A Aquisição de Pessoa, como Traço Formal do Português Brasileiro

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A Aquisição de Pessoa, como Traço Formal do Português Brasileiro, por
Crianças com Déficit Específico da Linguagem – DEL
Lia S. de O. Martins
(CPII/FEUC/MSB)
1. Introdução
Este trabalho investiga a aquisição de pessoa, como traço formal do português
brasileiro, por crianças com desenvolvimento lingüístico comprometido. Fundamenta-se
nos pressupostos do Programa Minimalista (Chomsky, 1995) e em uma proposta teórica
que visa a uma articulação entre teoria lingüística e psicolingüística no tratamento do
Déficit Específico da linguagem (DEL) (Corrêa, 2002; 2006). Para tanto, cinco
experimentos foram desenvolvidos com duas crianças diagnosticadas como portadoras
de DEL.
Estudos recentes têm revelado a existência de crianças com DEL, ou seja,
crianças que mostram uma considerável limitação quanto à habilidade lingüística.
Dados obtidos revelam que cerca de 7% das crianças em idade escolar têm esse
comprometimento, havendo uma incidência maior em meninos (Leonard, 1998).
Crianças com DEL não adquirem uma língua rapidamente ou sem esforço, como
acontece com as crianças em geral, elas se assemelham lingüisticamente a crianças mais
novas com desenvolvimento normal, embora se diferenciem em alguns aspectos
lingüísticos, nos quais apresentam mais dificuldades. A heterogeneidade de perfis é
bastante considerável no público de crianças com suspeita de DEL, contudo, algumas
características tornam-se muito comuns, como a omissão de morfemas gramaticais, por
exemplo. Segundo estudos, essas crianças teriam uma compreensão lingüística pelo
menos seis meses abaixo do nível esperado e uma defasagem de pelo menos um ano
para a produção e para o composto compreensão/produção (Stark e Tallal, 1988 apud
Leonard, 1998). O diagnóstico do Déficit Específico da Linguagem é feito por exclusão.
O DEL não é associado a quaisquer outras desordens ou lesões, sendo considerado
exclusivamente lingüístico. Os testes aplicados em crianças com queixas de linguagem
não são, contudo, orientados por hipóteses lingüísticas específicas.
Neste estudo, as crianças com queixas de linguagem que participaram dos
experimentos sobre percepção/compreensão de pessoa atenderam aos critérios
estipulados: anamnese sugestiva de um déficit no domínio da gramática, participação
em escolas normais sem indicativo para atendimento especial por problemas cognitivos;
avaliação auditiva, revelando ausência de quaisquer problemas; realização do
MABILIN,1 apresentando desempenho inferior ao de crianças DLN (Desenvolvimento
Lingüístico Normal) de 5 anos.2As crianças selecionadas foram avaliadas pelo
MABILIN – conjunto de testes concebidos à luz de dados relativos ao DEL e de
hipóteses relativas a possíveis fatores condicionantes de manifestações de um déficit
lingüístico, que diferem da avaliação padrão efetuada com testes como CELF, UTAH3.
Tomamos como grupo de controle crianças DLN de 3 e 5 anos4.
As duas crianças DEL, que participaram dos experimentos, WES e FRA, eram
ambas de sexo masculino5.WES iniciou terapia fonoaudiológica com 4 anos e
apresentava, então, um acentuado atraso no desenvolvimento de linguagem, revelando
alterações fonológicas e escolália6. Foi submetido ao MABILIN I com 5 anos de idade e
ao MABILIN II com 6 anos. Realizou os experimentos deste trabalho com 7 anos de
idade. Alterações auditivas não foram constatadas na avaliação dessas funções e, na
avaliação cognitiva a que foi submetido (WISC), apresentou resultados dentro dos
padrões normais. FRA iniciou terapia fonoaudiológica com 3 anos de idade, por
apresentar atraso em seu desenvolvimento lingüístico. FRA apresentava dificuldades em
responder a interrogativas- Qu, como por exemplo, Quem fez este desenho?. Somente
aos 5 anos foi possível a aplicação do MABILIN I e do MABILIN II, pois
anteriormente a criança
demonstrava não compreender as questões propostas na
avaliação, negando-se a fazê-la. Os experimentos referentes a esta pesquisa foram
aplicados com a idade de 8 anos. A avaliação auditiva a que se submeteu a criança não
mostrou alterações e, na avaliação cognitiva (WISC) a que foi submetido, apresentou
desenvolvimento dentro dos padrões normais.
1
MABILIN (Módulos de Avaliação de Habilidades Lingüísticas) desenvolvido no LAPAL/ PUC-RJ
(Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem) com vistas a identificar crianças com queixas
de linguagem e possíveis casos de DEL, uma vez submetidas a uma avaliação lingüística teoricamente
embasada.
2
As crianças com queixas de linguagem que atendem aos critérios estabelecidos são crianças com
suspeita de DEL, conforme visto, crianças com um comprometimento no domínio da gramática.
3
UTAH (Teste de desenvolvimento da Linguagem) Mechan, J., Jex, L., Jones D., 1967 e CELF-R
(Clinical Evaluation of Language Fundamentals: Revised) Semel, Wiig, e Wayne, 1986.
4
Os dados das crianças de DLN foram extraídos de Martins (2007).
5
As crianças WES e FRA foram identificadas por Haeusler (2005) como DEL. Haeusler foi a responsável
pela aplicação do MABILIN e pelos dados de anamnese gentilmente concedidos e apresentados neste
trabalho .
6
A escolália consiste na repetição sem sentido de palavras e grupos de palavras falados por outra pessoa.
A escolália pode ser encontrada em crianças DLN ou em quadros patológicos. Segundo Bishop (2002), a
escolália mamifesta-se em DLN entre 2 anos e 2;6, desaparecendo gradualmente após essa idade.
2. Concordância de pessoa entre sujeito e verbo em crianças portadoras
de DEL
Caracterização do experimento
Este experimento visa a verificar se crianças DEL processam concordância de
pessoa entre sujeito e verbo. Para isso, será manipulada a congruência entre a pessoa
expressa no determinante e no verbo, buscando verificar se as crianças DEL são
sensíveis à concordância de pessoa e em que medida o são. Neste experimento, a tarefa
utilizada consiste em identificar para qual de dois fantoches (Dedé e Vavá) um
determinado brinquedo deverá ser entregue pela criança, de acordo como a frase
experimental produzida por um desses fantoches.
Condições experimentais:
As condições experimentais são as discriminadas a seguir:
 Condição 1 (Congruente / 1a pessoa): Eu quero;
Exemplo de estímulo: Dedé – Que livro colorido! Eu quero o livro.
 Condição 2 (Incongruente / 1a pessoa): Eu quer;
Exemplo de estímulo: Vavá - Que trenzinho colorido! Eu quer o trenzinho.
 Condição 3 (Congruente / 3a pessoa): Ele quer;
Exemplo de estímulo: Dedé – Que barco diferente! Ele quer o barco.
 Condição 4 (Incongruente / 3a pessoa): Ele quero.
Exemplo de estímulo: Vavá – Que caixa grande! Ele quero a caixa.
A variável dependente foi o número de respostas correspondentes à escolha do
fantoche referente ao sujeito da sentença, a quem o brinquedo deve ser dado.
Método
Participantes:
As duas crianças DEL, participantes do experimento, foram WES (7 anos e meio) e
FRA (8 anos), ambos pertencentes à classe social baixa e recebendo atendimento
fonoaudiológico em posto de saúde da rede municipal do centro do Rio de Janeiro,
Brasil.
Material:
O material utilizado constou de dois fantoches, os quais o experimentador
nomeou como Dedé e Vavá, mais alguns pequenos brinquedos (boneco, carrinho,
trenzinho, gatinho) e frutinhas de madeira (maçã e laranja). O aparato restringiu-se a um
compact disc digital áudio da marca Panasonic (MP3/CD-R/RWP/A), e um CD com a
gravação das falas dos fantoches. Foram apresentados quatro estímulos por condição,
respondendo, portanto, cada criança a dezesseis frases experimentais.
Procedimento:
O experimento foi conduzido como parte de sessões de atendimento clínico de
crianças juntamente com a fonoaudióloga responsável, em posto de saúde7. O
experimentador apresentou a cada criança os dois fantoches, fazendo com cada uma
delas um pré-teste, pedindo que entregasse o brinquedo ao Dedé ou ao Vavá. Notamos
que não houve qualquer dificuldade por parte das crianças DEL em identificar o
fantoche a partir de seu nome. Não houve necessidade de repetir o estímulo, pois as
crianças DEL apresentaram prontamente suas respostas.
Resultados e discussão
Dos 16 estímulos oferecidos (4 por condição), as crianças DEL apresentaram um
quadro homogêneo, reconhecendo a informação de pessoa manifesta em Dmax e na
morfologia do verbo, na condição 1 (Eu quero) e manifesta apenas em Dmax, na
condição 2 (Eu quer). Contudo as crianças DEL não reconheceram pessoa expressa em
7
O projeto foi aprovado pelo comitê de ética da Secretaria de Saúde do Município do Rio de Janeiro e
autorizada a realização das testagem no posto de saúde. A fonoaudióloga responsável faz parte da Grupo
de Pesquisa do LAPAL (Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem) e os responsáveis
pelas crianças foram informados do procedimento, autorizando sua realização.
Dmax, nas condições 3 (Ele quer) e 4 (Ele quero), em que Dmax manifesta a 3ª pessoa
do discurso. O que se pode constatar é que a 3ª pessoa constituiu uma particular
dificuldade para WES e FRA, tanto nas estruturas congruentes, condição 3, como nas
estruturas incongruentes, condição 4. Observamos que as duas crianças DEL
apresentaram o mesmo tipo de erro: quando a informação de pessoa expressa em Dmax
era de 3ª pessoa, elas indicavam o fantoche que falava, para receber o brinquedo, o que
sugere uma particular dificuldade com a compreensão da 3ª pessoa e uma facilidade
com a compreensão da 1ª pessoa. Dessa forma, podemos observar que a presença ou
ausência de congruência não constituiu um fator que comprometesse a compreensão de
pessoa manifesta em Dmax na primeira pessoa. O gráfico 1.1 a seguir ilustra os
resultados com o percentual de acerto das crianças DLN e das crianças DEL na
identificação do sujeito manifesto em função de pessoa, congruência e idade, sem o
apoio da dêixis (gesto de indicação).
Gráfico 2.1
Percentual relativo ao sujeito em função de
pessoa, congruência e idade - sem dêixis
120
100
WES
%
80
FRA
60
3 anos
40
5 anos
20
0
Congruente Incongruente Congruente Incongruente
1ª pessoa
3ª pessoa
As crianças DLN de 3 anos e de 5 anos, neste experimento, apresentaram cerca de
100% de acertos na compreensão de 1ª pessoa. Sendo assim, as crianças DEL se
assemelham às crianças DLN de 3 e de 5 anos, no que concerne à 1ª pessoa. No que se
refere às condições 3 e 4, as crianças DLN, aos 3 anos apresentam cerca de 60% de
acertos na condição 3 (congruente – 3ª pessoa) e cerca de 40% na condição 4
(incongruente – 3ª pessoa). Isso nos mostra que as crianças DEL se distanciam bastante
das crianças DLN, já que seu percentual de acerto na condição 3 e 4 foi de 0%. Crianças
DEL, portanto, apresentam uma expressiva dificuldade em compreender a informação
de 3ª pessoa, sendo indiferente se a estrutura é congruente ou não.
3. Concordância de pessoa entre sujeito e verbo com uso de dêixis em
crianças DEL
Caracterização do experimento
O experimento 2 foi aplicado nas crianças DLN com base na hipótese de que a
informação de 3ª pessoa no pronome seria dependente da dêixis. Como as crianças DEL
tais quais as crianças DLN apresentaram uma dificuldade particular na compreensão de
3ª pessoa, este experimento foi também aplicado nas crianças DEL, para verificarmos se
os resultados obtidos no experimento 1 seriam alterados a partir do uso da dêixis.
Método
Os participantes deste experimento foram as mesmas crianças DEL, participantes
do experimento anterior – WES (7 anos) e FRA (8 anos).
Os materiais utilizados foram os mesmos empregados no experimento anterior.
Neste experimento, os fantoches (Dedé e Vavá) são adaptados de modo que o dedo
polegar e o mindinho do experimentador sejam vestidos, para que o movimento de
indicação, correspondente à dêixis, possa ser feito. Foram também apresentados 16
estímulos experimentais, 4 por condição.
O procedimento adotado também foi o mesmo, os fantoches são nomeados,
apresentados à criança e a “brincadeira” é explicada a ela, que deverá entregar o
brinquedo ao fantoche. As respostas foram registradas em uma ficha de aferição. Como
no experimento anterior, a testagem foi realizada com a participação da fonoaudióloga
responsável pela criança, durante sessão clínica no posto de saúde.
Resultados e discussão
As crianças DEL mantiveram um quadro homogêneo no que se refere à
identificação do sujeito de 1ª pessoa, mantendo um percentual de acerto de 100%. No
que diz respeito à identificação do sujeito de 3ª pessoa, o uso da dêixis (gesto de
indicação) imprimiu uma expressiva diferença entre o perfil das crianças DEL. WES
identificou o sujeito de 3ª pessoa em 100% dos estímulos, tanto nas estruturas
congruentes, condição 3; como nas estruturas incongruentes, condição 4. FRA
continuou não identificando o sujeito de 3ª pessoa manifesto em Dmax, mantendo um
percentual de acerto de 0%. Os resultados deste experimento reforçam a
heterogeneidade do quadro de DEL (cf. Leonard,1998). Segundo Leonard, o quadro do
DEL pode variar, também, em relação ao grau de comprometimento, que pode ser leve
ou severo. Quando leve, as crianças com DEL superam suas dificuldades ao longo do
desenvolvimento; quando severo, elas permanecem com um desenvolvimento defasado
ou com um quadro atípico em relação às crianças DLN. O gráfico 2.1, a seguir, ilustra a
homogeneidade dos quadros de crianças DEL, nos resultados obtidos na compreensão
de estruturas com manifestação de 1ª pessoa em presença da dêixis e a correspondente
heterogeneidade nos resultados obtidos na compreensão de estruturas com manifestação
de 3ª pessoa, em presença da dêixis.
Gráfico 3.1
Percentual relativo ao sujeito em função de
pessoa, congruência e idade - com dêixis
120
100
WES
%
80
FRA
60
3 anos
40
5 anos
20
0
Congruente Incongruente Congruente Incongruente
1ª pessoa
3ª pessoa
O resultado obtido pelas crianças de DLN de 3 e 5 anos na compreensão de
pessoa manifesta em Dmax com o uso da dêixis apresentou uma diferença de cerca de 8
% de aumento no percentual de acerto nas condições 3 (congruente – 3ª pessoa) e 4
(incongruente – 3ª pessoa). Isso nos revela que a dêixis constitui um facilitador para a
compreensão de estruturas com informação de 3ª pessoa, contudo em proporção
pequena.WES, com o auxílio da dêixis, mantém o percentual de acerto de 100% em
estruturas com informação de 1ª pessoa em Dmax e eleva de 0% para 100% o
percentual de acerto em estruturas com informação de 3ª pessoa em Dmax, um resultado
superior ao obtido pelas crianças DLN de 3 e 5 anos. Isso sinaliza que a dificuldade
particular na compreensão de estruturas da condição 3 e 4 não se deve à congruência,
mas possivelmente ao fato de a 3ª pessoa não possuir dêixis intrínseca como a 1ª pessoa,
e o uso de informação para-lingüístiva de natureza dêitica constituiu um facilitador do
estabelecimento da referência. FRA manteve, conforme já dito, o resultado obtido no
experimento anterior. A dêixis não constituiu um facilitador para a compreensão de
estruturas com manifestação de 3ª pessoa em Dmax. FRA mantém o tipo de erro,
continua entregando o brinquedo para o fantoche que fala, suas respostas, portanto,
foram indiferentes à dêixis. O percentual de acerto de FRA, nos estímulos das condições
3 e 4, foi expressivamente inferior ao percentual das crianças DLN de 3 anos de de 5
anos. O que podemos concluir é que crianças com DEL têm maior dificuldade na
compreensão de estruturas com 3ª pessoa manifesta em Dmax e que essa dificuldade
poderá ou não ser diminuída ou extinta a partir do reforço da dêixis gestual. Isso
sinaliza que a dificuldade pode residir no reconhecimento de informação decorrente do
traço formal de pessoa, assim como no reconhecimento do papel da mesma na
referência.
4. Distinção entre pessoa do discurso e pessoa gramatical
processamento de informação de número em crianças DEL
e
Caracterização do experimento
Neste experimento, buscamos trabalhar com a informação de pessoa expressa no
DP pronominal nós e no DP pleno a gente. Nos dois DPs, a informação de pessoa está
acumulada à informação de número, ambos apresentam a expressão dos traços [+
pessoa, + número] sendo manifesta em Dmax e no morfema gramatical em nós e
somente em Dmax na forma a gente. Como é sabido, a forma a gente tem sido a mais
produtiva no PB (Português Brasileiro), ficando a realização com nós destinada à
produção escrita ou à produção oral mais formal. Daí as crianças falantes do PB terem
como input mais freqüente a realização a gente. Buscaremos verificar se a dissociação
entre pessoa do discurso e pessoa gramatical que o processamento da forma a gente
envolve seria significativa, e se o acúmulo das informações de pessoa e de número
constitui uma dificuldade para as crianças DEL.
As condições experimentais foram pessoa do discurso = pessoa gramatical
(condição 1) e
pessoa do discurso ≠ pessoa gramatical (condição 2). A variável
dependente é o número de acertos por condição.
Método
Participaram do experimento as crianças DEL, WES e FRA, participantes dos
experimentos anteriores. Foi utilizado o mesmo procedimento adotado nos
experimentos 1 e 2, tendo sido feita a orientação de que o brinquedo ou a frutinha
poderia ser dada para um dos fantoches ou para os dois. Os materiais e aparato
discriminados nos experimentos anteriores foram os mesmos empregados no
experimento 3. Foram oferecidos 8 estímulos por condição. Como no experimento
anterior, a testagem foi realizada com a participação da fonoaudióloga responsável pela
criança, durante sessão clínica no posto de saúde.
Resultados e discussão
O resultado das crianças DEL foi heterogêneo na compreensão da informação de
1ª pessoa acumulada à informação de número. A criança WES apresentou, em seus
resultados, 100% de acerto nos estímulos das duas condições. O que se observa é que
WES compreende a informação de 1ª pessoa manifesta em Dmax, conforme os
resultados obtidos nos experimentos 1 e 2 e que a associação da informação de número
não perturba a compreensão de pessoa. WES, portanto, apresentou um desempenho
semelhante ao das crianças DLN de 5 anos. WES responde acertadamente a todos os
estímulos apresentados por condição e “reforça” sua resposta com comentários que
revelam a sua compreensão. Ao ser perguntado para quem ele iria entregar a laranja,
disse para os dois, explicando divide em quatro pedaços, dois pedaços para cada um.
Quando perguntado sobre a quem daria a caneca, respondeu para os dois, “reforçando”
ao dizer pode até beber junto. Quando perguntado sobre para quem iria entregar a maçã,
respondeu que para os dois, acrescentando dividindo, corta no meio.
A criança FRA obteve percentual de acerto de 0%, sendo um resultado
expressivamente inferior ao das crianças DLN de 3 e de 5 anos. Os resultados obtidos
pelas crianças DLN de 3 anos, cerca de 40%, pode ser considerado baixo, revelando
uma dificuldade desse grupo em compreender proposições com DPs nós e a gente. Essa
dificuldade, contudo, é superada aos 5 anos. A informação de número somada a de
pessoa parece ser o fator perturbador da compreensão de FRA, assim como das crianças
DLN de 3 anos. Como visto, o traço de número pode ser um traço semântico e formal,
no caso de nós, e apenas semântico em a gente, uma vez que esta é gramaticalmente não
marcada por ser de 3ª pessoa.
O traço de número (plural) acumulado ao de pessoa é o que parece afetar
significativamente o desempenho dessas crianças, pois, como vimos, o desempenho de
FRA permanece abaixo do desempenho das crianças de DLN mais novas.
5. Demandas diferenciadas de pessoa e de número em crianças DEL
Caracterização do experimento
Este experimento visa a verificar se as crianças DEL são sensíveis à manifestação
de pessoa com diferentes realizações do sujeito, sujeito pleno ou nulo. Foi fixado o
fator número (plural) e consideradas as variáveis independentes de pessoa (1ª pessoa e
3ª pessoa) e de tipo de realização do sujeito (sujeito pleno e nulo). Foram consideradas
quatro condições: Condição 1 – 1ª pessoa do plural / sujeito pleno – Nós queremos;
Condição 2 - 1ª pessoa do plural / sujeito nulo – ø queremos; Condição 3 - 3ª pessoa do
plural / sujeito pleno – Eles querem e Condição 4 – 3ª pessoa do plural / sujeito nulo – ø
querem. A variável dependente foi o número de acertos por condição na identificação
dos fantoches a quem o brinquedo deveria ser oferecido. Diferentemente dos
experimentos anteriores, neste foram utilizados 3 fantoches (Dedé, Vavá e Lelé).
A seguir serão apresentados exemplos de estímulos por condição:
1–
Agora, eu vou dar para você esta maçã!
Vamos ver para quem você vai dar a maçã.
Dedé – A gente gosta de comer. Nós queremos a maçã. (1a pessoa – plural /
sujeito pleno)
Experimentador - Para quem você vai dar a maçã?
Resposta esperada: Para o Dedé, para o Vavá e para o Lelé.
2-
Agora, eu vou dar para você este lápis!
Vamos ver para quem você vai dar o lápis.
Vavá – A gente gosta de desenhar. Queremos o lápis. (1a pessoa – plural /
sujeito nulo)
Experimentador - Para quem você vai dar o lápis?
Resposta esperada: Para o Vavá, para o Dedé e para o Lelé.
3-
Agora, eu vou dar para você esta espada!
Vamos ver para quem você vai dar a espada.
Lelé – Vavá e Dedé gostam de brincar. Eles querem a espada. (3a pessoa – plural
/ sujeito pleno)
Experimentador - Para quem você vai dar a espada?
Resposta esperada: Para o Vavá e para o Dedé.
4-
Agora, eu vou dar para você este chocalho!
Vamos ver para quem você vai dar o chocalho.
Dedé – Vavá e Lelé gostam de brincar. Querem o chocalho. (3ª pessoa – plural /
sujeito nulo).
Experimentador - Para quem você vai dar a chocalho?
Resposta: Para o Lelé e para o Vavá.
Método
Os participantes deste experimento foram as mesmas crianças DEL, WES e
FRA, participantes dos experimentos 1, 2 e 3 anteriores e o procedimento, semelhante
ao do experimento de origem. Tal como nos experimentos anteriores, o procedimento
foi conduzido na presença de fonoaudióloga no posto de saúde no qual as crianças
tinham atendimento. As respostas foram registradas em uma tabela de aferição.
Resultados e discussão
Os resultados das crianças DEL na compreensão da informação de pessoa e de
número (nós / eles) em sentenças de sujeito pleno e nulo foi heterogêneo. WES e FRA
apresentaram sérias dificuldades em compreender as sentenças de 3ª pessoa, tanto com
sujeito pleno, como com sujeito nulo, apresentando um percentual de acerto de 0%. Este
resultado foi inferior ao das crianças DLN de 3 anos, na condição 3 e igual na condição
4.
No que se refere à compreensão de sentenças de 1ª pessoa, apenas a criança WES
logrou compreendê-las, apresentando um percentual de acerto de 100%. Este resultado
foi bastante superior ao obtido por crianças DLN de 3 anos que apresentaram
dificuldades na compreensão das sentenças das condições 1 (Nós queremos) e 2 (ø
queremos). Já FRA obteve um resultado inferior ao das crianças DLN de 3 anos. FRA
apresentou um percentual de acerto de 0% na compreensão de sentenças que fizeram
uso da informação de 1ª pessoa com DP pleno ou nulo.
FRA continuou apresentando o mesmo tipo de erro, limitou-se a oferecer o
brinquedo ao fantoche que fala. Parece-nos, mais uma vez, que a informação de número
plural acumulada a de pessoa dificulta sua compreensão e que ele considera apenas a
informação de pessoa. WES, por outro lado, revelou ter uma particular dificuldade com
a informação de 3ª pessoa. Para estímulos das condições 3 (Eles querem) e 4 (ø
querem), WES respondia apontando para os 3 fantoches. Isso parece sugerir que a
referencialidade constitui uma dificuldade para as crianças de controle (3 anos) e para as
crianças DEL. Elas teriam uma particular dificuldade com o estabelecimento da
referência; que, por sua vez, são pistas sintáticas para o processamento semântico.
Os resultados revelam que WES não tem dificuldades com as informações de 1ª
pessoa, número plural, nem com DPs plenos e nulos. Sua dificuldade volta-se para a
informação de 3ª pessoa que é superada com o uso da dêixis (cf.2). FRA mostrou
maiores comprometimentos na compreensão de pessoa, apresentando dificuldades com
informações de 3ª pessoa, apesar da dêixis gestual e com a informação de número
plural.
6. Considerações Finais
Devido ao pequeno número de crianças DEL e à heterogeneidade dos resultados,
estes não podem ser conclusivos. A seguir apresentamos dois quadros em que
procuramos mostrar a performance de WES e de FRA nos cinco experimentos aqui
elencados, resumindo as dificuldades por eles encontradas e a heterogeneidade dos
quadros.
Quadro 6.1
Quadro resumitivo do desempenho de WES nos experimentos de compreensão

Facilidade em compreender sentenças com manifestação de 1ª pessoa no
DP, sejam congruentes ou não.
Não compreensão de sentenças com manifestação de 3ª pessoa no DP,
sejam congruentes ou não.
Experimento 1

Experimento 2

Facilidade em compreender sentenças com manifestação de 1ª ou de 3ª
pessoa no DP, sejam congruentes ou não, com o uso da dêixis.
Experimento 3

Facilidade em compreender sentenças com a manifestação de 1ª pessoa no
DP, acumulada à informação de número com realização gramatical de 1ª
pessoa ou de 3ª (Nós / A gente).

Facilidade em compreender sentenças com informação de 1ª pessoa /
plural, seja com DP pleno ou com DP nulo.
Não compreensão de sentenças com manifestação de 3ª pessoa/ plural, seja
com DP pleno ou DP nulo.8
Experimento 4

WES apresentou uma dificuldade particular com o estabelecimento da referência
em enunciados de 3ª pessoa. A informação referente a número não constituiu uma
dificuldade para WES. Enunciados com a forma a gente foram compreendidos pela
criança, o que sinaliza que ela dissocia pessoa do discurso de pessoa gramatical. Parecenos que a dificuldade de WES estaria de fato centrada na referencialidade.
8
Neste experimento, não foi feito o uso da dêixis. Fica aqui reconhecida a necessidade de se fazer um
novo experimento com sentenças em que se manifeste a 3ª. pessoa do plural com sujeito pleno e com
sujeito nulo, com o uso da dêixis, a fim de se verificar se a informação de número, uma vez acumulada a
de pessoa interfere ou não na compreensão, ainda que havendo o “reforço” da dêixis (indicação por
gestos).
Quadro 6.2
Quadro resumitivo do desempenho de FRA nos experimentos de compreensão
Experimento 1


Experimento 2


Facilidade em compreender sentenças com manifestação de 1ª pessoa no
DP, sejam congruentes ou não, sem o uso da dêixis.
Não compreensão de sentenças com manifestação de 3ª pessoa no DP,
sejam congruentes ou não, sem o uso da dêixis.
Facilidade em compreender sentenças com manifestação de 1ª pessoa no
DP, sejam congruentes ou não, com o uso da dêixis.
Não compreensão de sentenças com manifestação de 3ª pessoa no DP,
sejam congruentes ou não, apesar do uso da dêixis.
Experimento 3

Não compreensão de sentenças com a informação de 1ª pessoa no DP,
acumulada à informação de número/plural com realização gramatical de 1ª
pessoa ou de 3ª(Nós / A gente).
Experimento 4

Não compreensão de sentenças com manifestação de 1ª pessoa / plural,
seja com DP pleno ou com DP nulo.
Não compreensão de sentenças com manifestação de 3ª pessoa/ plural, seja
com DP pleno ou DP nulo.

A criança FRA apresenta dificuldade em perceber e representar informação de 3ª
pessoa, pois ainda que com o uso da dêixis gestual, FRA não consegue compreender os
enunciados que fazem uso de informação de 3ª pessoa. A representação do traço formal
de número plural também constitui uma dificuldade para FRA.
Assim sendo, a partir dos quadros 6.1 e 6.2, podemos concluir que os resultados
mostram que FRA é uma criança DEL com um quadro significativamente mais
comprometido no que tange à compreensão de pessoa do que o quadro da criança WES.
FRA, segundo os resultados, compreende apenas a informação de 1ª pessoa/singular. Já
a criança WES compreende sentenças com informação de 1ª pessoa no singular e no
plural e sentenças com informação de 3ª pessoa no singular com uso da dêixis. Parecenos que a dificuldade de WES está no fato de a 3ª pessoa não ter dêixis intrínseca, uma
vez que a informação de número acumulada a de pessoa não constituiu um fator
comprometedor para a compreensão de sentenças com informação de 1ª pessoa. Nós
reúne traços semânticos de 1ª pessoa do discurso e de pluralidade + traços formais de 1ª
pessoa gramatical e de número plural, enquanto a gente reúne informação semântica de
1ª pessoa do discurso e de pluralidade + traço formal de 3ª pessoa gramatical e de
número singular. Parece, portanto, que a dissociação entre pessoa do discurso e pessoa
gramatical constitui a dificuldade particular de WES. Constituíram, portanto,
dificuldades para WES a informação de 3ª pessoa sem dêixis no singular e no plural.
A partir dos resultados, notamos que WES (7 anos) vem superando seu
desenvolvimento defasado, enquanto FRA (8 anos) encontra-se em um estágio bem
tardio de desenvolvimento lingüístico em relação às crianças do grupo de controle
(crianças DLN de 3anos).
Referências
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Lia Santos de Oliveira Martins
CPII/FEUC/MSB
Brasil
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