Trabalho completo

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As conexões impertinentes entre a Educação e a Psicanálise: o que a Psicanálise
tem haver no campo escolar com a perda da sensibilidade dos sujeitos?
Rogério Rodrigues
- Unifei -
2012
As conexões impertinentes entre a Educação e a Psicanálise: o que a Psicanálise
tem haver no campo escolar com a perda da sensibilidade dos sujeitos?
Rogério Rodrigues
Docente da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI)
Endereço do Autor:
Av. BPS, 1303
Bairro Pinheirinho
Itajubá – M. G.
Cep. 37500-000.
e-mail: [email protected]
- Unifei -
2012
As conexões impertinentes entre a Educação e a Psicanálise: o que a Psicanálise
tem haver no campo escolar com a perda da sensibilidade dos sujeitos?1
Introdução
Já se tornou uma rotina na escola as queixas dos professores em relação aos
diversos desafetos que ocorrem em sala de aula, principalmente, aquilo que se denomina
como sendo os casos de indisciplina ou, mais propriamente, a “violência escolar”. A
maioria dos professores possuem suas formulações teóricas para explicarem os casos de
violência e para lidar com as diversas situações de “mau comportamento” que se
apresentam em sala de aula. Em termos práticos, geralmente, os educadores possuem
um “pacote de solução”, ou seja, um esquema para situações de “mau comportamento”
que se aplica como uma regra disciplinar para domesticar os alunos.
Diria que em se tratando desses casos de “mau comportamento” grande parte
pode ocasionar em ocorrência de casos de violência. Partimos da hipótese de que o
trabalho de elaborar esses diversos “casos escolares problemáticos” seria um passo
importante na possibilidade de estabelecermos outro destino para o conjunto dessas
pulsões destrutivas. Para tanto, seria preciso aprofundar no tema para além das
explicações corriqueiras daquilo que podemos denominar como sendo expressões do
senso comum.
Partimos do pressuposto de que a ocorrência dos casos de violência na escola é
um fato que nem que todos que ali se encontram estão na condição de elaborar o
assunto, pois também se encontram envolvidos emocionalmente com a situação e,
portanto, esses casos são pensados na lógica causa e efeito e, principalmente, o de se
aplicar primordialmente a punição como mecanismo de conter o sujeito.
O ponto primordial é que todos que se encontram na cena escolar são
responsáveis pela manifestação da violência, pois se encontram diretamente ou
indiretamente envolvidos e isso pode com o passar do tempo desenvolver a “perda da
sensibilidade”.
A Perda da sensibilidade por aquele que produz a violência é um requisito básico
e para aqueles que assistem a cena da violência trata-se de um mecanismo de defesa
para conter suas próprias emoções. Portanto, todos aqueles que se encontram presentes
1
Agradecimento ao apoio financeiro da FAPEMIG.
no enredo da “cena escolar” precisam analisar do que se trata esse fenômeno da
violência escolar e, principalmente, torna-la um elemento valioso para o processo
educacional de todos que frequentam a unidade escolar.
Em termos educativos na questão da violência escolar existe um paradoxo, qual
seja, no campo das relações humanas a própria existência do sujeito é algo que por si
promove a violência, pois todos nos precisamos constituir condições matérias de
subsistência e isso por si só é algo que imprime a violência no campo das relações
humanas. Portanto, na sociedade temos um grau de violência aceita e que permeia o
campo das nossas relações humanas. No entanto, existe uma demarcação tênue que
separa a civilização da barbárie e torna alguns elementos de violência aceitos e outros
como algo que deve ser interditados.
Essa demarcação é clara em alguns aspectos, como por exemplo, a interdição no
desejo de matar o outro, mas em outros campos isso é algo interpretativo e sua
visibilidade se revela tardiamente como é alguns casos do “bullying” no campo escolar
em que o sujeito pode ser silenciosamente destratado pelos os colegas de sala de aula
com o álibi que se trata apenas de “brincadeira”.
Neste caso, as formulações teóricas da Psicanálise podem contribuir como um
ponto de conexão com a Educação no sentido de indicar e, principalmente, interpretar
como o sujeito encontra-se “envolvido” na cena escolar da violência e pode encontrar
elementos que permitem compreender outras dimensões desse fenômeno como parte
dos “retratos do mal-estar contemporâneo na educação”.
As impertinências da Psicanálise perante a Educação
Seria possível perguntamos diretamente aos psicanalistas como suas
formulações teóricas e práticas poderiam colaborar para se compreender no campo
escolar a manifestação da violência e evitar uma modalidade de resposta que se possa
direcionar em assumi-la como mais uma teoria ou prática explicativa do sujeito?
O problema é que as teorias e práticas explicativas estão pautadas numa “ciência
do sujeito”, mas, na nossa concepção de sujeito o mesmo é inexplicável em seu modo
de existência.
Na nossa compreensão o ponto central de conexão entre a Educação com a
Psicanálise deveria ser a possibilidade do enfrentamento de que não sabermos ser
sujeito e isso em grande parte poderia permitir analisar o campo escolar para além da
“explicação cientifica”. Portanto, no caso específico da manifestação da violência e a
perda da sensibilidade, permitir elaborar aquilo que pouco se compreende sobre esses
determinantes como a montagem de um quebra-cabeça em que fica sempre faltando
uma peça. Essa peça que falta para completar o quebra-cabeça é que possibilita uma
fenda que torna a Psicanálise uma teoria e prática pertinente para colaborar com os
aspectos educativos, pois a mesma encontra-se estruturada num conceito de sujeito que
não se encontra fechado numa totalidade.
Partimos da hipótese sobre a perda da sensibilidade dos sujeitos como parte da
manifestação do sintoma sobre o “mal estar na civilização”, portanto, a mesma pode ser
ponto chave para a contribuição da Psicanálise para a compreensão do fenômeno da
violência no campo escolar sem torná-la mais uma “ciência da educação” que atravessa
o campo escolar.
Compreendemos que o “mal estar na cultura” possui uma direta relação com a
descarga da pulsão de morte em que neste caso apresenta-se como uma descarga
pulsional não elaborada e isso por si só seria uma clara demonstração da “perda da
sensibilidade”, ou seja, a falta de elaborar seus próprios atos.
No entanto, no transcorrer deste processo de descarga pulsional parte dessa
libido é direcionada para o próprio “eu” e isso permite o mesmo adquira um tipo de
controle sem sentido e, principalmente, a produção do sentimento de culpa, ou seja,
Quais os meios que a civilização utiliza para inibir a agressividade que se lhe
opõe, torna-la inócua ou, talvez, livrar-se dela? Já nos familiarizamos com
alguns desses métodos, mas ainda não com aquele que parece ser o mais
importante. Podemos estuda-los na história do desenvolvimento do indivíduo. O
que acontece neste para tornar inofensivo seu desejo de agressão? Algo notável,
que jamais teríamos adivinhado e que, não obstante, é bastante óbvio. Sua
agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta
para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é
assumida por uma parte do ego, que coloca contra o resto do ego, como
superego, e que então, sob a forma de ‘consciência’ está pronta para pôr em ação
contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer
sobre outros indivíduos, a ele estranhos. A tensão entre o severo superego e o
ego, que a ele se acha sujeito, é por nós chamada de sentimento de culpa;
expressa-se como uma necessidade de punição. (Freud, 1996, p. 127).
Neste caso, o sentimento de culpa na sua forma mais radical não pode ser
anulado pelo sujeito, mas para não saber desse “mal estar” o sujeito trabalha para evitalo ou, mais propriamente, “treina a perda da sensibilidade”. Portanto, para se evitar o
“sentimento de culpa” perde-se parte de todos os sentidos. Para tanto, o sujeito violento
possui todo um processo educativo para lidar com a perda dos seus sentimentos e todas
as atuações que se encontram presentes na “cena da violência escolar” podem ser
redimensionadas a partir desse pressuposto, portanto, os casos de “ataques”,
“agressões”, “depredações” enfim as coisas que são humanas podem ser interpretadas
por essa ótica como sendo o apagamento do sentimento de culpa.
São esses processos do apagamento do sentimento de culpa que educadores e
intelectuais deveriam ficar atento e nem tanto com a produção do fenômeno da
violência em si, pois uma vez produzida a “cena da violência” todos os seus aspectos
formais de debate e provocações para explicações também podem fazer parte do enredo
do modo de existência do sujeito violento.
Neste sentido, como morador da cidade de Santo André não posso deixar de
narrar que o julgamento no “caso Eloá”, mas parecia um cenário de filme de ação nos
molde da indústria cinematográfica americana.2 Podemos pensar que neste tipo de
cenário do julgamento da violência fica em aberto a questão para se investigar se o
sujeito que produz a cena violenta também atrai para si uma atração que o satisfaz
narcisicamente como o realizador de uma proeza. (Cf. Veblen, 1983).
No entanto, como seria possível verificarmos no campo escolar a ocorrência da
“proeza” como um elemento que favoreça a perda da sensibilidade? Diria que em parte
isso se torna evidente quando observamos a “cena da violência” para além da
manifestação da própria violência propriamente dita, portanto, um olhar que não a
posiciona no campo da moral e sim busca compreende-la como uma atuação do próprio
sujeito e como elemento inclusive constituinte do seu próprio “eu”. Neste caso, romper
com o sujeito que atua na cena violência seria romper com as conexões lógicas de causa
e efeito e interpreta-la como parte do conteúdo manifesto do inconsciente reprimido e
que neste jogo de esconde e esconde o sujeito se faz representar no mundo.
Assim sendo, a compreensão do “conteúdo manifesto” é algo que de um lado,
não se alcança com pesquisas quantitativas se perguntarmos diretamente ao sujeito
coisas do tipo: você é: a) sensível, b) moderado sensível, c) pouco sensível ou e) nada
sensível. Isso de certa forma seria uma tentativa de quantificar a expressão emocional
do sujeito em relação ao mundo que o cerca e que certo modo o sujeito pode não
2
Cf.http://noticias.terra.com.br/brasil/fotos/0,,OI188672-EI306,00-
Veja+momentos+marcantes+do+julgamento+do+caso+Eloa.html
manifestar-se como aquilo que de fato é e apresentar-se como uma mentira de si mesmo
– atitude de “má-fé”. (Cf. Sartre, 1997).
Por outro lado, retomemos a questão para os psicanalistas de que modo
poderiam colaborar com a interpretação do “conteúdo manifesto” com a constatação
que parte dessa perda da sensibilidade é um longo processo do “educar a si mesmo” e
que esse sintoma é uma modalidade do sujeito atuar no real para se evitar o “sentimento
de culpa”, portanto, o desejo de destruição uma vez reprimido pode retornar no campo
da cultura como uma modalidade mal sucedida do sujeito daquilo que poderia sublimar
e, portanto, resta somente romper com o laço social – a perda da sensibilidade como
uma modalidade de ruptura com o laço social.
O que interessa destacar na escuta desse sintoma sobre a perda da sensibilidade é
a existência de um tipo de educação em que se educa para a perda da sensibilidade, ou
seja, um tipo de treinamento que nos torne “aptos” para a prática da violência. Portanto,
precisamos estabelecer uma atenção para as práticas sociais em que o sujeito no campo
escolar pode ser educado para viver sem sensibilidade para com o outro e este seria o
ponto de maior impertinência da Psicanálise perante a Educação, ou seja, o de apontar
na Educação enquanto uma ciência do sujeito e ocasiona a perda da sensibilidade do
sujeito ao torna-lo um objeto de estudo passível de ser manipulado por aqueles que
Adorno denomina como sendo o “carater manipulador” (Cf. Adorno, p. 130) e somente
sendo objeto é que pode ser “apto” a viver numa sociedade destituída de relações
humanas – educar no modo de vida na sociedade de mercado.
A Psicanálise rompendo com a ciência da educação.
Podemos observar que em grande parte a formação dos licenciados é baseado
num treinamento prático e científico para a aplicação das diversas técnicas de ensino,
portanto, numa educação que tornem os educadores realizadores de específicas tarefas,
qual seja “ensinar a matéria” ou na termologia do senso comum: “passar o ponto”.
Essa metodologia do ensino de “passar o ponto” tem como consequência um
modelo de aprendizagem que fica pautada, principalmente, em processos de
memorização e com pouca compreensão sobre os seus efeitos na produção de
subjetividades. Neste aspecto, todo o sistema do aparelho escolar funciona baseado em
dois eixos que se cruzam: a execução do “ano letivo” e o cumprimento do “plano de
ensino”. No entanto, qual seria o resultado desse cruzamento entre a temporalidade e a
execução das tarefas educativas em “ensinar a matéria” ou “passar o ponto” quando se
apresenta na cena escolar a violência?
Em poucas palavras esse cruzamento entre o tempo e atividade teria como
resultado uma escola que possui eficiência em cumprir o programa, mas
paradoxalmente, apresenta uma baixa qualidade na eficácia na transmissão dos
conteúdos naquilo que possa permitir a elaborar sua própria existência como sujeito.
Isso pode também ser considerado como um elemento da “violência escolar”, qual seja,
a falta de educação no seu sentido mais verdadeiro – desculturalização do sujeito.
No nosso entender, em se tratando de eficácia na transmissão dos conteúdos
seria algo que possua algum significado para o sujeito em se tratando de compreender as
múltiplas determinações do real. (Cf. Marx, 1983, p. 218).
Em se tratando de transmissão do ensino a Psicanálise poderia servir de
parâmetro para o sistema escolar, pois a passagem a condição de analisado para a
posição de analista é algo que se realiza por um longo processo em que o vinculo entre
o terapeuta e o paciente em se está centrado no desejo. Portanto, o chamado processo
educativo é uma longa produção artesanal em que a base do “ensino” é o desejo. Neste
caso, surge uma questão, qual seja, onde estaria o desejo do sujeito no campo escolar?
O desejo é o elemento que forma o vinculo e que se estabelece no processo
analítico permitindo a passagem para posição da “escuta” na formação do analista. Esse
processo de escuta de si mesmo é que lhe permite as condições de elaborar o sintoma.
Em oposição totalmente contrária a essa situação o aparelho escolar define como
o “processo educativo” como algo que está diretamente relacionado com o “aprender a
matéria” numa relação “sem escuta” e pautada na execução repetitivas tarefas sem
desejo – a lição para casa. Neste aspecto, podemos afirmar que a educação a distancia
surgiu na educação presencial, ou seja, na sala de aula somos indivíduos distantes uns
dos outros – a perda do laço social e isso seria no nosso entender o elemento primordial
da “violência escolar”.
Esse “educar escolar” fica num tipo de “aprendizagem” em que o sujeito é
adestrado e, principalmente, a fazer coisas em que nada favorece a condição e elaborar
os efeitos do saber em seu estado de ser sujeito.
No entanto, partimos do pressuposto de que o educar deveria ser uma relação em
que se estabelece o cuidado ampliado de um para com o outro e quando isso ocorre o
que temos é a chamada relação educativa e, para tanto, a transmissão do saber que
estabeleça a relação entre significantes e significados é algo que se faz presente em
relações humanizam o sujeito. Para tanto, aquilo que se denomina como sendo a relação
educativa seria uma condição em que ambos sujeitos trocam experiências significativas
e que os promovem para um patamar acima do que se encontravam antes do encontro
educativo. No entanto, o que seria uma “experiência significativa”?
Podemos afirmar que no campo educacional uma “experiência significativa” é
quando estamos acolhendo uma verdade e, portanto, temos algo a dizer para o outro.
Em grande parte a leitura seria uma experiência de encontro com a verdade, mas essa
verdade não pode se estagnar em fundamentos que a torne a verdade um dogma. Assim,
o grande problema para aqueles que desejam pensar em se tornar educadores é como
escapar do dogma e, simultaneamente, pronunciar a verdade. Diríamos que o educador
anuncia parte da verdade, pois a totalidade da coisa em si é inalcançável, portanto, a
palavra que anuncia coisas do objeto sempre deixa escapar algo (Cf. Kosik, 1976).
A ciência seria uma tentativa de anunciar a parte da verdade do objeto, mas sem
a presença do sujeito desejante e, portanto, no processo de aprendizagem pautada na
“ciência educativa” no interior do aparelho escolar seria sempre possível não se
responsabilizar-se pela palavra proferida, pois em ultima instancia a ciência é neutra.
Para a Psicanálise aquilo que foi dito e interpretado produz os seus efeitos na
subjetividade e que permite o “responsabilizar-se” por movimentar-se o sujeito de um
lugar para outro, mas que não se possui nenhuma garantia em afirmar algo em ser o
sujeito.
Esse lugar do não saber ser sujeito é instigante para o inédito, pois amplia sua
maneira de existir e rompe com parte de sua “miséria neurótica” Para o campo
educacional esse algo a mais é poderia torna possível afirmar coisas para além da
repetição neurótica e isso seria o grande trunfo do aparelho escolar, pois o sujeito teria
uma experiência emocional também inédita no transcorrer de sua vida escolar o faz
compreender que as verdades sobre o objeto são transitórias como seu próprio modo de
ser sujeito apenas uma passagem que em muitas vezes com pouca compreensão.
Aprofundando essa questão da verdade dirimamos que a Psicanálise é cada vez
mais impertinente perante a educação quando evidencia que o sujeito que se apresenta
na relação possui uma posição de “má fé” (Cf. Sartre, 1997) que se refugia em algo não
compreendido e isso faz um contraponto com grande parte das teorias educativas que
afirmam categoricamente como o sujeito deve ser executor de tarefas. Esse seria o ponto
central das práticas educativas que instituem no campo escolar a perda da sensibilidade,
pois o fazer prático sem reflexão dos seus propósitos pode levar o sujeito a promover
situações em desacordo com princípios éticos.
Assim sendo, a impertinência da Psicanálise perante a educação denuncia a
dimensão do problema em que os sujeitos em grande parte não querem saber sobre o
seu modo de atuar perante o real – o sintoma como retorno do recalcado. Esse elemento
que faz a diferença entre o ensinar e o educar, ou seja, podemos ter um sujeito treinado
que foi ensinado a fazer coisas e isso pode tornar os futuros educadores como aqueles
que se permanecem como “sujeitos explicativos” e habilidosos em tirar dúvidas. (Cf,
Rancière, 2002). Contudo, como educar o sujeito para a constituição do pensamento
critico e romper com a situação do pensamento dogmático e alienado perante o real?
Diria que a base dessa ruptura seria o de ampliar no sujeito a condição de
reconhecer em si mesmo a “má fé” (Cf. Sartre, 1997) em não saber algo sobre o seu
próprio desejo e, principalmente, em estar aberto para os ensinamentos que o transforme
permanentemente a si mesmo no outro. Esse tipo de postura perante o saber exige do
educador uma flexibilidade que possa permitir movimentar de um lado para o outro sem
receios de abandonar as certezas. Para tanto, é significativa as palavras de Foucault ao
iniciar um curso com os seus alunos, pois afirma:
O que gostaria de dizer-lhes nestas conferências são coisas possivelmente
inexatas, falsas, errôneas, que apresentarei a título de hipótese de trabalho;
hipótese de trabalho para um trabalho futuro. Pediria, para tanto, sua indulgência
e, mais do que isto, sua maldade. Isto é, gostaria muito que, ao fim de cada
conferência, me fizessem perguntas, criticas e objeções para que, na medida do
possível e na medida em que meu espírito não e ainda rígido demais, possa
pouco a pouco a adaptar-me a elas; e que possamos assim, ao final dessas cinco
conferências, ter feito, em conjunto, um trabalho ou eventualmente algum
progresso. (Foucault, 1996, p. 07).
Sendo assim, grande parte da impertinência da Psicanálise perante os
“fundamentos da educação” seria essa tentativa de dialogo em que se rompe os
pressupostos educativos e deixa em aberto a premissa do educar com um arte de cuidar
do outro.
O curso de Psicanálise e Educação: a educação para sensibilidade na
contramão da educação como arte de ensinar tudo a todos.
Como professor da disciplina optativa Educação e Psicanálise oferecida em
2010 no curso de Licenciatura em que foi desenvolvida em sala de aula a tese de que
somente o sujeito implicado com as questões educacionais é que torna o presente a
impertinência em realizar as conexões entre a Educação e a Psicanálise, mais
propriamente, a interpretação das práticas educativas como algo que fica entre a
transmissão do saber e o “não saber” no campo da produção das subjetividades.
Para tanto, primeiramente tentamos reconstruir uma interpretação sobre o
conceito do sujeito psicológico que se encontra presente em diversas teorias da
educação hegemônica e que se apresentam no cotidiano escolar. Em seguida, a luz da
Psicanálise realizou uma desconstrução desse mesmo conceito e, simultaneamente,
reinventamos o sujeito no campo das relações educativas o posicionando na condição
do “não saber” e, principalmente, com a ampliação da tolerância para “receber o outro”,
ou seja,
A educação é o modo como as pessoas, as instituições e as sociedades
respondem à chegada daqueles que nascem. A educação é a forma com que o
mundo recebe os que nascem. Responder é abrir-se à interpelação de uma
chamada e aceitar uma responsabilidade. Receber é criar um lugar: abrir um
espaço em que aquele que vem possa habitar; pôr-se à disposição daquele que
vem, sem pretender reduzi-lo à lógica que impera em nossa casa. (Larrosa,
2004, p. 188).
Em nossa interpretação a impertinência na conexão entre a Educação e a
Psicanálise seria a realização de uma “educação terapêutica”, portanto, a realização de
relações educativas em que se possa permitir ao sujeito mobilizar seus afetos e elaborar
seus atos. Isso é algo que entra em direta oposição com a maioria das práticas
educativas que se direcionam para “aprendizagens de técnicas” e/ou a “memória de
informações” - atos sem pensamentos. Essa modalidade de educação pode promover a
tragédia, pois em grande parte pouco se compreende:
(…) em última análise, quem projeta um sistema ferroviário para conduzir as
vitimas a Auschwitz com maior rapidez e fluência, a esquecer o que acontece
com estas vítimas em Auschwitz. No caso do tipo com tendências à fetichização
da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar. Isto não deve
ser entendido num sentido sentimental ou moralizante, mas denotando a carente
relação libidinal com as outras pessoas. Elas são inteiramente frias e precisam
negar também em seu íntimo a possibilidade do amor, recusando de antemão nas
outras pessoas o seu amor, recusando de antemão nas outras pessoas o seu amor
antes que o mesmo se instale. (Adorno, 1995, p. 133).
Assim sendo, a formação dos futuros educadores deveria ser algo que tivesse a
critica a “ciência” que o desumaniza como um elemento básico para se que possa
aprimorar as potencialidades humanas ao invés de reduzir o sujeito a condição de objeto
o atrelando num reducionismo que muitas vezes fica circunscritos a aspectos cognitivos.
Neste caso, a transparência que a ciência é resultado de uma determinada interpretação
da realidade, mais propriamente, uma tentativa de compreende a “coisa em si”. (Cf.
Kosik, 1976).
Neste aspecto, podemos observar que no campo das teorias educativas
hegemônicas está presente uma dupla via, qual seja, que o educar é o elemento
fundamental para as produções de subjetividades e isso determina o conjunto de nossas
práticas educativas em proferir (interpretar) a realidade.
A primeira via do educar como produtor de subjetividades trata-se de uma
compreensão de que as nossas ações de práticas educativas por mais simples que sejam
acabam por produzir uma interpretação sobre o “sujeito psicológico” e, principalmente,
o modo de sermos sujeitos, pois de certa forma temos dificuldade de compreendermos,
ou seja,
Embora plenamente visível, a manifestação da identidade impermutável de
quem fala e age retém certa curiosa intangibilidade que frustra toda tentativa de
expressão verbal inequívoca. No momento em que desejamos dizer quem
alguém é; nosso próprio vocabulário nos induz ao equívoco de dizer o que esse
alguém é; enleamo-nos numa descrição de qualidades que a pessoa
necessariamente partilha com outras que lhe são semelhantes; passamos a
descrever um tipo ou “personagem”, na antiga acepeção da palavra, e acabamos
perdendo de vista o que ela tem de singular e específico. (Arenth, 2004, p. 194).
Portanto, o educar pode se torna um verdadeiro embate entre a tese hegemônica
de que a prática educativa estabelece as premissas básicas para a formação de uma
psicologia do sujeito que instituem o sujeito no campo das relações sociais e a nossa
hipótese de que o educar é uma esperança que nunca se realiza, pois o sujeito no campo
das relações sócias apresenta-se como sendo o inédito.
Esse embate acaba por se constituir numa certa compreensão do seja a unidade
entre a teoria e prática em se tratando do modo como se compreende o “sujeito
psicológico”, pois o fazer e pensar acabam por se tornar numa divisão no modo como
sujeito se representa a si mesmo perante o outro. Assim, aquele que pensa não se
responsabiliza pelo fazer e vice e versa, pois aquele que faz não se preocupa com o
pensar. Isso acaba por caracterizar um tipo de sociedade em que a responsabilidade
encontra dissolvida no campo das relações sociais.
Algo já se sabe no campo educacional em se tratando do ato de educar é que o
modo como compreendemos o sujeito acaba por determinar as nossas práticas
educativas. Isso pode ser observado no campo educacional nas diversas explicações
cientificas a respeito do “sujeito psicológico” e, principalmente, os seus pressupostos de
aprendizagem pautados em estímulos e respostas.
Nesta perspectiva, o elemento teórico é algo fundamental para organizar a
prática educativa, portanto, seria preciso inverter o aprimoramento da ciência da
educação no sentido de estabelecer “os fundamentos da educação” de como se deve
realizar a prática educativa.
O ponto central para inverter essa situação é que essas teses pautadas na ciência
da educação acabam por estabelecer uma separação entre a teoria e prática, pois de um
lado temos a ciência da educação e de outro lado o conjunto das práticas educativas a
serem aplicadas no sujeito e que muitas vezes fazemos coisas que não compreendemos
os seus aspectos teóricos e práticos.
No transcorrer do nosso curso de Educação e Psicanálise, em se tratando das
relações entre as teorias educativas e as práticas educativas seria preciso encontrar
pontos de contatos em que se possa romper com a concepção hegemônica do sujeito
psicológico e, para tanto, se deveria analisar a “filosofia do sujeito” a partir da
experiência vivida para se compreender as proposições que se estabelecem na sociedade
de mercado e que acabam por coisificar as relações humanas, portanto, o problema
educativo é romper com práticas e teorias que posicionam o sujeito na reprodução para
a condição inventiva em que possa inventar a si mesmo como o inédito.
Portanto, compreendemos a educação no paradoxo dessas duplas vias
(reprodução e produção) em que as determinações que se estabelecem entre a teoria e a
prática passam a ser aquilo que pode fazer a diferença no destino em ser o sujeito. De
um lado o conjunto de práticas que possam educá-lo produzindo subjetividades e, por
outro lado, a ciência da educação direcionando as práticas educativas como um conjunto
de ações que institui a verdade em ser sujeito.
A partir da Psicanálise e em oposição a essa situação da “ciência da educação”
partimos do pressuposto de pensar o conjunto das teorias educativas numa escuta que
permita outra modalidade de conexão com o real educativo, ou seja, o sujeito aprende
por situações que muitas vezes se encontram sem “explicações pedagógicas” e,
portanto, seria preciso estabelecer uma atenção para aquilo que podemos denominar
como sendo os detalhes educativos. Isso estaria diretamente relacionado com a unidade
entre as práticas educativas e, principalmente, um saber que desloca as ciências da
educação para um modo artesanal em fazer/pensar a educação.
Podemos considerar que esse “não saber” educar o sujeito podem ser divididas,
basicamente, em dois grandes grupos, quais sejam aquelas que se realizam no interior
da unidade escolar enquanto aparelho e como as mesmas tendem a possuir um caráter
científico e filosófico, pois são práticas realizadas por especialistas do campo
educacional que sabem algo sobre a “verdade educativa”.
O outro grupo são aquelas que se encontram difusas no social e, portanto, são
mais diversificas e não se constituem no âmbito da ciência e da filosofia, pois são
práticas realizadas por diversos tipos de sujeitos que se encontram no conjunto do social
e que podem variar do senso comum e poucas vezes alcançam a consciência filosófica.
Neste caso, podemos encontrar nesse grupo de educadores a produção de práticas
sociais que vão desde intelectuais que assumem cargos administrativos no
gerenciamento das cidades até aqueles que realizam de maneira espontânea e aleatórias
práticas sociais como sendo o resultado de diversos tipos de intervenções sem nenhum
tipo de projeto, mas insistem em aplicar políticas públicas.
Neste caso, a produção de determinadas práticas educativas e como estas
produzem subjetividades, mais propriamente, a ideia de “sujeito psicológico” é algo que
permitem um vasto campo de investigação em se tratando de compreender os aspectos
educativos do sujeito e seus motivos psicológicos para a perda da sensibilidade.
No entanto, o nosso ponto central de estudo no curso de Educação e Psicanálise
foi o de pensar o lugar do educador como aquele que pode tornar o (im)possível das
práticas educativas escolares como algo que possa reestruturar a si mesmo como uma
determinada compreensão do sujeito. Portanto, a especificidade da disciplina Educação
e Psicanálise é algo que possa estabelecer a critica do “sujeito psicológico” e remeter a
identificar no campo das teorias educativas hegemônicas algo que se apresenta em crise
no campo escolar nas diversidades de práticas educativas instituídas que se realizam na
reprodução no âmbito do processo de aprendizagem. Assim, o intelectual educador seria
aquele que apresenta a diferença em compreender o sujeito como algo representado e
inserido no tecido social e, principalmente, como aquele em que se encontra cindido por
um inconsciente que o torna muitas vezes incompreendido o seu modo de ser e existir.
Basicamente, ao fazer educativo dessa contraposição entre das teorias educativas
hegemônicas e a Psicanálise pode encontrar três suposições sobre os processos de
aprendizagem e o sujeito psicológico, qual seja, 1) o sujeito aprende por um exercício
da memória conceitual que pode ser exercida por uma continua repetição do conteúdo
(pedagogia tradicional); 2) o sujeito aprende por uma memória emocional que se realiza
no conjunto de ações e experiências que buscam favorecer os afetos no campo das
relações educativas (pedagogia nova); e por último, 3) o sujeito aprende por uma
memória neural que resulta na aplicação correta de estímulos de aprendizagem que
determinam o seu comportamento e, portanto, o conjunto de informação que o
possibilita ampliar seus conhecimento (pedagogia tecnicista).
Neste caso, a “violência escolar” pode ser interpretada como uma forma de
resistência em tornar os sujeitos objetos que se demarcam numa determinada inscrição
da memória, portanto, a mesma pode ser uma ruptura desses “processos educativos” e
adquirem também a qualidade de minimizar o sofrimento psíquico do mal estar na
cultura com o grau de perda de sensibilidade. Portanto, a “cena da violência escolar”
pode também ser interpretada como uma reação aos “processos educativos” para todos
aqueles que se inserem num social em passam a ser tratados como coisas. Os
apontamentos desses “processos educativos” que resistem aos modos de coisificar o
outro poderia ser parte daquilo que podemos denominar como sendo parte das conexões
impertinentes entre a Educação e a Psicanálise em se tratando do “retratos do mal-estar
contemporâneo na educação”.
Referências Bibliográficas
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