II Seminário ATIID - Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, São Paulo-SP, 23-24/09/2003 A APROPRIAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) POR CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL Maria Luiza BELLONI*, Nilza Godoy GOMES**, Rose Aparecida de SOUZA*** UFSC/CED/LANTEC–Grupo de Pesquisa COMUNIC, Florianópolis-SC [email protected] RESUMO: Este trabalho relata experiência de pesquisa que buscou compreender como crianças e jovens que se encontram em situação de risco se apropriam das TIC e qual a contribuição desses recursos para a melhoria do processo de aprendizagem dessa clientela, quando interagem com ambientes de aprendizagem computacional que propiciam a colaboração e cooperação entre elas. A interação das crianças e jovens com as TIC demonstrou que esses recursos favorecem o aumento da auto-estima, o interesse de aprender coisas novas, a colaboração entre os pares quando a proposta de atividade é motivadora para eles e está desvinculada de atividades escolares mal-sucedidas. 1. INTRODUÇÃO A interação de crianças em ambientes ricos em tecnologias tem demonstrado que esses recursos são potencialmente eficazes para a construção de conhecimentos, porque a relação criança máquina criança criança favorece a transformação de ações em conhecimentos..., desvelando as trajetórias cognitivas que o aluno pode adotar para resolver uma situação- problema. Nesse sentido, entendemos que as metodologias adequadas para a utilização das TIC como recurso didático possam ampliar e melhorar a formação de crianças e jovens de baixa renda e baixo rendimento escolar, através de ambientes de aprendizagem cooperativos e colaborativos. Este trabalho apresenta os primeiros resultados do projeto de pesquisa “Caracterização do público jovem das tecnologias de informação e comunicação” (apoiado pelo CNPq e desenvolvido no LANTEC/UFSC), que pretende dar continuidade a investigações que já vêm sendo realizadas nessa área de conhecimento. Ele tem como hipótese principal que a associação “artes e máquinas” em situações de aprendizagens pode vir a ser um elemento acelerador de aprendizagem, pois tende a melhorar a auto-estima e a aumentar a motivação e o interesse, criando condições favoráveis para a aprendizagem (BELLONI, 2001; GOMES, 2001, 1997, 1992, 1991; SANTAROSA, 1987). Por outro lado, a democratização do acesso às novas tecnologias constitui-se atualmente em importante fator de inclusão social, por isso, II Seminário ATIID - Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, São Paulo-SP, 23-24/09/2003 é papel da escola e de todos os agentes educativos, democratizar o acesso às tecnologias, formando o cidadão emancipado e o usuário competente. Neste sentido, a pesquisa pretende contribuir para a construção de metodologias adequadas para o atendimento dessa clientela. 2. OBJETIVOS Desenvolver metodologias para o uso das TIC que contribuam para a melhoria do processo ensino-aprendizagem de crianças e jovens em situação de risco social, por meio de ambientes de aprendizagem computacional que favoreçam a colaboração e cooperação entre pares. 3. METODOLOGIA O estudo envolveu 14 crianças e jovens, na faixa etária de 09 a 13 anos, provenientes de duas instituições educativas que atendem essa clientela que se encontram em situação de risco social, situadas na cidade de Florianópolis/SC. As interações das crianças com computadores aconteceram no II semestre de 2002, no Laboratório de Novas Tecnologias, Centro de Ciências da Educação da UFSC. O critério de escolha da clientela foi o desempenho escolar, medido pelo número de repetências e pela defasagem idade/série. A maioria das crianças estava freqüentando a 1ª série ou classes de aceleração. Todas apresentaram uma ou mais repetências. Na avaliação do Nível de Alfabetização verificou-se que 64% das crianças estavam no nível silábico, 14% no nível silábico-alfabético e 22% no nível alfabético, conforme os critérios de avaliação propostos por Emília Ferreiro. Verificamos também o nível de pensamento das crianças, de acordo com os critérios do Método Clínico de Jean Piaget. Os resultados apontaram que 100% da clientela encontrava-se no nível pré-operatório. Além das avaliações descritas acima, realizamos entrevistas nas escolas com a professora ou a orientadora pedagógica, com o objetivo de coletar os dados pessoais, familiares e escolares. Para acompanhar o desempenho de cada criança no desenvolvimento da pesquisa, organizamos um protocolo de observação, com o objetivo de compreender como as crianças interagiam com o computador no que diz respeito à apropriação e descoberta de recursos disponíveis tanto em relação à hardware como à software. Buscou-se conhecer, também, como II Seminário ATIID - Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, São Paulo-SP, 23-24/09/2003 as crianças se relacionavam com seus pares quanto à colaboração e cooperação na realização das atividades propostas. A metodologia contemplou a construção de ambientes de aprendizagem com os recursos das TIC, que favorecessem atividades baseadas na colaboração e na cooperação entre os sujeitos envolvidos. O trabalho das crianças no computador foi em duplas. As duplas foram organizadas agrupando uma criança de cada instituição. Também foi levado em consideração que as crianças da Instituição A já tinham experiências com o computador, porque participaram de uma experiência-piloto desta pesquisa, no semestre anterior. As atividades desenvolvidas neste módulo da pesquisa buscaram verificar a seguinte hipótese: Ambientes ricos em tecnologias favorecem a aprendizagem de crianças oriundas de classes populares e em situação de risco, que apresentem defasagens entre a idade cronológica e a escolarização pois, conforme estudos realizados por Lucila Santarosa (1987), o uso das TIC no contexto escolar ajuda a melhorar a auto-estima, a aumentar a motivação e o interesse, criando condições favoráveis para a aprendizagem, diferenciadas da escola tradicional. Para o desenvolvimento das atividades no LANTEC/CED/UFSC utilizamos vídeo, televisão e computador. As atividades foram organizadas em dois módulos, com quatro encontros cada um e o último encontro foi reservado para a socialização das produções realizadas e para a confraternização. Cada módulo contemplou um tema gerador que foi escolhido previamente pelas crianças por meio de uma votação. Para a escolha do tema e para desencadear o debate e as discussões, utilizamos videogramas que abordavam temas transversais, tais como: meio ambiente, ética e cidadania, gênero e mídias. O tema escolhido para o primeiro módulo foi “ética e cidadania” e para o segundo módulo foi “mídias”. A proposta de trabalho no computador esteve centrada na produção textual e pesquisa orientada na Internet. Como estratégia para motivar o interesse pela leitura e pela escrita escolheu-se a produção de histórias em quadrinhos porque é uma leitura acessível e prazerosa entre as crianças dessa faixa etária. Assim, para a produção textual foram escolhidos dois softwares educativos apropriados para construção de histórias em quadrinhos (Gibizinho e Quadrinhos da Turma da Mônica), e o editor de texto Microsoft Word. Para a exploração e enriquecimento do vocabulário foi utilizado um dicionário eletrônico para que as crianças consultassem o II Seminário ATIID - Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, São Paulo-SP, 23-24/09/2003 significado e/ou a grafia das palavras sempre que necessário. O editor de texto foi utilizado para a produção de materiais tais como: cartas, crachás e as regras de convivência e de trabalho, e o Diário de Bordo que foi um recurso usado para avaliar o que as crianças aprenderam, o que elas mais gostaram e as dificuldades encontradas ao realizar as atividades propostas. Com a Internet, as crianças acessaram sites contendo jogos educativos on-line, como por exemplo, os sites do “Duende” e da “Turma da Mônica” e realizaram pesquisas sobre temas de seus interesses. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados observados durante a realização da interação das crianças com o ambiente informatizado permitem levantar as inferências: - As crianças que já tinham tido experiência anterior com computadores conseguiram transpor seus conhecimentos para a nova situação (outra experiência, em outro local), e também foram capazes de transmiti-los aos colegas que nunca trabalharam, “ensinando-os” a operação do equipamento e tirando desta nova experiência grande satisfação; - O trabalho em duplas favoreceu a colaboração entre as crianças, mas para isso elas precisavam estar altamente motivadas pela proposta de atividade, como observamos quando duas meninas uniram-se para descobrir o endereço de um site de seus interesses (Vampiro), ou quando dois meninos contribuíram com o que sabiam fazer melhor para ajudar o colega (um estava alfabetizado, mas nunca tinha interagido com computador e outro já tinha experiência, mas não estava alfabetizado); - As dificuldades de interação entre as crianças (explicáveis por suas experiências pessoais de risco, violência e frustração na escola) foram os problemas mais importantes que tornaram mais difícil o trabalho com elas; - Embora o trabalho em duplas favoreça a colaboração e a didaxia entre crianças e jovens em situação de risco, o uso individual da máquina é fonte de grande satisfação e gratificação (ter o computador só para si parecia a mais importante expectativa do grupo) e, por conseguinte, estas crianças trabalham melhor sozinhas se têm a mediação de um adulto. 5. REFERÊNCIAS II Seminário ATIID - Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, São Paulo-SP, 23-24/09/2003 BELLONI, M.L. (2001) O que é mídia-educação ? Campinas : Editora Autores e Associados. GOMES, N. G. (2001) Computadores na escola: novas tecnologias versus inovações educacionais. Florianópolis, 2001. 131p. [Dissertação- Universidade Federal de Santa Catarina]. SANTAROSA, L .M. C. ; GERBASE, Clarice; TIJIBOY, Ana Vilma e TISO, Ariane. (1987) Experiência Interativa com microcomputador em linguagem LOGO e seus efeitos comportamento de crianças repetentes do 1o Grau. Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada, 3 :116-135. *Professora do PPGE/UFSC, coordenadora da pesquisa. **Professora da Curso de Pedagogia TE& TE/UNIVALI, coordenadora do LANTEC/UFSC. *estudante de Pedagogia/UFSC, bolsista IC/CNPq. Importante: Qualquer citação deste texto ou partes dele, sob qualquer forma ou meio, deve obrigatoriamente incluir, além do título e autor, a menção de "Anais do II Seminário ATIID, São Paulo-SP, 23-24/09/2003" disponível on-line em: http://www.fsp.usp.br/acessibilidade