1 O ENFERMEIRO E A INFORMAÇÃO NO HOSPITAL Autor: Mário Rui Teixeira Formação: Enfermeiro Graduado, Licenciado em Enfermagem, Licenciado em Ensino, Especialização em Ciências de Educação, Especialização em Transtornos Afectivos e de Ansiedade Empresa: Hospital de São Bernardo, Setúbal, Portugal Resumo: No hospitais, e sobretudo nos serviços de urgência, a informação tem uma importância capital para pacientes e familiares. O objectivo deste trabalho é mostrar que os enfermeiros têm a responsabilidade de fornecer informação sobre o estado de saúde dos pacientes hospitalizados. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica. Dar informação, de forma congruente, sequencial e sistemática, é uma componente essencial dos cuidados de enfermagem. Palavras-chave: papel psicossocial; prestar informação; autonomia do paciente 2 INTRODUÇÃO Actualmente, o funcionamento do hospital é orientado segundo o modelo biomédico, o que pode ser ilustrado pelos seguintes aspectos (1): - a sociedade espera do hospital a cura da doença e é nesse sentido que ele se organiza; - os utentes recorrem ao hospital a fim de obterem a cura da doença; - os médicos são os responsáveis pelo diagnóstico e tratamento das doenças; No caso dos serviços de urgência, um contexto de trabalho que interessa aqui compreender, devem ser assinaladas algumas das suas características (2): - procura manifestamente superior à sua real capacidade de atendimento, sendo que muitas situações não são verdadeiras urgências; - acumulação de fluxo de pacientes sem haver uma diferenciação por nível de gravidade; - insatisfação dos utentes quanto ao desempenho dos técnicos de saúde; - exagero da área populacional que a urgência atende; - equipas pequenas. Verifica-se que no hospital os enfermeiros executam frequentemente actividades relativas ao cumprimento de prescrições médicas. Ou seja, as suas práticas, que decorrem da intersecção de vários contextos – o social, o do sujeito, o da profissão, o da acção (3), organizam-se segundo os turnos (manhã, tarde, noite) e consistem em procedimentos técnicos realizados em determinados períodos, o que oculta a função de enfermagem enquanto prestação continuada de cuidados cuja organização teria que ter em conta o paciente como finalidade do trabalho em enfermagem (4). Por outro lado, os enfermeiros são os principais responsáveis pelo controlo da disciplina dos serviços e pelo respeito à autoridade médica (5, 6). Deste modo, parece estar a ser relegado para segundo plano o seu papel psicossocial junto dos pacientes e famílias, ou até mesmo desvalorizado, principalmente o de informar sobre o estado de saúde e sobre os cuidados de enfermagem, uma vez que falar com os pacientes não será considerado como um trabalho real (1). Sabendo-se que a informação é essencial para a recuperação da saúde do paciente, estarão os enfermeiros a agir de modo a corresponder às suas necessidades de informação? 3 A INFORMAÇÃO NO HOSPITAL De acordo com vários autores, a informação dada durante o internamento hospitalar é um dos aspectos da prestação de cuidados de saúde com o qual os pacientes e suas famílias se encontram menos satisfeitos (7, 8, 9, 10, 11). As consequências desta insatisfação estão resumidas no quadro I. Quadro I –Efeitos da insatisfação com a informação recebida Consequências Autores Aumento da ansiedade e stress do Bull, 1992; Teasdale, 1993 paciente/família Aumento das re-admissões no Naylor, 1990; Williams, 1991; Closs & hospital Diminuição Tierney, 1993; Tierney et al., 1994 da capacidade de Waters, 1987; Derdiarian, 1989; Rakel, adaptação do paciente após a alta 1992 Diminuição da adesão do paciente Williams, 1991; Teasdale, 1993; Tierney ao tratamento et al., 1994 Fonte: Driscoll (2000) A pessoa hospitalizada vivencia sentimentos de isolamento, de dor e desconforto, de medo e desespero (9). A doença ou o internamento perturba a dinâmica familiar. A informação é muito importante nos momentos de grande incerteza e ansiedade, uma vez que pode ajudar o paciente a recuperar mais facilmente da doença e a ter controlo sobre a sua situação. Deveremos, então, dar à pessoa informação que a ajude a interpretar o que se passa, de forma a ser capaz de lidar com a situação. Dar informação ao paciente constitui, pois, uma das formas de lhe restituir a autonomia (7, 12, 13). De facto, estudos referidos por Driscoll (11), revelaram que quando a informação era aumentada, em quantidade e qualidade, se obtinham resultados positivos nos pacientes e nas suas famílias (quadro II). 4 Quadro II – Consequências da melhoria da informação Consequências Autores Aceitação, pelo paciente/família, da Karani & Wiltshaw, 1986; Cawley et al., responsabilidade pelos cuidados 1990; Hall & Carty, 1993 Melhor adaptação do paciente ao Derderian, 1989; Bull, 1992 domicílio Maior adesão do tratamento paciente ao Derderian, 1989; Cawley et al., 1990; Hall & Carty, 1993 Fonte: Driscoll (2000) Segundo Walsh & Walsh, a informação não é considerada pelos enfermeiros como um processo contínuo e sistemático (12). Um estudo realizado por Hostutler et al. num serviço de urgência revelou que os enfermeiros não estavam plenamente conscientes das necessidades dos pacientes e que, enquanto estes valorizavam a cortesia social, a compaixão e a informação adequada, aqueles atribuíam maior importância ao trabalho em equipa (14). Aliás, no hospital, e muito especialmente no serviço de urgência, a prestação de cuidados de saúde só é possível através da cooperação entre os diferentes membros. Esta competência colectiva1 depende da qualidade de interacções que se estabelecem entre as competências dos indivíduos (15). Parece, pois, que enfermeiros e pacientes têm percepções diferentes, inclusive sobre o valor da informação fornecida ao longo das trajectórias assistenciais. Por outras palavras, os profissionais de saúde avaliam a informação prestada em termos da doença e dos tipos de tratamento, enquanto que os pacientes atribuem à doença um significado psicossocial, nomeadamente no que se refere às suas implicações em termos de qualidade de vida, de sofrimento e de recuperação (9). Assim, é recomendável diminuir tais discrepâncias porquanto os cuidados de enfermagem são a dimensão mais importante da satisfação dos pacientes (16). 5 De facto, dar informação é um comportamento profissional importante e uma componente essencial do cuidar (17, 18). Cabe, pois, ao enfermeiro informar os pacientes e famílias para que estes possam tomar decisões com conhecimento e, ainda, considerar o direito do paciente a não saber se for esse o seu desejo. Deve dar-se toda a informação sobre os cuidados de enfermagem, os tratamentos a realizar, e obter o seu acordo, inclusive para as intervenções a realizar por indicação médica (13). Conclui-se que dar informação é uma responsabilidade do enfermeiro, não podendo este prestar cuidados de enfermagem sem informar os pacientes e famílias. Aliás, o Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (19) refere, no artigo 84.º, que o enfermeiro assume o dever de: a) informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de enfermagem; b) respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento informado; c) atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou explicação feito pelo indivíduo em matéria de cuidados de enfermagem; d) informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como sobre a maneira de os obter. CONCLUSÕES A informação é uma área crítica em termos de recuperação e manutenção da saúde, sobretudo ao nível da urgência hospitalar. É necessário identificar os modos de efectivamente a fornecer aos pacientes e incorporá-los no ambiente hospitalar, não esquecendo as necessidades de informação dos familiares (10, 20). Os enfermeiros devem ser capazes de informar, de modo contínuo e sistemático, os pacientes e famílias, tendo sempre em conta que há um tempo necessário para que ambos encontrem um significado para os acontecimentos vividos. 6 Notas 1 Segundo Le Boterf a competência colectiva forja-se através da experiência e do treino colectivo e caracteriza-se por: (a) uma representação comum de um problema, a qual pressupõe um referencial comum que se constrói com a experiência da equipa; (b) um “dialecto” específico que reforça a coesão da equipa; (c) um saber cooperar, o que implica saber escutar o ponto de vista do outro; (d) um saber aprender com a experiência, através da reflexão e da análise crítica dos factos. BIBLIOGRAFIA 1. GÂNDARA, M. & LOPES, M. A. Cuidar em enfermagem. Enfermagem em foco 1994 (116): 40-46. 2. BAPTISTA, M. & MOURO, C. Representações sociais das urgências hospitalares portuguesas. In RIBEIRO, J. et al. editores. 3.º Congresso nacional de Psicologia da Saúde – actas. 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