UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Instituto de Ciências Biomédicas Departamento de Microbiologia Laboratório de Vírus Entéricos Humanos e Animais Av. Prof. Lineu Prestes 1374, 2o andar, sala 235 CEP 05508-900 São Paulo – SP Fone: (0xx11) 3091-7341 Fax: (0xx11) 3091-7354 São Paulo, 04 de abril de 2005. Ilma. Sra. Dominique Alouette DD. Coordenadora do GT Lodo - CONAMA/MMA Prezada Senhora Tem esta por finalidade encaminhar alguns documentos que visam justificar e/ou suplementar as discussões sobre Patógenos no lodo de esgoto, especialmente vírus, na próxima reunião do GT Lodo de Esgoto, sob sua coordenação. Lamentavelmente não estaremos presentes nesta reunião, uma vez que estamos em pleno semestre letivo na Universidade. Assim sendo, gostaria de apresentar algumas considerações sobre o assunto e sobre a documentação que segue em anexo: 1. As classes de lodo versus parâmetros: Lodo classe A – manutenção dos parâmetros já definidos em reuniões anteriores para vírus. Lodo classe B – manutenção dos parâmetros de redução de ovos de helmintos, que possivelmente implicarão também na redução do número de partículas virais. A liberação total destes dois parâmetros poderá vir a agravar ainda mais a já precária saúde da população (ver justificativa em anexo); 2. A metodologia para vírus Apresentamos em anexo a proposta contendo os tipos de vírus que consideramos bons indicadores, além de serem agentes de extrema importância em saúde pública no país (vide justificativa em anexo) e que requerem metodologias mais simplificadas para detecção em amostras ambientais, viabilizando a implantação de um sistema de controle de qualidade do lodo produzido no país. Esta simplificação da metodologia já está em fase de avaliação no Laboratório de Vírus Entéricos Humanos e Animais (ICB/USP) e estará disponibilizada rapidamente. A sua relevância é destacada em parecer emitido por Assessor da Fapesp, em anexo. Aspectos virológicos a serem considerados na aplicação de lodo de ETE para fins agrícolas Dra. Dolores U. Mehnert ICB/USP Sob ponto de vista econômico, a aplicação de lodo na Agricultura é positiva devido à presença de nutrientes como Nitrogênio, Fósforo e Potássio, bem como de micronutrientes (Zn, Cu, Mn, Mo). Além disso, a matéria orgânica auxiliaria na melhora da estrutura do solo, aumentando a capacidade de retenção de água e na aeração do mesmo (BITTON, 1997c). No Brasil, diversos estudos têm enfatizado o lado positivo desta opção (ANDREOLI et al., 1999; VALIM et al., 1999; ANDREOLI et al., 2000; COSTA et al.,2001; SILVA, 2001). Entretanto, a aplicação do lodo proveniente das ETEs, sem tratamento preliminar adequado, representa um risco à Saúde Pública, pois pode levar à contaminação de águas subterrâneas, solos e grãos com patógenos, metais pesados, nitrato e compostos orgânicos tóxicos e carcinogênicos (SCHWARTZBROD & MATHIEU, 1986; SCHWARTZBROD, 1995; BITTON, 1997d). Os lodos provenientes de ETEs possuem, comprovadamente, inúmeros microrganismos patogênicos, cuja variedade dependerá das condições socioeconômicas e epidemiológicas das diferentes comunidades (RÉNDON et al., 2002). RÉNDON et al. (2002) realizaram uma avaliação microbiológica em lodo no México e detectaram colifagos, coliformes fecais, Salmonella typhi, Pseudomonas aeruginosa, cistos de protozoários e ovos de helmintos em números bastante superiores aos níveis relatados na bibliografia internacional. A exposição dos seres humanos e animais aos patógenos presentes no lodo pode ser por contato direto, ao manipular ou caminhar na área com lodo, ou indireto, através da ingestão de grãos cultivados nessas áreas ou de produtos de animais que pastam em pastos tratados com lodo (BITTON, 1997d). Dentre os patógenos presentes no lodo, destacam-se os vírus entéricos humanos, que não são necessariamente inativados após o tratamento de efluentes (RAO & MELNICK, 1986b). No tratamento de efluentes, qualquer procedimento de sedimentação resulta na remoção de um grande número de vírus do efluente para o lodo devido à adsorção às partículas sólidas e capacidade de se agregarem espontaneamente, em estruturas pseudocristalinas que não são rompidas espontaneamente, razão pela qual os vírus são altamente resistentes a agentes desinfetantes ou à pressão da seleção ambiental (RAO & MELNICK, 1986c; WARD, 1987; FARRAH, 1987; SCHWARTZBROD, 1995; GERBA, 2000). Apesar dos indicadores bacterianos como coliformes fecais e estreptococos serem tradicionalmente considerados como indicadores de contaminação ambiental, eles não são indicadores satisfatórios do conteúdo de vírus e da eficiência dos tratamentos de desinfecção na eliminação de vírus entéricos (SCHWARTZBROD, 1995; MEHNERT & STEWIEN, 1993). Há quase 150 tipos de vírus entéricos humanos conhecidos que entram no corpo humano pela via oral, multiplicam-se no trato gastrintestinal e são excretados em grande número nas fezes dos indivíduos infectados (portadores sintomáticos ou não), atingindo números em torno de 108 a 1011 partículas por grama de fezes. A presença de vírus no lodo está diretamente relacionada aos vírus presentes no efluente doméstico, que, por sua vez, dependerá dos vírus que estão sendo excretados pela população no momento. A epidemiologia dos vírus entéricos humanos é influenciada pelo nível de higiene e saneamento ambiental no ambiente, pois há explosão de surtos em populações que ingerem água ou alimentos contaminados com efluente doméstico (RAO & MELNICK, 1986b; ABAD et al., 1994; SCHWARTZBROD, 1995; ABBASZADEGAN et al., 1999). No caso da cidade de São Paulo, diversos tipos de vírus entéricos foram detectados nas águas de córrego e de esgoto da cidade de São Paulo, como vírus pertencentes ao gênero Enterovirus, adenovírus humanos, vírus da Hepatite A e rotavírus (CHRISTOVÃO et al., 1967, MARQUES, 1987; MEHNERT & STEWIEN, 1993; MEHNERT et al.,1997; QUEIROZ, 1999; SASSAROLI, 2002; PAULI, 2003; SANTOS, 2002). Estes vírus poderão estar presentes no lodo tratado, ainda infecciosos. Assim, o lodo proveniente das ETEs pode ser uma fonte de contaminação ao meio ambiente e aos seres humanos quando é introduzido como fertilizante na agricultura sem nenhum tratamento, razão pela qual é de extrema importância a realização de estudos que visem a detecção, quantificação e distribuição de vírus que circulam no meio ambiente (ABBASZADEGAN et al., 1999). STRAUB et al (1995) realizaram estudos durante 7 anos em uma fazenda, cujo solo foi irrigado com lodo digerido anaerobicamente. Os pesquisadores detectaram partículas virais em 21 das 24 amostras examinadas por PCR e demonstraram um transporte significativo de vírus no solo tanto horizontal quanto verticalmente. A manutenção da viabilidade das partículas virais no solo depende principalmente do tipo de solo, nível de umidade e temperatura. Os vírus entéricos presentes no solo como resultado da pulverização ou irrigação migram para estratos mais profundos do solo, podendo atingir a água subterrânea como resultado do sucessivo fenômeno de adsorção-desorção, dependentes dos tipos de vírus presentes, as características do solo e precipitação pluviométrica. Os fatores que mais controlam o transporte de vírus no solo são: tipo de solo, tipo do vírus, comprimento iônico da solução do solo, pH, compostos orgânicos solúveis presentes nos efluentes e taxa hidráulica de escoamento (SCHWARTZBROD, 1995). O vírus de Norwalk, rotavírus e os adenovírus estão entre os principais agentes etiológicos dos casos de gastrenterite e diarréia aguda em crianças e são transmitidos, mesmo em um baixo número, pela via fecal-oral. A veiculação destes agentes é mundialmente associada à origem hídrica pela ingestão de água e de alimentos contaminados. A gastrenterite viral é causa de óbito de 5 a 10 milhões de pessoas por ano no mundo devido à diarréia intensa, associada ou não a febre e vômitos, que pode levar crianças a uma grave desidratação (UHNOO et al., 1984; HUDSON et al., 2004). O vírus de Norwalk atualmente é o principal agente responsável por surtos de gastrenterites virais agudas e diarréia esporádica em comunidades no mundo.É um vírus altamente debilitante que causa surtos repentinos de gastrenterite. Altamente infectivo e estável, é mais resistente às técnicas de desinfecção que a maioria das bactérias e outros agentes virais, tais como níveis de cloro inferiores a 10 ppm, congelamento, aquecimento a 60°C. Também podem persistir no meio ambiente, sendo proposto que podem circular no ambiente em pequeno número em uma população até que um indivíduo infectado contamine uma fonte comum de água ou alimento, resultando em um surto explosivo (DOLIN et al., 1972; FANKHAUSER et al., 1998; ROPER et al, 1990; GRAHAM et al., 1994; HUDSON et al., 2004). A detecção deste agente em amostras ambientais, apesar de possível, é ainda bastante onerosa. Os adenovírus, mais especificamente os sorotipos HAdV40 e HAdV41, pertencentes à espécie F (UHNOO et al., 1984; ALLARD et al., 1990; HÁRSI et al., 1995) são os patógenos que ocupam o terceiro lugar em termos de importância no estabelecimento de diarréia em nosso país. Os adenovírus também causam infecções persistentes caracterizadas pela excreção fecal prolongada e intermitente. Aproximadamente metade das crianças menores de 5 anos de idade infectadas com adenovírus tipos HAdV1, HAdV2, HAdV3 ou HAdV5 excretam vírus nas fezes por períodos longos (ALLARD et al., 1992). Há 51 sorotipos de adenovírus conhecidos que são divididos em 6 subgêneros (A a F) baseado na homologia de DNA e propriedades biológicas e bioquímicas (BENKÔ, 1999). Dos 51 sorotipos, são associados a gastroenterite infantil: HAdV1, HAdV7, HAdV12, HAdV28, HAdV31, HAdV40 e HAdV41, dos quais HAdV40 e HAdV41 possuem uma estabilidade a ação de agentes físicos e químicos, possibilitando uma permanência prolongada no meio ambiente.Também se apresentam resistentes a fase inicial em tratamentos de esgoto, facilitando, portanto, a contaminação da população por estes agentes virais (ENRIQUEZ, 1995). A detecção destes agentes em amostras ambientais é possível e pouco onerosa (SANTOS et al., 2004). O vírus da Hepatite A tem grande importância devido ao alto número de surtos no mundo. Estima-se que a incidência mundial seja superior a 1,4 milhões de casos ao ano, com uma maior incidência em jovens e adultos com mais de 50 anos. Sua infecção ocorre pela via fecal-oral, pela ingestão de material contaminado; cerca de 50% dos casos são subclínicos, com isso os indivíduos não procuram tratamento, mas liberam os vírus nas fezes, contaminando o meio ambiente. A excreção do vírus nas fezes do paciente ocorre em concentrações relativamente altas 2 a 3 semanas antes do estabelecimento de sintomas clínicos e 8 dias após estabelecimento da icterícia (HOLLINGER & TICEHURST, 1996; FAGAN & HARRISON, 2000). A detecção deste patógeno é possível, mas um pouco mais onerosa dadas suas características moleculares (SASSAROLI, 2002). A presença destes diversos tipos de vírus no lodo torna clara a necessidade de um tratamento do lodo produzido pelas estações de tratamento de efluentes para uma disposição adequada desse material. SCHWARTZBROD (1995) afirma que o método de tratamento de lodo que eliminará totalmente os vírus é o tratamento térmico. Apesar do tratamento por digestão anaeróbia e aeróbia ou a remoção de água reduzirem a população numérica de agentes patogênicos no lodo, um número significativo destes presentes no efluente doméstico bruto muitas vezes permanecem no lodo, pois eles são concentrados durante a sedimentação primária. Grandes organismos, como helmintos, são concentrados devido à sedimentação, enquanto os vírus adsorvem ao lodo (GERBA, 2000). A temperatura é um dos fatores mais críticos na compostagem e as elevadas temperaturas atingidas durante o processo são fundamentais para a alta taxa de decomposição, para destruição de coliformes e inativação de vírus. O sucesso da compostagem também depende da construção da leira e do nível de oxigênio (GERBA, 2000). METCALF et al. (1995) afirmam que os processos de tratamento de lodo, incluindo compostagem reduzem, mas não eliminam os vírus entéricos, que permanecem viáveis por um período superior a 30 dias de digestão a 50°C, período que pode ser superior no caso do vírus da hepatite A (HAV) por ser termoresistente. Assim sendo, sugerimos que a aplicação de lodo de ETE para fins agrícolas seja extremamente criteriosa, uma vez que os danos à saúde pública e, principalmente, ao meio ambiente poderão ocorrer, talvez até de forma irreversível para o país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 3. ABAD, F. X.; PINTÓ, R. M.; BOSCH, A. Survival of enteric viruses on environmental fomites. Appl Environ Microbiol, v. 60, p. 3704,3710, 1994. 4. ABBASZADEGAN, M.; STEWART, P.; LeCHEVALLIER, M.; A strategy for detection of viruses in groundwater by PCR. Appl Environ Microbiol, v. 65, p. 444-449, 1999. 5. 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Santos et al., 2004); Reação de transcrição reversa seguida de amplificação em cadeia pela polimerase (RTPCR) para pesquisa de vírus RNA como Gênero Enterovirus (Poliovírus, Echovírus, Coxsackievírus), Rotavírus, Hepatite A e outros (Formiga-Cruz et al., 2005; Arraj et al., 2005) Ensaios de infectividade viral e quantificação viral em culturas celulares (opção pelo mais acessível): Método de plaqueamento com resultado expresso em Unidades Formadoras de Placa (UFP) por 4g (USEPA, Norma 40CFR part 503); Método de diluição end-point com cálculo de título por método de Reed-Muench e resultado expresso em DICT50 por 4 g (Ref.: Hawke, 1979); Método de imunofluorescência ou de imunoperoxidase em cultura de células com resultado expresso em Unidades Formadoras de Focos (UFF) por 4 g (Ref.: Mehnert & Stewien, 1993; Barardi et al, 1998). Referências: ARRAJ, A., BOHATIER, J. LAVERAN, H. AND TRAORE, O. Comparison of bacteriophage and enteric virus removal in pilot scale activated sludge plants. 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Discrimination of adenovirus types circulating in urban sewage and surface polluted waters in São Paulo city, Brazil. Water Science Technologie, Water Supply vol. 4 (2): 79-85, 2004. Custo das Análises Avaliação da qualidade virológica de lodo de esgoto DESCRIÇÃO METODOLOGIA DE CONCENTRAÇÃO, DETECÇÃO E INFECTIVIDADE/QUATIFICAÇÃO QUANTIDADE MENSAL A CUSTO POR AMOSTRA COMPOSTA B Pesquisa de vírus preferenciais (adenovírus e/ou vírus do Gênero Enterovirus) PCR + infectividade em cultura celular 30 R$680,00 aCapacidade b de análises por mes por laboratório envolvido Valores definidos considerando custo bruto + encargos fiscais e sociais por amostra Prazos de entrega de Resultados 20 dias para ensaios detecção e 30 dias para verificação da infectividade. Laboratórios capacitados para realização das análises Uma rede de laboratórios está em fase de implantação visando atender a demanda a curto prazo dos ensaios virológicos. Trâmites burocráticos estão em andamento visando obter a regularização junto à cada Instituição Universitária. Os laboratórios atenderão às demandas de suas regiões, conforme apresentado a seguir: Região Sudeste e Nordeste Laboratório de Vírus Entéricos Humanos e Animais Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas II Universidade de São Paulo Endereço: Av. Prof. Lineu Prestes 1374 5508-900 São Paulo – SP Tel: 0xx11-3091-7341 Fax: 0xx11-3091-7354 Docente responsável: Profa. Dra. Dolores Ursula Mehnert Região Centro-Oeste e Norte Laboratório de Virologia Animal / Laboratório de Virologia Humana Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública Universidade Federal de Goiás Rua 235 s/n Setor Universitário CEP 74605-050 Goiânia GO Fone: 0xx62 – 261-3912 / 209-6122 Fax 0xx62 – 521-1839 Docentes responsáveis: Profa. Dra. Wilia Marta Elsner Diederichsen de Brito Profa. Dra. Divina das Dores de Paula Cardoso