Batista Junior, Paulo Nogueira. “Superando a dependência”. São Paulo: Folha de São Paulo, 04 de outubro de 2001. Jel: E, G, H. Superando a dependência. Paulo Nogueira Batista Junior. A autonomia é a aspiração de toda nação que se preza. A ideologia dominante, na sua versão mais vulgar, sustenta que na era da "globalização" todas as economias são interdependentes. É uma falácia das mais vagabundas, o que não impede, entretanto, a sua ampla propagação. Parafraseando George Orwell, poderíamos dizer que algumas economias são mais "interdependentes" do que outras. Países como o Brasil devem seguir à risca a recomendação feita por De Gaulle (recomendação que eu já citei umas 500 vezes) ao jovem xá do Irã: "Vão lhe sugerir as mais variadas manobras e sutilezas. Não as aceite jamais. Eu só tenho um conselho a lhe dar, mas ele conta: faça tudo o que estiver a seu alcance para permanecer independente". No artigo da semana passada, falei da escandalosa dependência externa da economia brasileira, produzida essencialmente pela política econômica a que foi submetido o país nos últimos anos. Essa dependência nos sujeita a dificuldades cambiais recorrentes e impede a retomada do crescimento da economia. Um leitor pergunta: É possível superá-la? Como? É perfeitamente possível, e mais do que isso: o Brasil ainda está (Deus sabe até quando) em condições de enfrentar o problema sem recorrer a medidas extremas, capazes de danificar a credibilidade do país e as nossas relações com o resto do mundo. Evidentemente, o estrago produzido pela política econômica foi grande e a superação da dependência externa não será fácil nem rápida. Não será alcançada sem um esforço determinado, que precisa ser sustentado ao longo de vários anos. Um aspecto fundamental é a diminuição do desequilíbrio estrutural do balanço de pagamento em conta corrente. A experiência nacional e internacional tem mostrado, reiteradamente, que países em desenvolvimento não podem se dar ao luxo de incorrer em déficits de 3% a 4% do PIB. A instabilidade das condições internacionais, em especial dos mercados financeiros e de capital, não permite sustentar, com segurança, déficits superiores a 2% do PIB por muito tempo. Reduzir o desequilíbrio corrente do Brasil para cerca de 2% do PIB é mais difícil do que talvez possa parecer. As condições internacionais são adversas, como se sabe. Não se deve perder de vista, além disso, que o Brasil tem registrado déficits correntes consideravelmente maiores do que 2% do PIB com a sua economia crescendo a taxas medíocres. O desafio, naturalmente, é reduzir o déficit corrente e, ao mesmo tempo, permitir que a economia cresça, ao longo dos próximos anos, em ritmo expressivo -5% ao ano, pelo menos. Isso exige a mobilização sistemática de todo um arsenal de medidas de promoção das exportações e substituição de importações de bens e serviços. Nota bene: trata-se de incentivar e apoiar, sem frescuras doutrinárias, não só os setores da economia que geram divisas como também aqueles que economizam divisas. Simultaneamente, o Brasil precisa se preparar para regular de forma moderna, pragmática e seletiva os movimentos internacionais de capital. Controles bem pensados, de caráter preventivo, poderão nos poupar muitos dissabores no futuro. Convém examinar, com cuidado, a variada experiência internacional nessa área. E dotar o Banco Central dos meios necessários para administrar de forma razoavelmente eficaz a conta de capitais do balanço de pagamentos. Será preciso também aproveitar as oportunidades que surgirem para reforçar as reservas internacionais do país, que são a primeira linha de defesa em momentos de turbulência. Reservas relativamente baixas como as atuais deixam a economia à mercê de choques externos ou internos. No plano interno, o controle da inflação, a disciplina fiscal e o fortalecimento do sistema financeiro continuarão indispensáveis. Mas, sem uma atenção muito maior à defesa da posição externa da economia, não teremos condições de crescer com segurança. Caminharemos bovinamente para uma terceira década perdida em termos de crescimento econômico. As medidas sugeridas não são radicais ou drásticas. Mas tomadas em conjunto representariam uma reorientação substancial da política econômica brasileira. Não são medidas fáceis. Elas têm os seus custos. Mas esses custos são certamente menores do que os que voltaremos a suportar se continuarmos como estamos: financeiramente dependentes e submetidos a crises cambiais recorrentes, que impedem a economia de voltar a se desenvolver de forma sustentada.