Capítulo 20 “Não há nada de novo a ser descoberto na física. Todo o que resta é fazer medidas mais e mais precisas.” William Thompson, Lord Kelvin, discurso na British Association for the Advancement of Science, 1900. Problemas em aberto Razões genéricas para a Inflação Vimos no Capítulo 12 uma descrição da chamada era inflacionária, definida como o estágio do universo onde hove uma expansão marcadamente rápida, muito provavelmente exponencial, do fator de escala. A inflação descrita no Capítulo 12 pode ser chamada com propriedade de semiclássica, já que ela utiliza as equações de Friedmann sem incluir efeitos quânticos na própria gravitação. Porém, nos primórdios da inflação, deveriamos estender a Relatividade Geral para regime quântico, e assim descrever a evolução da porção do universo que vai inflar de forma consistente. Isto último permitiria,em princípio, relaxar as condições iniciais para a inflação, desde que em em estes cenários a inflação acontece permanentemente em volumes do universo que inflam, enquanto outros termalizam quando esta acaba. O nosso “universo” é, em estes cenários, um dos tantos domínios onde a inflação já acabou (e por tanto permite a existência de estruturas onde vivem observadores, ou seja, a inflação é em última instância antrópica, vide abaixo). Discutimos também o que é necessário para ter um estágio inflacionário do tipo DeSitter: o mais importante é que a componente que domine o universo providencie uma equação de estado com pressão negativa e de tal forma que o membro da direita da eq. (10.10) satisfaza ( ρ + 3 P ) < 0 . Na versão apresentada no Capítulo 12, o responsável por esta caraterística é um campo escalar , mas ficou pendente a questão de qual é a realização física deste campo (normalmente conhecido como inflaton) e o tipo de inflação é denominado nova inflação (a versão original proposta por A.Guth e outros não possuia “rolagem” suave pela ladeira do potencial e criava problemas sérios). Nada garante, no entanto, que uma teoria mais fundamental contenha um inflaton que cumpra precisamente este papel. Ou seja, não há até agora qualquer argumento firme para obter um comportamento inflacionário como o da “nova inflação” a partir de uma teoria física mais fundamental. É por isto que outras versões da inflação foram propostas (como a descrita acima em múltiplos domínios, denominada inflação eterna). Não é possível ainda dizer quais versões da inflação são viáveis desde o ponto de vista de serem “deduzíveis” de algo mais fundamental, mas podemos dizer que várias delas fornecem os ingredientes básicos desejáveis de um modelo inflacionário: resolvem os problemas da planura e o horizonte, predizem flutuações invariantes de escala e outros observáveis que constituem testes para elas. Assim, enquanto o tipo de inflação pode mudar, muitos cosmólogos consideram a existência de inflação um fato provado. É provável que com o avanço das pesquisas possamos reconhecer até que ponto a inflação é inevitável, e se for, qual sua forma definitiva. Descrição quântica do universo: a equação de Wheeler-DeWitt Quando confrontados com o problema da expansão e seus primórdios podemos pensar que, embora a extrapolação para tempos decrescentes mais simples indique uma singularidade inicial, esta poderia ser contornada em favor de alguma alternativa mais razoável. Não há cosmólogo que não veja a singularidade inicial (onde a descrição da Relatividade Geral nã é mais válida) com certo horror. Mas esta esperança acabou quando os trabalhos de Penrose e Hawking provaram que, sob certas hipóteses gerais, a singularidade é inevitável. Assim, não há outro remédio do que confrontar o problema da origem do universo. Uma das primeiras propostas, bem anterior as cordas, branas e gravitação quântica, pretende estudar a questão simplesmente estendendo a descrição quântica da natureza para o universo como um todo. Esta proposta denominada cosmologia quântica deve-se a Wheeler, De Witt e Misner entre outros. Ela não pretende compreender a fundo a gravitação como teoria quântica primeiro, mas explorar o que pode ser extraído da descrição do universo como sistema quântico. As idéias básicas não são muito diferentes das utilizadas na mecânica quântica ordinária. O objeto fundamental da teoria é uma função de onda (a função de onda do universo inteiro !), a partir da qual pode-se calcular a distribuição de probabilidades de universosbebês. De fato, pode ser dito que o universo começa muito pequeno, de dimensões L Planck e precisa de inflação para crescer e ser identificado com o nosso (compare com os Capítulos 11 e 12). O formalismo matemático que permite calcular a evolução da função de onda é bastante análogo ao da equação de Schröedinger. É conhecida como equação de Wheeler-De Witt e pode ser escrita de forma geral como Ĥ 2 U 0 (20.1) onde Ĥ é um operador, ou objeto matemático que é construído a partir de coordenadas e impulsos associados adequadamente definidos. O análogo apontado da mecânica quântica ordinária é o chamado Hamiltoniano, e de fato a equação de Wheeler-De Witt pode ser comparada a uma equação de Schroedinger Ĥ E com energia zero (este fato está ligado à possibilidade do universo “nuclear” com energia total igual a zero, como discutido no Capítulo 13). A equação de Wheeler-De Witt precisa de uma condiçaõ de contorno para ser resolvida, por exemplo, o estado de em um instante inicial. Porém, não há dependência temporal na equação de Wheeler-De Witt, de fato não há, nem deve haver, um “tempo”, já que se deve descrever todo o conteúdo do universo, então o tempo deve “emerger” das soluções, e não ser uma variável independente. Este e outros aspectos próprios da descrição quântica do universo levaram a uma longa discussão a respeito da condição inicial. A proposta de Hartle-Hawking, aparentemente consistente com a abordagem geral, é que não haja de fato “contorno” nenhum para o universo. Por outro parte, outras propostas foram colocadas, por exemplo, a de Vilenkin que contempla uma função de onda que se propaga para longe da origem. Em este último cenário o universo (que contém um campo escalar com energia potencial V ( ) , similar ao discutido no Capítulo 12 para a Inflação semiclássica) evolui segundo 2 1 2 2 a [ 1 a 2V ( )] 0 a 2 a 2 2 (20.2) Esta expressão é análoga à de uma partícula em um potencial. A solução é conhecida e pode ser estudada graficamente (Fig. 20.1). O universo tem uma trajetória clássica entre a 0 e a a* , isto é, se fosse uma partícula clássica em um potencial clássico estaria restrito a ter uma escala entre 0 e a* , de dimensões L Planck . Porém, a teoria quântica prevê o tunelamento através da barreira de potencial, onde clássicamente não pode existir. A probabilidade Ptun transição desde a região “interna” até a a0 é 3 Ptun ( ) exp 2 8G V ( ) de fazer a (20.3) ou seja, estatisticamente o universo “nucleia” espontaneamente desde o “nada” (região interior) até a a0 com uma probabilidade máxima desde que V ( φ ) seja máximo. Esta máxima energia potencial do campo é uma condição favorável para o começo da Inflação (Capítulo 12), a qual o levará posteriormente até V ( ) 0 como foi descrito. Fig. 20.1. Tunelamento quântico do universo desde a região do “nada” ( 0 a a* ) até a sua escala inicial a0 . A trajetória do tunelamento,proibida classicamente, está simbolizada pela curva azul. Em resumo, a cosmologia quântica é um esquema atrativo e ambicioso para explicar a “nucleação” do universo (o qual estava em um estado incognoscível enquanto na regiáo do “nada”), onde questões de natureza profunda e fundametal não podem ser contornadas e criam dificuldades para a interpretação do processo. Espera-se que os avanços nas terias de tudo (TDTs) e/ou gravitação quântica venham reforçar e fundamentar melhor esta proposta. Cordas, Branas ou Geometria Quântica ? A procura pela teoria quântica da gravitação. Embora não pretendemos aqui uma descrição completa das tentativas existentes para formular uma teoria quântica da gravitação, é inevitável discutirmos brevemente as principais alternativas para esta. O estudo do universo primordial certamente precisa de uma descrição válida próxima da escala de Planck e até agora os teóricos têm enveredado por caminhos diferentes, porém, promissores para avançar em esta formulação e as alternativas mais importantes são descrita a seguir Teoria de (Super)Cordas Há várias razões para pensar que a descrição da natureza utilizando teoria de campos (clássica e quântica) pode não ser válida em geral. Como discutimos no Capítulo 2, a existência de infinitos no cálculo das quantidades físicas força a escolher entre teorias de campo renormalizáveis como candidatas, as quais geralmente são obtidas impondo alguma invariância de gauge (calibre). Não há qualquer razão evidente para este tipo de escolha, embora é uma receita aplicada com sucesso às interações eletromagnéticas, fracas e fortes. Porém, a quantização da gravitação utilizando a mesma “receita” trouxe problemas insolúveis, e levou a considerar a possibilidade de uma outra descrição alternativa. Nos anos `60 surgiu, no estudo da física dos hádrons, uma descrição destes que se afastava conceitualmente da teoria de campos. Originalmente chamados de modelos duais, estes formalismos correspondem a teorias quânticas de cordas, ou objetos extendidos (não mais partículas pontuais !), vibrando a velocidades relativísticas. Embora houve muito trabalho desenvolvido na teoria de cordas (hadrônicas), a formulação e desenvolvimento da QCD, uma teoria de campo de gauge prototípica, nos anos `70, e o seu sucesso para explicar as observações dos aceleradores fizeram com que aquelas idéias ficassem preteridas. No entanto, um outro desenvolvimento da física teórica viria a trazer novidades importantes para a teoria de cordas : a idéia da supersimetria, ou transformação que liga bósons e fermions (estritamente diferentes na teoria de campos). A supersimetriaetria viria ser incorporada à física como uma tentativa super-unificadora, no sentido de abranger as duas categorias de partículas aparentemente disjuntas. Embora não há até hoje qualquer sinal experimental da sua realidade, é possível construir esquemas consistentes onde ela resulta fundamental, tal é o caso da teoria de cordas supersimétrica, ou supercordas, como veremos a seguir. Já que as cordas pretendem descrever a gravitação quântica e também as outras interações fundamentais, é natural que a escala onde os efeitos próprios da corda sejam visíveis seja precisamente a GN escala de Planck L Planck 1.6 10 33 cm . Os modelos mais simples 3 c de cordas, ainda sem levar em conta a supersimetria, podem ser formulados com uma ação de corda, que leva a equações de movimento do tipo 2X 2 X c 2 2 (20.4) onde X são as coordenadas espaço-temporais da corda (o índice 0 , 1 , 2... indica estas coordenadas), e , são duas coordenadas encima da chamada superfície de mundo (world sheet) da corda. O caráter extendido da corda se manifesta aqui explicitamente : já vimos que uma partícula pontual subtende uma linha em um diagrama espaço-temporal chamada linha de mundo. Porém, uma corda não descreve uma linha, mas uma superfície conforme o tempo passa (Fig. 20.2) Fig. 20.2. A linha de mundo de ua partícula elementar pontual (esquerda) e a superfície de mundo de uma corda (vermelho) que se propaga desde A até B. As soluções da equação da onda (20.4) são bem conhecidas da física clássica, e podem ser escritas em termos de uma série dos chamados modos normais (ou autofunções). Estes últimos, por sua vez, precisam de condições de contorno para ser caraterizados. Na Fig. 20.2 representamos uma corda aberta, isto é, com extremos livres. Também é possível considerar cordas fechadas, correspondentes a condições de contorno periódicas (assim, é possível falar de tubos de mundo para as superfícies subtendidas por estas). Quando olhamos para os modos normais nas cordas fechadas podemos conferir que há modos que se propagam na corda para a esquerda e outros para a direita, esta distinção será importante para interpretar o conteúdo físico das teorias. A quantização da teoria de cordas consiste em impôr relações de conmutação para os coeficientes da série dos modos normais. Os quanta (partículas) ordinários aparecem como modos de oscilação quantizados das cordas, correspondentes ao espectro de partículas conhecidas, isto é, os estados da corda têm massa e spin bem definidos que devem corresponder às partículas observadas (por enquanto, só bósons, já que ainda não indicamos como introduzir férmions na teoria). Se falassemos de cordas não-relativísticas ordinárias em 3+1 dimensões (por exemplo, a corda de um violão), poderíamos “ouvir” esses tons (fundamental e harmônicos) correspondentes à vibração da corda com uma tensão fixa Tcorda 1 2' (20.5) onde ' é o parâmetro que aparece na ação da corda. Vemos assim o papel importante que desempenha ' , ou equivalentemente Tcorda , o único parâmetro livre da teoria que precisa ser prescrito. Uma das caraterísticas mais importantes e que encorajaram os físicos a continuar estudando cordas, é que mesmo em esta versão sem férmions (corda bosónica) aparece no espectro um modo de massa 0 e spin 2, precisamente o que carateriza o graviton procurado na quatização da gravitação. Porém, e além da ausência de férmions, pode-se provar que a teoria bosónica é consistente só se formulada em 26 dimensões (25 espaciais e um tempo !). Para piorar as coisas, os espectros de todas as teorias bosónicas contém, além do graviton desejado, um táquion com massa imaginária (mais precisamente, M 2 1/ ' ). Assim, foi necessário procurar outras versões mais consistentes da teoria de cordas que não sofressem desses problemas. Consideremos primeiro o problema das dimensões. Evidentemente, e até onde os experimentos indicam, não há sinal alguma de dimensões extra além das 3 espaciais e o tempo ordinário. Como então se “desfazer” das dimensões a mais introduzidas para dar consistência à teoria ? No começo do século XX, um trabalho pioneiro de O. Kaluza e O. Klein [] propôs um caminho para unificar as forçãs gravitacionais e eletromagnéticas baseado na formulação da teoria em 5 dimensões. Além das 3 dimensões espaciais e o tempo, a dimensão extra aparecia compactificada (isto é, “enrolada”, sem se extender) e por tanto sua existência podia ser compatível com as observações e experimentos disponíveis. O conceito de dimensão compacta pode ser apreciado se pensarmos em algum objeto longo e fino (Fig. 20.3) visto de longe. Ele aparece à vista como uma linha, e só quando o examinarmos de perto percebemos que tem uma dimensão > 1. Esta afirmação implica, como discutido no Capítulo 1, que pode ser necessário fazer experimentos a energias muito altas para “enxergarmos” as dimensões compactificadas, desde que a escala de compactificação seja pequena. Fig. 20.3. Um objeto aparentemente unidimensional pode mostrar, quando examinado de perto, a presença de dimensões extra, como no caso do macarrão da figura. O número de dimensões detectadas pode ser mascarado pela energia dos experimentos: se esta não for alta o suficiente, as dimesões extras podem não ser percebidas. Assim, a forma mais simples de “esconder” as dimensões extra é a de compactifica-las em escalas muito pequenas (possívelmente, mas não necessariamente, à escala de Planck). Também a teoria precisa conter algum ingrediente para explicar por que 3 dimensões espaciais se expnderam enquanto as outras 7 estão compactificadas, problema ainda sem solução satisfatória. Esta idéia de compactificação nos leva de imediato a tentar entender a origem dos modos das cordas segundo o seguinte raciocíno. Suponhamos que consideramos de momento só uma dimensão a mais, digamos X 4 perpendicular às conhecidas X 0 , X 1 , X 2 , X 3 . A compactificação de X 4 em um círculo de raio R é obtida pela condição X 4 X 4 2R . Se considerarmos uma partícula viajando ao longo deste círculo, temos, segundo a Mecânica Quântica que seu impulso será um múltipo de 1/ R , e no limite ultrarrelativístico sua energia E cp sera a contribuição dominante à massa. Assim, um observador n2 , onde R2 n é o número quântico que identifica o autoestado do impulso. Uma corda se deslocando em torno a esse mesmo círculo terá o mesmo comportamento,mas há uma outra possibilidade dela contribuír à energia (massa): a corda pode se enrolar em torno ao círculo, e pode fazer isto várias vezes (digamos, w vezes), da mesma forma que um interpretaria este estado como uma partícula de massa M n2 elástico comúm em torno aos dedos. Evidentemente, isto não tem análogo nas partículas pontuais. Esta contribuição à energia pode ser escrita utilizando a tensão da corda definida antes da forma wR . Assim, o espectro de massas terá duas E 2RwTcorda ' contribuições principais 2 M tot n 2 w 2R 2 2 ' 2 ... R (20.6) O segundo termo, de natureza única às cordas é chamado de topológico. Dependendo da dimensão compactificada R poderiamos ter o primeiro ou segundo termo dominante, mas aqui é que entra uma das caraterísticas mais surpreendentes da teoria de cordas: a massa total fica invariante se feitas simultaneamente as transformações R ' / R e n w (chamada de dualidade T no jargão). Por tanto, o espectro não diferencia dimensões compactificadas “grandes” e “pequenas”, já que o raio delas é intercambiável. Nossa distinção entre pequenas e grandes distâncias ao modificar a energia dos projétis discutida no Capítulo 1 não faz mais sentido na teoria fundamental. Todo isto diz a respeito da estrutura básica da teoria, mas nada ainda dizemos das interações, ou seja da dinâmica das colisões entre cordas e outros processos similares. De fato há uma outra dualidade presente na teoria de cordas que pode ajudar em muito na obtanção de soluções da mesma: é a chamada dualidade S, que relaciona uma teoria fortemente acoplada com seu dual que apresenta acoplamento fraco (vide Capítulo 2). Esto sugere que, no fundo, é possível uma descrição na qual esta dualidade possa ser aproveitada, resolvendo a versão fracamente acoplada da teoria (para a qual já há uma loga tradição nas expansões perturbativas da teoria de campos). Além disso, a diagramática da teoria de cordas parece (após bastante confusão nos anos iniciais) mais simples do que a da teoria de campos. Um exemplo de cordas em interação e o diagrama gerado é mostrado na Fig. 20.4. Fig.20.4 . Duas cordas fechadas colidem para dar origem a uma terceira, este diagrama é o mais elementar da teoria de cordas (fechadas) e é conhecido (por razões obvias) como o "diagrama das calças" (ou mais tecnicamente “fusão dos tubos de mundo”). O passo natural seguinte foi o de tentar introduzir os férmions na teoria de cordas. Para isto foi necessário ampliar o espaço onde as cordas “vivem” X , adicionando um conjunto de coordenadas matemáticas i que não conmutam (antes satisfazem a regra 1 2 2 1 0 , ou anti-conmutação) para obter o espaço-tempo estandido chamado de superespaço. O mais interessante é que com a adição destas coordenadas, imprescindíveis para descrever os férmions, desaparece o problema dos táquions se a teoria é formulada em 10 dimensões e é supersimétrica. Isto significa que, para cada bóson do espectro de partículas, deve existir um férmion associado presente. Por exemplo, o graviton de spin 2 tem um parceiro supersimétrico de spin 3/2 massivo chamado de gravitino. Dependendo das condições de contorno e outras caraterísticas impostas, existem na verdade 5 teorias supersimétricas consistentes em 10 dimensões. Suas estruturas são diferentes e muito complexas para ser tratadas aqui. Porém, temos ilustrado os feitos e as caraterísticas principais das teorias de cordas, e observado por que têm a pretensão de ser “Teorias de Tudo”. Os desenvolvimentos da teoria e seu valor real, assim como a sua relação com o resto da física, incluíndo as teorias alternativas, são uma questão de tempo sem previsão certa. O Mundo das Branas Como apontamos no ítem anterior, a idéia original de KaluzaKlein serviu de ponto de partida para desenvolvimentos recentes como a teoria das supercordas (de fato, já vimos que estas teorias só são consistentes e completas se formuladas em 10 dimensões). Especulase ainda que a abordagem mais geral possível deste problema é a chamada teoria M (que segundo seus autores lembra a palavra “mamãe”), a qual conteria como casos limites todas as 5 teorias de supercordas conhecidas. Estudando um destes limites, Horava e Witten [] provaram que uma das versões de baixa energia é equivalente a uma teoria onde a compactificação de uma das dimensões extra pode ser interpretada como um intervalo finito, o qual separa 2 “planos” cujas dimensões extra também podem ser compactificadas, mas da maneira usual. Estes “planos” (ou mais precisamente, hipersuperfícies) contém todos os campos físicos da teoria e foram chamados de branas (ou membranas generalizadas). Uma vez que ficou claro que aquele cenário resulta de forma bastante geral do limite da teoria de supercordas, houve grande interesse para formalizar o chamado brane world, ou mundo das branas. Em eles as partículas conhecidas estão confinadas a uma hipersuperfície (ou brana) embebida em um espaço de dimensão maior (ou bulk). Somente a gravitação e outros campos exóticos podem se propagar no bulk (e obviamente, também na brana). Assim, por exemplo, esta propriedade traz modificações à lei de Newton, já que a gravitação é “diluída” em mais de 3 dimensões. Isto indica que as dimensões extra devem ser pequenas, mas não necessariamente tão pequenas quanto a escala de Planck. Para satisfazer os resultados conhecidos da lei de Newton e assemelhados, basta com que as dimensões extra sejam menores do que as escalas na qual ela é bem testada, 1mm nos laboratórios atuais. A situação se mostra na Fig. 20.5. Fig.20.5 . Nosso universo (versão de 2+1 D) no mundo das branas. Em este cenário todas as forças do Modelo Padrão estão confinadas à brana (em azul), enquanto o bulk de dimensão maior admite a propagação de gravitons e outras partículas exóticas. A presença de dimensões extra poderia ser medida fazendo experimentos, por exemplo, que medissem com precisão a lei de Newton em escalas 1 mm . Outras formas de testar estas idéias são accesíveis à faixa de energia atual em aceleradores. No modelo mais simples em 4+d dimensões com geometria plana, onde as d dimensões extra têm uma escala R, Arkani-Hamed, Dimopulos e Dvali [] a lei de Newton adota a forma V (r ) m1m2 1 d 1 d 2 M5 r se r R (20.7) V (r ) m1m2 1 d d 2 M5 R r se r R (20.8) onde M 5 é a massa de Planck em 5 dimensões. As unidades das equações (20.7-20.8) permitem relacionar M 5 com a massa de Planck 2 em 4 dimensões que conhecemos segundo M Planck M 52 d R d . Isto justifca que para distâncias r R a gravitação se comporte como a conhecemos, só em escalas menores que R apareceriam os desvios apontados. Um outro ponto importante é que M 5 poderia ser pequena (por exemplo, da ordem de 100 GeV) desde que o volume do espaço de dimensão extra seja grande o suficiente. Teriamos assim uma possível explicação para o problema da hierarquia, ou por que a escala de Planck está tão afastada da escala das outras interações. Os desenvolvimentos posteriores procuraram compreender a questão da hierarquia, isto é, a enorme separação entre a escala de energia da gravitação quântica e o resto do Modelo Padrão. O mais estudado destes modelos deve-se a Randall e Sundrum [], e considera uma extensão destas idéias na qual o bulk possui uma curvatura análoga à produzida pelos modelos com constante cosmológica negativa. No cenário de Randall-Sundrum extistem duas branas, uma associada com o nosso universo localizada na coordenada y rc da dimensão extra, e outra em y 0 . A hierarquia das interações observada é reproduzida “ajustando” a distância entre as branas. Por exemplo, em este modelo a massa de Planck do nosso universo está relacionada com a massa de Planck fundamental M 5 pela equação 2 M Planck e 2 krc onde k 5 /6 5 M 53 k depende (20.9) da constante cosmológica (negativa) do bulk já mencionada e da “constante gravitacional” deste 5 . Se queremos que M 5 esteja próxima da escala eletro-fraca, então o produto na exponencial precisa ser krc 50 . A quantidade chave passa a ser então o valor de rc , e a teoria precisa de algum mecanismo para explicar o que é que o determina. Uma versão posterior destes modelos postula uma dimensão extra infinita, e com ela correções à lei de Newton no nosso universo-brana, as quais podem em princípio ser diretamente observadas e são objeto de estudo experimental. Uma das consequências mais importantes dos modelos de Randall-Sundrum é a modificação das equações de Friedmann que descrevem a evolução do universo-brana. Especificamente, a eq. (11.7) do Capítulo 11 tem a forma H2 54 36 2 8G 2 C ( ) 4 3 6 36 ab (20.10) Além de poder recuperar aproximadamente as equações de Friedmann desde que o terceiro termo seja nulo (as custas de “ajustar” o valor da constante cosmológica efetiva (4-dimensional) dependendo do valor dos parámetros da brana (a tensão ) e da constante do bulk 5 (eq.20.10), há uma segunda consequência importante: se a densidade de energia satisfaz a condição 96G / 54 , o primeiro termo domina os outros e a evolução do parámetro de Hubble é H , e não H como na cosmologia padrão. Esta fase de alta energia no universo primordial pode ter acontecido e contribuído para possibilitar alguns processos que de outra forma não teriam acontecido, por exemplo, formação e crescimento substancial de buracos negros primordiais. Embora um limite absoluto para a época do final da fase de alta energia exista (o era da nucleossíntese), existe uma grande complexidade em estes modelos que esta sendo estudada, por exemplo, os trabalhos mais recentes discutem a realização de Inflação na brana devida aos efeitos do bulk. Uma outra caraterística nova dos modelos é a existência de um termo de radiação escura ( C / ab4 ) produzido na brana-universo pelos efeitos do bulk. De fato, os dados da nucleossíntese foram utilizados para impôr um limite superior à constante C , já que a radiação escura contribuiria à equação de estado com energia extra. Em resumo, a possibilidade concreta do noso universo estar embebido em um bulk multidimensional traz a possibilidade de explicar fatos bem estabelecidos em termos de efeitos próprios a ele. Questões a respeito do caráter científico de uma teoria onde os testes experimentais só detectam efeitos indiretamente (Texto Auxiliar 7) têm sido levantadas, e resulta impossível predizer até que ponto o desenvolvimento destas idéias será continuado e qué tipo de respostas e predições poderemos esperar dela. Geometria Quântica Geometry) (também conhecida como Loop Quantum Embora o ambicioso programa de pesquisa da teoria de cordas tenha já resultados concretos e seja atrativo na sua essência para os pesquisadores, não devemos perder de vista que há uma série de fatos que dificultam sua adoção definitiva. Entre eles, podemos mencionar que não há qualquer sinal experimental da supersimetria necessária à teoria de cordas, e que originalmente a teoria não era independente do substrato no qual as cordas se propagam (embora esta dificuldade tenha sido superada pelas versões modernas). Além disto, é impossível hoje dizer se a unificação total das forças é inevitável, já que embora a maioria dos físicos a preferam filosoficamente, não há qualquer garantia de que venha acontecer de fato. Uma alternativa viável para quantizar a gravitação têm sido proposta por Smolin, Rovelli, Pullin e outros, conhecida como loop quantum gravity ou geometria quântica. Esta teoria evoluiu a partir das idéias de Penrose que tinha formulado uma teoria quântica do espaço-tempo baseada nas rotações, denominada redes de spin. Um segundo passo importante foi a quantização das equações de Einstein devida a A.Ashtekar, baseada na escolha das variáveis adequadas e em técnicas que fizeram uso da independência do substrato. A teoria de Ashtekar permitiu pela primeira vez derivar de forma rigorosa uma equação de Wheeler-De Witt e obter uma solução exata para o universo primordial (vide acima), que até hoje ninguém consegui interpretar claramente. Por volta de 1990 Smolin e Rovelli obtiveram os estados quânticos de uma teoria do espaço-tempo na qual a geometria flutua formando laços de dimensões ~ Planck. Estes estados quânticos podem ser rotulados utilizando as redes de spin de Penrose. É claro que a idéia de quantizar o espaço-tempo, ou seja, o próprio substrato no qual o resto das partículas se movimenta, é bastante radical. De fato, há um preço a pagar quando abandonamos a idéia de um espaço-tempo contínuo perto da escala de Planck : a invariância de Lorentz não é mais respeitada na LQG, embora as leis da física se mantenham inalteradas quando feita uma transformação arbitraria de coordenadas (covariância geral), ou seja, a teoria LQG é covariante e independente do substrato. Como consequência imediata da quantização conseguida, todas as áreas e volumes do universo devem ser múltiplos de valores discretos, por exemplo, a área de uma superfície bidimensional qualquer é representada por um operador da LQG da forma A 8GN j i ( j i 1) (20.11) i onde j i é o spin associado com os nós da rede de spin e um parâmetro fundamental (constante de Barbero-Immirzi). Esta fórmula diz que, na verdade, as áreas físicas medidas são devidas às interseções com as redes de spin. Como consequência desta quantização, não é difícil justificar, por exemplo, a proporcionalidade ente a entropia e a área dos buracos negros (Texto Auxiliar 3), e de fato este cálculo pode ser considerado um dos sucessos da LQG. A geometria quântica ou LQG tem a vantagem de estar rigorosamente formulada e fundamentada, já que o formalismo matemático está melhor estudado e desenvolvido. Em síntese ela poderia ser definida como uma quantização da geometria espacial tridimensional (da qual deriva seu nome), sem que isto tenha nada a ver necessariamente com o resto das interações fundamentais. Assim, esta abordagem para a gravitação quântica não prevê qualquer unificação, nem tem como fazer predições amplas à maneira da teoria de cordas. Não é claro em absoluto até que ponto LQG é compatível com outras formulações do resto das forças fundamentais. Ensamble de meta-universos . O Princípio Antrópico Como sugerido no Texto Auxiliar 1, ao longo da história das ciências modernas houve um progressivo afastamento das idéias relacionadas com a teologia, até chegarmos a um divórcio praticamente total depois do Iluminismo no século XVIII. Os problemas científicos excluiram desde então qualquer argumentação deste tipo, colocando as questões solúveis pela ciência e pela religião em campos disjuntos. Em particular, os debates seculares a respeito do propósito do universo (ou teleologia) só continuaram no ámbito de segunda. Contudo, houve nos últimos 20 anos um interesse crescente entre os cientistas para uma linha de argumentação que poderia, na sua forma extrema, ser qualificada de teleológica. Esta argumentação se denomina geralmente o Princípio Antrópico e será exposta brevemente a seguir. O Princípio Antrópico procura ligar o destino do universo à existência da humanidade, entendida como uma forma de vida inteligente baseada em cadeias de carbono. Na sua versão menos radical (Princípio Antrópico fraco) pode ser enunciado de forma coloquial como “o universo é o que é porque nós estamos aqui para observa-lo e estuda-lo”. Em outras palavras, o Princípio Antrópico fraco postula que a evolução e estrutura do universo deve ser tal que permitiu a nossa existência, e por tanto os parâmetros cosmológicos e físicos não podem ser arbitrarios. Se o fossem, na maioria absoluta dos casos o universo não permitiria a existência de observadores humanos. Embora podemos ser receptivos aos argumentos antrópicos, o que importa realmente é se eles procedem em situações reais, e se podem ser utilizados para predizer ou explicar fatos observados. Há inúmeras situações onde algum parâmetro físico parece “sintonizado” precisamente para permitir a existência humana. Tomemos, por exemplo, o caso das massas das partículas elementares. Várias propriedades fundamentais da matéria tal como a conhecemos mudariam muito se o elétron ou os núcleons tivessem massas levemente diferentes das que têm. Por exemplo, o nêutron é um 10% mais massivo do que o próton, se fosse ao contrario não haveria núcleos e a vida baseada no carbono seria impossível. Da existência da vida orgánica poderiamos então prever que os prótons não podem decair em nêutrons e devem, por tanto, ser mais leves. Para apreciar o poder predictivo deste tipo de argumentos podemos citar uma memorável predição de Fred Hoyle, ligada aos ciclos nucleares avançados da evolução estelar (a síntese de carbono na reação de 3 núcleos de hélio, vide Texto Auxiliar 4). Hoyle raciocinou que devia existir um estado resonante intermediario que permitisse 8 4 12 Be He C γ nas estrelas, já que se assim não fosse o carbono seria um elemento raro e a vida muito improvável. Motivados por esta sugestão, os físicos nucleares procuraram e acharam esse estado intermediário pouco depois. Este tipo de argumentos antrópicos já era conhecido e utilizado desde a antigüedade clássica, e foi “redescoberto” nos anos ´80 pelos cosmólogos contemporâneos. Se os argumentos antrópicos são corretos e o universo esta “sintonizado” para permitir a existência de observadores, então há um importante ponto de vista general que merece destaque: trata-se da pluralidade de universos (ou multiversos) que é necessária para entender a seleção antrópica como uma caraterística do nosso universo integrante desse conjunto estatístico. Note-se que não estamos falando de um conjunto imaginário como o discutido por Gibbs na mecânica estatística, mas de um verdadeiro conjunto de universos que diferem do nosso nos valores das constantes fundamentais e cosmológicas. A importante questão de como conferirmos a existência deles, porém, não é muito discutida atualmente e não é claro sequer se a pergunta tem sentido. Uma analogia simples pode esclarecer o conceito de multiversos e como funciona a seleção antrópica. Para um grego do século III D.C. já era conhecido o raio da terra, e no seu modelo geocéntrico, este valor tinha um papel central na sua cosmologia. O grego poderia então tentar encontrar uma explicação física para o raio da terra, e justificar por que necessariamente o valor medido era o único possível, ou imaginar a existência de inúmeros planetas dos quais a terra é um daqueles que permite a existência de vida, e tentar ver para qual faixa de raios isto é possível. É claro hoje para nós que o segundo raciocínio é o correto,e que há muitos planetas com raios bem diferentes que a terra mas que não podem abrigar vida. Esta situação não é diferente da cosmologia atual, só que agora nos perguntamos pelos fatores que determinam, por exemplo, o raio de Hubble. Uma forma mais forte do Princípio Antrópico é possível, na qual “o universo é o que é para que nós estejamos aqui para observa-lo e estuda-lo”. Esta mudança é importante, já que atribui um propósito para o universo, reintroduzindo a teleologia no debate científico. Esta é uma das razões pela qual a forma forte tem muito poucos adeptos. Independentemente de preferências pessoais, devemos reconhecer que o Princípio Antrópico sempre levou a respostas corretas quando aplicado, e é bem possível que possa ser empregado para compreender uma parte considerável da cosmolgia atual e futura.