1 Análise da distribuição geográfica da malária nas regiões operacionais 4, 6 e 9 de Porto Velho. Iria Cristiane Martins de Barros Freitas1 Ana Lúcia Escobar2 RESUMO: A malária constitui uma das principais morbidades do estado de Rondônia, porém não ocorre de forma homogênia. Porto Velho ainda apresenta um grande número de casos da doença. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde (SEMUSA), Porto Velho é, atualmente, dividido em nove regiões operacionais, o que facilita a realização das atividades do controle das endemias, em especial o Programa Municipal de Controle da Malária (PMCM). O objetivo deste artigo é analisar aspectos epidemiológicos desta endemia nas zonas operacionais 4, 6 e 9, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2008. Foi realizada uma análise da população total de cada região, os seus respectivos Índices Parasitários Anuais (IPA), a distribuição da malária por tipo de plasmodium, além da quantidade de casos de malária por plasmodium falciparum e outros. O Índice Parasitário Anual (IPA) nessas localidades alcançou valores maiores que o registrado para o estado de Rondônia. Estes achados refletem as condições sócio-econômicas, culturais e geográficas em que vivem estas populações, e alertam para as deficiências metodológicas nas estratégias de controle e vigilância nessas áreas. É necessário, portanto, medidas de intervenção que estejam adaptadas a essas áreas. PALAVRAS-CHAVE: Epidemiologia, Malária, Rondônia, Porto Velho. ABSTRACT: Malaria is a major morbidity of the state of Rondônia, but is not so homogeneous. Porto Velho still has a large number of cases of the disease. According from the Municipal Secretariat of Health (SEMUSA), Porto Velho is currently divided into nine operational regions, which facilitates the implementation of activities under control of endemic diseases, particularly the Municipal Program for Malaria Control (PMCM). This article aims to examine epidemiological aspects of endemic areas operating 4, 6 and 9, from January 2004 to December 2008. We performed an analysis of the total population of each region, their annual parasitic index (IPA), the distribution of malaria by type of plasmodium, and the number of malaria cases by Plasmodium falciparum and others. The annual parasite index (IPA) reached higher values in those locations that registered for the state of Rondônia. These findings reflect the socio-economic conditions, cultural and geographical living in these populations, and attention to the methodological shortcomings in the strategies of control and surveillance in these areas. It is necessary, therefore, the intervention measures that are adapted to these areas. KEYWORDS: Epidemiology, Malaria, Rondônia, Porto Velho. INTRODUÇÃO A malária em Rondônia, e especialmente, em Porto Velho, é um desafio. A capital do Estado apresenta grande vulnerabilidade para instalação de criadouros. Porto Velho continua sendo isoladamente responsável por 21,25% do total de casos de malária no Estado de Rondônia. Em 1999 a área urbana do Município foi responsável por 24,18% dos casos e o Índice Parasitário Anual é da ordem de 13.16/1000 habitantes. Isto mostra que o Município ainda apresenta ambientes propícios à manutenção desta endemia (SIMÃO, 2001). O objetivo deste trabalho, portanto, é analisar a distribuição geográfica da malária no município de Porto Velho, com elaboração do perfil epidemiológico baseado em geoprocessamento para confecção de mapas temáticos que apontam as causas e as 2 interferências ambientais na proliferação dessa endemia nas Regiões 4, 6 e 9 do respectivo município. O estudo será referente ao período de 2004 a 2008. ÁREA ESTUDADA E MÉTODOS A SEMUSA divide Porto Velho em nove regiões operacionais, o que facilita a realização das atividades do controle das endemias (figura 1). A área estudada engloba as regiões operacionais 4, 6 e 9. A quarta região começa após a Balsa de Abunã e se estende até o distrito de Nova Califórnia. A região possui sessenta e cinco localidades, com áreas de desmatamento e serrarias. Atende a muitos casos oriundos de Lábrea-AM e executa ações de controle em localidades deste município. O ponto de apoio logístico localiza-se no distrito de Nova Califórnia. A sexta região compreende a região dos distritos de Mutum-Paraná e Abunã. Inicia-se no Km 105 da BR 364 sentido Acre, até a Boca do Abunã (balsa), limita-se com o município de Nova Mamoré. Atualmente é composta por um assentamento e um acampamento já em fase de assentamento, além de muitos garimpos. E composta de setenta e cinco localidades. O ponto de apoio logístico se encontra no distrito de Mutum-Paraná (Ibidem). A nona região compreende toda área de invasão de Rio Pardo, fazendo divisas com os municípios de Campo Novo e Buritis, o acesso se dá por este último. Esta região possui vinte e cinco localidades, e ainda não dispõe de ponto de apoio, é assistido pelo município de Buritis (Ibidem). Os dados referentes à malária nas zonas operacionais 4, 6 e 9 do município de Porto Velho foram coletados por meio do acesso ao Sistema de Informações de Vigilância Epidemiológica da Malária (SIVEP-Malária), permitindo uma análise desse material quanto à população total de cada região, os seus respectivos Índices Parasitários Anuais (IPA), a distribuição da malária por tipo de plasmodium, além da quantidade de casos de malária por plasmodium falciparum e outros dados. Esse material resultou em um banco de dados o qual fora lançado em planilhas do Microsoft Excel para melhor análise e formulação de tabelas e gráficos, as quais, depois de confeccionadas, permitiram a criação de mapas temáticos gerados no programa Terra View fazendo-se a relação da malha digital da zona operacional em questão com risco para malária por meio dos valores do IPA. Sobre o geoprocessamento, o método escolhido para a investigação do padrão de distribuição dos eventos localizados pontualmente (considerando as coordenadas) foi a interpolação e alisamento através de um Kernel gaussiano (Bailey & Gatrell, 1995). Este 3 permite estimar a probabilidade de ocorrência de um evento em cada cela de uma grade regular, sendo cada célula desta grade a média ponderada de todos os valores da vizinhança, cujos pesos são atribuídos utilizando uma função - nesse caso a gaussiana - de distribuição de probabilidades. Pautado nestes resultados, serão agregados os possíveis fatores determinantes da ocorrência da malária. Figura 1: Mapa de Porto Velho com a distribuição das regiões operacionais para controle da malária Fonte: SEMUSA/PVH RESULTADOS E DISCUSSÃO Distribuição da malária na região operacional 4 A quarta região começa após a Balsa de Abunã e se estende até o distrito de Nova Califórnia. O número de casos de malária registrados por local de infecção referentes à zona operacional 4 de Porto Velho no período estudado foram os seguintes: no ano de 2004 – 4.385 casos; em 2005- 3.884; em 2006- 3.271; em 2007- 2.015 e em 2008- 1.426 casos (Tabela 01). Esses dados demonstram uma possível melhora do controle da doença uma vez que os números vêm decrescendo como passar dos anos. Tabela 1: Número de habitantes; Casos absolutos de malária; IPA; IFA; Infecções por Falciparum; Infecções por Vivax referentes à zona operacional 4 do município de Porto Velho de 2004- 2008. Ano Pop. Total N˚ casos IPA IFA Falciparum Vivax 2004 2005 2006 2007 9046 8902 9078 8177 484,7 436,3 360,3 246,4 32,6 28,6 26,4 29 1355 1059 833 574 2955 2773 2406 1431 4385 3884 3271 2015 4 2008 8159 1426 174,8 20,1 278 1139 Fonte: SIVEP- Malária O Índice Parasitário Anual (IPA), representa o número de exames positivos de malária por mil habitantes, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Conforme a tabela 1, o IPA variou de 484,7 em 2004 a 174,8 em 2008. Esses valores classificam a região operacional 4 como de alto risco para ocorrência da malária (considerado alto risco quando maior que 49,9 casos/mil habitantes). Apenas 4% das localidades da região 4 são classificadas como regiões de baixo risco, 18% são classificadas em regiões de médio risco e 78% em regiões de alto risco para ocorrência da malária. Nesta zona operacional ocorre o que cita as pesquisas de BUTLER (2007). De acordo com este autor, regiões de desmatamentos e serrarias ao sofrerem remoção de florestas ao redor de povoados cria áreas de água parada nas quais os mosquitos podem depositar seus ovos, incrementando o risco de malária à curto prazo. Quanto à distribuição dos casos de malária por tipo de plasmodium, a mesma dá-se com um predomínio das infecções por plasmodium vívax, assim como ocorre no do estado de Rondônia. Quanto ao IFA (Índice de Malária por Plasmodium Falciparum) nota-se um decréscimo razoável no período estudado, passando de 32,6 em 2004 para 20,1 em 2008.Em relação à distribuição dos casos de malária ao longo dos anos, notamos um padrão de sazonalidade com dois picos anuais, um no mês de janeiro e outro no mês de novembro, ambos no período referente às chuvas. Distribuição da malária na região operacional 6 A sexta região compreende a região dos distritos de Mutum-Paraná e Abunã. A partir do ano de 2005 foi observado decréscimo do número absoluto de casos de malária, conforme a tabela 2. Porém, o IPA continua muito alto, variando de 942,8 em 2004 para 541,9 em 2008. Tabela 2: Número de habitantes; Casos absolutos de malária; IPA; IFA; Infecções por Falciparum; Infecções por Vivax referentes à zona operacional 6 do município de Porto Velho de 2004- 2008. Ano 2004 Pop. Total N˚ casos 3217 IPA IFA Falciparum Vivax 3033 942,8 27,1 767 2211 2005 5288 4034 762,9 23,9 890 3070 2006 5273 3864 732,8 33,6 1196 2566 5 2007 5136 3350 652,3 21,4 665 2632 2008 5095 2761 541,9 19,2 509 2231 Fonte: SIVEP- Malária Esse quadro parece estar associado com a instalação de projetos de assentamento e principalmente áreas de exploração de minérios (garimpo). De acordo com CORDEIRO (2002), essas atividades determinam diferentes estratos epidemiológicos que passam a ter características ambientais, ecológicas e socioeconômicas particulares, que por sua vez estabelecem perfis epidemiológicos diferenciados. Considerando que esse é um processo dinâmico e que provoca marcantes alterações no ecossistema, é de fundamental importância uma constante avaliação das características eco-ambientais que contribuem para a manutenção da endemia em níveis elevados e que dificultam o estabelecimento de um controle efetivo. Ocorre que muitas vezes nessas regiões de assentamentos e garimpos, o poder público não é capaz de ordenar as ocupações e nem de dotá-las da infra-estrutura mínima de saneamento e moradia, facilitando a instalação de aglomerados populacionais totalmente desprotegidos, expondo-os ao risco de adoecer de malária e de outras doenças prevalentes na área (LOIOLA, 2002). Vale aqui ressaltar que esta zona operacional sofrerá as conseqüências da construção da Usina de Jirau. O local identificado como mais viável para a construção da usina é na Ilha do Padre, que fica a aproximadamente nove quilômetros depois da Cachoeira de Jirau e a cerca de 135 quilômetros da cidade de Porto Velho. Ocorrerá uma grande mudança local, como o deslocamento de pessoas que moram no distrito de Mutum-Paraná, para a uma nova sede que será construída. De acordo com o parasitologista Luiz Hildebrando (2009), a construção de usinas hidrelétricas pode representar uma explosão de malária no estado de Rondônia, uma vez que esse tipo de investimento acarreta em migrações desordenadas de populações, desflorestamentos e alagamentos de áreas e multiplicação de anofelinos nos reservatórios. Marques (2002) afirma que para combater a doença, é preciso investigar o comportamento do inseto na área afetada pela construção da represa e controlar a migração humana. Um programa de monitoramento como esse foi implementado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com Furnas Centrais Elétricas na região da hidrelétrica de Serra da Mesa, situada no curso principal do rio Tocantins (GO). Ocorreu em Serra de Mesa um surto de malária (50 casos), porém, o problema poderia ter sido maior, não fosse o esforço dos pesquisadores da Fiocruz. Eles ajudaram a implementar medidas para combater a 6 proliferação de A. darlingi e conscientizar os moradores sobre a necessidade de usar inseticidas e telas nas janelas e portas das casas. Além disso, toda pessoa que migrasse para as vizinhanças da usina era submetida a exame de sangue. Caso a malária fosse diagnosticada, o indivíduo recebia tratamento adequado e, assim, não espalhava a doença pela região. Seria importante que no estado de Rondônia também ocorresse a implementação de um programa de monitoramento, assim como ocorreu no estado de Goiás, para evitar a “explosão” da malária e também treinamento de profissionais da região para dar continuidade ao trabalho. Quanto à distribuição dos casos de malária por tipo de plasmodium na região operacional 6, nota-se um predomínio das infecções por plasmodium vivax. Quanto ao IFA nota-se um decréscimo razoável no período estudado, passando de 27,1 em 2004 para 19,2 em 2008. Nesta região apenas 2,9% das localidades são classificadas como regiões de baixo risco, 5,7% são classificadas em regiões de médio risco e 91,4% em regiões de alto risco para ocorrência da malária. Em relação à distribuição dos casos de malária ao longo dos anos, notamos que não existe um padrão de sazonalidade. Distribuição da malária na região operacional 9 A nona região compreende toda área de invasão de Rio Pardo, fazendo divisas com os municípios de Campo Novo e Buritis. O número de casos de malária registrados por local de infecção referentes à zona operacional 9 de Porto Velho no período estudado foram os seguintes: no ano de 2004 – 3.366 casos; em 2005- 2.092; em 2006- 4.422; em 2007- 3.020 e em 2008- 1.120 casos. Esses dados indicam que o número de casos de malária não vem decrescendo com o passar dos anos, como ocorre na região operacional 4 e 6, sendo evidenciado com o aumento substancial no ano de 2006. O IPA da nona região é absurdamente alto e pode ser explicado por se tratar de uma região de ocupações de terras. Os movimentos migratórios e ocupações desordenadas levam o homem a adentrar em áreas de densas florestas, ocasionando a destruição das mesmas, criando áreas de água parada nas quais os mosquitos podem depositar seus ovos, incrementando o risco de malária. Tal processo também reúne condições favoráveis para continuação da transmissão, como ausência de urbanização, saneamento básico e aglomeração de pessoas em habitações precárias e/ou inadequadas. Através do método de interpolação e alisamento, e utilizando o IPA, a secretaria municipal de saúde disponibilizou o mapa de Kernel para a região 9 dos anos de 2005 a 2007 respectivamente (figura 7). Nestes mapas estão caracterizados na cor verde localidades de IPA baixo (até 9,9), nas cores amarelo e laranja as localidades de IPA Médio (de 10,0 a 49,9) e na 7 cor vermelha as localidades de IPA alto (maior e igual a 50,0). Podemos observar nesses mapas, a expansão territorial da malária no decorrer dos anos e o surgimento de novas localidades de médio e alto risco para a transmissão da malária. Figura 2: Mapa de Kernel do IPA em 2005, 2006 e 2007 respectivamente. Fonte: SEMUSA/PVH No ano de 2005 as localidades que apresentavam maior risco para a transmissão da malária eram: Vila Rio Pardo, Linha Rio Branco, Linha 11 e Linha 12 (Rio Pardo). No ano de 2006 o perfil foi modificado passando para as Linhas 13, 14 e 15 (Rio Pardo) e Linha Catorzinha o maior risco de transmissão desta endemia. No ano de 2007, mais regiões foram classificadas como de alto risco, podendo ser evidenciado no acréscimo de regiões em cor vermelha e laranja, podemos citar dois bolsões de maior risco, o primeiro englobando as linhas 3, 4 e 5 (Rio Pardo), e o segundo englobando a Vila Rio Pardo, Linha Rio Branco, Linha 1 (Buritis) e Linhas 10, 11, 12, 13 e 14 (Rio Pardo). Quanto à distribuição dos casos de malária por tipo de plasmodium na região operacional 9 nota-se um predomínio das infecções por plasmodium vivax. Em relação ao IFA nota-se um decréscimo no período estudado, passando de 23,2 em 2004 para 11,3 em 2008. Quanto à distribuição dos casos de malária ao longo dos anos, notamos um padrão de sazonalidade com um pico anual nos meses de julho, agosto e setembro. CONCLUSÃO Este relatório ratifica que a malária permanece de difícil controle nas regiões operacionais 4, 6 e 9 do município de Porto Velho. São regiões nas quais ocorrem desmatamentos, aberturas de cerrarias, instalações de projetos de assentamento, exploração de minérios e futuramente a instalação de uma usina hidrelétrica. Em regiões como essas observamos fatores imprescindíveis para a manutenção de um IPA alto, pois temos populações expostas e um grande número de anofelinos. 8 Porém, esses fatores que colaboram para o alto índice de malária na região não abstêm o poder público sanitário de suas responsabilidades, uma vez que a permanência de grande número de casos de malária é indício da precária condição de saúde em que se encontram essas populações. Provavelmente, o serviço de saúde prestado não é suficiente, deixando e muito a desejar e colocando em risco a saúde da população. Não só a saúde é precária nessas localidades, mas também a infra-estrutura e a educação, que também fazem parte do processo saúde-doença. AGRADECIMENTOS Agradeço, sobretudo, o CESIR, o PIBIC, além de todas as pessoas que de alguma forma têm colaborado na construção desta pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUTLER, R. A., Malária vinculada ao desmatamento na Amazônia. 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