A gramaticalização dos verbos VOLTAR e TORNAR Trabalho no. 759 S1. Análisis de estructuras lingüísticas Marcia dos Santos Machado Vieira1 UFRJ/Brasil [email protected] [email protected] 1. Introdução: tema, objetivos e problemas Nesta comunicação, apresentam-se fatos sobre a gramaticalização dos verbos tornar e voltar, indicando alguns de seus valores gramaticais e o grau de gramaticalização já alcançado por cada item em cada valor e procurando evidenciar o que tais itens têm em comum. Em termos gerais, almeja-se (i) contribuir para o conhecimento e/ou o debate sobre os fenômenos de gramaticalização de verbos e polissemia lexical em âmbito teórico-científico e didático; e (ii) oferecer material para consulta mediante a documentação das extensões de sentido/uso dos verbos tornar e voltar concretizadas na variedade brasileira do Português. Especificamente, objetiva-se (i) desenvolver uma análise qualitativa de seus empregos, de modo a caracterizar seu comportamento multifuncional; (ii) investigar e explicitar aspectos formais e semântico-discursivos relativos à configuração e à categorização funcional de tornar e voltar em predicações nas quais apresentam sentido básico plenamente transparente e em predicações em que formam predicadores complexos; e, então, (iii) definir a cadeia de gramaticalização de tornar e voltar. Tornar e voltar apresentam extensões de sentido/uso lexicais e semi-gramaticais produtivas e integram construções que têm comportamento regular e, portanto, podem ser funcionalmente categorizadas. Entretanto, nem todas elas foram contempladas funcional e sistematicamente, sobretudo no âmbito de gramáticas escolares. Nestas, tornar(-se) é focalizado, em geral, como verbo “cópula/de ligação” ou “auxiliar (incoativo)”. No mais, é tratado como um verbo “principal (transitivo-predicativo)”, que, em algumas estruturas, pode até chegar a compor com elementos não-verbais unidades lexicalizadas/cristalizadas –, conforme registram obras lexicográficas, ao listarem tais estruturas entre “expressões idiomáticas”. Nas aulas de gramática, o verbo voltar é normalmente lembrado como um 1 Para apresentar esta comunicação no XV CONGRESO INTERNACIONAL DE LA ASOCIACIÓN DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGIA DE AMÉRICA, a autora contou com apoio da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). verbo auxiliar (aspectual). No mais, é tratado como verbo “principal”, com significação primária de “movimento do espaço geográfico”. Assume-se, nesta pesquisa, que há construções com tornar e voltar, além das tradicionalmente abordadas, que devem ser descritas e explicadas no âmbito da gramática e de seu vínculo com a funcionalidade discursivo-pragmática. O segundo problema liga-se à classificação comumente atribuída a certas extensões de uso/sentido de tornar e voltar 2, que não se aplicam exaustivamente aos dados de tornar e voltar concretizados em normas objetivas do Português justamente por não se pressupor, nesse processo de classificação, um continuum intercategorial, ou seja, a existência de graus intermediários e até superpostos entre as categorias prototípicas estipuladas. Crê-se que a questão possa ser devidamente explicitada com base na investigação dos fenômenos de gramaticalização e polissemia de tornar e voltar (manutenção, perdas e ganhos de traços formais, semânticos e/ou discursivos inerentes à transferência/superposição (sub)categorial – de Vpredicador a V(cópula-)suporte e/ou a V(semi-)auxiliar). Em virtude dessas observações, empreende-se a pesquisa da cadeia de gramaticalização de extensões de uso de tais verbos no âmbito do Projeto PREDICAR (Formação e expressão de predicados complexos: percepção e uso no Brasil e em Portugal), com base nas seguintes questões: (a) A que categorias os dados existentes na amostra analisada se vinculam, na cadeia de verbo predicador a verbo instrumental/gramatical? Que propriedades exibem? (b) Que parâmetros estruturais e semânticos levam à interpretação de que há entre os verbos tornar e voltar e certos elementos (verbais ou não-verbais) graus de integração responsáveis por delinear predicadores complexos? 2. Enfoque teórico-metodológico Primeiramente, constituiu-se um corpus de ocorrências de tornar e voltar com base na análise de textos orais (inquéritos de acervos dos projetos de pesquisa brasileiros NURC-RJ, APERJ e PEUL e do projeto luso-brasileiro VARPORT) e textos escritos (artigos de opinião (editoriais ou textos assinados), crônicas, notícias, anúncios, cartas de leitores de jornais) produzidos segundo o Português Brasileiro (PB). Pesquisaram-se algumas descrições sobre o comportamento de tal verbo em dicionários, gramáticas e compêndios escolares, de modo a 2 Entende-se, geralmente, que eles pertencem a uma das duas grandes classes verbais: a dos auxiliares ou a dos predicadores (principais/plenos). verificar em que medida o que tais obras estabelecem reflete o emprego efetivo de tornar e voltar no Português. No tratamento fundamentalmente qualitativo dos dados, procurou-se articular orientações relativas (i) à Gramática Funcional de linha holandesa (DIK, 1997), (ii) ao enfoque de gramaticalização de Hopper (1991) e Heine et alii (1991) e (iii) ao conceito de categorização (em redes de semelhança) de Taylor (1995). Procedeu-se ao estabelecimento dos tipos de organização de expressões lingüísticas com tornar e voltar registrados no corpus e à definição das (sub)categorias a que eles se relacionam, com base na análise de aspectos formais, semânticos e discursivo-pragmáticos (propósitos, implicações e condições de uso)3 . Uma vez identificadas as categorias gramaticais a que se vinculam as ocorrências desses itens verbais no corpus, procedeu-se à descrição e à explicação do comportamento instrumental de alguns de seus empregos, verificando-se (i) critérios de auxiliaridade e de formação de unidades complexas expostos em MACHADO VIEIRA (2004) e (ii) parâmetros de gramaticalização verbal. 3. Análise preliminar de predicações com TORNAR e VOLTAR Tornar e voltar constituem, no Português, itens polifuncionais, uma vez que, além de poderem ser empregados como verbos predicadores com significado básico de “movimento no espaço geográfico”, ocorrem com diversas nuances de sentido, vinculadas, com maior ou menor transparência, àquele significado e desempenham, mais ou menos nitidamente, papel instrumental na estruturação de predicadores complexos. O exame desses comportamentos (alguns dos quais indicados por obras lexicográficas a partir de exemplos e outros observados no corpus desta pesquisa) propiciou o estabelecimento de uma cadeia de gramaticalização comum às duas formas verbais com base na identificação, até o momento, destas categorias: verbo predicador pleno, verbo predicador não-pleno, verbo predicador a verbo-suporte (ocorrências de comportamento híbrido), verbo de ligação, verbo-suporte e verbo semiauxiliar. Ambos viabilizam a configuração de predicações com variadas estruturações, que partilham a noção básica de movimento/mudança4. Na verdade, identificam-se, no corpus, 3 Tendo em vista o eixo de estudo semântico-sintático adotado nesta pesquisa, considerar-se-á para a construção/identificação do sentido/uso de tornar e voltar a contribuição dessas unidades lingüísticas (com comportamento lexical ou (semi-)gramatical), da informação contextual (da predicação em que cada item ocorre e das expressões lingüísticas que se trocam antes ou depois de um ponto da interação) e da situação comunicativa/enunciativa. 4 Vale destacar que o elemento “torn-” tem origem no termo latino tornus,i (usado para designar “torno, máquina para tornear marfim, madeira etc.”) que, por sua vez, advém do termo grego tórnos ou ‘torno’, que significa “forma arredondada, curvatura, movimento circular). empregos desses verbos que servem à organização de predicações na base de seu uso como predicadores simples ou como componentes de predicadores complexos. 3.1 O comportamento de verbo predicador na estruturação de predicações: verbos plenos e/ou extensões de sentido (verbos não plenos) Como verbo predicador, tais verbos funcionam como núcleos lexicais da predicação: determinam a natureza sintática e semântica dos argumentos (número de argumentos, sua configuração de especificador ou complemento, o papel temático de cada um, suas propriedades quanto a traços como os de animacidade, controle, dinamismo). Podem estruturar enunciados com um, dois ou três argumentos5. Avaliando-se a produtividade de suas ocorrências na amostra de dados até então constituída, nota-se que falantes brasileiros recorrem a ambos itens verbais, mas mais freqüentemente a voltar. O número de dados voltar que se obteve, na consulta ao mesmo número de textos (por fonte de coleta), é expressivamente maior do que o de tornar. Ademais, observa-se que normalmente brasileiros recorrem a voltar para construir predicações com a idéia de movimento e não recorrem a tornar para isso. Utilizam-no em predicações nas quais ele compõe um predicador complexo (atuando como verbo semiauxiliar ou como verbo funcional mais próximo do domínio de verbo-suporte) ou em predicações nas quais ele é verbo predicador não pleno transitivo-predicativo ou nas quais atua como verbo cópula suporte (nos termos de DIK, 1997). Voltar, por sua vez, é empregado como verbo predicador pleno, verbo predicador não pleno (com diferentes extensões de sentido, como se constatará a seguir), verbo semi-auxiliar e até verbo funcional (com a aparência de “verbo-suporte”). 3.1.1 Predicações de movimento no espaço geográfico – AÇÃO (com emprego semelhante a regressar e volver) Tornar e voltar permitem, segundo obras lexicográficas, estruturar predicações com três argumentos (especificador que tem [+ ou – controle] do evento, locativo origem e locativo destino). No entanto, no corpus não se registra qualquer ocorrência dessa possibilidade de emprego de tornar. No Português Brasileiro, os usuários lançam mão do verbo voltar para organizar esse tipo de predicação. Em obras lexicográficas, há indicações de usos de tornar como as seguintes: “O bom filho à casa torna”, “tornou ao passado”, “os bons tempos tornaram” (reviver); “tornou o livro a seu dono” (restituir, devolver); “o diretor tornou o operário à fábrica” (reconduzir); “hoje não poderemos ir, tornou o marido” (replicar, responder, dizer como réplica ou explicação); “disse que não tornaria de sua decisão” (mudar de idéia/propósito, reconsiderar). 5 Exemplos com preenchimento dos dois argumentos internos (e do argumento externo) “... Los Angeles... Washington... e afinal fui parar em Los...ãh... foi... em Washington... Chicago... e fui... acabei parando em Los Angeles né...De Los Angeles eu voltei pra Nova Iorque e de Nova Iorque eu voltei pro Rio... pra o Rio de vez... e em mil novecentos e setenta e cinco pela Cultura Inglesa eu fui... passei um... um mês na Inglaterra... gostei muito... [PB oral, NURC, Inquérito 18, 3º grau completo, homem, C] Com mais freqüência no PB, recorre-se a tais itens para apresentar apenas um dos argumentos previstos na sua configuração básica de verbo predicador, como se visualiza nos enunciados imediatamente abaixo. Não é à toa que, em geral, tais verbos, quando entram na configuração de predicações de movimento de espaço geográfico, são descritos como predicadores de dois lugares. Exemplos com preenchimento de um dos argumentos internos “Acabou, ficou um ano aqui, voltou para Paris, deram-lhe logo uma festa de volta e, e perguntaram o que ele tinha achado do Rio de Janeiro. Ele disse: ah, quando ficar pronta, vai ser uma cidade muito bonita! (risos) [PB oral, NURC, inquérito 347, 3º grau completo, mulher, C] “Após o julgamento de um recuso, o processo voltou à vara para início do procedimento de liquidação da sentença (...)” [PB escrito, Jornal “Extra”, “Advogado deve levantar os valores devidos ao leitor”, Luis Claudio Cabral, 07 de agosto de 2007, pág. 2] LOC. - não... lá não tem cinema... não tem teatro... a cidade mais próxima que é Três Corações...o cinema virou Igreja Universal... aí pra ir ao cinema a gente tinha que ir à Varginha mas são quarenta quilômetros de Cambuquira da Varginha... então não é... não era sempre que dava pra ir né... porque é longe... depois você voltar de lá à noite dirigindo... a estrada não é muito boa... não é bem sinalizada... né...aí não... era difícil a gente ir... pra falar a verdade... eu acho que eu nunca fui ao cinema em Varginha... morei lá cinco anos e acho que nunca fui ao cinema lá... . [PB oral, NURC, inquérito 15, 3º grau completo, mulher, A] Ou ainda, recorre-se a tornar e voltar com o intuito de explicitar apenas o argumento externo, omitindo-se seus argumentos internos. Exemplos sem preenchimento dos argumentos internos “LOC. - O ônibus, eu acho que o ônibus peca, né, por esse sistema caótico que tá esse trânsito aqui... E outros serviços, de transporte como é que é? Todo dia tem engarrafamento na Tijuca, independente de: Ah, horário de escola! Não, agora eu saí, quando eu voltei, eu peguei engarrafamento, né, então, não tem essa. Um sinal quebra, dançou, né. [PB oral, NURC, inquérito 02, 3º grau completo, mulher, A] 3.1.2 Predicações de movimento no espaço temporal – AÇÃO (com emprego semelhante a regressar e volver; reviver) “Já que ser humano é isso, então porque não voltamos aos tempos do olho por olho, dente por dente?” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Caso Isabella”, Sandra Maria Guimarães, 17 de abril de 2008, pág. 6] “Voltamos no tempo e recordamos o enorme tempo perdido com brigas políticas dos governos Federal, Estadual e Municipal.” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “E o Pan?”, Antônio Maria Filho e Jorge Luiz Rodrigues, Esportes, 30 de junho de 2007, pág. 44] “Ah, isso é claro. Achá que todos ganham bem é lógico que é uma ilusão, por isso eu vou voltá ao que eu já te disse mais atrás, você tem que tentá ser um dos melhores.” [PB oral, PEUL, 13 Gla, Ensino Médio, homem, A] Exemplo entre 3.1.2 e 31.3? 3.1.3 Predicações de movimento (transferencial) de meta – AÇÃO (com emprego semelhante a restituir, devolver; replicar, responder) “E há a urgência de que o poder público volte suas forças também para o combate a essa faceta da violência carioca (...)” [PB escrito, Jornal “Extra”, 03 de agosto de 2007, pág. 04] “Como é possível que a nossa boa e velha ideologia se volte com tanta força contra nós, fazendo com que um lado capital de nossas vidas se massacre torne com as dores de dente, nossa inimiga?” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Batendo de frente com o mundo”, Roberto da Matta, Opinião, 20 de junho de 2007, pág. 07] 3.1.4 Predicações de movimento de um lugar no espaço ou no tempo a outro – PROCESSO DE MUDANÇA DE ESPAÇO (com significado equivalente a (re)conduzir, (re)direcionar) “Ao contrário do que aconteceu durante a ECO-92, quando as forças de segurança voltaram os seus tanques para as favelas, o projeto para o Pan integra a comunidade” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Herança do Pan”, Orlando Silva JR., “Opinião”, 18 de junho de 2007, pág. 07] 3.1.5 Predicações de movimento de uma condição/situação a outra – PROCESSO DE MUDANÇA DE ESTADO/CONDIÇÃO “LOC. - tem... as pessoas eu acho que... têm que se alimentar melhor... né? comidas saudáveis... comida pra fortificar... fortificar... porque hoje em dia tem muita gente que../ a pneumonia voltou... não sei se você sabe.... (?) aí muito caso de pneumonia...né? tem que se... a pessoa tem que se alimentar bem... se não se alimentar... como é que vai ser? [PB oral, NURC, inquérito 14, 3º grau completo, homem, B] (VOLTAR ≈ MANIFESTAR-SE NOVAMENTE) “Muita violência, né? E: agora, eu acredito que nunca vai acabá. (est) Eu acredito, né? Mesmo se o mundo – só se o mundo acabá, né? E voltá tudo de novo (est). Mas eu acredito que se o mundo nunca mais acabá – eu acredito que o mundo vai acabá assim quando morre, tanto é que surgiu a Primeira Guerra e a Segunda Guerra e continua a vida (est), não é isso?” [PB oral, PEUL, 19 Jor, Fundamental 2, homem, B] (VOLTAR ≈ MANIFESTAR-SE NOVAMENTE) “Doc."v" da vitória? INF. - . É, aquelas fitinhas verde-amarela junto à foto dele em tudo que era canto, tudo isso já fazia parte de uma educação voltada pra manutenção do regime, entendeu? Então, os estudantes e sempre os estudantes sofria essa lavagem cerebral vivia intensamente a coisa, né? Agora, eu na época fazia o que? Primeiro ano primeiro ano primário, segundo, sei lá, nem me recordo... [PB oral, NURC, Inquérito 28, 3º grau completo, homem, C] (VOLTAR ≈ DIRECIONAR, DIRIGIR) “A atitude dos réus, desde o início, foi voltada para interferir na apuração dos fatos, em prejuízo da verdade real: (...)” [PB escrito, Jornal “O globo”, “ Seis PMs denunciados por morte de rodoviário”, “Rio”, 19 de outubro de 2006, pág. 23] (VOLTAR ≈ DIRECIONAR, DIRIGIR) “As atenções estão voltadas, principalmente, para os pequenos aviões vindos da Colômbia e do Peru, países apontados como produtores de cocaína.” [PB escrito, Jornal “Extra”, “Ordem de abate vem da Aeronáutica”, “Geral”, 13 de abril de 2008, pág. 23] (VOLTAR ≈ DIRECIONAR, DIRIGIR) “No seu argumento, o presidente Roberts voltou-se explicitamente para a letra e o espírito de Brown versus Board of Education.” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Nós, o povo”, Demétrio Magnoli, Opinião, 1 de Junho de 2007, pág. 07] (DIRECIONAR-SE; DIRIGIR-SE) “DOC. . E aí, você decidiu fazer o que depois? INF. - . Não, depois eu voltei ao meu curso científico, foi quando eu saí, terminado o ano, eu me matriculei de novo no colégio, lá no Colégio Cardeal Leme, né? E recomecei o meu curso científico e lá já estava em plena adolescência. Aí já começa namoros, já começa outra coisa, aí já é outra coisa, né? Já começa uma vida diferente, foi quando eu inclusive criei um jornalzinho. Era um jornalzinho todo manuscrito. [PB oral, NURC, Inquérito 28, 3º grau completo, homem, C] (VOLTAR ≈ RETOMAR; REESTABELECER UM VÍNCULO) “É, já teve...já teve no Vasco, aí depois foi [pro]...pro, foi pra fora, voltou pro Flamengo, aí saiu, voltou pro Vasco agora.” [PB oral, PEUL, 06 Ale, Fundamental 1, homem, A] (VOLTAR ≈ REATAR; REESTABELECER UM VÍNCULO) “Voltaram! Apertaram a mão e tudo... (pausa)” [PB oral, PEUL, 05 And, Fundamental 1, homem, A] (VOLTAR ≈ REATAR; REESTABELECER UM VÍNCULO) Observou-se que o corpus oral é bem mais rico de exemplos de verbo predicador voltar do que o corpus escrito. Entre estes, há expressivo emprego de predicações de movimento no espaço geográfico (cf. item 3.1.1) e de predicações de movimento/mudança de uma condição a outra (cf. este item). 3.1.6 Predicações de movimento de uma meta de uma condição a outra, predicações resultativas (com ênfase no valor causativo do especificador): emprego transitivopredicativo de tornar (semelhante a efetuar a conversão de algo, fazer, transformar, mudar; verter, trasladar) – PROCESSO DE MUDANÇA DE ESTADO (de uma meta em um resultado) 3.1.6.1 No domínio de verbo predicador não-pleno “Foi substituído por Fabio que, mesmo sem brilhar, tornou o time mais ofensivo.” [PB escrito, Jornal O Globo, “Vitória alvinegra pelas mãos não só de Geninho”, “Esportes”, 9 de junho de 2008, página 5] “O aquecimento de negócios no setor educacional é visto com reservas pelo Ministério da educação. Para o secretário de Educação Superior do MEC Ronaldo Mota, a principal preocupação é não tornar a movimentação no setor uma “mercadoria comum”.” [PB escrito, Jornal O Globo, “Crescem os processos de fusões e aquisições no setor de educação”, “Economia”, 1 de junho de 2008, página 39] 3.1.6.2 No continuum de verbo predicador a verbo funcional (cf. item 3.3), porém mais próximo do domínio-fonte de verbo predicador “A de Copacabana tem aquela curva natural que é uma beleza. Essa obra toda que fizeram alargando a praia eu acho que tornou a praia muito mais bonita, muito mais confortável. Bom, é um, um, um bairro onde você encontra de um tudo, com toda facilidade, muito comércio, o comércio me... melhor está aqui em Copacabana, todas as casas da cidade, as grandes casas acabaram transferindo pra cá e hoje em dia, eh, as matrizes foram ficando esquecidas e as filiais vão tendo cada vez um desenvolvimento maior.” [PB oral, NURC, inq. 140 – Cidade e Comércio, feminino, faixa A (26 anos), 27 de novembro de 1973] EMBELEZOU MUITO MAIS...? Em muitas predicações (cf. exemplos no item 3.1.6.1), tornar vincula-se claramente à categoria de verbo predicador não pleno. Já em certas construções, tornar flutua entre ser interpretado como verbo predicador não pleno e ser interpretado como uma espécie de verbo funcional que mantém, semanticamente, certa integração com um elemento não-verbal. Essa integração semântica pode ser percebida pela possibilidade de se parafrasear toda a “expressão” por um verbo simples equivalente, como ocorre no exemplo abaixo, em que se apreende mais nitidamente essa integração. “O ministro Nelson Jobim disse que não se sentiu atacado. Afirmou que apóia e ajudou a articular a criação da frente para tornar mais ampla a atuação da bancada da Amazônia no Congresso.” [PB escrito, Jornal O Globo, “Militares apóiam criação de frente parlamentar na Câmara”, “O País”, 28 de maio de 2008, página 9] AMPLIAR 3.2 O comportamento de verbo semi-auxiliar na composição de perífrases verbais Junto a verbo (ou, ainda, a complexo verbal ou verbo-nominal) no infinitivo antecedido da preposição “a”, cumpre o papel de indicar a repetição ou a retomada e a continuação do estado de coisas expresso por essa forma verbal no infinitivo e, assim, de denotar “aspecto incoativo”. “a sugestão é uma publicidade... se um... se um professor numa sala de aula começa a falar em determinados pontos... fala hoje... amanhã ele dá a aula dele... ele dá um momentinho... ele torna a... a enfiar aquele assunto na cabeça do aluno... ele está preparando o ambiente... seja pra o que for... seja pra adorar a Deus ou seja pra... pra ir fazer revolução nas ruas... não é? depende muito da... da... da informação... muito da publicidade... porque a publicidade envolve comunicação... informação... envolve isso tudo... chega... né? ou você ainda quer mais?” [PB oral, NURC, inq. 373 – Dinheiro, banco, finanças, feminino, faixa C (58 anos), 02 de março de 1978] “F- Ah, ele ficou! Diz que ele ficou alegre, ficou maluco: "Ah, meu Deus! Como eu vou poder ver mais?" Aí, ("disse"): "Ah, o negócio agora, só escondido mesmo!" Aí, foi passando, passando, passando, quando foi um tempo, ele tornou a aparecer em Paquetá. Aí, ele passa nos cavalo, aí, eu estou brincando ali no meio dos garoto, não é? O meu tio era o meu babá, foi meu babá até sete ano. (est) (inint) (risos) Apanhava por causa de mim, à beça! Ele foi chamou: "Vem cá! Vem cá! [PB oral, PEUL, inq. 12, 12 Nil, Fundamental 1] “No dia seguinte, em entrevista no GLOBO, Crivella voltou a atacar Cabral.” [PB escrito, Jornal “O globo”, “ 'Podemos dar o troco nas urnas', diz grupo gay”, “O País”, 6 de outubro de 2006, pág. 11] O texto, escrito em papel de caderno, estava num envelope com a seguinte indicação: "É para você". Os bandidos voltaram a fazer ameaças de morte contra o prefeito Mandiocão e outras pessoas: "Nós vamos voltar para terminar o trabalhos (SIC) de matar o prefeito José Luis (sic) e os demais que nos prejudicou (sic)".” [PB escrito, Jornal “extra”, “Prefeito de Rio Bonito é vítima de ameaças”, “Geral”, 12 de agosto de 2007, pág. 20] “Justiça também solta o pai da menina, mas promotor volta a fazer acusações contra o casal.” [PB escrito, Jornal “Extra”, “Madrasta de Isabella sai da prisão e desabafa: 'não sou assassina'”, “Capa”, 12 de abril de 2008, pág. 1] Considerando os parâmetros de auxiliaridade descritos em MACHADO VIEIRA (2004) na análise dos dados do corpus, categorizam-se voltar e tornar como verbos semi-auxiliares aspectuais (acurativos). Ainda que se especializem na indicação de determinado matiz semântico (a reiteração de um evento) e sejam recursos produtivamente empregados na língua portuguesa em uso, revelam propriedades que os afastam da configuração de propriedades tipicamente associada a um verbo auxiliar (mais gramatical). Eis algumas delas. Não se identifica o mesmo grau de desgaste semântico a que chegam verbos mais auxiliares (por exemplo, “ter” em estruturas de tempo composto). Apesar do papel instrumental que assumem na estruturação de predicadores complexos verbais e do valor aspectual que traduzem, mantêm traços de seu valor lexical (a idéia de movimento). Há também uma preposição entre o verbo de comportamento instrumental e a forma verbal auxiliada, que, embora tenha baixo peso fonético-fonológico (pouca quantidade de material), colabora para a menor integração desses elementos. Considere-se ainda a possibilidade de um advérbio de negação operar sobre a forma verbal auxiliada (por exemplo, “...ele tornou a NÃO aparecer em Paquetá...” ou “...os bandidos voltaram a NÃO fazer ameças...”), quando o esperado em casos de maior auxiliaridade é que opere sobre todo o complexo. 3.3 O comportamento de verbo funcional na configuração de predicações 3.3.1 Tornar e voltar: verbos-suporte de elemento não-verbal na formação de predicadores complexos? Identificam-se construções (como, por exemplo, “tornar/voltar a si”) em que tornar e voltar revelam um comportamento que é mais propriamente caracterizado como vinculado a uma categoria híbrida entre as de Vpredicador não-pleno e a Vsuporte: comportamento de verbo predicador a verbo-suporte. Podem ser interpretados como componentes de uma perífrase verbo-nominal constituída de tornar e voltar e elemento não-verbal, à semelhança de predicadores resultantes da regra de formação de predicadores complexos (DIK, 1997): {Verbo-suporte [elemento não-verbal] }Predicador Complexo (Arg1) ... (Argn) [(Argn) 0]6 O verbo-suporte – ou “operandum auxiliar de verbalização de elemento não-verbal” (MACHADO VIEIRA, 2001) – opera sobre um elemento não-verbal com a função de lhe conferir papel predicante ou, em certos casos, atualizar sua função predicante7. Portanto, o verbo-suporte partilha com o elemento não-verbal a função de atribuir papel temático ao(s) argumento(s) do predicador complexo. A força léxico-semântica do predicador resultante dessa operação está no componente não-verbal, o principal responsável pela definição do estado de coisas expresso. Em muitos casos, é possível substituir a perífrase verbo-nominal por um predicador simples semanticamente equivalente (cognato ou não ao elemento não-verbal). Vejam-se exemplos: “Estava iniciando [a minha]- a minha carreira. mas com dezessete me tornei profissional lá no São Cristóvão mesmo. Daí, os clubes muito interessado na minha contratação, mas assim mesmo eu joguei no São Cristóvão até mil novecentos e quarenta e seis.” [PB oral, PEUL, inq. 14, 14 Man., Fundamental 2] PROFISSIONALIZEI “Os jogadores sabem que tornar o problema público só agravaria a situação.” [PB escrito, notícia esportiva, Jornal Extra, “O problema é no bolso”, Jogo Extra, 11 de outubro de 2006, página 12] DIVULGAR “O meia, porém, sente-se prejudicado entrando no decorrer das partidas, o que tornaria inviável sua presença na reserva.” [PB escrito, notícia esportiva, Jornal Extra, “Com o prestígio em baixa”, Jogo Extra, 12 de outubro de 2006, página 4] 6 INVIABILIZARIA (Argn) é o número de argumentos do predicador complexo que pode ser maior ou igual a zero. Esse é o caso de nomes predicadores (nomes deverbais como, por exemplo, “comparação”, “preocupação”), cujas funções são respectivamente: referencial (função primária) e predicante (função secundária). 7 “:... pra tornar:: ah:: - tanto que ele/ele/ele mora aqui - pra tornar a nossa vida melhor né eu sei que... ele faz tudo meio atrapalhado mas eu... eu acho que ele... ele tá tentando né... ele não tá tentando destruir a cidade ele tá tentando melhorar como nenhum outro fez né? ele tá tentando... né ele é um cara corajoso... não sei.” [PB oral, NURC, inq. 25 – Cidade e Comércio, feminino, faixa A (26 anos), 20 de agosto de 1996] MELHORAR “- Estou realmente feliz. Meus sonhos se tornaram realidade. O mar baixou e não era o dia perfeito para realizar a final, mas mesmo assim estou muito feliz.” [PB escrito, Jornal O Globo, “O brasileiro que quebra campeões”, “Esportes”, 17 de maio de 2008, página 46] REALIZARAM-SE / CONCRETIZARAM-SE “Segundo o comandante do grupamento dos Bombeiros da Penha, tenente - coronel Sérgio Ângelo da Rocha, as pessoas atendidas na tenda na hora do confronto foram concentradas numa área próxima a um muro, mais protegida. Depois de meia hora, o atendimento voltou ao normal.” [PB escrito, notícia “trágica”, Jornal “O globo”, “Confronto em favela leva pânico a tenda”, 2008, pág. 13] NORMALIZOU-SE / REESTABELECEU-SE “Rio”, 17 de abril de “Perguntado se voltaria atrás na decisão de retirar seu apoio a Alckmin, a candidata disse que só falaria após a reunião com Freire.” [PB escrito, Jornal “O globo”, “ Pressionada, Frosard recua de voto nulo”, “O País”, 6 de outubro de 2006, pág. 12] (MUDAR; DESISTIR) “O Pan acabou e é hora de voltar à realidade” [PB escrito, Jornal “Extra”, “Nem tudo foram flores”, Berenice Seara, 31 de julho de 2007, pág. 04] (PARAR DE SONHAR/TER ILUSÃO) “O tema, naturalmente, voltou à tona por conta do “imperador” Adriano.” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Pés x Cabeça”, Renato Maurício Prado, Esportes, 04 de março de 2008, pág. 30] (REAPARECER) Em todos os exemplos supracitados, as estruturas formadas por tornar e voltar podem ser interpretadas à semelhança do se faz em relação a construções com fazer e dar (que muito freqüentemente servem à formação de predicadores complexos, tais como “fazer ameaças” e “fazer acusações” empregadas em exemplos anteriores). É interessante observar um exemplo que permite acentuar a diferença entre o uso predicante (“movimento no espaço geográfico”) e esse uso semi-gramatical de voltar (“movimento” de retrocesso para apresentar um estado de coisas): “não ... o barco tem mais segurança ... que madeira ruim : qualquer marzinho aí que a gente pega abre o barco aí tem que voltar pra trás” [PB oral, APERJ, FST-144-A-1 , semi- alfabetizado, homem, A, linha 204] “Deflagrado o choque entre controladores e comando da Aeronáutica, a partir do acidente com o avião da Gol, errou ainda o governo, por causa do seu viés sindicalista, ao, num primeiro momento desautorizar a hierarquia militar do setor. Voltou atrás, mas já era tarde.” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Caos sem fim”, opinião, 23 de junho de 2007, pág. 06] No corpus, registram-se algumas ocorrências da expressão “voltar atrás”, “voltar ao normal”, “voltar à realidade” que, em todos os casos, tem estruturação (relativamente) fixa – sem qualquer elemento interveniente ou alteração de ordem –, comporta-se como uma unidade de sentido (um complexo verbal). Também há casos como os listados abaixo em que se nota maior grau de lexicalização, visto que, além dessas características e da possibilidade de corresponder semanticamente a um verbo pleno, se observa o seguinte: a fossilização da estrutura, maior grau de opacidade semântica dos seus componentes e congelamento semântico destes num bloco semântico em razão do grau idiomaticidade da expressão. “Sua última manobra falhou e tudo voltou à estaca zero, o que significa que passará novamente por todo um processo de investigação das provas que apresentou em sua defesa.” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Não arredarei o pé”, Roberto Carlos de Abissinia Imperio, 05 de junho de 2007, pág. 6] “Mas, voltando à vaca fria, quer dizer, às notas frias.” [PB escrito, Jornal “O Globo”, “Boi do senador Renan Calheiros”, Agamenon, segundo caderno, 24 de Junho de 2007, pág. 08] 3.3.2 Tornar na configuração de predicações resultativas: predicações sem valor causativo (com ênfase no valor resultativo); verbo no domínio de verbo cópula (suporte) (DIK, 1997) Também designado, na literatura lingüística, como predicativo, essa extensão de sentido/uso de tornar (tornar-se) é muito produtiva no corpus, principalmente em textos jornalísticos. Esse tipo de uso funcional do verbo tem significado semelhante ao de ficar, fazer-se, transformar-se, converter-se, redundar, passar a ser. Relaciona-se a elementos não-verbais que ou têm função atributiva (elementos de base adjetival) ou interpretação atributiva e que, mediante a atuação de um verbo funcional, passam a ser o núcleo semântico da predicação. Além da idéia básica de processo de mudança, ao verbo cabe sinalizar, principalmente, o comportamento gramatical de oração da estrutura sintagmática resultante. “É dessa época também seu emocionante exemplo de superação, ao vencer uma contusão terrível e se tornar depois a maior estrela da conquista da Copa de 2002.” [PB escrito, Jornal O Globo, “Só Ronaldo salva Ronaldo”, “opinião”, Mário Rosa, 10 de maio de 2008, página 7] “É, depende, é depende da escola né, eu gostava muito da escola, do S. José eu gostava muito. Até foi um “baque” quando eu entrei pra escola Técnica porque foi uma mudança muito grande assim né, me tornei um pouco mais independente porque, é, depois tive que estudar à noite, então existem algumas coisas que mudaram né, quer dizer, também já tava, já era burro velho né, então.” [PB oral, NURC, inq. 01 – Instituições, ensino e igreja; feminino; faixa A (32 anos), 28 de abril de 1992] “Em desvantagem, as americanas se tornaram presas ainda mais fáceis para o rápido toque de bola brasileiro.” [PB escrito, Jornal Extra, “Anjo de asas douradas”, Jogo Extra, 27 de julho de 2007, página 4] De acordo com Dik (1997), elementos não-verbais com interpretação atributiva, que compõem geralmente enunciados que exprimem estado (estado de coisas [- controlado] e [dinâmico]), podem ter papel predicante sob a operação de um verbo cópula (suporte). Assim, para apresentar uma relação de predicação entre um constituinte não-verbal com interpretação atributiva e seu argumento especificador, o falante conta, entre outros recursos, com tornar-se, um verbo funcional.. 4. O continuum de gramaticalização de TORNAR e VOLTAR Tendo em vista o parâmetro de divergência (HOPPER, 1991), pode-se observar que tais verbos têm extensões de uso/sentido que pertencem a diferentes categorias: lexicais, de verbo predicador pleno e/ou verbo predicador não-pleno; léxico-gramatical, de verbo predicador a verbo-suporte (uma espécie de “verbo leve”); gramatical, de verbo semi-auxiliar aspectual. O processo de gramaticalização é responsável pela transferência categorial de tornar e voltar do domínio-fonte de predicador. O sentido de movimento da categoria fonte modifica-se ao longo desse processo: tais verbo portam desde um sentido mais próximo ao significado básico até um sentido mais afastado dele. Concretiza-se, em algumas extensões, o parâmetro da assimetria entre forma e significado, haja vista o fato de que, à medida que o processo de gramaticalização se desenrola, tais verbos tornam-se polissêmicos. O fato de uma determinada extensão de sentido/uso ser empregada mais produtivamente no uso do Português (como é o caso de voltar seguido de predicador no infinitivo ou de tornar-se seguido de termo com função atributiva) propicia contexto para a dessemantização desses verbos, que é um dos fatores que promove a mudança categorial (para verbo de comportamento gramatical, (i) semi-auxiliar e (ii) próximo de verbo-suporte). Tais verbos, principalmente tornar, deixam de representar o núcleo lexical e estrutural da predicação, ligam-se a outro elemento (verbal ou não-verbal) e especializam-se: (i) na função de sinalizar informação aspectual no estado de coisas descrito ou (ii) de formar predicadores complexos, verbalizando elementos não-verbais, ou seja, conferindo-lhes função predicante ou atualizando este potencial funcional. De qualquer modo, persiste a noção geral de movimento/mudança (cf. parâmetro de persistência) em todos os domínios. Tendo em vista o parâmetro de estratificação, observa-se que, no Português, tornar e voltar ocorrem, em um mesmo domínio funcional, como alternativas de que o falante pode lançar mão para a expressão da categoria gramatical de aspecto (incoativo) e coexistem com recursos alternativos, os morfemas formadores de verbo (“-ar”, “-ear”, “-izar”, “-ficar”; sem ou com sufixo derivacional)8, na formação de predicadores verbo-nominais. 5. Observação final A pesquisa sobre a gramaticalização de tornar e voltar ainda está em andamento. De qualquer modo, com os resultados obtidos até o momento, já é possível confirmar o caráter multifuncional dos verbos em estudo, delinear a cadeia de gramaticalização de tais itens no Português Brasileiro e projetar novas frentes de trabalho com relação ao tema. Prevê-se, entre outros rumos, os seguintes: (i) a ampliação da amostra de estudo, recorrendo-se à coleta de mais dados do Português Brasileiro, bem como à pesquisa e ao levantamento de dados no Português Europeu; (ii) a reanálise de parâmetros de gramaticalização aqui considerados com base na dimensão subjetiva de usuários da língua, recorrendo-se a experimentos para a depreensão das percepções e interpretações dos falantes quanto a propriedades vinculadas a certas extensões de sentido/uso de tornar e voltar. 6. Referências bibliográficas DIK, Simon C. (1997) Theory of Functional Grammar. Editado por Kees Hengeveld. Berlin: Mounton de Gruyter. 2 v. HEINE, Bernd et alii (1991) Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago: University of Chicago Press. HOPPER, Paul J. (1991). On some principles of grammaticalization. In: TRAUGOTT, E. C. e HEINE, B. (eds.). Approaches to grammaticalization. Volume I, Philadelphia, John Benjamins Company. MACHADO VIEIRA, Marcia dos S. (2001) Sintaxe e semântica de predicados com verbo fazer. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, UFRJ. Tese de Doutorado. ______ (2004) Perífrases verbais: o tratamento da auxiliaridade. In: VIEIRA, S. & BRANDÃO, S. (orgs.) Morfossintaxe e ensino de Português: reflexões e propostas. Rio de Janeiro: In-Fólio. P. 65-96. TAYLOR, John R. (1995) Linguistic categorization: prototypes in linguistic theory. 2. ed. Oxford: Calderon Press. [1989] 8 Por exemplo: tornar melhor/melhorar; normal/normalizar. tornar claro/clarear, aclarar; tornar líquido/liqüidificar; voltar ao