Financiamento Público Indireto e Fragmentação Partidária no Brasil: análise dos efeitos do HGPE no número efetivo de partidos O trabalho procura analisar os impactos do financiamento público indireto na alta fragmentação partidária no Brasil, tendo como referência a relevância dos recursos midiáticos para as democracias contemporâneas. Mais especificamente pela perspectiva da propaganda partidária e eleitoral gratuita nos meios de comunicação eletrônicos, por meio do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). A relevância dos meios de comunicação eletrônicos (principalmente a televisão) para a consolidação da democracia no Brasil se deve à sua grande penetração em todo o território nacional. Assim, em função da capilaridade destes veículos, as mensagens transmitidas ao cidadão pela propaganda podem influir na decisão do voto. Ora, se a mídia eletrônica possui uma capacidade de inserção tão ampla e se, concomitantemente, representa o principal portal de informações para a sociedade, também pelas mesmas razões, não poderia ser um veículo barato. Os preços seguem a potencialidade do setor, o que os deixa mais caros ainda. Portanto, se comparada aos demais meios de custeio público, a mídia eletrônica ganha relevo e status de principal elemento de financiamento indireto do sistema partidário-eleitoral. De tal forma que os partidos, assim como a maioria dos candidatos isoladamente, não teriam condições financeiras para arcar com esses custos sem o auxílio do Estado1. Ao assumir a administração do uso da mídia eletrônica nas campanhas eleitorais, por meio do HGPE – e proibindo a compra no mercado – o Estado chama para si a responsabilidade de garantir o acesso dos partidos políticos ao sistema de radiodifusão. Tratase, portanto, de um benefício público essencial à competitividade, concedido aos partidos, e podendo ser estimado pelo cálculo do valor comercial dos espaços midiáticos2. O argumento utilizado para este artigo parte de duas questões empíricas importantes: a primeira refere-se ao papel do Estado no custeio do sistema partidário-eleitoral, em que pese o “preço” dos espaços midiáticos – que no Brasil é gratuito e cedido aos partidos políticos; e a segunda é o formato de repasse desses recursos entre os partidos, cujo critério de distribuição do tempo de veiculação é mais igualitário (ou menos proporcional), comparado às regras de ZOVATTO, D. Dinero y Política en América Latina: una visión comparada. In: Cuaderno de Ciencias Sociales. San José, 2004. 2 SPECK, B. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no Brasil. RJ: Konrad Adenauer, 2005. CAMPOS, M. Democracia, Partidos e Eleições: os custos do sistema partidárioeleitoral no Brasil. BH, UFMG, 2009. 1 repasse do dinheiro do Fundo Partidário, o que por sua vez, reflete no padrão de competitividade intrapartidária. Em linhas gerais, as regras de repasse do HGPE, estipulam espaços de mídia importante aos pequenos partidos, tanto na propaganda partidária, mas, sobretudo na propaganda eleitoral, onde 1/3 do tempo é dividido igualitariamente entre os partidos, o que se supõe ter reflexo na sua excessiva fragmentação3. Com efeito, a expectativa neste estudo, é que a vigência destes critérios funcione como um estímulo às pequenas legendas, dado o amplo acesso aos meios de comunicação eletrônicos. Os efeitos combinados destas variáveis reforçam a hipótese de que o HGPE contribui para o elevado número de partidos no País. Neste sentido as regras, além de preservar a força dos agrupamentos partidários mais consistentes, podem também promover a ascensão de novos atores políticos, que se nutren do financiamento público indireto. Ora, se o jogo sofre impactos das regras, a questão dos critérios de repasse dos recursos midiáticos vai ser uma condicionante desse jogo. No último ano da análise, em 2011, haviam 29 partidos com registro. O “extremo” destacado por Maurice Duverger4 quanto ao número de partidos – “vinte e cinco partidos!” – ficou para trás, no Brasil, já no início da década de 1990, o que faz com que o País tenha um dos maiores números de partidos entre as democracias ocidentais5. Todavia, a capacidade da maioria desses partidos de obter recursos do Estado não acompanhou essa multiplicação de legendas, a não ser pelo acesso gratuito ao tempo de mídia eletrônica. Portanto, o acesso ao financiamento público indireto pode ajudar na configuração do sistema partidário. E, uma das formas de se perceber o movimento de fragmentação é através do cálculo do número efetivo de partidos (N-Eleitoral). O índice daí obtido permite identificar a quantidade de atores políticos com capacidade competitiva no sistema partidário-eleitoral. A leitura dos resultados indica uma relação diretamente proporcional entre o número efetivo de partidos e a capacidade competitiva do sistema partidário. Esse índice é comumente utilizado pela literatura como uma variável dependente, seja das fórmulas eleitorais, seja da estrutura do sistema partidário6. Ao longo do artigo pretende-se estabelecer uma análise comparada A esse respeito, Mizrahi chama a atenção para a criação de partidos políticos, na Argentina, chamados de “la chiquillada”, que são partidos criados, segundo o autor, para receberem recursos do financiamento público direto, sem a menor condição nem capacidade de articular ou representar interesses, tampouco formular políticas (...). MIZRAHI, Y. (et al). La Corrupción en América Latina: Estudio analítico basado en una revisión Bibliográfica y Entrevistas. Casals & Associates, 2004. 4 DUVERGER, M. Os Partidos Políticos. RJ: Zahar, UnB, 1980: p.272. 5 MELO, C. R. Presidencialismo e estabilização relativa do sistema partidário brasileiro. ABCP. Niterói, 2002. 6 NICOLAU, J. Multipartidarismo e democracia: um estudo sobre o sistema partidário brasileiro (1985-1994). RJ: FGV, 1996. 3 deste índice, com outros que consideram a distribuição dos recursos do financiamento direto e indireto aos partidos políticos. Os dados serão trabalhados a partir das regras de distribuição do tempo de inserção na mídia eletrônica, definido pela proporcionalidade dos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados, e escalonados segundo a disposição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A pesquisa cobrirá os anos de 2001 a 2011. O corte de uma década justifica-se basicamente pela acessibilidade dos dados relativos ao calendário da propaganda partidária. Espera-se construir, com base nessas informações, o número efetivo de partidos que será dado pela distribuição do tempo de mídia: ou N-Mídia. Esse índice será contrastado com o N-Financeiro, que é resultado da distribuição do dinheiro público do Fundo Partidário entre os partidos, e também, com o N-Eleitoral, que é dado pelos votos obtidos nas últimas eleições. Enquanto os índices de fragmentação se referem à distribuição dos votos, calcula-se aqui, indicadores similares baseados na distribuição dos recursos públicos. Dos resultados comparados, espera-se que o número efetivo de partidos, calculados a partir da distribuição (e peso) da mídia eletrônica supere os demais. Decorre daí o método para se evidenciar a pertinência da hipótese deste estudo, em que pese as opções e os procedimentos metodológicos necessários para o seu cumprimento. A partir de tais questões, torna-se possível identificar a relevância deste benefício público, concedido pela legislação aos partidos políticos, e que se supõe ajudar na explicação da alta fragmentação partidária no País. Argumento este, que vai na contramão da teoria da “cartelização partidária7”, que considera a presença de poucas legendas no quadro partidário como decorrente de uma dependência maior do Estado, como a principal fonte de custeio. Por um lado a dependência do Estado se reforça, neste estudo, com base na regra do monopólio da mídia eletrônica e pelo elevado valor destes espaços midiáticos; mas por outro, estes mesmos recursos apontam em direção contrária à cartelização partidária, tendo em vista os efeitos da regra da igualdade no repasse do HGPE, que concedem espaços de veiculação importantes aos pequenos partidos. Como resultado, estes partidos ganham um recurso essencial (e estratégico) para a sua sobrevivência no quadro partidário brasileiro. Enfim, objetiva-se contribuir com o debate sobre tais questões, a partir das informações encontradas e consolidadas no cálculo do número efetivo de partidos, dado pelo critério do acesso à mídia eletrônica. Tal exercício deve expressar os impactos do HGPE na alta fragmentação partidária, bem como ressaltar o caráter estratégico deste recurso na 7 KATZ, R. S. e MAIR, P. Changing models of party organization and party democracy. Party Politics. 1995. manutenção de um “número extremo” de legendas no Brasil. Em outras palavras, trata-se de uma discussão sobre o papel dos recursos midiáticos como um mecanismo fundamental de financiamento público indireto para os partidos e para as eleições, em função da “gratuidade” concedida pelo Estado.