Do ato falho à falha de análise

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Do ato falho à falha de análise:
omissões de comentário político sobre uma coletiva de imprensa
Roberto Vinicius P.S. Gama
Mestre e Bacharel em Relações Internacionais
No dia 11 de março, no contexto de repercussões de investigações criminais envolvendo o ex-presidente
Lula e de iminência de uma série de manifestações pró-impeachment da atual presidente, Dilma
protagonizou mais um episódio de atabalhoada oratória.
Em coletiva de imprensa, buscando demonstrar força e resistência, porém denotando desconforto com a
situação, Dilma tropeçou nas palavras ao tentar desviar-se das crescentes “rasteiras” políticas que ameaçam
derrubá-la. Com isso, titubeou e confundiu-se em alguns trechos de sua fala, e ainda acabou implorando pelo
crível testemunho da imprensa, na expectativa de que jornalistas ao menos testemunhassem que ela não tem
cara de quem vai renunciar.
Falando em renunciar, esse verbo foi o protagonista da imensa repercussão da coletiva. Após um jornalista
iniciar um aparte dizendo que “Foi divulgado que a senhora estaria resignada a renunciar”, durante sua
resposta a presidente acabou confundindo ‘resignar’ com ‘renunciar’ — “[...] eu me renuncie, eu renun... eu
res... me resi... me resigno [...]” (Dilma) [1]. Enquanto a intervenção do jornalista utilizou o adjetivo
“resignada” com significado de “conformada”, a manifestação reativa da presidente confundiu diferentes
flexões verbais [nos modos subjuntivo e indicativo] de “renunciar” e “resignar”, o que pode ter sido
influenciado pela ambiguidade gerada pelo uso próximo de termos correlatos aos referidos verbos, posto que
ambos podem ser sinônimos. Afinal, é importante lembrar, o verbo “resignar” tem duas acepções básicas:
sentido de abdicar, abrir mão, ceder voluntariamente, demitir-se, desistir, renunciar; e sentido de aceitar uma
condição ou situação, conformar-se, render-se.
Esse momento de confusão linguística acabou recebendo desproporcional destaque na mídia, “viralizando”
nas redes sociais e sendo um incorreto motivo de chacota, com o argumento de configurar um “ato falho” da
chefe de governo. Pelo contrário, foi um deslize razoável, “normal”, nada extraordinário; qualquer pessoa é
passível a tal trapalhada, que deveria motivar empatia ao invés de embaraço.
Resignada com as reações mais imediatas (e imediatistas), a imprensa em geral deveria ter se resignado a
ressoar tal interpretação rasa do acontecimento; renunciando ao “fogo de palha” do furor inicial e revisando
sua análise de discurso, a mídia teria prestado uma relevante contribuição pedagógica e sociolinguística à
sociedade. [nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que tropeça é queda]
Com isso, talvez a imprensa tivesse percebido que, longe do embaralhar de dois verbos, o efetivo ato falho
no discurso de Dilma ficou por conta da rima de dois substantivos — “Acho que solicitar a minha denúncia...
a minha renúncia é reconhecer que não existe base pra impeachment.”[1].
[1] https://www.youtube.com/watch?v=mlmqCHf2ZqQ
http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/entrevistas/entrevistas/entrevista-coletiva-concedidapela-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-no-palacio-do-planalto-brasilia-df
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