Problemas em aberto

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Capítulo 20
“Não há nada de novo a ser descoberto na física.
Todo o que resta é fazer medidas mais e mais precisas.”
William Thompson, Lord Kelvin, discurso na
British Association for the Advancement of Science, 1900.
Problemas em aberto
Razões genéricas para a Inflação
Vimos no Capítulo 12 uma descrição da chamada era
inflacionária, definida como o estágio do universo onde hove uma
expansão marcadamente rápida, muito provavelmente exponencial, do
fator de escala. A inflação descrita no Capítulo 12 pode ser chamada
com propriedade de semiclássica, já que ela utiliza as equações de
Friedmann sem incluir efeitos quânticos na própria gravitação. Porém,
nos primórdios da inflação, deveriamos estender a Relatividade Geral
para regime quântico, e assim descrever a evolução da porção do
universo que vai inflar de forma consistente. Isto último permitiria,em
princípio, relaxar as condições iniciais para a inflação, desde que em
em estes cenários a inflação acontece permanentemente em volumes
do universo que inflam, enquanto outros termalizam quando esta
acaba. O nosso “universo” é, em estes cenários, um dos tantos
domínios onde a inflação já acabou (e por tanto permite a existência
de estruturas onde vivem observadores, ou seja, a inflação é em
última instância antrópica, vide abaixo).
Discutimos também o que é necessário para ter um estágio
inflacionário do tipo DeSitter: o mais importante é que a componente
que domine o universo providencie uma equação de estado com
pressão negativa e de tal forma que o membro da direita da eq.
(10.10) satisfaza ( ρ + 3 P ) < 0 . Na versão apresentada no Capítulo 12,
o responsável por esta caraterística é um campo escalar  , mas ficou
pendente a questão de qual é a realização física deste campo
(normalmente conhecido como inflaton) e o tipo de inflação é
denominado nova inflação (a versão original proposta por A.Guth e
outros não possuia “rolagem” suave pela ladeira do potencial e criava
problemas sérios). Nada garante, no entanto, que uma teoria mais
fundamental contenha um inflaton que cumpra precisamente este
papel. Ou seja, não há até agora qualquer argumento firme para obter
um comportamento inflacionário como o da “nova inflação” a partir de
uma teoria física mais fundamental. É por isto que outras versões da
inflação foram propostas (como a descrita acima em múltiplos
domínios, denominada inflação eterna). Não é possível ainda dizer
quais versões da inflação são viáveis desde o ponto de vista de serem
“deduzíveis” de algo mais fundamental, mas podemos dizer que várias
delas fornecem os ingredientes básicos desejáveis de um modelo
inflacionário: resolvem os problemas da planura e o horizonte,
predizem flutuações invariantes de escala e outros observáveis que
constituem testes para elas. Assim, enquanto o tipo de inflação pode
mudar, muitos cosmólogos consideram a existência de inflação um fato
provado. É provável que com o avanço das pesquisas possamos
reconhecer até que ponto a inflação é inevitável, e se for, qual sua
forma definitiva.
Descrição quântica do universo: a equação de Wheeler-DeWitt
Quando confrontados com o problema da expansão e seus
primórdios podemos pensar que, embora a extrapolação para tempos
decrescentes mais simples indique uma singularidade inicial, esta
poderia ser contornada em favor de alguma alternativa mais razoável.
Não há cosmólogo que não veja a singularidade inicial (onde a
descrição da Relatividade Geral nã é mais válida) com certo horror.
Mas esta esperança acabou quando os trabalhos de Penrose e Hawking
provaram que, sob certas hipóteses gerais, a singularidade é
inevitável. Assim, não há outro remédio do que confrontar o problema
da origem do universo.
Uma das primeiras propostas, bem anterior as cordas, branas e
gravitação quântica, pretende estudar a questão simplesmente
estendendo a descrição quântica da natureza para o universo como um
todo. Esta proposta denominada cosmologia quântica deve-se a
Wheeler, De Witt e Misner entre outros. Ela não pretende compreender
a fundo a gravitação como teoria quântica primeiro, mas explorar o
que pode ser extraído da descrição do universo como sistema
quântico. As idéias básicas não são muito diferentes das utilizadas na
mecânica quântica ordinária. O objeto fundamental da teoria é uma
função de onda   (a função de onda do universo inteiro !), a partir
da qual pode-se calcular a distribuição de probabilidades de universosbebês. De fato, pode ser dito que o universo começa muito pequeno,
de dimensões  L Planck e precisa de inflação para crescer e ser
identificado com o nosso (compare com os Capítulos 11 e 12).
O formalismo matemático que permite calcular a evolução da
função de onda   é bastante análogo ao da equação de
Schröedinger. É conhecida como equação de Wheeler-De Witt e pode
ser escrita de forma geral como
Ĥ     2  U   0
(20.1)
onde Ĥ é um operador, ou objeto matemático que é construído
a partir de coordenadas
e impulsos associados adequadamente
definidos. O análogo apontado da mecânica quântica ordinária é o
chamado Hamiltoniano, e de fato a equação de Wheeler-De Witt pode
ser comparada a uma equação de Schroedinger Ĥ    E  com
energia zero (este fato está ligado à possibilidade do universo
“nuclear” com energia total igual a zero, como discutido no Capítulo
13).
A equação de Wheeler-De Witt precisa de uma condiçaõ de
contorno para ser resolvida, por exemplo, o estado de   em um
instante inicial. Porém, não há dependência temporal na equação de
Wheeler-De Witt, de fato não há, nem deve haver, um “tempo”, já que
se   deve descrever todo o conteúdo do universo, então o tempo
deve “emerger” das soluções, e não ser uma variável independente.
Este e outros aspectos próprios da descrição quântica do universo
levaram a uma longa discussão a respeito da condição inicial. A
proposta de Hartle-Hawking, aparentemente consistente com a
abordagem geral, é que não haja de fato “contorno” nenhum para o
universo. Por outro parte, outras propostas foram colocadas, por
exemplo, a de Vilenkin que contempla uma função de onda que se
propaga para longe da origem. Em este último cenário o universo (que
contém um campo escalar  com energia potencial V (  ) , similar ao
discutido no Capítulo 12 para a Inflação semiclássica) evolui segundo

2
1 2  2

  a [ 1  a 2V (  )]     0

a 2 a 2  2 
(20.2)
Esta expressão é análoga à de uma partícula em um potencial. A
solução é conhecida e pode ser estudada graficamente (Fig. 20.1). O
universo tem uma trajetória clássica entre a  0 e a  a* , isto é, se
fosse uma partícula clássica em um potencial clássico estaria restrito a
ter uma escala entre 0 e a* , de dimensões  L Planck . Porém, a teoria
quântica prevê o tunelamento através da barreira de potencial, onde
clássicamente não pode existir. A probabilidade Ptun
transição desde a região “interna” até a  a0 é


3

Ptun (  )  exp 


2
 8G V (  ) 
de fazer a
(20.3)
ou seja, estatisticamente o universo “nucleia” espontaneamente
desde o “nada” (região interior) até a  a0 com uma probabilidade
máxima desde que V ( φ ) seja máximo. Esta máxima energia potencial
do campo  é uma condição favorável para o começo da Inflação
(Capítulo 12), a qual o levará posteriormente até V (  )  0 como foi
descrito.
Fig. 20.1. Tunelamento quântico do universo desde a região do
“nada” ( 0  a  a* ) até a sua escala inicial a0 . A trajetória do
tunelamento,proibida classicamente, está simbolizada pela curva azul.
Em resumo, a cosmologia quântica é um esquema atrativo
e ambicioso para explicar a “nucleação” do universo (o qual estava em
um estado incognoscível enquanto na regiáo do “nada”), onde
questões de natureza profunda e fundametal não podem ser
contornadas e criam dificuldades para a interpretação do processo.
Espera-se que os avanços nas terias de tudo (TDTs) e/ou gravitação
quântica venham reforçar e fundamentar melhor esta proposta.
Cordas, Branas ou Geometria Quântica ? A procura pela teoria
quântica da gravitação.
Embora não pretendemos aqui uma descrição completa das
tentativas existentes para formular uma teoria quântica da gravitação,
é inevitável discutirmos brevemente as principais alternativas para
esta. O estudo do universo primordial certamente precisa de uma
descrição válida próxima da escala de Planck e até agora os teóricos
têm enveredado por caminhos diferentes, porém, promissores para
avançar em esta formulação e as alternativas mais importantes são
descrita a seguir
Teoria de (Super)Cordas
Há várias razões para pensar que a descrição da natureza
utilizando teoria de campos (clássica e quântica) pode não ser válida
em geral. Como discutimos no Capítulo 2, a existência de infinitos no
cálculo das quantidades físicas força a escolher entre teorias de campo
renormalizáveis como candidatas, as quais geralmente são obtidas
impondo alguma invariância de gauge (calibre). Não há qualquer razão
evidente para este tipo de escolha, embora é uma receita aplicada com
sucesso às interações eletromagnéticas, fracas e fortes. Porém, a
quantização da gravitação utilizando a mesma “receita” trouxe
problemas insolúveis, e levou a considerar a possibilidade de uma
outra descrição alternativa.
Nos anos `60 surgiu, no estudo da física dos hádrons, uma
descrição destes que se afastava conceitualmente da teoria de
campos. Originalmente chamados de modelos duais, estes formalismos
correspondem a teorias quânticas de cordas, ou objetos extendidos
(não mais partículas pontuais !), vibrando a velocidades relativísticas.
Embora houve muito trabalho desenvolvido na teoria de cordas
(hadrônicas), a formulação e desenvolvimento da QCD, uma teoria de
campo de gauge prototípica, nos anos `70, e o seu sucesso para
explicar as observações dos aceleradores fizeram com que aquelas
idéias ficassem preteridas.
No entanto, um outro desenvolvimento da física teórica viria a
trazer novidades importantes para a teoria de cordas : a idéia da
supersimetria, ou transformação que liga bósons e fermions
(estritamente diferentes na teoria de campos). A supersimetriaetria
viria ser incorporada à física como uma tentativa super-unificadora, no
sentido de abranger as duas categorias de partículas aparentemente
disjuntas. Embora não há até hoje qualquer sinal experimental da sua
realidade, é possível construir esquemas consistentes onde ela resulta
fundamental, tal é o caso da teoria de cordas supersimétrica, ou
supercordas, como veremos a seguir.
Já que as cordas pretendem descrever a gravitação quântica e
também as outras interações fundamentais, é natural que a escala
onde os efeitos próprios da corda sejam visíveis seja precisamente a
 GN
escala de Planck L Planck 
 1.6  10 33 cm . Os modelos mais simples
3
c
de cordas, ainda sem levar em conta a supersimetria, podem ser
formulados com uma ação de corda, que leva a equações de
movimento do tipo

2X 
2 X
c
 2
 2
(20.4)
onde X  são as coordenadas espaço-temporais da corda (o
índice   0 , 1 , 2... indica estas coordenadas), e  , são duas
coordenadas encima da chamada superfície de mundo (world sheet)
da corda. O caráter extendido da corda se manifesta aqui
explicitamente : já vimos que uma partícula pontual subtende uma
linha em um diagrama espaço-temporal chamada linha de mundo.
Porém, uma corda não descreve uma linha, mas uma superfície
conforme o tempo passa (Fig. 20.2)
Fig. 20.2. A linha de mundo de ua partícula elementar pontual
(esquerda) e a superfície de mundo de uma corda (vermelho) que se
propaga desde A até B.
As soluções da equação da onda (20.4) são bem conhecidas da
física clássica, e podem ser escritas em termos de uma série dos
chamados modos normais (ou autofunções). Estes últimos, por sua
vez, precisam de condições de contorno para ser caraterizados. Na Fig.
20.2 representamos uma corda aberta, isto é, com extremos livres.
Também é possível considerar cordas fechadas, correspondentes a
condições de contorno periódicas (assim, é possível falar de tubos de
mundo para as superfícies subtendidas por estas). Quando olhamos
para os modos normais nas cordas fechadas podemos conferir que há
modos que se propagam na corda para a esquerda e outros para a
direita, esta distinção será importante para interpretar o conteúdo
físico das teorias.
A quantização da teoria de cordas consiste em impôr relações de
conmutação para os coeficientes da série dos modos normais. Os
quanta (partículas) ordinários aparecem como modos de oscilação
quantizados das cordas, correspondentes ao espectro de partículas
conhecidas, isto é, os estados da corda têm massa e spin bem
definidos que devem corresponder às partículas observadas (por
enquanto, só bósons, já que ainda não indicamos como introduzir
férmions na teoria). Se falassemos de cordas não-relativísticas
ordinárias em 3+1 dimensões (por exemplo, a corda de um violão),
poderíamos “ouvir” esses tons (fundamental e harmônicos)
correspondentes à vibração da corda com uma tensão fixa
Tcorda 
1
2'
(20.5)
onde  ' é o parâmetro que aparece na ação da corda. Vemos
assim o papel importante que desempenha  ' , ou equivalentemente
Tcorda , o único parâmetro livre da teoria que precisa ser prescrito.
Uma das caraterísticas mais importantes e que encorajaram os
físicos a continuar estudando cordas, é que mesmo em esta versão
sem férmions (corda bosónica) aparece no espectro um modo de
massa 0 e spin 2, precisamente o que carateriza o graviton procurado
na quatização da gravitação. Porém, e além da ausência de férmions,
pode-se provar que a teoria bosónica é consistente só se formulada
em 26 dimensões (25 espaciais e um tempo !). Para piorar as coisas,
os espectros de todas as teorias bosónicas contém, além do graviton
desejado, um táquion com massa imaginária (mais precisamente,
M 2  1/ ' ). Assim, foi necessário procurar outras versões mais
consistentes da teoria de cordas que não sofressem desses problemas.
Consideremos
primeiro
o
problema
das
dimensões.
Evidentemente, e até onde os experimentos indicam, não há sinal
alguma de dimensões extra além das 3 espaciais e o tempo ordinário.
Como então se “desfazer” das dimensões a mais introduzidas para dar
consistência à teoria ? No começo do século XX, um trabalho pioneiro
de O. Kaluza e O. Klein [] propôs um caminho para unificar as forçãs
gravitacionais e eletromagnéticas baseado na formulação da teoria em
5 dimensões. Além das 3 dimensões espaciais e o tempo, a dimensão
extra aparecia compactificada (isto é, “enrolada”, sem se extender) e
por tanto sua existência podia ser compatível com as observações e
experimentos disponíveis. O conceito de dimensão compacta pode ser
apreciado se pensarmos em algum objeto longo e fino (Fig. 20.3) visto
de longe. Ele aparece à vista como uma linha, e só quando o
examinarmos de perto percebemos que tem uma dimensão > 1. Esta
afirmação implica, como discutido no Capítulo 1, que pode ser
necessário fazer experimentos a energias muito altas para
“enxergarmos” as dimensões compactificadas, desde que a escala de
compactificação seja pequena.
Fig. 20.3. Um objeto aparentemente unidimensional pode
mostrar, quando examinado de perto, a presença de dimensões extra,
como no caso do macarrão da figura. O número de dimensões
detectadas pode ser mascarado pela energia dos experimentos: se
esta não for alta o suficiente, as dimesões extras podem não ser
percebidas.
Assim, a forma mais simples de “esconder” as dimensões extra é
a de compactifica-las em escalas muito pequenas (possívelmente, mas
não necessariamente, à escala de Planck). Também a teoria precisa
conter algum ingrediente para explicar por que 3 dimensões espaciais
se expnderam enquanto as outras 7 estão compactificadas, problema
ainda sem solução satisfatória. Esta idéia de compactificação nos leva
de imediato a tentar entender a origem dos modos das cordas segundo
o seguinte raciocíno.
Suponhamos que consideramos de momento só uma dimensão a
mais, digamos X 4 perpendicular às conhecidas X 0 , X 1 , X 2 , X 3 . A
compactificação de X 4 em um círculo de raio R é obtida pela condição
X 4  X 4  2R . Se considerarmos uma partícula viajando ao longo
deste círculo, temos, segundo a Mecânica Quântica que seu impulso
será um múltipo de 1/ R , e no limite ultrarrelativístico sua energia
E  cp sera a contribuição dominante à massa. Assim, um observador
n2
, onde
R2
n é o número quântico que identifica o autoestado do impulso. Uma
corda se deslocando em torno a esse mesmo círculo terá o mesmo
comportamento,mas há uma outra possibilidade dela contribuír à
energia (massa): a corda pode se enrolar em torno ao círculo, e pode
fazer isto várias vezes (digamos, w vezes), da mesma forma que um
interpretaria este estado como uma partícula de massa M n2 
elástico comúm em torno aos dedos. Evidentemente, isto não tem
análogo nas partículas pontuais. Esta contribuição à energia pode ser
escrita utilizando a tensão da corda definida antes da forma
wR . Assim, o espectro de massas terá duas
E  2RwTcorda 
'
contribuições principais
2
M tot
n 2 w 2R 2
 2  ' 2  ...
R

(20.6)
O segundo termo, de natureza única às cordas é chamado de
topológico. Dependendo da dimensão compactificada R poderiamos
ter o primeiro ou segundo termo dominante, mas aqui é que entra
uma das caraterísticas mais surpreendentes da teoria de cordas: a
massa total fica invariante se feitas simultaneamente as
transformações R   ' / R e n  w (chamada de dualidade T no
jargão). Por tanto, o espectro não diferencia dimensões
compactificadas “grandes” e “pequenas”, já que o raio delas é
intercambiável. Nossa distinção entre pequenas e grandes distâncias
ao modificar a energia dos projétis discutida no Capítulo 1 não faz
mais sentido na teoria fundamental.
Todo isto diz a respeito da estrutura básica da teoria, mas nada
ainda dizemos das interações, ou seja da dinâmica das colisões entre
cordas e outros processos similares. De fato há uma outra dualidade
presente na teoria de cordas que pode ajudar em muito na obtanção
de soluções da mesma: é a chamada dualidade S, que relaciona uma
teoria fortemente acoplada com seu dual que apresenta acoplamento
fraco (vide Capítulo 2). Esto sugere que, no fundo, é possível uma
descrição na qual esta dualidade possa ser aproveitada, resolvendo a
versão fracamente acoplada da teoria (para a qual já há uma loga
tradição nas expansões perturbativas da teoria de campos). Além
disso, a diagramática da teoria de cordas parece (após bastante
confusão nos anos iniciais) mais simples do que a da teoria de campos.
Um exemplo de cordas em interação e o diagrama gerado é mostrado
na Fig. 20.4.
Fig.20.4 . Duas cordas fechadas colidem para dar origem a uma
terceira, este diagrama é o mais elementar da teoria de cordas
(fechadas) e é conhecido (por razões obvias) como o "diagrama das
calças" (ou mais tecnicamente “fusão dos tubos de mundo”).
O passo natural seguinte foi o de tentar introduzir os férmions na
teoria de cordas. Para isto foi necessário ampliar o espaço onde as
cordas “vivem” X  , adicionando um conjunto de coordenadas
matemáticas  i que não conmutam (antes satisfazem a regra
 1 2   2 1  0 , ou anti-conmutação) para obter o espaço-tempo
estandido chamado de superespaço. O mais interessante é que com a
adição destas coordenadas, imprescindíveis para descrever os
férmions, desaparece o problema dos táquions se a teoria é formulada
em 10 dimensões e é supersimétrica. Isto significa que, para cada
bóson do espectro de partículas, deve existir um férmion associado
presente. Por exemplo, o graviton de spin 2 tem um parceiro
supersimétrico de spin 3/2 massivo chamado de gravitino.
Dependendo das condições de contorno e outras caraterísticas
impostas, existem na verdade 5 teorias supersimétricas consistentes
em 10 dimensões. Suas estruturas são diferentes e muito complexas
para ser tratadas aqui. Porém, temos ilustrado os feitos e as
caraterísticas principais das teorias de cordas, e observado por que
têm a pretensão de ser “Teorias de Tudo”. Os desenvolvimentos da
teoria e seu valor real, assim como a sua relação com o resto da física,
incluíndo as teorias alternativas, são uma questão de tempo sem
previsão certa.
O Mundo das Branas
Como apontamos no ítem anterior, a idéia original de KaluzaKlein serviu de ponto de partida para desenvolvimentos recentes como
a teoria das supercordas (de fato, já vimos que estas teorias só são
consistentes e completas se formuladas em 10 dimensões). Especulase ainda que a abordagem mais geral possível deste problema é a
chamada teoria M (que segundo seus autores lembra a palavra
“mamãe”), a qual conteria como casos limites todas as 5 teorias de
supercordas conhecidas. Estudando um destes limites, Horava e Witten
[] provaram que uma das versões de baixa energia é equivalente a
uma teoria onde a compactificação de uma das dimensões extra pode
ser interpretada como um intervalo finito, o qual separa 2 “planos”
cujas dimensões extra também podem ser compactificadas, mas da
maneira usual. Estes “planos” (ou mais precisamente, hipersuperfícies)
contém todos os campos físicos da teoria e foram chamados de branas
(ou membranas generalizadas).
Uma vez que ficou claro que aquele cenário resulta de forma
bastante geral do limite da teoria de supercordas, houve grande
interesse para formalizar o chamado brane world, ou mundo das
branas. Em eles as partículas conhecidas estão confinadas a uma
hipersuperfície (ou brana) embebida em um espaço de dimensão maior
(ou bulk). Somente a gravitação e outros campos exóticos podem se
propagar no bulk (e obviamente, também na brana). Assim, por
exemplo, esta propriedade traz modificações à lei de Newton, já que a
gravitação é “diluída” em mais de 3 dimensões. Isto indica que as
dimensões extra devem ser pequenas, mas não necessariamente tão
pequenas quanto a escala de Planck. Para satisfazer os resultados
conhecidos da lei de Newton e assemelhados, basta com que as
dimensões extra sejam menores do que as escalas na qual ela é bem
testada,  1mm nos laboratórios atuais. A situação se mostra na Fig.
20.5.
Fig.20.5 . Nosso universo (versão de 2+1 D) no mundo das
branas. Em este cenário todas as forças do Modelo Padrão estão
confinadas à brana (em azul), enquanto o bulk de dimensão maior
admite a propagação de gravitons e outras partículas exóticas. A
presença de dimensões extra poderia ser medida fazendo
experimentos, por exemplo, que medissem com precisão a lei de
Newton em escalas  1 mm . Outras formas de testar estas idéias são
accesíveis à faixa de energia atual em aceleradores.
No modelo mais simples em 4+d dimensões com geometria
plana, onde as d dimensões extra têm uma escala R, Arkani-Hamed,
Dimopulos e Dvali [] a lei de Newton adota a forma
V (r ) 
m1m2
1
 d 1
d 2
M5
r
se r  R
(20.7)
V (r ) 
m1m2
1
 d
d 2
M5
R r
se r  R
(20.8)
onde M 5 é a massa de Planck em 5 dimensões. As unidades das
equações (20.7-20.8) permitem relacionar M 5 com a massa de Planck
2
em 4 dimensões que conhecemos segundo M Planck
 M 52 d R d . Isto justifca
que para distâncias r  R a gravitação se comporte como a
conhecemos, só em escalas menores que R apareceriam os desvios
apontados. Um outro ponto importante é que M 5 poderia ser pequena
(por exemplo, da ordem de 100 GeV) desde que o volume do espaço
de dimensão extra seja grande o suficiente. Teriamos assim uma
possível explicação para o problema da hierarquia, ou por que a escala
de Planck está tão afastada da escala das outras interações.
Os desenvolvimentos posteriores procuraram compreender a
questão da hierarquia, isto é, a enorme separação entre a escala de
energia da gravitação quântica e o resto do Modelo Padrão. O mais
estudado destes modelos deve-se a Randall e Sundrum [], e considera
uma extensão destas idéias na qual o bulk possui uma curvatura
análoga à produzida pelos modelos com constante cosmológica
negativa. No cenário de Randall-Sundrum extistem duas branas, uma
associada com o nosso universo localizada na coordenada y  rc da
dimensão extra, e outra em y  0 . A hierarquia das interações
observada é reproduzida “ajustando” a distância entre as branas. Por
exemplo, em este modelo a massa de Planck do nosso universo está
relacionada com a massa de Planck fundamental M 5 pela equação
2
M Planck
 e 2 krc
onde
k   5 /6  5
M 53
k
depende
(20.9)
da
constante
cosmológica
(negativa) do bulk já mencionada e da “constante gravitacional” deste
 5 . Se queremos que M 5 esteja próxima da escala eletro-fraca, então
o produto na exponencial precisa ser krc  50 . A quantidade chave
passa a ser então o valor de rc , e a teoria precisa de algum
mecanismo para explicar o que é que o determina. Uma versão
posterior destes modelos postula uma dimensão extra infinita, e com
ela correções à lei de Newton no nosso universo-brana, as quais
podem em princípio ser diretamente observadas e são objeto de
estudo experimental.
Uma das consequências mais importantes dos modelos de
Randall-Sundrum é a modificação das equações de Friedmann que
descrevem a evolução do universo-brana. Especificamente, a eq.
(11.7) do Capítulo 11 tem a forma
H2 
 54
36
2 
8G
 2
C
  (  )  4
3
6 36
ab
(20.10)
Além de poder recuperar aproximadamente as equações de
Friedmann desde que o terceiro termo seja nulo (as custas de
“ajustar” o valor da constante cosmológica efetiva (4-dimensional) 
dependendo do valor dos parámetros da brana (a tensão  ) e da
constante do bulk  5 (eq.20.10), há uma segunda consequência
importante: se a densidade de energia satisfaz a condição
  96G / 54 , o primeiro termo domina os outros e a evolução do
parámetro de Hubble é H   , e não H   como na cosmologia
padrão. Esta fase de alta energia no universo primordial pode ter
acontecido e contribuído para possibilitar alguns processos que de
outra forma não teriam acontecido, por exemplo, formação e
crescimento substancial de buracos negros primordiais. Embora um
limite absoluto para a época do final da fase de alta energia exista (o
era da nucleossíntese), existe uma grande complexidade em estes
modelos que esta sendo estudada, por exemplo, os trabalhos mais
recentes discutem a realização de Inflação na brana devida aos efeitos
do bulk. Uma outra caraterística nova dos modelos é a existência de
um termo de radiação escura ( C / ab4 ) produzido na brana-universo
pelos efeitos do bulk. De fato, os dados da nucleossíntese foram
utilizados para impôr um limite superior à constante C , já que a
radiação escura contribuiria à equação de estado com energia extra.
Em resumo, a possibilidade concreta do noso universo estar
embebido em um bulk multidimensional traz a possibilidade de explicar
fatos bem estabelecidos em termos de efeitos próprios a ele. Questões
a respeito do caráter científico de uma teoria onde os testes
experimentais só detectam efeitos indiretamente (Texto Auxiliar 7)
têm sido levantadas, e resulta impossível predizer até que ponto o
desenvolvimento destas idéias será continuado e qué tipo de respostas
e predições poderemos esperar dela.
Geometria Quântica
Geometry)
(também
conhecida
como
Loop
Quantum
Embora o ambicioso programa de pesquisa da teoria de cordas
tenha já resultados concretos e seja atrativo na sua essência para os
pesquisadores, não devemos perder de vista que há uma série de fatos
que dificultam sua adoção definitiva. Entre eles, podemos mencionar
que não há qualquer sinal experimental da supersimetria necessária à
teoria de cordas, e que originalmente a teoria não era independente do
substrato no qual as cordas se propagam (embora esta dificuldade
tenha sido superada pelas versões modernas). Além disto, é
impossível hoje dizer se a unificação total das forças é inevitável, já
que embora a maioria dos físicos a preferam filosoficamente, não há
qualquer garantia de que venha acontecer de fato.
Uma alternativa viável para quantizar a gravitação têm sido
proposta por Smolin, Rovelli, Pullin e outros, conhecida como loop
quantum gravity ou geometria quântica. Esta teoria evoluiu a partir
das idéias de Penrose que tinha formulado uma teoria quântica do
espaço-tempo baseada nas rotações, denominada redes de spin. Um
segundo passo importante foi a quantização das equações de Einstein
devida a A.Ashtekar, baseada na escolha das variáveis adequadas e
em técnicas que fizeram uso da independência do substrato. A teoria
de Ashtekar permitiu pela primeira vez derivar de forma rigorosa uma
equação de Wheeler-De Witt e obter uma solução exata para o
universo primordial (vide acima), que até hoje ninguém consegui
interpretar claramente. Por volta de 1990 Smolin e Rovelli obtiveram
os estados quânticos de uma teoria do espaço-tempo na qual a
geometria flutua formando laços de dimensões ~ Planck. Estes estados
quânticos podem ser rotulados utilizando as redes de spin de Penrose.
É claro que a idéia de quantizar o espaço-tempo, ou seja, o próprio
substrato no qual o resto das partículas se movimenta, é bastante
radical. De fato, há um preço a pagar quando abandonamos a idéia de
um espaço-tempo contínuo perto da escala de Planck : a invariância de
Lorentz não é mais respeitada na LQG, embora as leis da física se
mantenham inalteradas quando feita uma transformação arbitraria de
coordenadas (covariância geral), ou seja, a teoria LQG é covariante e
independente do substrato.
Como consequência imediata da quantização conseguida, todas
as áreas e volumes do universo devem ser múltiplos de valores
discretos, por exemplo, a área de uma superfície bidimensional
qualquer é representada por um operador da LQG da forma
A  8GN   j i ( j i  1)
(20.11)
i
onde j i é o spin associado com os nós da rede de spin e  um
parâmetro fundamental (constante de Barbero-Immirzi). Esta fórmula
diz que, na verdade, as áreas físicas medidas são devidas às
interseções com as redes de spin. Como consequência desta
quantização, não é difícil justificar, por exemplo, a proporcionalidade
ente a entropia e a área dos buracos negros (Texto Auxiliar 3), e de
fato este cálculo pode ser considerado um dos sucessos da LQG.
A geometria quântica ou LQG tem a vantagem de estar
rigorosamente formulada e fundamentada, já que o formalismo
matemático está melhor estudado e desenvolvido. Em síntese ela
poderia ser definida como uma quantização da geometria espacial
tridimensional (da qual deriva seu nome), sem que isto tenha nada a
ver necessariamente com o resto das interações fundamentais. Assim,
esta abordagem para a gravitação quântica não prevê qualquer
unificação, nem tem como fazer predições amplas à maneira da teoria
de cordas. Não é claro em absoluto até que ponto LQG é compatível
com outras formulações do resto das forças fundamentais.
Ensamble de meta-universos . O Princípio Antrópico
Como sugerido no Texto Auxiliar 1, ao longo da história das
ciências modernas houve um progressivo afastamento das idéias
relacionadas com a teologia, até chegarmos a um divórcio
praticamente total depois do Iluminismo no século XVIII. Os problemas
científicos excluiram desde então qualquer argumentação deste tipo,
colocando as questões solúveis pela ciência e pela religião em campos
disjuntos. Em particular, os debates seculares a respeito do propósito
do universo (ou teleologia) só continuaram no ámbito de segunda.
Contudo, houve nos últimos 20 anos um interesse crescente entre os
cientistas para uma linha de argumentação que poderia, na sua forma
extrema, ser qualificada de teleológica. Esta argumentação se
denomina geralmente o Princípio Antrópico e será exposta brevemente
a seguir.
O Princípio Antrópico procura ligar o destino do universo à
existência da humanidade, entendida como uma forma de vida
inteligente baseada em cadeias de carbono. Na sua versão menos
radical (Princípio Antrópico fraco) pode ser enunciado de forma
coloquial como “o universo é o que é porque nós estamos aqui para
observa-lo e estuda-lo”. Em outras palavras, o Princípio Antrópico
fraco postula que a evolução e estrutura do universo deve ser tal que
permitiu a nossa existência, e por tanto os parâmetros cosmológicos e
físicos não podem ser arbitrarios. Se o fossem, na maioria absoluta
dos casos o universo não permitiria a existência de observadores
humanos.
Embora podemos ser receptivos aos argumentos antrópicos, o
que importa realmente é se eles procedem em situações reais, e se
podem ser utilizados para predizer ou explicar fatos observados. Há
inúmeras situações onde algum parâmetro físico parece “sintonizado”
precisamente para permitir a existência humana. Tomemos, por
exemplo, o caso das massas das partículas elementares. Várias
propriedades fundamentais da matéria tal como a conhecemos
mudariam muito se o elétron ou os núcleons tivessem massas
levemente diferentes das que têm. Por exemplo, o nêutron é um 10%
mais massivo do que o próton, se fosse ao contrario não haveria
núcleos e a vida baseada no carbono seria impossível. Da existência da
vida orgánica poderiamos então prever que os prótons não podem
decair em nêutrons e devem, por tanto, ser mais leves. Para apreciar o
poder predictivo deste tipo de argumentos podemos citar uma
memorável predição de Fred Hoyle, ligada aos ciclos nucleares
avançados da evolução estelar (a síntese de carbono na reação de 3
núcleos de hélio, vide Texto Auxiliar 4). Hoyle raciocinou que devia
existir
um
estado
resonante
intermediario
que
permitisse
8
4
12
Be  He C  γ nas estrelas, já que se assim não fosse o carbono
seria um elemento raro e a vida muito improvável. Motivados por esta
sugestão, os físicos nucleares procuraram e acharam esse estado
intermediário pouco depois. Este tipo de argumentos antrópicos já era
conhecido e utilizado desde a antigüedade clássica, e foi
“redescoberto” nos anos ´80 pelos cosmólogos contemporâneos.
Se os argumentos antrópicos são corretos e o universo esta
“sintonizado” para permitir a existência de observadores, então há um
importante ponto de vista general que merece destaque: trata-se da
pluralidade de universos (ou multiversos) que é necessária para
entender a seleção antrópica como uma caraterística do nosso
universo integrante desse conjunto estatístico. Note-se que não
estamos falando de um conjunto imaginário como o discutido por
Gibbs na mecânica estatística, mas de um verdadeiro conjunto de
universos que diferem do nosso nos valores das constantes
fundamentais e cosmológicas. A importante questão de como
conferirmos a existência deles, porém, não é muito discutida
atualmente e não é claro sequer se a pergunta tem sentido.
Uma analogia simples pode esclarecer o conceito de multiversos
e como funciona a seleção antrópica. Para um grego do século III D.C.
já era conhecido o raio da terra, e no seu modelo geocéntrico, este
valor tinha um papel central na sua cosmologia. O grego poderia então
tentar encontrar uma explicação física para o raio da terra, e justificar
por que necessariamente o valor medido era o único possível, ou
imaginar a existência de inúmeros planetas dos quais a terra é um
daqueles que permite a existência de vida, e tentar ver para qual faixa
de raios isto é possível. É claro hoje para nós que o segundo raciocínio
é o correto,e que há muitos planetas com raios bem diferentes que a
terra mas que não podem abrigar vida. Esta situação não é diferente
da cosmologia atual, só que agora nos perguntamos pelos fatores que
determinam, por exemplo, o raio de Hubble. Uma forma mais forte do
Princípio Antrópico é possível, na qual “o universo é o que é para que
nós estejamos aqui para observa-lo e estuda-lo”. Esta mudança é
importante, já que atribui um propósito para o universo,
reintroduzindo a teleologia no debate científico. Esta é uma das razões
pela qual a forma forte tem muito poucos adeptos.
Independentemente
de
preferências
pessoais,
devemos
reconhecer que o Princípio Antrópico sempre levou a respostas
corretas quando aplicado, e é bem possível que possa ser empregado
para compreender uma parte considerável da cosmolgia atual e futura.
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