O dia seguinte chegou? (De José Predebon, publicado na Exame nº 729, de 13/12/00) Folhear o último livro lançado sobre criatividade, "E Se?", traz uma dúvida que vem do seguinte raciocínio: os estudos de gestão preenchem os espaços abertos pelas incertezas das organizações. Quanto menos certezas, mais estudos, e destes acaba nascendo a valorização exagerada da última receita de "como se faz". Pois bem, agora a dúvida, especulando sobre quanto que se tem falado de criatividade ultimamente: e se estivermos começando a viver o dia seguinte (o famoso day after) desse assunto? E se? A consciência da total instabilidade dos cenários teria levado muita gente a se voltar para a criatividade. Seria a solução para as ameaças de um futuro não previsível. Seriam táticas imaginosas, improvisando para remendar as falhas do planejamento problemático. Com um aspecto tanto vago como mítico, criatividade era adotável por gregos e troianos, no caso, anjos do bem e do mal: consultores capazes e psicólogos sérios de um lado, oportunistas e charlatões do outro. Virou moda e gerou de tudo. Cursos, seminários, workshops, temas de convenção, livros, eventos, tendo o último destes um nome sugestivo: "Assim caminha a criatividade". Os que se acham donos de um tema sempre reagem à sua exploração pelos que vêm de fora, como fazendeiros repelindo invasores da terra. Na criatividade tem acontecido isso, com tanta grita a ponto de se ver uma conhecida organização de treinamento ameaçando retirar a palavra criatividade de seus programas. Mas as invasões e resistências também revelam que o tema se espraia e se dilui dentro do campo maior que o contém, a inovação. Assim, talvez tenha passado o "pico" da procura por criatividade, e daí vem esta especulação sobre um certo desencanto. Como os problemas de gestão não se resolvem magicamente com nada, nem com a criatividade, os inseguros continuam inseguros, provavelmente procurando outra receita. Mas, é preciso questionar qualquer visão definitiva. Assim, pensemos bem, e se o refluxo atual for só transitório e depurativo? E se o livro "E Se?" tivesse sido publicado cinco anos atrás? E se não fosse o vigésimo lançamento nesse período, numa estimativa modesta? Hoje seria até fácil desqualificá-lo, dizer que não traz muita novidade, achar seus defeitos, só porque criatividade, essa formidável competência humana, acendeu esperanças demais, e a realidade mostrou o exagero. Portanto, é justo ver esse livro fora de um contexto imediato, e avaliá-lo pela contribuição que possa trazer à solução do problema real desta atualidade nos estudos de gestão, a gerência da inovação. Produzir o novo, o melhor, o mais eficiente, o mais econômico, é hoje o grande desafio. Tudo isso se faz com a inovação, da qual a criatividade é na verdade um dos insumos. Visto por esse ângulo maior "E Se?" não decepciona, em um balanço de suas qualidades e defeitos. Se o leitor já não tiver transitado por outros bons livros do gênero, pode aproveitá-lo bastante. Então, dado esse cuidadoso cenário, vamos tentar fornecer uma relação de prós e contras do "E Se?" Primeiro pró: foi escrito por quatro profissionais do ramo, de uma empresa inglesa de consultoria de criatividade, com linguagem fácil e prática, sem ranços teóricos de citações científico-comprobatórias. É de leitura gostosa. Primeiro contra: usa uma linguagem entusiasmada, iluminada e convencida demais, como a de redator publicitário. Assim, após algum tempo, a leitura cansa e desperta um sentimento de "isso é exagero". Pró 2: fornece dicas práticas que funcionam como receitas de uso no dia-a-dia profissional. Contra 2: se não chega a ficar só na superfície dos assuntos, como um Readers Digest, troca a defesa mais profunda de suas "verdades" por uma assertividade típica de livros de auto-ajuda. Pró 3: tem uma apresentação primorosamente moderna, nota dez, com sensacional produção e usando uma paginação criativa . Contra 3: tem tabelas e gráficos demais, com esquemas até para "ferver água" como um plano de engenheiro novo. Pró 4: traz inúmeros casos de criatividade do mundo real, os chamados cases, que são bons exemplos do uso prático das técnicas que ensina. Contra 4: escrito por ingleses, sobre o seu ambiente (com muitos exemplos dos Estados Unidos) fica um pouco distante da realidade brasileira, principalmente no campo psicológico. Pró 5: as ilustrações de Christopher Brown são verdadeiras obras de arte, fazendo dele o quinto autor do livro. Contra 5: não demonstra ter muito conhecimento de outras fontes de estímulo à criatividade, tratando sua tese como se fosse única, inédita, definitiva, sobre um assunto que estava carente de explicação. Como se percebe, há um bom balanço. Finalizamos com a honesta conjectura de que possa haver muito profissional começando agora a se interessar por criatividade. Nesse caso, E Se? representa uma opção interessante, bem atual, que vale a pena conferir.