Dornbusch, Rudiger. “O México depois do PRI”. São Paulo: Folha de São Paulo, 23 de julho de 2000. O México depois do PRI RUDIGER DORNBUSCH Crédito a quem o merece: o presidente do México, Ernesto Zedillo, ofereceu tanto a abertura política quanto a estabilidade econômica que tornaram possível a chegada da democracia plena ao seu país. Até o último momento, havia um certo medo de que o PRI (Partido Revolucionário Institucional) roubasse a eleição. Afinal, foi o que o PRI fez durante 71 anos para reter o poder e a sua capacidade de saquear o Estado. Mas não agora. Um candidato de oposição conquistou uma vitória convincente e um recomeço geral para as instituições do país. O México vem se saindo bem o suficiente, em termos econômicos, para ter a coragem de mudar. Agora vem a parte difícil. O presidente eleito, Vicente Fox, não tem muita experiência, equipe nem agenda -a não ser derrubar o PRI. É mais fácil vencer eleições do que governar. A tarefa do governo será ainda mais difícil porque, sob uma democracia real, a gestão da economia fica mais complicada, já que compromissos se tornam necessários, controlar o Orçamento é mais trabalhoso e é tentador avançar por atalhos. Os mercados de capitais, depois de um primeiro momento de entusiasmo pela chegada do México ao clube das democracias plenas, começarão a fazer perguntas difíceis. O presidente Fox deve introduzir mudanças abrangentes ou optar por uma estratégia de seguir as linhas atuais, não tão ruins. Pode manter os tecnocratas governantes, enunciar posições favoráveis ao livre mercado, simplesmente empurrar com a barriga. -------------------------------------------------------------------------------A adoção de uma âncora cambial, ou mesmo além, da plena dolarização, eliminaria a crônica instabilidade mexicana -------------------------------------------------------------------------------Mas há uma solução miraculosa que ele pode adotar e que pode mudar o México dramaticamente: uma âncora cambial. A adoção de um sistema de âncora, ou ainda além, da plena dolarização da economia, eliminaria a crônica instabilidade monetária mexicana. A taxa de câmbio desapareceria e o México seria quase como o Texas ou Nova Jersey em suas relações com o dólar. Abolir o Banco Central mexicano -que funciona relativamente bem, mas tem um passado tenebroso- e vincular o peso ao dólar traria uma queda dramática nas taxas de juros, um boom no preço dos ativos e uma virada rumo a uma taxa de crescimento significativa no médio prazo. Não existe outra maneira de o México garantir esses benefícios no curto prazo. A experiência européia com a convergência monetária (o prelúdio para o lançamento do euro) sugere que demora mais de uma década para que países de mau desempenho financeiro comecem a construir credibilidade. Não há motivo para que o México tenha um histórico melhor do que, digamos, os de Espanha, Portugal, Itália ou Grécia. O México precisa urgentemente de um período de alto crescimento sustentado para começar a fazer avanços contra a pobreza endêmica. Se isso não acontecer, a esquerda chegará ao poder e reverterá anos de reforma e progresso. Uma âncora cambial também ajudaria a iniciar a intermediação financeira em benefício das empresas de pequeno e médio porte, que vivem desprovidas de capital devido ao histórico de crises e de problemas de crédito. Empresas de pequeno e médio porte precisam começar a se tornar parte do capitalismo. A economia mexicana teve alguns bons anos recentemente, o que não foi muito difícil de conseguir devido ao boom ocorrido nos EUA e à grande liquidez nos mercados mundiais de capitais. A habilidade do México na reconstrução da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), o que aumentou o valor das exportações de petróleo do país, contribuiu para o bom desempenho, bem como a determinação do país em manter firmes e até ampliar as reformas instituídas pelo predecessor de Zedillo, o presidente Salinas. No ano que vem, o México precisa contar com um ambiente externo mais exigente à medida que o crédito se tornar mais seletivo e a economia norte-americana desacelerar. Esse é o novo jogo que Fox precisará jogar, da mesma maneira que precisará demonstrar mais habilidade em política interna do que o PRI demonstrou. Há bons motivos para que Fox demarque uma posição na frente cambial para eliminar as incertezas. O México poupa pouco, mas suas necessidades de investimento são imensas. Isso implica déficits em conta corrente que precisarão ser financiados. Investimentos dos EUA e da Europa são a resposta óbvia. A única questão é como aproveitar melhor sua localização, para que o dinheiro chegue com mais facilidade. A resposta é tornar o México muito mais parecido com os EUA em tudo o que se relaciona à economia. A mais proeminente dentre essas questões é a plena integração financeira e comercial. O Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio) está cumprindo seu papel, mas a parte financeira continua em aberto. A plena integração cambial, em base duradoura, é a chave para concluir a audaz abertura comercial que já está produzindo maravilhosos resultados econômicos no norte do México. Uma âncora cambial não é uma panacéia, mas uma ferramenta poderosa, que dará ao novo governo Fox a oportunidade de realizar um salto quântico de progresso quanto às perspectivas econômicas mexicanas. Diante desse cenário, Fox terá a chance de expulsar o governo de sua posição de controle sufocante sobre diversas áreas da economia, reduzindo o mau desempenho e a corrupção. Uma âncora cambial é, em última análise, um poderoso complemento para o reforço da democracia, oferecendo uma forte brisa de prosperidade para impulsioná-la. ------------------------------Rudiger Dornbusch, 58, economista, é professor de economia no MIT (Massachussets Institute of Technology). Foi chefe da assessoria econômica do FMI e do Banco Mundial.