Four Horsemen regressaram a Lisboa, pegaram-nos fogo, certificaram-se que estávamos
vivos e foram-se outra vez embora
A abertura das portas está marcada para as 16:30, mas o relógio ainda só marca 15h e já se começa
a juntar uma multidão que vai atravessando o túnel subterrâneo que dá para o lado de lá da linha do
comboio, rumo ao recinto. Aqueles que conseguirem, por breves segundos, ignorar que estão
prestes a assistir a verdadeiras manifestações de criatividade e força de ícones do metal
conseguirão, sem dúvida, aperceber-se de que a multidão se torna rapidamente numa massa
homogénea; é agora um mar negro composto, na sua maioria, por jovens que envergam t-shirts de
bandas de metal, tais como Metallica, Machine Head, Slipknot e algumas que nem estarão
presentes, mas por cuja música os fãs fazem questão de declarar o seu amor. Aliás, as centenas de
pessoas que já cá estão e muitas outras chegarão mais tarde para marcar presença neste primeiro dia
do festival para declarar o amor pelo metal.
E há-o para todos os gostos.
Os primeiros a tocar serão os portugueses Ramp, depois, seguir-se-ão os Mastodon, Lamb of God,
Machine Head, Slipknot e, finalmente, Metallica.
Em Portugal pela terceira vez em três anos seguidos, seria compreensível que os fãs de Metallica
não dessem tanta importância ao concerto desta noite por já estarem habituados à sua presença
anual em terras lusas, mas, a julgar pela quantidade absurda de t-shirts da banda avistadas até agora,
esta elação estaria incorrecta.
De qualquer forma, será um longo dia e, a julgar pela intensidade e “peso” de toda a música que
passará pelo palco principal, será igualmente desgastante. Não há uma única banda no cartaz do
palco principal cuja música não dê azo à formação de moshes. A previsão para Metallica é a de um
público feliz por os ver em Portugal de novo, mas exausto por um dia longo e cheio de energia.
O calor é apenas suportável pela aproximação da hora de abertura das grades que dão acesso ao
recinto. Entra-se com lentidão e a segurança é apertada; o caminho para o recinto parece mais longo
do que aquilo que é, mas faz-se com entusiasmo.
Finalmente dentro da área do festival, o primeiro instinto é olhar em volta e encontrar um bom spot
para assistir aos concertos. Os que chegam mais cedo exploram o recinto, visitam os outros dois
palcos e as bandas que neles se esperam ouvir, tentam decidir com os respectivos grupos a que
horas fazer o “intervalo” para jantar e escolhem com antecedência a roulotte onde irão recarregar
energias.
O ambiente é agradável e, apesar do cartaz principal ser inteiramente dedicado ao metal, vêem-se
muitos membros de outras tribos urbanas e, este ano, pode ver-se uma facção do público mais
jovem que do que o habitual; não devem ter mais de 15 ou 16 anos e, a julgar pelas t-shirts, estão de
propósito para ver Slipknot.
À medida que as horas passam, o calor vai dando lugar a uma brisa mais agradável e torna-se cada
vez mais suportável o calor humano da plateia. Estranhamente, o dia passou a correr. Contudo, o
cansaço físico já se sente e está na hora do jantar. Há muito por onde escolher, mas convém não
demorar para não perder nada.
Entre risos cumplices e comentários acerca dos concertos que já passaram- afinal de contas num
festival os amigos são quase tão importantes quanto a música em si- as pessoas vão-se dirigindo em
massa para a frente do palco principal. Outras, as mais novas, findo o concerto de Slipknot, abrem
caminho por entre a multidão expectante por Metallica, em direcção à saída. Alguns vão ter com os
pais que os acompanharam pacientemente durante o festival. “Mais fica”, afirma alegremente Fábio
Cruz no meio da plateia, na esperança de arranjar um lugar melhor para ver Metallica. “Estes putos
só cá vieram ver Slipknot, portanto agora vão todos embora com o papá e a mamã e deixam mais
espaço para quem quer ver uma banda a sério.”, desabafa. Fábio encara a música com alguma
seriedade e faz questão de tirar o máximo partido dos concertos, por isso assume: “Não sou fã, mas
respeito o mito Metallica.”
Desta vez o passar dos minutos até às 23:30 parece extremamente lento. É daqueles momentos em
que se olha para o relógio e parece que só se passou um minuto desde a última vez que consultámos
as horas. Mas, a custo, o tempo passa e começa a ouvir-se uma música já familiar aos fãs de
Metallica. Ecstasy of Gold é, como sempre, a música escolhida para servir de marcha de entrada da
banda em palco. Nos ecrãs gigantes, uma cena do filme “O Bom, o Mau e o Vilão”: “não parece a
capa do Master of Puppets?”, interrogam alguns dos mais antigos fãs da banda ao verem nos ecrãs
um cemitério. O ambiente está criado e os elementos da banda surgem em palco quase sem se
fazerem notar, dando azo a múltiplas manifestações de emoção por parte das gentes, cheias de
saudade daquele quarteto vindo do outro lado do oceano.
Agora que os Metallica se encontram em palco, tudo muda abruptamente. À frente vêem-se
cabeças, muitas cabeças. Quem tem sorte consegue ver o palco mas para alguns ver os ecrãs
gigantes já é uma benção. Não há agora espaço para acender um cigarro sequer, já não se podem dar
passos para trás ou para a frente, o modo lata de sardinha está activado mas, aparentemente,
ninguém quer saber disso. No ar, algumas bandeiras: Portugal, Espanha e algumas alusivas à banda.
Os olhos que conseguem, pousam agora todos no mesmo sítio, os ouvidos nos mesmos acordes e os
pés, bem, os pés já nem se sentem cansados e pulam ao som de Blackened, numa viagem ao
passado mais agressivo da banda. Formam-se moshes por todo o lado, os namorados protegem as
namoradas, os novatos olham deslumbrados para todos os lados, quase como se estivessem na sala
de uma aula pela qual eles esperaram toda a vida. Os lábios mexem-se e acompanham os de James
Hetfield, há quem finja tocar os acordes de Kirk Hammet e há quem bata no ar ao ritmo da bateria
de Lars Ulrich. É uma festa cheia por um ritmo acelerado de trash metal, onde todos participam sem
excepção, ritmo que se mantém por mais um par de músicas até que chega a primeira balada da
noite: Fade to Black. Os corpos em vez de pular, balançam, enquanto as guitarras de James e Kirk
se encontram numa melodia fantástica que faz toda a gente entoar um coro que as reproduz. É
fantástico o efeito criado e o público parece saber que os Metallica adoram isso, nunca desarmando
e procurando repetir o feito sempre que exista oportunidade para tal. Algo quase obrigatório neste
concerto é participar. Toda a gente quer dizer “presente” e isso contagia quem está ali pela primeira
vez a ver aquela banda. Quem não sabe a letra, inventa. Quem está afónico, acompanha com
palmas. Quem a sabe, canta-a a plenos pulmões, até não ter mais voz.
Chegava agora o momento de os Metallica testarem os fãs portugueses. Depois de uma viagem ao
passado, eis que no microfone de James soava a pergunta: “quem aqui tem o álbum Death
Magnetic?”. O último álbum de Metallica ia pela primeira vez ser experimentado ao vivo em
Portugal e James queria saber se os fãs sabiam as letras. A resposta não tardou a fazer-se sentir. O
público reagiu freneticamente às melodias, tal como reagira com as das músicas mais antigas e as
letras continuavam na ponta da língua, não desiludindo a banda de forma alguma. Voltavam os
moshes ao seio do público e voavam copos de cerveja por todo o lado. Os Metallica gostavam e
Lars Ulrich parecia particularmente empenhado em fazer estragos com o pedal da sua bateria, que
era agora uma espécie de interruptor para o caos entre os fãs.
E eis que chega um dos grandes momentos da noite. Ao longe ouvem-se sons de metrelhadora. O
que se passa? “É a One”, gritam alguns na expectativa. Surge a surpresa com duas explosões
gigantes de cada um dos lados do palco. Um bafo enorme de calor dirige-se em direcção ao público
que, sem tempo para digerir o que se está a passar vê sair do mesmo sítio fogo de artifício em
direcção ao céu. “Espectáculo”, ouve-se. Os primeiros acordes de guitarra surgem e o público,
depois de uma enorme exclamação inicial, apressa-se a acompanhar a melodia com um coro
assombroso. Há quem não saiba o que fazer, tamanho é o turbilhão de emoções. Vêem-se centenas
de telemóveis a gravar o momento para mais tarde recordar. Vêem-se pessoas a subir nas costas de
amigos para conseguirem ver para o palco. A banda desenvolve uma melodia lenta e James canta
acompanhado por uma multidão que não pode deixar de cantar com ele até que surge, mais uma
vez, o pedal duplo da bateria de Lars Ulrich a terminar com toda aquela harmonia, para dar lugar,
mais uma vez, ao caos.
E mais caos criaram ao, passadas duas horas desde o início do espectáculo, saírem do palco sem
sequer um “adeus” caloroso depois de tanto esforço e dedicação por parte dos fãs. Não é um
comportamento nada típico desta banda. Os fãs sabem-no e, respondendo às expectativas dos Four
Horsemen chamam em coro: Metallica, Metallica, Metallica!! E eis que voltam ao palco, nada
contrariados. James Hetfield quer saber: “Are you alive?” A resposta é quase imediata: SIM!
O que se seguirá? Já tocaram quase todos os clássicos do costume; terão alguma surpresa de última
hora?
Claro que sim.
O cansaço traz agora dores físicas bem reais; nos pés, nas pernas, nos braços de tanto bater palmas...
Será que foi boa ideia chamá-los de novo? Será que ainda há energia para mais?
Mal soam os primeiros acordes de Die, Die My Darling, uma cover dos The Misfits, a resposta
torna-se evidente: SIM. Esta escolha inesperada por parte dos Metallica manteve, sem esforço, o
interesse do público, cada vez mais sedento em vez de saciado. A seguir, Whiplash e uma nova
despedida sem palavras. O chamamento repete-se e James Hetfield avisa que a próxima música será
a Seek and Destroy. Ouvem-se gritos de aprovação. Hetfield apela mais uma vez à participação do
público, pedindo e repetindo o pedido: “Cantem como nunca antes cantaram.”. Os seus olhos
brilham com uma sinceridade desarmante, como se ouvir as vozes dos presentes fosse algo vital.
“Dêem-nos o vosso melhor!”
Como recusar?
Ouve-se em uníssono e em volume máximo: “SEARCH AND..... SEEK AND DESTOY!!”
Esforçam-se as cordas vocais ao máximo para atender ao pedido de Hetfield e, simultaneamente,
convencer os Metallica a voltarem num futuro próximo. O cansaço é adiado mais uma vez; salta-se
mais alto que nunca, continua a cantar-se a plenos pulmões e a abanar-se a cabeça ao som da música
nos últimos headbangs da noite.
Agora sim acabou. Mas não antes da despedida calorosa a que já habituaram os fãs. Está na altura
dos restantes integrantes da banda dirigirem uma palavrinhas ao público português; enquanto James
Hetfield e Kirk Hammet se desfizeram em elogios ao público, Rob Trujillo descreveu-o, em
português e tudo: “Grandas malucos!”. Já Lars Ulrich deixou uma promessa no ar: “Voltaremos em
breve!”
Parece que desta vez é mesmo a sério. Pronto, acabou mesmo. Olhando para o relógio, parece
mentira que o concerto tenha durado mais de duas horas. Dizer que soube a pouco é, bem... muito
pouco. E agora o caminho de volta às viaturas ou ao comboio é outra história. Felizmente, para
alguns, o combóio ainda passa, mas, àqueles que vieram de carro e perderam os melhores- e raroslugares perto do recinto, espera-lhes um longo e doloroso caminho que os pés cansados terão que
percorrer.
Há um misto de sentimentos no ar, palpáveis à medida que se sai do recinto: felicidade e admiração
profunda, mas também alguma nostalgia prematura e pena, muita pena por ter acabado o concerto.
Uns vão andando, meio cabisbaixos, já sucumbindo ao inevitável cansaço, outros, mais resistentes,
vão comentando com os amigos. “Foi lindo!”, ouve-se uma rapariga a falar com uma amiga. A
amiga parece partilhar da opinião, apenas com um senão: “Fogo de artifício, lançamento de chamas,
efeitos de luzes, foi brutal mesmo! Só não gostei que tivessem saído tantas vezes do palco para nos
fazer chamar por eles. Da última vez já me apetecia dar-lhes um xuto no rabo para se irem embora
de vez.”
Mas devem ter sido poucos a desejar o mesmo. Na verdade, a única coisa que parece animar os que
não se teriam importado nada de assistir a, pelo menos, mais duas horas de concerto, é a promessa
de Lars Ulrich e a certeza de que todos desempenharam um papel importantíssimo neste memorével
concerto.
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