MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA CÍVEL DA COMARCA DE CURITIBA VARA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, representando os interesses da comunidade, através de sua Promotora de Justiça adiante assinada, em exercício junto à Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde de Curitiba, situada na rua Mal. Floriano Peixoto, n.º 1251, CEP 80.230-110, Rebouças, Curitiba-Pr, nos termos do art. 129, inciso II da Constituição Federal, dos arts. 3º, 5º, 11, 12 e 19 da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985 e do art. 461 “caput” e parágrafos 3º e 4º do Código de Processo Civil Brasileiro, vem à presença de Vossa Excelência propor esta AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de medida liminar e de multa cominatória em face da Universidade Tuiuti do Paraná, situada na rua Mário Tourinho, n.º 1375, CEP 80.215-900, Curitiba-PR, na pessoa de seu sócio-gerente, Sr. Sydnei Lima Santos, da Srª Regina Mara Teixeira, brasileira, divorciada, sexóloga, Diretora da Clínica de Sexologia da Universidade Tuiuti do Paraná, com endereço residencial na rua Aristides Athayde Júnior, nº 588, apto. 103, Champagnat, Curitiba-PR, e do Hospital Erasmo de Roterdam, localizado na Rua Mateus Leme, nº 2600, Bom Retiro, também nesta capital, na pessoa de seu DiretorGeral Luiz Fernando Zarpelon, pelos motivos de fato e de direito que abaixo deduz: Lei n.º 7.347/85: 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Art. 11. Na ação civil que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela lei n. 5869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições. Código de Processo Civil: Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA I. DA LEGITIMIDADE DO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO AO PLEITO A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação do Ministério Público, atribui-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), ao mesmo tempo em que, dentre outras funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela assegurados, promovendo as necessárias medidas a sua garantia (art. 129, inc. II). No mesmo sentido é o art. 120, inc. II, da Constituição Estadual. Diante do contexto constitucional, extrai-se que o Parquet, de modo genérico, promove todas as medidas necessárias para a restauração do respeito dos poderes públicos aos direitos constitucionalmente assegurados. Consequentemente, clara está a legitimidade postulatória naqueles casos em que o poder público seja o patrocinador de lesão a direito líquido e certo, utilizando o remédio jurídico indicado e mais adequado. Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; No presente caso, claramente, ocorreu por parte dos requeridos Universidade Tuiuti do Paraná, da sexóloga Srª 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Regina Teixeira eo Hospital Erasmo de Roterdam, direta violação ao preceituado pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução nº 1482/97), que autorizou, experimentalmente, a realização de cirurgias de transgenitalização no Brasil, uma vez que inexiste qualquer equipe multidisciplinar acompanhando o paciente transexual, conforme se comprovará adiante, além de não se tratar, o Hospital em comento, onde até o momento foram realizadas 04 (quatro) cirurgias, de Hospital Universitário ou Público. Resolução CFM nº 1482/97: 3 . A seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios abaixo definidos, após dois anos de acompanhamento conjunto: diagnóstico médico de transexualismo; maior de 21 (vinte um) anos; ausência de características físicas inapropriadas para cirurgia; (grifos nossos) 4. As cirurgias só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa. (grifo nosso) Assim sendo, é clara a legitimidade do Ministério Público para o desencadeamento da ação civil pública no caso em tela, e imperativa é a desincumbência desse mister pela Promotoria de Defesa da Saúde Pública, um dos setores especializados do Parquet paranaense. Com efeito, no Estado do Paraná, a preocupação do Ministério Público em se constituir no efetivo defensor do povo resultou, dentre outras providências, no ato de criação da prefalada Promotoria de Proteção à Saúde Pública, quando então determinou-se a observância ao disposto no art. 129, inc. II, da Constituição Federal. Ora, se a qualquer membro 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA do Ministério Público incumbiria, por dever de ofício, promover as medidas necessárias à garantia ou efetivação dos direitos previstos na CF, com muito maior razão é de se exigir da Promotoria Especializada (da Saúde Pública) uma pronta e positiva atuação nas hipóteses ensejadoras de interposição da cabível ação civil pública. Diante do exposto, resta inconteste a legitimidade ad causam do Parquet, por sua especializada Promotoria de Defesa da Saúde Pública, no ajuizamento da ação civil pública para exercício da função institucional do art. 129, inc. II, da Constituição Federal. II. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE CF. art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; (grifo nosso) CF. art. 5º, inciso II : II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei Como é intuitivo, Estado de Direito nos conduz, com acerto, à idéia de supremacia da lei, ou seja, a lei como patamar de todas as suas ações. O Estado, pessoa jurídica que é, poderia, não fosse o Princípio da Legalidade, fazer tudo aquilo que a lei não proibisse. É o que preceitua o inciso II do art. 5º da CF, porém, o Princípio mencionado coloca o Estado como fosse um sujeito de direito despersonalizado, ou seja, somente podendo fazer aquilo que, expressamente, a lei lhe permita. 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA “Inseria-se por igual forma nessa concepção do Estado de Direito a limitação dos fins e tarefas do Estado à garantia da liberdade e segurança da pessoa e da propriedade individual”. (Celso Ribeiro Bastos/Ives Gandra Martins) Por certo, tal Princípio tem por escopo a proteção do cidadão, já que ele, quando erguido à condição de governante, titular de um poder supremo, teria, ainda que indiretamente, o controle dos seus atos exercido pela população, através da autorização expressa na legislação, previamente elaborada. Por outro lado, tanto a Universidade quanto o Hospital, pessoas jurídicas de direito privado, e a sexóloga, Srª Regina Teixeira, pessoa física, podem fazer tudo que a legislação não proíba, no dizer do artigo 5ª, II da CF. LC n.º 04/75 (Código Sanitário do Estado do Paraná): art. 1º - Todos os assuntos pertinente à saúde da comunidade do Estado serão regidos pelas disposições contidas nesta lei, no ato que a regulamentar e nas Normas Técnicas Especiais baixadas pela Secretaria de Saúde Pública, obedecendo, no que couber, à legislação federal vigente. (grifo nosso) Resolução CFM nº 1482/97: 3 . A seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios abaixo definidos, após dois anos de acompanhamento conjunto: diagnóstico médico de transexualismo; maior de 21 (vinte um) anos; 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA ausência de características físicas inapropriadas para cirurgia; (grifos nossos) 4. As cirurgias só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa. (grifo nosso) Decreto 3641/77 (Regulamento Sanitário): Art. 691 - Considera-se infração, para fim deste Regulamento, a desobediência ou inobservância das normas legais, regulamentares e outras que, por qualquer forma, se destinem à promoção, preservação e recuperação da saúde. (girfo nosso) Código de Ética Médica (Resolução 1246/88): É vedado ao médico: Art. 44. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente; (grifo nosso) Art. 124. Usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso no País, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis conseqüências. (grifos nossos) Lei 3268/57: Art. 2º. O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional, em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente. (grifos nossos) Se o Estado deve obediência à lei, se ele não pode agir se não quando autorizado por ela, natural que, não só, somente atue quando autorizado, mas, em atuando, o faça da forma como preceitua a norma jurídica. No caso em tela, se a legislação pertinente somente permite o procedimento médico mencionado, quando existente uma equipe multidisciplinar e, ainda assim, realizado em Hospital Universitário ou Público, claro nos parece que há infringência da legalidade na situação posta, fato que obriga o Poder Público, em vista do Princípio da Legalidade supra citado, à imediata proibição de funcionamento do Programa de Tratamento de Transexualismo da Universidade Tuiuti do Paraná, sob a responsabilidade da Srª. Regina Teixeira, uma vez que, se a legislação permite o procedimento com determinados pré-requisitos, uma vez inexistentes esses requisitos, em uma interpretação a contrario sensu, tal atividade estaria vedada. Constituição Federal: Art. 1.° A República Federativa do Brasil ..., constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: ... II - a dignidade da pessoa humana; (grifo nosso) Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso). Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (grifo nosso). Por seu turno, a Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080, de l9 de setembro de 1990) estabelece: Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Desta forma, sendo, o Estado, obrigado à obediência estrita à legislação e, esta, a contrario sensu, proibindo o funcionamento de um programa nos moldes do desenvolvido pela Srª Regina Teixeira, visando, por óbvio, proteger os cidadãos, urge, sejam os requeridos, proibidos de exercer qualquer atividade relativa ao tratamento do transexualismo, extinguindo o programa em foco. III. DOS FATOS. Foi instaurado, em 17 de abril de 2000, mediante portaria, o Procedimento Administrativo n.º 15/00, já que foi trazida ao conhecimento deste órgão, situação envolvendo o paciente transexual E.I. operado aos 26 de setembro de 1999, no Hospital Erasmo de Roterdam, nesta Capital, cujo resultado da cirurgia havia repercutido em problemas funcionais. Tal situação individual alertou esta Promotoria de Justiça, uma vez que soube-se 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA que outras 03 (três) haviam sido realizadas na mesma ocasião, para as questões genéricas relativas às cirurgias corretivas realizadas em transexuais, inseridos em um “programa” desenvolvido pela Universidade Tuiuti do Paraná, em tese, com respaldo na Resolução n.º 1482/97 emanada pelo CFM. Tal Resolução n.º 1482/97 (fls. 10/11), do Conselho Federal de Medicina, foi publicada em 19.09.97, com o seguinte objetivo: “autorizar a título experimental, a realização de cirurgia de Transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais como tratamento dos casos de transexualismo”. A referida resolução estabelece objetivamente quais são os pacientes que se enquadram na definição de transexualismo, bem como, os critérios à seleção dos mesmos para se submeterem a tal intervenção cirúrgica. Esta deve obedecer a certos requisitos, como, por exemplo, ser realizada avaliação do paciente por equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social; diagnóstico médico de transexualismo; dever ser realizada a cirurgia após dois anos de acompanhamento conjunto pela mencionada equipe multidisciplinar; os procedimentos cirúrgicos só poderão ser praticados em hospitais Universitários ou Hospitais Públicos adequados à pesquisa. Embasando-se na já citada resolução do CFM, a Universidade Tuiuti do Paraná, através de um programa coordenado pela requerida Sra. Regina Mara Teixeira, sexóloga, diretora da Clínica de Sexologia da referida Universidade, tendo como participantes os cirurgiões plásticos, Dr. Jalma Jurado (também professor Universitário em Jundiaí) e Dr. Pérsio Ferreira Filho, realizou um número de quatro cirurgias no Hospital Erasmo de Roterdam. A coordenadora deste programa de atendimento, a Sra. Regina Mara Teixeira, cuja formação acadêmica é na área de psicologia, exerce suas funções há vinte anos, junto a Universidade Tuiuti do 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Paraná, onde dirige a Clínica de Sexologia, existente dentro do Curso de Psicologia, sendo que ouvida nesta Promotoria de Justiça às fls. 49/55, declarou que: “...a já referida resolução do CFM autorizou então, para desenvolvimento em gestão acadêmica a realização da cirurgia de Transgenitalização, sendo que o doutor Jalma, sendo experiente em tais procedimentos (mais de cinqüenta realizados), se prestou à realizá-los dentro do programa desenvolvido pela declarante de forma graciosa; que neste contexto a declarante passou a fazer a avaliação de pacientes, sendo que quatro deles já foram submetidos a realização da cirurgia dentro do programa desenvolvido sob sua coordenação;... que no final do ano passado, após a declarante ter feito inúmeros contatos visando a viabilização, inclusive da cirurgia nesta cidade, e levando-se em conta já estar sendo feito o acompanhamento de mais três pacientes já considerados “prontos” para o ato operatório, o Dr. Jalma acompanhado do Dr. Pérsio, além de toda uma equipe considerada multidisciplinar, realizou um número de quatro cirurgias junto ao Hospital Erasmo de Roterdam; que tais cirurgias se deram entre a sexta-feira e o sábado, tendo o já citado transexual feminino sido submetido a uma nova cirurgia, que visou a adaptação da uretra o neofalo; que para tanto foram envolvidos os residentes de medicina que faziam estágio no hospital, de cuja faculdade a declarante não sabe informar; ...ressaltou a declarante que o hospital foi “super aberto” e compreensivo a tais situações; que todos os pacientes submetidos às intervenções cirúrgicas foram devidamente informados das eventuais complicações, as quais costumam ocorrer em até cinqüenta por cento dos casos e compreendem desde infecção até a necessidade de retoque; que a declarante esclarece nesta oportunidade que a vaginoplastia é considerada de menor complexidade do que a neofaloplastia, uma vez que esta compreende o aproveitamento do tecido para a feitura do pênis e costuma não ocorrer em uma só cirurgia; que no caso específico que deu origem aos presentes autos e envolvem a pessoa de E.I, esclarece que por se tratar de descendente da raça japonesa, como característica apresenta uma cicatrização mais rápida do que a normal, o que implica em diversas conseqüências, inclusive na permanência do uso de sonda para urinar por um tempo maior; que a referida paciente, desta forma está tendo um problema de estenose (fechamento uretral), o que dificulta o ato de urinar, justamente porque a cicatrização se deu de forma muito rápida;... que a declarante informa ter conhecimento de que o procedimento não é previsto na tabela do SUS, sendo que os pacientes inscritos no programa, incluindo-se os oito já operados, representam um número de 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA quarenta e um; que a declarante informa que junto a Universidade Tuiuti, não é cobrada qualquer importância do interessado, caso este não reuna condições de arcar com gastos, que são cobrados através de uma tabela representada por UVR, na qual se leva em conta a renda do envolvido; ... que a declarante esclarece que contatou com o Hospital Erasmo de Roterdam, através do contato feito por meio de uma paciente, cujo irmão trabalha para um vereador; que as cirurgias não mais se realizaram em função da falta de local e porque o Hospital alega ter um custo muito alto; que a declarante tem feito contatos com o Hospital de Clínicas, através de indicação do Dr. Armando Raggio, estando inclusive disposta a gestionar em Brasília a viabilização de tal procedimento; que ainda nomina o profissional Dr. Tadeu Brenny Filho (urologista), o qual igualmente está engajado no programa;... que em relação a resolução que trata da questão, a declarante informa que o CFM e o CRM não exercem qualquer controle sobre o desenvolvimento do programa que torna viável o procedimento autorizado a título experimental, valendo dizer que o citado Dr. Júlio Cesar, (Secretário do CFM), teria autorizado publicamente as intervenções feitas pelo Dr. Jalma, muito embora o CFM não tenha se pronunciado em tal sentido de forma expressa; que a declarante indagada informa que não existe médico psiquiatra avaliando os pacientes interessados, sendo que a seu ver não é necessário, já que a presença do psicólogo excluiria tal necessidade; que a declarante nesta oportunidade igualmente esclarece que o médico psiquiatra firmaria laudo referente a existência de eventual distúrbio mental do inscrito, enquanto psicólogo emite além de tudo um laudo psicosexual; que a declarante informa que a assistente social que atualmente presta atendimento e integra a necessária equipe multidisciplinar, atende pelo nome de Alessandra, estando lotada junto a Vara de Família da Capital; que a declarante igualmente afirma conhecer o teor da resolução em seu item “4”, quando diz que as cirurgias só poderão ser praticados em Hospitais Universitários ou Públicos, adequados a pesquisa, motivo pelo qual está gestionando a inclusão do HC no programa; que a declarante igualmente afirma ter conhecimento da previsão expressa na legislação penal brasileira, que corresponde ao tipo penal de lesão corporal gravíssima, sendo o ato cirúrgico que se realiza em tais pessoas, pode se entendido como tal, oportunidade em que igualmente esclarece que voltando-se para tal questionamento, integrou em conjunto com vários operadores do direito um estudo, no qual se discutiu a questão, dentre os quais pode nominar o Dr. Lenz Cesar, Dr. Ivan Xavier Viana Filho e Dra. Joeci Camargo; que tal estudo compreende a realização de uma reunião lavrada em ata realizada no gabinete do 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA tribunal já a quase dois anos; ... que nesta oportunidade a declarante se compromete a apresentar junto a esta promotoria de justiça toda a documentação referente ao programa que envolve a resolução do CFM, incluindo-se a forma pela qual se deu a constituição da necessária equipe multidisciplinar, com o nome de seus membros, os inscritos, inclusive aqueles que já realizaram a cirurgia de forma exitosa”. (grifos nossos) Posteriormente, às fls. 97 do procedimento administrativo, o Hospital de Clínicas em resposta à solicitação da requerida Sra. Regina, manifestou-se no sentido de que sua estrutura, reconhecidamente, uma das melhores do Estado, além de se adequar às exigências contidas na Resolução, não estaria em condições de viabilizar os procedimentos em tela, mesmo após acompanhamento psicológico por mais de dois anos. Às fls. 107, vê-se o ofício nº 537/00 de 30.06.00, em que foram requisitados os documentos que a requerida Sra. Regina Mara Teixeira, teria se comprometido em declarações a apresentar nesta Promotoria de Justiça, relativos ao programa da Universidade Tuiuti do Paraná, além da indicação de dois contatos telefônicos feitos em 17.07.00 e 01.08.00 através de assessoria jurídica, onde em um deles a requerida, Sra. Regina Mara Teixeira teria se declarado impedida de fornecer a documentação, por “motivos éticos”, olvidando-se por certo de que tal argumentação não procede frente às investigações que estavam sendo levadas a efeito por este órgão. Às fls. 156/163, se vê publicação de circulação na internet, onde há clara indicação de que o procedimento estava sendo feito pelos requeridos, ou seja, a Sra. Regina Mara Teixeira sempre se apresentou como representante da Instituição de Ensino e efetuou os atendimentos do programa utilizando-se da estrutura física da Universidade Tuiuti do Paraná, o que era do conhecimento de todos e assim foi veiculado por todos os meios, valendo dizer que a requerida Universidade Tuiuti do Paraná sempre foi vista como referência no programa em desenvolvimento, conforme pode se extrair da leitura dos autos. 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Às fls. 169, novo ofício (nº 628/00) a Srª Regina Mara Teixeira, reiterando a requisição de documentos anterior e, novamente, a requisição ministerial foi ignorada. Ouvido nesta Promotoria de Justiça, às fls. 173/178, o Dr. Pércio Ferreira Filho declarou que: “...o declarante esclarece ter sido cirurgião auxiliar nas quatro cirurgias de transgenitalização realizadas entre os dias 25 e 26 de setembro de 1999 no Hospital Erasmo de Roterdam, sendo que três delas foram de transexuais masculinos para femininos e uma de feminino para masculino;...que o declarante esclarece que o procedimento foi e continua sendo autorizado pelo CFM através de Resolução, sendo que à época existiam 28 pacientes que vinham desenvolvendo o programa junto à Clínica de Sexologia da Universidade Tuiuti do Paraná, tendo sido 04 deles escolhidos para realização das cirurgias; que o declarante indagado, esclarece que a pessoa responsável pelo desenvolvimento do programa se trata da Drª Regina, a qual é igualmente responsável pela citada clínica, se considerando o declarante um dos membros da equipe multidisciplinar existente;... que para a realização das cirurgias foi tentado viabilizar hospital público ou universitário, o que não foi possível, sendo que ouviu dizer que através de uma paciente se chegou ao hospital Erasmo de Roterdam..; ...que o declarante informa também serem membros da equipe multidisciplinar o Dr. Tadeu Brener (Urologista) e a Drª Maria de Tal (Ginecologista), sendo que somente o primeiro acompanhou as cirurgias realizadas;... que o declarante afirma existir junto à clínica de sexologia da Universidade Tuiuti do Paraná uma equipe referenciada como multidisciplinar, conforme preceitua a Resolução do CFM; que indica como membro da referida equipe o Dr. Tadeu Brener (médico urologista), a Drª Maria de Tal (médica ginecologista), além de existir um médico psiquiatra, assistente social, geneticista, endocrinologista, cujos nomes não sabe indicar, porém são referenciados pela equipe da Drª Regina, a qual seguramente saberá dizer de quem se tratam;...que o declarante informa que somente participou de cirurgias de transgenitalização nas ocasiões descritas nos presentes autos; que o declarante informa que atualmente tais cirurgias em novos pacientes não mais foram realizadas, muito embora haja a insistência de vários pacientes, sendo que o declarante está aguardando uma solução do CRM e do Ministério Público;...”. (grifos nossos) 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Em 27.09.00, nova requisição foi feita a Sra Regina Mara Teixeira através do ofício nº 808/00 (fls. 184) e, novamente, o mesmo foi ignorado por ela, não obstante o alerta de que a recusa reiterada poderia ensejar seu processamento por crime de desobediência. Diante da tentativa infrutífera de ouvida do Sr. Sócio-gerente da Universidade Tuiuti do Paraná, face o estado de saúde do mesmo, conforme manifestação desta Promotora de Justiça de fls. 180, compareceu a este órgão, representando a instituição de ensino, também requerida, conforme fls. 188/191, o Sr. João Henrique Faryniuk, Diretor da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná, o qual informou sinteticamente que, no concernente às cirurgias de transgenitalização realizadas por iniciativa do programa de atendimento fornecido por tal Universidade, não foi assunto de discussão entre os Colegiados, tomando conhecimento apenas informalmente, acrescentando, inclusive, que este programa não está sendo desenvolvido pela referida instituição de ensino, uma vez que não observou os trâmites exigidos para tanto. Esclarece também que as pessoas envolvidas com tal programa não são vinculadas de qualquer forma à Universidade Tuiuti, inclusive que os profissionais médico-psiquiatra, cirurgião e assistente social não compõe os quadros da Universidade Tuiuti do Paraná, bem como, desconhece a existência do “Comitê de Identidade Sexual”. Reafirma que esse tipo de intervenção cirúrgica não tem a participação oficial da Clínica de Sexologia e nem da Universidade Tuiuti do Paraná, e afirma categoricamente que não existe na referida Universidade um grupo multidisciplinar, mesmo sob qualquer outra denominação, para fazer o acompanhamento pré-operatório das cirurgias de Transgenitalização. (grifo nosso) Às fls. 288/290, o Dr. Thadeu Brenny Filho declarou que: “o declarante é médico urologista e membro da Sociedade Brasileira de Urologia desde o ano de 1986, pelo que lembra o ano de 1996 ou 1997 dá aulas, como convidado no curso de Psicologia e na pós-graduação de Sexualidade Humana da Universidade Tuiuti do Paraná e também por isso há uns 2 anos atrás passou a fazer parte do Comitê de Identidade Sexual da Clínica de Sexologia da já mencionada universidade”. (grifo nosso) 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Ouvida às fls. 291/292, a Drª Maria Eugênia Sabóia Baggio declarou que: “é médica com especialidade em Ginecologia e Obstetrícia além de sexologia; afirma que não faz parte de um grupo de profissionais que atendem pacientes na Universidade Tuiuti do Paraná, mas a pedido da psicóloga Regina Teixeira atendeu e examinou quatro pessoas que haviam se submetido a cirurgias de mudança de sexo; a declarante jamais teve qualquer contato com interessados em cirurgia de mudança de sexo antes das intervenções e somente conheceu quatro deles como já explicou, após as operações;...que dessa forma taxativamente diz que não participa e nunca participou do Comitê de Identidade Sexual da Universidade Tuiuti do Paraná e profissionalmente não tem qualquer interesse em integrar esse grupo”. (grifos nossos) Em declaração (fls. 305/307) prestada nesta Promotoria de Justiça, na data de 10 de janeiro de 2001, A.C.M, VicePresidente do Instituto Paranaense 28 de junho - Conscientização e Direitos Humanos, afirmou que tomou conhecimento do serviço prestado pela Universidade Tuiuti e pela Dr.ª Regina Mara Teixeira, no que se refere à cirurgia de Transgenitalização, através de reportagens jornalísticas, tendo tal programa o intuito de realizar a cirurgia de Transgenitalização. Ao participar de tal programa, costumava questionar a forma com a qual era conduzida a questão envolvendo os transexuais, uma vez que o acompanhamento somente se dava a nível psicoterápico, sabendo a declarante em função do conhecimento que tem da questão, de que é necessário a avaliação com endocrinologista, psiquiatra, dentre outros profissionais da área. Aduz ainda que, após a intervenção do Ministério Público, soube que diversos procedimentos foram cancelados; tendo-lhe sido atribuída tal responsabilidade, bem como tem conhecimento que há, na data atual, o tratamento a cerca de 04 pacientes, inclusive, do interior do estado, contudo, desconhece no que constitui esse tratamento que ainda é mantido pela Sra. Regina. Segue que tais cirurgias provavelmente estariam sendo realizadas em Londrina, PR. sob a responsabilidade do Dr. Márcio Dantas de Menezes, em conjunto com as requeridas. Que as informações podem ser obtidas inclusive, junto ao “site” do referido médico, donde se vê que as consultas são cobradas e teria sido informado que existe convênio com as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, o que é uma inverdade. 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA No curso do procedimento, foi ouvido o cirurgião responsável pelas cirurgias realizadas, Dr. Jalma Jurado, através de carta precatória, conforme fls. 226/227, sendo evidente que se trata de profissional com ampla experiência em tais cirurgias, e que teria conhecido a requerida Regina Mara Teixeira no Rio de Janeiro, RJ, daí tendo surgido o convite para que o mesmo acompanhasse o tratamento de alguns casos de disforia de gênero (transexualismo), tanto que veio até esta cidade nos dias 25 e 26 de setembro de 1999 e realizou as cirurgias. Após manifestação desta agente de fls. 356/375, foram encaminhadas cópias dos autos ao Juizado Especial Criminal através do ofício, conforme fls. 376, visando a solução da situação vivenciada pelo paciente E.I., tendo se seguido o feito no aspecto cível. Aqui incumbe esclarecer-se que o CRM-PR foi participado da situação, conforme se vê do ofício de fls. 99, tanto que instaurou Sindicância visando apurar as questões éticas envolvidas, conforme informado aos 27 de julho de 2000, através do ofício de fls. 154, sendo que a última informação de 30 de outubro de 2000 é de que a mesma estava em instrução, conforme fls. 297. Ressalte-se que o CFM se pronunciou no sentido de que os Conselhos Regionais deveriam exercer a fiscalização em suas áreas jurisdicionadas (fls. 246). Resumidamente, vale dizer que após inúmeras e infrutíferas tentativas de tentar obter os nomes dos profissionais que comporiam a citada “equipe multidisciplinar” da Srª Regina Mara Teixeira, claro fica que a mesma inexiste, aliada ao fato de não terem sido realizados os procedimentos cirúrgicos em hospital universitário ou público, motivação mais que suficiente para a propositura desta ação civil pública em defesa da coletividade de pacientes com desvios sexuais, antes que mais pessoas sofram conseqüências funcionais e estéticas até mesmo irreparáveis, com as cirurgias realizadas em desconformidade com as exigências legais. Os pacientes que buscam tal alternativa de tratamento, sem dúvida estão fragilizados e descontentes com suas condições 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA particulares e depositam todas as suas esperanças no atendimento que vem sendo prestado pela Universidade Tuiuti do Paraná, através de sua Clínica de Sexologia, cuja responsável é a Sra. Regina Mara Teixeira, já que aqui encontram a possibilidade de virem a resolver aquilo que se entende como seus problemas, não cabendo a eles por certo, duvidarem ou desacreditarem da falta de estrutura e condição do atendimento que vem sendo feito. Aqui, incumbia à instituição de ensino através de seus membros ter iniciado sim, um programa que hoje conta com respaldo médico-cientifíco, porém observando aos critérios elencados através da Resolução do CFM, cujo resultado retratou ampla consulta e estudo, na qual se visou resguardar a mínima segurança àqueles envolvidos. Ora, a Sra. Regina Mara em declaração prestada junto a esta Promotoria de Justiça, entendeu por bem em desconsiderar a exigência de um médico psiquiatra na equipe multidisciplinar, alegando que o psicólogo supriria tal falta, conforme já citado, enquanto que a Resolução previu tal necessidade pelo fato de que o paciente deve ser submetido a uma averiguação de eventual psicopatologia, cujo diagnóstico por certo incumbiria a um médico e não a um psicólogo firmar, conforme fls. 122. Se está com a presente Ação Civil Pública pretendendo conter os impulsos irresponsáveis e inconseqüentes que vem levando a requerida Sra. Regina Mara Teixeira a não só encampar, como dar continuidade a um programa de “acompanhamento” falho e que não atende aos preceitos firmados, gerando uma expectativa nos pacientes inscritos e ainda, uma falta de atendimento adequado e devido no pós-operatório, como é o caso do paciente E.I.. Prova disso é que não existe qualquer hospital público ou universitário que tenha concordado em abrigar em sua estrutura a realização de tais cirurgias, tendo porém, as quatro realizadas sido acolhidas em hospital privado, o que demonstrou igualmente uma irregularidade. IV. O DIREITO À SAUDE NA CONSTITUIÇÃO E NA LEGlSLAÇÃO. A SUA VIOLAÇÃO NA ESPÉCIE. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA A atual Constituição Federal e a Lei Orgânica de Saúde consagraram a prevalência de determinados direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida e à saúde, que no caso concreto foram flagrantemente vulnerados. A mera leitura dos dispositivos constitucionais que seguem, em confronto com a hipótese dos autos, revela de pronto a lesão em causa: Art. 1.° A República Federativa do Brasil, (...), constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: II- a dignidade da pessoa humana; Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90): Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação . Portanto, a Constituição da República e a Lei Orgânica da Saúde tutelam firmemente o direito do cidadão à saúde e impõe ao Estado o dever de garanti-lo, reconhecendo ao usuário um direito público subjetivo que o legitima a exigir esse acesso e assistência do Poder Público. Ressalte-se, desde logo, que a aplicação destes princípios legais, é imediata, não necessitando assim, de regulamentação. Comentando o assunto, veja-se a doutrina de Sueli Gandolfi Dallari: "Isto significa que ninguém - legislador ou administrador pode alegar a ausência de norma regulamentadora para justificar a não aplicação imediata da garantia do direito à saúde”. Por outro lado, a saúde não é apenas uma contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um direito fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser universal, igualitário e integral, não se podendo prestar "meia-saúde", ou seja, fornecem-se algumas prestações e negam-se outras, ou fornecem-se apenas aquilo que permitem os recursos do momento. E não é outro o entendimento que deflui do conceito de direito à saúde, elaborado por Tupinambá Miguel Castro do Nascimento: “Todo ser humano, pelo simples fato de ter nascido com vida, no momento do nascimento adquire o direito subjetivo à sua saúde, direito que lhe acompanha até a morte. E, como é direito exigível do Estado, no que 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA concerne à sua proteção, trata-se de direito subjetivo público, estruturando-se uma relação jurídica específica entre cada ser humano e o Estado, em que aquele é o credor e este, o devedor”. O direito de acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, também está previsto na Constituição do Paraná em seu art. 167: " A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a prevenção, redução e eliminação de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação." (grifo nosso) Com tudo isto, diante do desrespeito ao direitos mais comezinhos dessa coletividade que necessita de um tratamento amplo de sua sexualidade, e que viu no programa da Universidade Tuiuti do Paraná, se não a única, pelo menos, uma chance de pacificar seus enormes conflitos internos, embora correndo o risco de ser mutilada física e psicologicamente, é que se pleiteia a tutela jurisdicional no sentido de impedir a continuação dessas experiências irregulares executadas pela Sra Regina Mara Teixeira, através da Universidade Tuiuti do Paraná, junto ao Hospital Erasmo de Roterdam ou em qualquer outro nosocômio deste Estado, efetivamente, garantindo a saúde desta população. Desta forma, o direito da coletividade aqui assistida é incontestável, de berço constitucional, devidamente demonstrado na sua existência e individualizado na sua extensão. IV. DO PEDIDO LIMINAR. 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Para a concessão da liminar devem concorrer dois requisitos legais, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora. O fumus boni iuris é a existência e ocorrência do direito substancial invocado por quem pretende a segurança, o que já foi castamente demonstrado pelas razões de direito apresentadas. O periculum in mora se configura em um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, e que, no caso em questão, se caracteriza pela gravidade e potencial letalidade das conseqüências advindas da cirurgia de transgenitalização desacompanhada dos requisitos exigidos pela classe médica nacional, representada pelo Conselho Federal de Medicina, a exemplo do ocorrido com o paciente E.I, que deu origem ao presente procedimento, que possivelmente enfrentará problemas físicos e psicológicos pelo restante de sua vida, cuja correção cirúrgica para o seu problema aliás, não está sendo assumida pelos seus responsáveis, ou seja, a Sra. Regina Mara Teixeira e Dr. Jalma Jurado, gerando um problema funcional com conseqüências sérias e desagradáveis. Aqui, observese que se o programa de acompanhamento e cirurgia tivesse se realizado dentro do profissionalismo pertinente, o referido paciente não teria sido tratado com tamanho descaso, o que lhe obrigou a recorrer ao Ministério Público, que está tentando compor o problema através do Juizado Especial Criminal conforme antes mencionado. Logo, diante das conseqüências irreversíveis que podem advir da execução irregular de cirurgias dessa natureza, com profundas modificações de ordem anatômica, moral, psicológica e, mesmo, profissionais, é que se pleiteia a concessão da liminar, no sentido de determinar a suspensão do programa de tratamento de transexualismo da Universidade Tuiti do Paraná e da Srª Regina Mara Teixeira, onde quer que se desenvolva no Estado do Paraná, visando impedir o descumprimento da Resolução que disciplina tais cirurgias, além da mutilação de mais pacientes que, em vista do desespero, submetem-se em qualquer situação, sob qualquer risco, admitindo graus crescentes de degradação, tentando livrar-se da incongruência em que vivem, 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA cominando-se multa pelo atraso no cumprimento desta decisão liminar, nos termos da Lei (art. 461, pár. 4º do CPC). Citando a lição de Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos: “Em primeiro lugar a assistência integral combina, de forma harmônica e igualitária, as ações e os serviços de saúde preventivos com os assistenciais ou curativos. (grifo nosso) V. DO PEDIDO. Isto posto, protestando-se pela produção de todas as provas admitidas em direito, pleiteia-se: a. a citação dos requeridos nos endereços mencionados, para que, querendo, apresentem no prazo da lei a contestação que entenderem pertinente; b. o deferimento da tutela liminar, na forma e pelas razões invocadas, observado o procedimento legal; c. a cominação de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pelo atraso na cessação das atividades em tela; d. seja julgada procedente a ação nos termos do pedido liminar retro gizado, ou seja, determine-se a proibição do tratamento de transexualismo realizado pela Universidade Tuiuti do Paraná e pela Srª Regina Teixeira, no Hospital Erasmo de Roterdam e em todo o Estado do Paraná, já que a forma como o mesmo vem se desenvolvendo não atende ao contido na Resolução do CFM e, portanto, acaba por gerar uma expectativa infundada nos pacientes inscritos, cujo rol não se pode determinar em função da requerida não ter atendido às reiteradas requisições deste órgão, o que ensejará a tomada das providências pertinentes. 23 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE CURITIBA Dá-se à causa, apenas para fins fiscais, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Nestes Termos, Pede Deferimento. Curitiba, de 08 de maio de 2001. MICHELE ROCIO MAIA ZARDO Promotora de Justiça TESTEMUNHAS: 1 - Jalma Jurado, cirurgião plástico, endereço comercial na rua Carlos Souza Lima, nº 255, Jundiaí-SP; 2 - Edimo Iriguti, costureiro, endereço residencial na rua Professor Porto Veloso, nº 106, Vila Guaíra, Curitiba-PR; 3 - Alexandre Caldas de Miranda (Maitê), endereço comercial na rua 13 de maio, nº 1206/03, centro, Curitiba-PR; 24